Parecer no:

 

MPTC/5.588/2010

                       

 

 

Processo nº:

 

PCP 10/00176492

 

 

 

Origem:

 

Município de Ascurra – SC

 

 

 

Assunto:

 

Prestação de Contas realizada pelo Prefeito, referente ao exercício financeiro de 2009.

 

 

Trata-se de Prestação de Contas efetuada pelo Chefe do Poder Executivo do Município em epígrafe, consoante regra da Constituição Estadual, art. 113, § 1º.

Foram juntados os documentos relativos à prestação de contas em comento nas fls. 02-315.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório Técnico de fls. 316-354, consignando remanescentes as seguintes irregularidades:

I – A. Restrições de ordem legal:

I.A.1. Abertura de crédito adicional após o 1º trimestre de 2009 e não caracterização da realização da despesa com o saldo remanescente dos recursos do FUNDEB do exercício de 2008 (R$ 8.746,63), em descumprimento ao art. 21, § 2º da Lei Federal nº 11.494/2007;

I.A.2. Meta Fiscal de Resultado Primário prevista na LDO, em conformidade com a L.C. nº 101/2000, art. 4º, § 1º e art. 9º, não alcançada, em desacordo à Lei Municipal nº 1109/2008 – LDO;

I.A.3. Remessa irregular das informações relativas às alterações orçamentárias realizadas no exercício de 2009, por meio do sistema e-Sfinge, em afronta aos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 202/2000, c/c a Instrução Normativa nº TC-04/2004, alterada pela Instrução Normativa nº TC-01/2005;

I.A.4. Ausência de informação no Sistema e-Sfinge dos dados relativos às Metas Fiscais de Resultado Nominal e Resultado Primário previstas na LDO, contrariando o disposto nos arts. 3º e 4º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 c/c o art. 2º da Instrução Normativa TC 04/2004, revelando deficiência do Sistema de Controle Interno, não atendendo ao art. 4º da Resolução TC 16/94;

B – Restrição de ordem regulamentar:

I.B.1. Ausência de informações nos relatórios de controle interno quanto à realização de audiências públicas para discussão e elaboração do PPA, LDO e LOA e para avaliação das metas fiscais, previstas no art. 9º, § 4º e art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000, denotando deficiência do Sistema de Controle Interno, em desacordo ao previsto no art. 4º da Resolução TC 16/94.;

 

Este o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31, § 1º e art. 71 c/c art. 75 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, arts. 50 a 54 da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000; arts. 20 a 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e arts. 82 a 94 da Resolução TC nº. 6/2001).

A análise destes autos revela que o Relatório DMU não atendeu aos requisitos da Lei Complementar nº 202/2000 ao deixar de conter as informações previstas no art. 53, parágrafo único, inciso III, relacionadas ao reflexo da administração financeira e orçamentária municipal no desenvolvimento econômico e social do Município.

Informação relevante ainda, inexplicavelmente suprimida da maior parte dos relatórios produzidos pela DMU, é aquela relacionada às contratações terceirizadas para atividades públicas de natureza permanente.

Sobre os grandes números da administração, cuja análise conforma, por definição constitucional, as chamadas contas anuais apresentadas pelo Sr. Prefeito Municipal, objeto do parecer prévio a ser exarado pela Corte e de futuro julgamento pelo Poder Legislativo, foram apurados pela Diretoria de Controle da Administração Municipal - DMU:

1. O confronto entre a receita arrecada e a despesa realizada resultou no superávit de execução orçamentária da ordem de R$ 318.481,35, correspondendo a 3,47% da receita arrecadada;

2. O resultado financeiro do exercício apresentou-se superavitário, atendendo, portando, aos ditames legais aplicáveis;

3. O disposto no art. 212 da Constituição Federal, referente à aplicação mínima de 25% das receitas resultantes de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino revelou-se cumprido;

4. Foram aplicados, pelo menos, 95% dos recursos oriundos do FUNDEB em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme exige o art. 60 do ADCT c/c art. 21 da Lei nº 11.494/2007;

5. A obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) não foi observada;

6. Restou atendido o art. 60, inciso XII, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o art. 22 da Lei nº 11.494/2007, que preconizam seja aplicado pelo menos 60% dos recursos recebidos do FUNDEB na remuneração dos profissionais do magistério do ensino fundamental;

7. No capítulo das despesas com saúde, constata-se que foram aplicados em ações e serviços públicos de saúde valores correspondentes ao percentual mínimo do produto de impostos, conforme exige o art. 198 da Constituição Federal c/c o art. 77, inciso III e § 1º, do ADCT.

No que refere aos diversos limites para gastos com pessoal do Poder Executivo ou Legislativo:

8. Os gastos com pessoal do Município no exercício ficaram abaixo do limite de 60% da Receita Corrente Líquida, conforme o exigido pelo art. 169 da Constituição Federal e pela Lei Complementar 101/2000, em seu art. 19;

9. Os gastos com pessoal do Poder Executivo no exercício em exame ficaram abaixo do limite máximo de 54% da Receita Corrente Líquida - RCL, conforme exigido pelo art. 20, III, “b” da Lei Complementar 101/2000.

10. O limite de gastos com pessoal do Poder Legislativo previsto no art. 20, III, “a” da Lei de Responsabilidade Fiscal, situado no percentual de 6% da RCL, foi observado nas despesas próprias da Câmara Municipal do Município em epígrafe;

11. A remuneração máxima do Vereador em relação ao Deputado Estadual, de que cuida o art. 29, VI da Constituição mostrou-se cumprida;

12. O limite de 5% da receita do Município aplicado ao total da remuneração dos Vereadores revelou-se atendido;

13. A despesa relacionada à folha de pagamento da Câmara (incluindo o subsídio dos Vereadores) situou-se dentro do limite máximo de 70% admitido pelo art. 29-A, § 1º da Carta Federal;

14. Por fim, o limite máximo de transferências de receitas tributárias, previsto pela Constituição, destinadas à manutenção do Poder Legislativo (exceto, dos seus inativados), foi corretamente observado.

 

Quanto à remessa bimestral dos Relatórios de Controle Interno, constata-se que foram observadas as disposições regulamentares.

 

Em relação à realização das audiências públicas preconizadas pelos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000, verificou-se que o Município não cumpriu referidos dispositivos legais ao deixar de realizar a audiência pública para a discussão e elaboração do PPA – plano plurianual, da LOA – lei orçamentária anual e da LDO – lei de diretrizes orçamentárias.

A atuação da Corte sobre a matéria é de extrema importância, haja vista envolver a consagração de princípios fundamentais como o da participação democrática, do controle social e da transparência. A doutrina assenta quetradicionais figuras jurídicas de participação comunitária estão sendo, progressivamente, consagradas pelo direito positivo brasileiro e aplicadas em alguma medida, ainda que de forma incipiente[1]”.

Os tribunais de contas têm sua parcela de responsabilidade na consolidação deste direito democrático de participação comunitária, e é certo que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina está atento para a importância do controle social preconizado pelo art. 48, parágrafo único da LC 101/00, tanto que fez aprovar o Prejulgado nº 1.777 com a seguinte redação:

O Poder Público Municipal, em face dos princípios da legalidade, da publicidade e da eficiência constantes do art. 37, caput, da Constituição Federal, com a redação da EC nº 19, de 1998, deve cumprimento às disposições do art. 48, parágrafo único, da Lei Complementar Federal nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), e do art. 44 c/c o art. 4º, inciso III, letra f, da Lei Federal nº 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), com vistas à transparência da gestão fiscal e à gestão democrática da cidade, promovendo audiências e consultas públicas e debates prévios, cuja realização é condição obrigatória para a aprovação legislativa do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual.

 

A falta de participação popular, decorrente da não-realização de audiência/consulta pública por parte do Poder Executivo, na fase de elaboração do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, deve ser suprida pelo Poder Legislativo, ao qual compete, nessa situação, promover a participação da sociedade na discussão dos respectivos Projetos de Lei. (...)[2]

 

 

 

Analisando os dados apresentados nestes autos, em confronto com o disposto na Decisão Normativa nº 08/2006, tem-se que as impropriedades apontadas não são consideradas irregularidades gravíssimas dentro dos critérios que orientam o parecer prévio, e que se destinam a conferir uma opinião geral sobre o conjunto dos atos praticados durante todo o exercício.

São os apontamentos tidos como “gravíssimos” pela referida Portaria, em princípio, quando constatados, que justificam o posicionamento opinativo da Corte no sentido da rejeição das contas apresentadas.

Todavia, deverá constar no Parecer Prévio a determinação para a oportuna apreciação em sede da competência para julgamento de atos, privativa da Corte (PROCESSO APARTADO):

1) das responsabilidades pela omissão quanto à obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) - (item I.A.1 do Relatório nº. 2.742/2010).

  2) dos indícios de omissão no cumprimento das determinações dos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (item I.B.1 da conclusão do Relatório nº 2.742/2010).

   

Da instauração de processo apartado para apurar a omissão na realização das audiências públicas previstas na Lei Complementar nº 101/2000

A Corte acolheu, sob o nº REP 07/00585044, representação deste Ministério Público destinada a apurar a omissão na realização das audiências públicas previstas na Lei Complementar nº 101/2000. Esta representação decorreu de pedido de formação de autos apartados não acolhido em sede do processo PCP em que a situação fática foi apurada. Naqueles autos assim se manifestou e Eminente Conselheiro substituto, Cleber Muniz Gavi:

A providência determinada pela LRF, esclareça-se, não constitui mero formalismo. Representa, na verdade, instrumento destinado a fomentar a participação popular no processo de discussão e elaboração dos planos orçamentários, dentro do objetivo maior visado pela lei de assegurar a transparência na gestão fiscal e o controle social mais efetivo, com a participação concreta do cidadão. Não se deve admitir, portanto, que a realização da audiência pública fique ao exclusivo arbítrio do gestor, passando a figurar como “letra morta” a disposição legal.[3]

 

Também no PCP - 07/00119400 a Corte assim decidiu:

Parecer Prévio n.º 0269/2007

Processo n.º PCP - 07/00119400

Prestação de Contas do Prefeito - Exercício de 2006

Prefeitura Municipal de Major Gercino

(...)

“O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, reunido nesta data, em Sessão Ordinária, com fulcro nos arts. 31 da Constituição Federal, 113 da Constituição do Estado e 1º e 50 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo examinado e discutido a matéria, acolhe o Relatório e a Proposta de Parecer Prévio do Relator, aprovando-os, e considerando ainda que:”

(...)

“6.1. EMITE PARECER recomendando à Egrégia Câmara Municipal a Rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Major Gercino, relativas ao exercício de 2006, em face das restrições apontadas no Relatório DMU n. 3323/2007, em especial,...”a ocorrência de déficit de execução orçamentária do Município (Consolidado) da ordem de R$ 172.972,49  (ajustado), representando 3,93% da receita arrecadada do Município no exercício em exame, o que equivale a 0,47 arrecadação mensal – média mensal do exercício, em desacordo com os arts. 48, “b”, da Lei Federal n. 4.320/64 e 1º, § 1º, da Lei Complementar (federal) n. 101/2000 (LRF), absorvido em pequena monta pelo superávit financeiro do exercício anterior (ajustado) – R$ 20.368,19 (item A.2.1 do Relatório DMU);”

[...]

“6.4. Determinar à Secretaria Geral – SEG, deste Tribunal, a formação de autos apartados para fins de exame, pela Diretoria Técnica competente, das seguintes matérias:”
(...)

“6.4.2. Ausência de informação no Relatório Bimestral de Controle Interno (6º bimestre de 2006) acerca da realização das audiências públicas previstas nos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único, da Lei Complementar (federal) n. 101/2000, denotando deficiência no sistema de controle interno, em desacordo com o disposto  nos arts. 4º da Resolução n. TC- 16/94, e em descumprimento aos arts. 9º, § 4º, e 40, parágrafo único da LRF (item 3.1.3 do Parecer MPjTC);”[4]

 

 

Em razão do exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas entende que as contas apresentadas pelo Município cuja prestação ora se examina apresentam de forma adequada a posição contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da entidade, e, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) pela emissão de parecer recomendando à Câmara Municipal a aprovação das contas do Município de Ascurra, relativas ao exercício de 2009;

2) pela determinação à Diretoria de Controle dos Municípios para que:

2.1) instaure o procedimento adequado à verificação (PROCESSO APARTADO):

2.1.1) das responsabilidades pela omissão quanto à obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) - (item I.A.1 do Relatório nº. 2.742/2010);

2.1.2) dos indícios de omissão no cumprimento das determinações dos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000;

2.2) acompanhe o cumprimento da Decisão a ser exarada pela Corte e a eventual tipificação de reincidências no exame que processará do exercício seguinte;

3) pela ciência ao Chefe do Poder Executivo nos termos do propugnado pela Instrução Técnica, estendendo-se o conhecimento da Decisão da Corte ao Poder Legislativo;

4) pela solicitação de comunicação do resultado do julgamento e ressalvas propugnados pela Instrução.

Florianópolis, 30 de setembro de 2010

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] MOTTA, Carlos Pinto Coelho e FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade fiscal.  2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 401.

[2] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Processo:CON-05/04115944. Decisão: 397/2006. Origem: Câmara Municipal de Xaxim. Relator: Conselheiro Moacir Bertoli. Data da Sessão: 06/03/2006. Diário Oficial: 20/04/2006

[3] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Wilson Rogério Wan-Dall. Data da Sessão: 14/07/2008. Representante do Ministério Público de Contas: Mauro André Flores Pedrozo.

[4] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Salomão Ribas Junior. Data da Sessão: 17/12/2007. Representante do Ministério Público de Contas: Márcio de Sousa Rosa.