PARECER nº:

MPTC/6619/2010

PROCESSO nº:

REC-07/00649204    

ORIGEM:

Fundo para Melhoria da Segurança Pública - FSP

INTERESSADO:

Ronaldo José Benedet

ASSUNTO:

Processo - ACO-05/00937036

 

 

1. DO RELATÓRIO

 

                        O e. Tribunal Pleno, na sessão de 08.10.2007, ao apreciar o processo ACO-05/00937036, que tratou de acompanhamento de obras, e análise das informações de obras e serviços de engenharia licitados pelo Fundo Para a Melhoria da Segurança Pública,  lavrou o Acórdão n.º 1926/2007, em que aplicou multa de R$ 400,00 ao Sr. Ronaldo José Benedet, na condição de Gestor do Fundo para a Melhoria da Segurança Pública, em razão da não remessa ao Tribunal de Contas, das informações de obras e serviços de engenharia licitados em 2004 para o “Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Obras – SCO”, em descumprimento ao art. 2.º da Instrução Normativa n. TC 01/2003 (item 6.2.2 do Acórdão 1926/2007, fl. 75 do processo ACO-05/00937036 apensado).

                        Da decisão recorreu o sr. Ronaldo José Benedet, interpondo Recurso de Reexame, nos termos de seu arrazoado de fls. 2 a 19. O recurso se faz acompanhar dos documentos de suporte de fls. 20 a 22.

                        A Consultoria Geral do Tribunal de Contas apreciou a peça recursal emitindo o Parecer COG 517/09, de fls. 23 a 49.

 

                        2. DA INSTRUÇÃO

 

                        O Parecer da Consultoria Geral é no sentido de ser conhecido o pedido revisional, por haver respaldo no art. 80  da Lei Complementar n.º 202/00.

                        No exame de mérito, a Consultoria sustenta de que nos autos não há fato novo ou documento que socorra a pretensão recursal, não cabendo a proposição no sentido de que possa a multa aplicada ser transformada em recomendação, já que inobservados os prazos regulamentares para remessa de informações a este Tribunal por meio informatizado. Na conclusão de fl. 49, o posicionamento da Consultoria é pela negativa de provimento.

 

 

3. DA PROCURADORIA

 

Esta Procuradoria tem a ponderar que a matéria apreciada no presente processo, quando da tramitação do processo original, já foi objeto de manifestação desse órgão à fl. 57, em que houve proposição no sentido de que a multa sugerida fosse relevada, aduzindo-se ainda que seria conveniente abertura de prazo ao Fundo para Melhoria da Segurança Pública para correção de informações. Tal posicionamento foi ratificado em nova manifestação desta Procuradoria à fl. 67, no sentido de negativa de aplicação da multa sugerida pela Instrução em seu parecer, à fl. 63.

Registrado este posicionamento da Procuradoria nos autos originais, analisa-se os termos da peça recursal de fls. 2 a 19.

Observa o recorrente em sua defesa que a decisão recorrida comporta discussão nos aspectos elencados nos itens Impropriedade do julgamento, em face do objeto processual (fl. 3), Ilegitimidade da Imputação da Multa (fl. 6), Impropriedade processual (fl. 7), Impropriedade da identificação do responsável (fl. 8) e Ilegitimidade passiva do Recorrente (fl. 13).

Esta Procuradoria destaca dos argumentos de defesa, a interpretação que faz o recorrente quanto à “Impropriedade deste ser identificado como o responsável”  (fl. 08) pela prática de ato de gestão que teria motivado a aplicação da multa de R$ 400,00. Na argumentação deste item constam elementos que entende-se por transcrevê-los, no sentido de melhor esclarecer a matéria:

 

Ignora o Recorrente o motivo da sua indignação como responsável e não reconhece a procedência de tal apontamento, inclusive porque não consta dos autos identificação de quais elementos probatórios a DCO  considerou para assim apontá-lo; que processos administrativos, da entidade fiscalizada, foram analisados, em sua auditoria; que pareceres e despachos foram considerados para que tenha afinal concluído pela sua responsabilidade. Desta forma, cerceou-lhe do direito ao contraditório e da ampla defesa, em desacordo com o art. 5.º, inc. LV da Carta Magna.

 

Nos termos dos autos, a DCO parecer ter escolhido o Recorrente como o “responsável” simplesmente pelo fato de ter sido o Titular da Pasta, agindo como dantes da vigência da Lei Complementar n.º 202/2000; àquela época, todo ato irregular era dito ser de responsabilidade do Ordenador Primário (o Titular) do órgão fiscalizado.

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Não há demonstração – em momento algum – de ter o Titular da Unidade influenciado para o cometimento de eventual discrepância, justificadora da impugnação de ato. Não houve investigação, pelo Corpo Técnico do Tribunal, para apurar tais elementos, nem determinação para que a Secretaria o fizesse, através de sindicâncias e, quiçá, de processo administrativo, na forma da lei.

Simplesmente, foi indicado o Ordenador Primário como responsável, sem haver prova de que ele praticou ato irregular, ou ingeriu para viciar ato preparatório determinante da eventual ilicitude do  ato final – este, sim, da sua alçada, no cumprimento das suas atribuições legais.

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Também, o fato do Secretário de Estado, ser a pessoa competente para cometer o ato final, por dever de ofício, não implica que ele, por isto e a priori, assuma responsabilidade por todos os atos intermediários praticados pelos diversos órgãos e agentes administrativos encarregados de instruir e trazer à autoridade maior o ato pronto e acabado, para a sua assinatura. Não há lei, doutrina ou jurisprudência que afirme o contrario, salvo em caso de prevaricação.  

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Da mesma forma que, legalmente, o Administrador não pode dispensar a instrução de procedimento administrativo da competência de agente subordinado, antes do cometimento de determinados atos finais (sob pena até de prejudicar a sua demonstração de legalidade o legitimidade), também não pode deixar de ser identificada a responsabilidade desses agentes, na hipótese de ter-se originado da sua instrução o eventual vicio contido no ato final, que, pela sua natureza, não pode ser detectado por autoridade superior.

 

Neste item “Impropriedade deste ser identificado como o responsável” de fls. 8 a 13, o recorrente sustenta as seguintes particularidades; a primeira de que nos autos não ficou comprovado ter o recorrente contribuído ou agido com qualquer tipo de ação ou omissão que revelasse sua influência para o não cumprimento de prazos de remessa de informações ao Tribunal ou que “ingeriu para viciar ato preparatório determinante da eventual ilicitude do  ato final” (fl. 10), a segunda, de que “Não houve investigação, pelo Corpo Técnico do Tribunal, para apurar tais elementos, nem determinação para que a Secretaria o fizesse, através de sindicâncias e, quiçá, de processo administrativo, na forma da lei.” (fl.10) e que não houve o cometimento, de sua parte, de ato final a ponto de poder haver a certeza absoluta de sua participação direta e intencional a ponto de ser responsabilizado pela restrição havida, quando alega que há a prática de atos intermediários em que há “responsabilidade por todos os atos intermediários praticados pelos diversos órgãos e agentes administrativos encarregados de instruir e trazer à autoridade maior o ato pronto e acabado, para a sua assinatura.” (fl. 11)

Analisando estas observações contidas na peça recursal, entende-se que assiste razão ao recorrente quando anota que há níveis intermediários que operacionalizam procedimentos, de modo a movimentar as ações de cunho administrativo necessárias ao cumprimento de normatizações como a que se aplica ao caso presente, de origem do Tribunal de Contas. A elaboração de atos no escalão intermediário de determinada estrutura organizacional (Secretaria de Estado da Segurança Pública), deve observar o cumprimento de regras emanadas de órgãos com jurisdição (Tribunal de Contas), e nesta condição de atos intermediários, quando conclusos, devem ser submetidos à deliberação superior, e neste momento, repita-se, neste momento é que a autoridade assumiria a condição de poder ser responsabilizada pela impropriedade, irregularidade ou ilegalidade. Neste contexto é de ser indagado se, em não havendo sido elaborado o ato na escala administrativa intermediária, pode ser penalizado o Titular da Unidade pela lacuna constatada? A resposta se encaminha para o entendimento de que nestas condições, não cabe atribuir a responsabilidade ao Titular da Unidade, hipótese que poderia acontecer se adotados procedimentos internos preliminares com conclusão definitiva, como sindicâncias, processo administrativo ou outra forma estabelecida em lei.

 

 

Outro ponto de argumentação recursal está situado no item “Ilegitimidade passiva do Recorrente” (fl. 13), do qual extrai-se:

 

Seria humanamente impossível, um Secretário de Estado controlar todos os atos emitidos por seus subordinados indiretos. Tanto é assim que esta situação foi contemplada no ordenamento jurídico estadual para que não restasse desamparada.

 

Conforme prevê o art. 15 do Decreto n.º 27.877 de 10 de dezembro de 1985, que aprova o regimento interno da Secretaria de Segurança Pública, recepcionado pela nova ordem jurídica que estrutura a Administração Estadual, a Unidade de Administração Financeira possui competência para: manter o arquivo da Unidade de Administração Financeira devidamente organizado, visando agilizar o processo de informações; e, encaminhar ao Tribunal de Contas do Estado, através do Órgão Central do Sistema de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, nos prazos estabelecidos, a documentação exigida por lei (art. 15, inciso I, alínea “g”, e inciso II, alínea “b”.

 

Deste modo, deflui-se que a suposta irregularidade constante no relatório encontra=se abarcada na competência delegada ao titular da Unidade de Administração Financeira da Pasta, por ato normativo do Chefe do Poder Executivo. 

 

Assentada nessa vertente, a Lei Complementar n.º 243/03, vigente à época estabelecia o instituto da delegação de competência como forma de desconcentração administrativa objetivando à manutenção do princípio constitucional da eficiência.

 

Dessa forma, reafirma-se que os atos praticados no âmbito das Secretarias podem ser executados por outros agentes da respectiva pasta e não apenas  pelo Secretário.

 

Não cabe, portanto, responsabilização do Chefe da Pasta por possíveis atos causados por delegados legitimados pelo Chefe do Poder Executivo.

 

 

Nas razões recursais consta citação ao Acórdão 66/1998, do Tribunal de Contas da União (fls. 13-14,), do qual extrai-se abordagens pertinentes à matéria tratada – delegação de competência -  na forma abaixo transcrita:

 

Transferida a competência, nenhuma reserva é feita à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pela solução administrativa e a aplicação da lei. Nem teria sentido transferir a função e reservar-se a responsabilidade pelo ato. A delegação de competência para a prática de atos administrativos de qualquer natureza exclui, da autoridade delegante, a autoria da prática de tais atos.

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4.3.2.8.1 Assim, o que se tem de avaliar é quais os atos dos subordinados devem obrigatoriamente ser supervisionados e controlados pelo superior hierárquico, visto que se tal supervisão fosse irrestrita, a delegação de competência perderia, por completo, seu sentido. Essa avaliação somente pode ser realizada caso a caso, levando-se em conta aspectos de materialidade, amplitude e diversidade de funções do órgão, grau de proximidade do ato com suas atividades-fins, dentre outros inerentes à especificidade de cada caso.

.................................................

4.3.2.9.1 Certamente, se fosse exigido que a supervisão do Presidente do IBAMA abrangesse  tais atos (e outros análogos), sua gestão seria dispersa, afetando a eficácia da Entidade quanto às suas finalidades regimentais, esta, sem dúvida, responsabilidade de seu Dirigente máximo.

 

Também nesta Corte de Contas, no julgamento do processo REC 03/06240610, citado à fl. 15, ao qual deu-se provimento, o julgado assim expressou:

(...)

Ilegitimidade passiva do Recorrente para ser responsabilizado pela baixa de multas de trânsito, bem como por atos administrativos delegados a servidores vinculados aos setores financeiro e de material, nos termos do que dispunham a Lei n.º 9.831/95 o Regimento Interno da Secretaria de Segurança Pública. (é o nosso destaque)

 

                     Argumenta o recorrente que de outra fonte jurisprudencial, precisamente o STF, conforme leitura que se faz de fl. 16, há decisão que acolhe a mesma tese do recorrente, quanto à atribuição de responsabilidade à autoridade delegante, cuja ementa adiante transcreve-se:

 EMENTA: I. Mandado de segurança: praticado o ato questionado mediante delegação de competência, é o delegado, não o delegante, a autoridade coatora. II. Ato administrativo: delegação de competência: sua revogação não infirma a validade da delegação, nem transfere ao delegante a responsabilidade pelo ato praticado na vigência dela. (MS 23411 AgR/DF – DISTRITO FEDERAL AG.REG.NO MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 22/11/2000 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ DATA-09-02-2001 PP-00018-01 PP-00099)

                        E finalizando a compreensão do tema, ao caso presente incide a argumentação do recorrente à fl. 16 no seguinte sentido:

Destarte, diante da delegação de competência conferida por meio de Ato Governamental que aprovou o Regimento Interno da Secretaria de Segurança Pública, entende-se que a responsabilização  pelo ato administrativo questionado deva recair sobre aquele que detém competência para praticá-lo.

 

                     Configuradas estas características em relação aos atos de gestão que motivaram a aplicação de multa ao recorrente, emerge da apreciação dos fatos que há efetivamente elementos que permitem a recepção da tese exposta no recurso e seu acolhimento, posição já partilhada por este órgão.

                        Os argumentos que integram a Quarta Preliminar – Impropriedade da Identificação do Responsável (fls. 08 a 13) e Quinta Preliminar – Ilegitimidade Passiva do Recorrente (fls. 13 a 18), permitem que sejam recepcionadas as razões recursais, para considerá-las no sentido de acolhê-las para dar provimento ao recurso interposto e, modificando a decisão recorrida, cancelar a multa imposta recorrente, Sr. Ronaldo José Benedet.

 

Florianópolis, 13 de outubro de 2010.

 

 

                        MÁRCIO DE SOUSA ROSA

                        Procurador-Geral Adjunto

 

prc