Despacho no:

 

GPDRR/14/2011

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 09/00601809

 

 

 

Interessados:

 

Município de Anchieta – Câmara de Vereadores

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de reconsideração intempestivo acolhido por despacho contrariando pareceres da COG e Ministério Público de Contas. Postulado da formalidade moderada. Ausência de situações excepcionais que justificassem o acolhimento do recurso intempestivo. Inobservância de regra do regimento interno. Tratamento não-isonômico a jurisdicionados da Corte. Ilegalidade do acolhimento do recurso.

           

 

Manifestei-me nestes autos nos termos do Parecer de fls. 18-19.

O Município de Anchieta é, pela segunda vez, em curto espaço de tempo, agraciado com a possibilidade de acolhimento de intempestivas manifestações recursais protocoladas por autoridades daquela municipalidade, sempre com fundamento em criativas interpretações da Lei Orgânica da Corte, curiosamente, patrocinadas não pelos recorrentes, mas por agentes públicos do próprio Tribunal de Contas!

No REC 09/00352329, é preciso dizer, o E. Relator não logrou tanto esmero da defesa do acolhimento da intempestiva manifestação de inconformismo...

Mas o presente recurso não merece deste Ministério Público conclusão diversa daquela sustentada no REC 09/00352329.

A Lei Complementar nº 202/2000, ela mesma, a nossa Lei Orgânica, objeto de nosso manejo diário, estabelece, e não faculta, que o prazo recursal seja contado da publicação da decisão no Diário Oficial:

Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.

 

Sendo previsão legal, não será um despacho que poderá disciplinar de outra forma. Peço perdão pela obviedade, mas apenas outra lei, portanto, poderia modificar essa regra.

Não há como, portanto, considerarmos outra data como “termo ‘a quo’ pra contagem do prazo de interposição de recurso”. Referido marco temporal não será a data do recebimento do ofício de comunicação da decisão, registrada no A.R., tampouco o será a data de postagem das razões recursais nos correios, pois não foram estes os critérios contemplados pela LEI.

A “suavização” de preceitos legais para alguns, que parece ser uma marca do poder estatal na história brasileira, é, talvez, uma das razões porque ainda se convive aqui, com alarmantes índices de desvirtuamento da atuação do Estado.

Esta Corte, não raramente, parece particularmente imbuída do espírito de “suavizações”. Movida por estes “cuidados especiais”, promove, com freqüência assustadora, o desrespeito às regras por ela mesma instituídas, numa demonstração clara de autodesrespeito, e de pouco comprometimento com o bom funcionamento da instituição, que, presume-se, deveria decorrer exatamente da aplicação precisa do regramento a que se submete como Instituição, notadamente aquele por ela mesma editado, ou cuja iniciativa a ela tenha sido confiada (CF, art. 73; CE, art. 61).

Não me parece que possa se considerar “hipótese restritíssima” a simples perda do prazo processual. Pois foi, singelamente, o que ocorreu in casu.

Observe-se que o Gestor nada disse sobre situações especiais que pudessem denotar caso fortuito ou motivos de força maior a justificar a intempestividade da manifestação de inconformismo. Seriam estas as situações fáticas que poderiam fundamentar o acolhimento do recurso intempestivo, sob a chancela do postulado do “formalismo moderado”. Seriam estas as hipóteses que poderiam ser consideradas “razoáveis” para temperar a aplicação de dispositivo legal que, de outro modo, não deixa margem para tortuosidades interpretativas...

No caso em tela, ainda mais grave se revela a “suavização” sugerida pelo E. Relator, pois ela contraria norma expressa da Corte, que delimita as situações que permitiriam o acolhimento de recursos intempestivos:

Art. 135. Das deliberações do Tribunal de Contas proferidas no julgamento de prestação ou tomada de contas, tomada de contas especial, na fiscalização de atos administrativos, inclusive contratos e atos sujeitos a registro, cabem recursos de:

(...)

§ 1º Não se conhecerá dos recursos previstos neste Capítulo interpostos fora do prazo, salvo para corrigir inexatidões materiais e retificar erros de cálculo e, ainda, em razão de fatos novos supervenientes que comprovem:

I - que os atos praticados pelo recorrente não causaram, efetivamente, quaisquer prejuízos ao erário;

II – que o débito imputado ao Responsável era proveniente de vantagens pagas indevidamente a servidor, cuja devolução caberia originariamente ao beneficiário, em consonância com o disposto neste Regimento;

III – a ocorrência de erro na identificação do responsável.

 

Nenhuma das situações acima encontra guarida nos argumentos apresentados pelo intempestivo recurso destes autos.

É grave também o tratamento não-isonômico de situações semelhantes patrocinado nestes autos pela interpretação suscitada pelo E. Relator. No REC 10/00138566, o mesmo prazo de 1 (um) dia de intempestividade não foi “relevado[1]...

O Gestor recorrente, duplamente descuidado, além de contratar pessoal fazendo tábula rasa da Constituição Federal, e omitir-se quanto à obrigação de remeter tempestivamente ao Tribunal de Contas informações que deveria prestar por força da Instrução Normativa nº TC 04/2004, deixou de observar o prazo para sua insurgência recursal.

A sociedade catarinense, que foi prejudicada pelo descumprimento do ordenamento vigente patrocinado pelo Administrador da Câmara de Anchieta, continua o sendo, ao ter que aguardar mais um pouco para ver sancionada a conduta ilícita, e ao ver ocupados, indevidamente, importantes órgãos da estrutura administrativa catarinense, o Tribunal de Contas e seu Ministério Público especial, ambos ricamente “alimentados” com recursos do contribuinte catarinense, discutindo regra mais do que clara, que a sociedade também pagou para obter na forma de Lei.

Esta sociedade quer, por certo, que as regras aprovadas pelos seus representantes na Augusta Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina sejam realmente aplicadas...

A sociedade catarinense também foi prejudicada ao ver diminuídos, mesmo que momentaneamente, importantes princípios da condução da vida pública, entre eles o da isonomia e o  da impessoalidade. Afinal que razão haveria para tratar com maior deferência Gestores públicos de Anchieta, quando todos os outros não recebem desta Corte (porque não podem mesmo receber...) o especial (e ilegal) tratamento dispensado, quando se recebem como válidas manifestações recursais intempestivas.

A douta Consultoria-Geral da Corte possui atribuições importantíssimas no exame de recursos e da elaboração das respostas às consultas formuladas à Corte. Estas atribuições e o grande esmero com que se debruçam sobre elas os técnicos que lá oficiam, fazem com que esteja sempre às voltas com um grande volume de processos, que não necessita ser ampliado com tramitações estranhas como esta que se evidencia nestes autos.

Ante o exposto, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, reitero integralmente os termos do Parecer nº 6.357/2009.

Florianópolis, 31 de janeiro de 2011.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Despacho nº GAAMF 14/2010.