Parecer no: |
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MPTC/828/2011 |
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RPA 07/00369856 |
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Origem: |
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Prefeitura Municipal de
Guabiruba |
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Representação contra Prefeitura e Taió. Ausência de
licitação. |
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Trata-se de
Representação apresentada pela Câmara de Vereadores do Município de Taió,
fundamentada no artigo 66 da Lei Complementar n.º 202/00 e nos artigos 100, 101
e 102 da Resolução – 06/2001, a qual expõe nos autos quatro expedientes (RPA
07/00417176 fls. 02-06 e RPA 07/00369856 fls. 02-18) sobre supostas irregularidades
relativas à prática de dispensas e inexigibilidades de licitação, bem como à
execução dos respectivos contratos.
Pelo
Relatório de Instrução DLC/INSP2/DIV6 nº 477/2007 (fls. 20-22), a Diretoria de
Licitações e Contratações – DLC verificou a existência do processo RPA
07/004117176, o qual guarda relação com o presente processo, uma vez que
envolve a mesma unidade gestora e os mesmos responsáveis. Além disso, ambos
foram autuados em datas próximas, e distribuídos à mesma Relatora. Ademais,
objetivavam a fiscalização de supostas ilegalidades em processos licitatórios.
Em razão
disto, por despacho (fl. 13 – RPA 07/00369856) houve a determinação, com base
no artigo 22 da Resolução n.º TC-09/2002, que os autos deveriam ser
encaminhados para Secretaria Geral a fim de serem apensados.
Após
apensamento, os autos foram devolvidos para a Diretoria de Controle das
Licitações e Contratações – DLC, que expediu o Ofício nº 9.309/2008 (fls.
23-24), solicitando ao ex-Prefeito, Sr. José Goetten de Lima, o encaminhamento
de alguns documentos.
A Prefeitura
Municipal de Taió, em cumprimento à requisição, encaminhou a documentação por
meio do Ofício n.º 2211/2008, a qual foi juntada a estes autos.
A Diretoria
de Controle de Licitações e Contratações - DLC emitiu Relatório Técnico (fls.
778-799), sugerindo em síntese a audiência dos agentes públicos envolvidos nos
ilícitos, para que, querendo apresentem justificativas às irregularidades
apontadas.
1.
Da análise da admissibilidade
Conforme o §1o do art. 113 da Lei no
8.666/93:
§ 1o Qualquer
licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao
Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno
contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste
artigo. (grifou-se).
Na mesma linha, o art. 65 c/c o parágrafo único do
artigo 66 da Lei Complementar Estadual no 202/00:
Art. 65. Qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas do Estado.
Art. 66. Serão recepcionados pelo
Tribunal como representação os expedientes formulados por agentes públicos
comunicando a ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em
virtude do exercício do cargo, emprego ou função, bem como os expedientes
de outras origens que devam revestir-se dessa forma, por força de Lei
específica. (grifou-se)
Parágrafo único. Aplicam-se à
representação as normas relativas à denúncia.
Como a matéria tratada está sujeita à apreciação do Tribunal
de Contas, entendo que foram atendidos os requisitos necessários à admissão do
pedido.
2.
Dos fatos
A representação dentre outras
delações denuncia despesas empenhadas separadamente para a empresa Curingas
Promoções e Eventos de Espetáculos Ltda. A primeira, no montante de R$ 4.375,00
(quatro mil e trezentos e setenta e cinco reais) para contratação de 01 (um)
técnico de som e 04 (quatro) auxiliares. A segunda no valor de R$ 7.125,00
(sete mil cento e vinte cinco reais), referente à locação de um palco 10x06,
coberto, com sonorização e iluminação.
Acrescentou, entre seus argumentos,
que a contratação do serviço deveria ter sido feita mediante um único contrato,
o qual atingiria o montante de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais),
enquadrando-se, portanto, na previsão legal do devido processo licitatório,
afastando a possibilidade de dispensa de licitação prevista no inciso II, do
artigo 24, da Lei n.º 8.666/93.
3.
Da necessidade do procedimento
licitatório
Há imposição
legal para que o administrador divida a licitação em quantas parcelas for
conveniente, prevista no art. 23, § 1º da Lei 8.666/93. Ao idealizar tal
medida, o legislador pretendeu ampliar a competição e o universo de possíveis
interessados no certame, bem como possibilitou que empresas de pequeno porte
obtivessem mais oportunidade de participar da disputa.
Entretanto,
ocorre que a administração, por vezes, utiliza essa determinação de maneira
indevida. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o legislador impôs o
fracionamento de licitação também restringiu a ação do gestor público, ao vedar
a prática ilícita do chamado fracionamento de despesa, para promover a fuga à
licitação. Extraio da norma ressaltando pontos fundamentais para equacionar o
caso concreto:
Art. 23. (...):
§ 5º É vedada a utilização da
modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o
caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e
serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente,
sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de
preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste
artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser
executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor
da obra ou serviço.
O
fracionamento ilícito de despesas se dá pela divisão da compra de um bem ou
serviço com a intenção de permitir a adoção de dispensa de licitação ou de
modalidade de licitação menos rigorosa que a determinada para a totalidade do
valor do objeto a ser licitado[1].
Estará vedado o parcelamento para obras e serviços quando a demanda for da
mesma natureza e puder se circunscrever às mesmas circunstâncias de tempo e
lugar.
A
interpretação realizada pelo corpo técnico da Corte, ao analisar este ponto da
representação, levanta a discussão sobre o fracionamento da despesa para fuga
de licitação. Entretanto, segundo a Diretoria de Controle de Licitações e
Contratos (item 3.3.1, fls. 778-799), o caso em tela não configuraria ilícito
fracionamento:
(...) deve-se levar em conta, que
apesar da similaridade do ramo comercial, tratam-se de objetos distintos, o que
torna plenamente aceitável que a licitação fosse precedida de forma separada,
ou seja, uma para os técnicos e outra para estrutura de palco.
(...) não representa o que se
entende por fracionamento da despesa para fuga da licitação, como propôs o
representante, e que ambas as despesas estão abrangidas pela regra da dispensa
de licitação, sendo que neste caso, não se verifica qualquer irregularidade.
Discordarei
da Instrução Técnica, contudo.
A DLC ao
analisar a situação em questão não logrou o melhor entendimento a respeito do
conceito de objetos de mesma natureza. Conforme preleciona Sundfeld, “deve-se entender por objetos de mesma natureza os que são idênticos, por óbvio, e os
passíveis de execução por empresa de mesmo ramo de atividades (...)” [2].
A Diretoria de Licitações e Contratações não considerou que por objeto de mesma
natureza devem ser compreendidos não somente como aqueles iguais, mas também,
que possam ser disponibilizados por uma mesma empresa.
O
processamento das despesas relacionadas às duas contratações afasta qualquer
dúvida que pudesse existir quanto à identidade de natureza e de circunstâncias
de tempo e lugar. O quadro abaixo ilustra o estreito intrincamento entre os
dois contratos, e a confusão dos respectivos dados no processamento da despesa:
CONTRATO |
DATA
ASSINATURA |
OBJETO |
EMPENHOS |
DATA DO
EMPENHO |
DESCRIÇÃO
DESPESA |
SAF/035/2007 |
09.02.2007 |
- 01 (um) palco coberto medindo 10x06 metros - 04 (quatro) auxiliares de palco - 01 (um) telão - 01 (um) técnico para produção - 01 (uma) tenda de lona medindo 10x12 metros |
561/07 |
14.02.2007 |
- 01 (um) técnico
de som - 04 (quatro) auxiliares |
SAF/034/2007 |
09.02.2007 |
- Sonorização
FLY P.A 16 KF e 16 caixas de som grave - 01 (um) técnico de som -
Iluminação montada com moving e mais lâmpadas par e color trus |
562/07 |
14.02.2007 |
- 01 (um) palco 10x06 metros -Sonorização
FLY P.A 16 KF e 16 caixas de som grave e iluminação, - 02 (dois) telões
- 01 (um) técnico para produção - 01 (uma) tenda de lona 10x12 metros |
Ora, para
realização de eventos como este a que se destinaram os contratos acima é
evidente a necessidade da contratação de palcos, lonas, aparatos para
sonorização, iluminação, imagem, bem como profissionais devidamente
qualificados para instalação e operação dos equipamentos. Existe uma íntima
relação entre os bens contratados, o que fica claramente visível no quadro
acima, quando se percebe o nítido cruzamento de objetos entre os contratos e os
correspondentes empenhos.
A confusão
vislumbrada está no fato do contrato SAF/035/2007
conter objetos descritos nas duas notas de empenho (561/07 e 562/07), bem como
do contrato SAF/034/2007 conter objeto de nota de empenho não correspondente ao
descrito.
Desse modo, o
cruzamento identificado, apenas comprova a similaridade entre os bens,
culminando no entendimento de que se trata de objetos de mesma natureza,
sugerindo, por conseguinte, a necessidade do devido processo licitatório.
O
fracionamento de licitação deve ser utilizado exclusivamente para aumentar a
competição. Não foi este o objetivo da Administração de Taió. Aparentemente,
contudo, há indícios muito claros que aquela Administração pretendeu dirigir a
contratação à empresa Curingas
Promoções e Eventos de Espetáculo, o que se tornou, obviamente, mais
fácil, pela inobservância da regra da licitação pública.
Nesse contexto, é válido assinalar que o Sr. José Goetten de Lima,
ex-Prefeito de Taió, feriu, além dos dispositivos já mencionados, também o princípio da indisponibilidade do interesse
público, uma vez que o gestor público não recebe a outorga dos bens
administrados para a sua livre disposição.
É preciso
ressaltar que o Município de Taió possui um histórico de contratações ilícitas
sob a gestão do Sr. José Goetten de Lima. Verifica-se que as partes envolvidas
nos contratos analisados nestes autos, figuram também em outros processos em
tramitação na Corte, sempre associados à possibilidade de caracterização de dano
ao erário.
O Presidente
da empresa “Curingas Promoções e
Eventos de Espetáculo”, Sr. Éder Coelho, por exemplo, ocupou a função
de Presidente do Conselho de Administração da ACAS (Associação Catarinense de
Apoio ao Desenvolvimento Social), foi ex-Diretor Executivo da RISC (Rede de
Integração Social e Cultura), e é proprietário da Empresa Proeve Promoções e
Eventos Ltda., atuando como o “palhaço Dedéco” nos shows apresentados no projeto “Conhecendo Santa Catarina”,
idealizado pelo Deputado Nelson Goetten Lima, este último respondendo por
processo de suposta prática de ilícitos contra a administração pública[3].
Merece
registro que está sob investigação no Tribunal de Contas o evento “Conhecendo
Santa Catarina”, sobre o qual pesam fortes indícios de que foi financiado com
dinheiro público, dentro de um esquema fraudulento de grandes proporções,
envolvendo as Instituições citadas e outras beneficiárias de verba pública.
Dentre os possíveis ilícitos estão superfaturamentos, simulação de prestação de
serviço entre as associações – algumas delas sob a gerência do Sr. Éder Coelho
-, bem como enriquecimento ilícito e promoção pessoal do supramencionado
político, como ilustram os relatórios DCE/Insp.1/Div.3 nº 338/2009,
DCE/Insp.1/Div.3 nº 906/2010, DCE/Insp.1/Div.3 nº 192/2010 (Anexos 1, 2 e 3).
4.
Da existência de indícios de dano ao
erário
Dos documentos acostados,
verificam-se duas outras irregularidades, as quais, se confirmadas,
caracterizarão grave dano ao erário.
A primeira situação apurada dos autos
trata da emissão de dois cheques por parte da Prefeitura Municipal de Taió. O
primeiro datado em 11 de abril de 2007, no valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil
reais) (fl. 751), assinado por Sr. José Goetten de Lima, ex-Prefeito de Taió, e
Álvaro Demarchi, Diretor do Departamento de Finanças à época; e o segundo na
data de 5 de março de 2007, na importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
(fl. 756), assinado pelo Sr. José Goetten de Lima e Sr. Alfredo Tomio,
Secretário de Administração à época, ambos em favor de Roseneyde Rodrigues
Ferreira – Condor Representações.
O montante alcança a quantia de R$
23.000,00 (vinte e três mil reais), no entanto, o valor contratado fora fixado
em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), o que sugere a necessidade de reembolso
para os cofres públicos da importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Ocorre que, a Unidade apresentou
documento contábil de anulação da importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
nos termos da OAP nº 27/07, juntada à fl. 755. Entretanto, tal documento não é capaz de comprovar com precisão se houve o
cancelamento do cheque emitido ou o estorno do pagamento eventualmente
processado.
Na segunda situação, verifica-se
também o excesso no pagamento de serviços. A Administração, ao contratar a
empresa Valdemar Rodrigues & Cia Ltda., para prestação de serviço de 30
horas de sonorização, emitiu um cheque assinado pelo Sr. José Goetten de Lima e
Sr. Álvaro Demarchi, Diretor de Departamento de Finanças à época, no valor de
R$ 2.184, 34 (dois mil cento e oitenta e quatro reais e trinta e quatro
centavos) (fl. 622). No entanto, os documentos de despesa juntados aos autos
(fls. 620-621) comprovam apenas o valor de R$ 690,00 (seiscentos e noventa
reais).
Referidas despesas possivelmente
ilícitas também conformam o objeto da representação, conforme se vislumbra no
expediente encaminhado ao Tribunal de Contas (fls. 07-10):
Na grata satisfação de
cumprimentá-lo, valemo-nos presente expediente para em cumprimento à função
fiscalizadora do Poder Legislativo Municipal, informar que, em atenta análise às despesas empenhadas e pagas pelo
Poder Executivo Municipal, foram verificadas algumas irregularidades (...)
(grifou-se)
Acertada, portanto, a
conclusão da DLC ao diagnosticar nas provas dos autos os indícios de dano ao
erário, e propor a conversão em Tomada de Contas Especial, com respaldo no
Regimento Interno do Tribunal de Contas de Santa Catarina, de acordo com o que
está disposto no artigo 34.
5.
Da audiência ao Sr. José Goetten de
Lima
É válido
ressaltar que a audiência para que o ex-Prefeito de Taió, José Goetten de Lima
apresentasse as suas justificativas para as irregularidades apontadas não
poderá se concretizar, em razão do seu falecimento[4].
Por esse motivo a investigação das referidas irregularidades deverá ocorrer por
meio de diligências junto à atual Administração de Taió.
O falecimento
do gestor público, não obsta a continuidade do processo. O prosseguimento da
investigação poderá suscitar a ocorrência ou não do fato irregular. A
constatação do fato ilícito poderá acarretar conseqüências no campo da validade
dos contratos firmados.
As empresas
envolvidas, por exemplo, que figuram como parte no contrato, caso confirmadas
as irregularidades, deverão responder na esfera penal e administrativa,
considerando-as como partícipes ou co-autoras dos eventuais ilícitos
constatados.
Verificado
dano ao erário decorrente da contratação ilícita, poderá a responsabilização,
inclusive, alcançar os herdeiros do ex-Prefeito de Taió, na medida do
patrimônio eventualmente recebido em herança.
Em razão
disto, é necessária a manifestação da atual gestão, para que por meio das
informações prestadas, seja constatado ou não o fato ilícito, e, por
conseguinte, ocorra o prosseguimento normal do processo.
preliminarmente,
1)
nos
no mérito,
2)
por proceder à diligência ao atual Gestor do Município
de Taió, quanto à utilização do critério de dispensa de licitação nos Contratos
SAF 34 e SAF 35 para contratação de bens e serviços que não se enquadram no
artigo 24 da Lei nº 8.666/93, caracterizando a inobservância ao previsto na
Carta Magna em seu artigo 37, inciso XXI, e nos artigos 2º e 23, § 5º da Lei 8.666/93 (item 3.3, 3.3.1 do
Relatório nº DLC/INSP 2/DIV 4 – 065/09 – fls. 788-790);
3)
pelo acolhimento dos demais pontos da conclusão
contidos no Relatório nº DLC/INSP 2/DIV 4 – 065/09.
Florianópolis, 21 de março de 2011.
Diogo Roberto
Ringenberg
[1] Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos.
Orientações Básicas. 3ªed. Brasília, 2006. p. 44.
[2] Licitação e
contrato administrativo, p.69, apud NIEBUHR, 2008, p. 140
[3] Há notícia de concessão liminar, de medida cautelar
bloqueando todas as contas bancárias, e tornando indisponíveis os bens do então
Deputado Estadual Nelson Goetten de Lima, de seis entidades e de uma empresa da
região do Alto Vale do Itajaí, bem como dos seus respectivos Dirigentes.
disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=5639&conteudo=fixo_detalhe_lista_tabela
. Acesso em: 18/03/2011.