PARECER nº: |
MPTC/3976/2011 |
PROCESSO nº: |
DEN
06/00511405 |
ORIGEM : |
Prefeitura
de Itapoá |
INTERESSADO: |
Doca
Casa & Jardim Ltda ME |
ASSUNTO : |
Edital
nº 29/2006 |
1.
RELATÓRIO
Trata-se de expediente dirigido
ao Tribunal, pela empresa Doca Casa e Jardim
Ltda ME, com base no art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93, autuado como
denúncia.
A denunciante relatou ocorrência
de irregularidade registrada na fase de habilitação, que levou a dar por
frustrado o Convite nº 29/2006, patrocinado pela Prefeitura de Itapoá, visando
à contratação de prestação de serviços de apreensão, transporte e alojamento de
animais de grande porte.
Os auditores da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações, por meio do Relatório nº 57/2007,
sugeriram o conhecimento da denúncia, e a audiência do presidente da Comissão
de Licitação, Sr. Carlito Joaquim Custódio Júnior (fls. 42/45).
O representante do Ministério
Público de Contas exarou o Parecer nº 4766/2009, na mesma direção (fl. 46/47).
O Exmo. Relator conheceu a
denúncia e determinou a audiência do responsável anteriormente declinado, bem
como a do Prefeito à época, Sr. Sérgio Ferreira de Aguiar, em decorrência da
revogação do Convite nº 29/2006, sem indicação das razões de interesse público
decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, e não observância do
direito ao contraditório e à ampla defesa dos licitantes, com inobservância do
art. 49, § 3º, da Lei nº 8.666/93 (fls. 48/49).
O documento de fl. 33 demonstra
ter ocorrido a audiência do prefeito, Sr. Sérgio Ferreira de Aguiar.
O mesmo se deu com relação ao Sr.
Carlito Joaquim Custódio Júnior, conforme documento de fl. 61.
Nas fls. 54/55 encontram-se as
justificativas do Sr. Sérgio Ferreira; e nas 62/369 as do Sr. Carlito Joaquim.
Por fim, mediante Relatório nº
242/2010, os auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações
reexaminaram a matéria (fl. 372/385).
2.
MÉRITO
Insurgiu-se a denunciante contra
decisão do prefeito de Itapoá, que revogou o procedimento licitatório nº
29/2006, que tinha por objeto a contratação de serviços de apreensão,
transporte e alojamento de animais de grande porte.
O foco central da discórdia
reside em exigências conflitantes constantes no item 2.11 do Edital e na Cláusula Sexta, item 6.6, da Minuta do Contrato (Anexo II do Edital).
O Edital, no item 2.11, previu que os licitantes deveriam
apresentar comprovante de IPTU do local a ser destinado ao alojamento dos
animais, ou ITR, se propriedade rural (fl. 248).
Assim, pelo Edital, o local para
o alojamento dos animais tanto poderia estar localizado em área urbana como em
área rural.
Porém, a minuta do Contrato (Anexo
II do Edital), no item 6.6 da
Cláusula Sexta, previu expressamente que o local destinado ao alojamento dos
animais, obrigatoriamente, deveria estar localizado em zona rural (fl. 254).
Em 4-8-2006, a denunciante foi
alijada da fase de habilitação da licitação exatamente por não cumprir “o
Edital, no que se refere à minuta do contrato (parte integrante do Edital –
item 6), o qual na cláusula 6.6 pede
que o terreno seja localizado na área rural (...)” (fl. 130).
A denunciante, na fl. 5,
sustentou que o terreno por ela apresentado pertenceu à área urbana; mas, com o
advento da Lei Complementar (municipal) nº 1/2003, o terreno foi considerado
como localizado no perímetro rural, conforme Parecer da Secretaria de
Planejamento e Urbanismo do Município, constante na fl. 33.
A denúncia se fez acompanhar de
vasta documentação visando provar que o terreno outrora pertencente à área
urbana, passou à área rural (fls. 26/41).
De outro lado, dos autos consta
cópia do procedimento licitatório sob análise, revelando que a denunciante não
apresentou, por ocasião da etapa de habilitação, os documentos que fez constar
na denúncia (fls. 128/277).
Com o fito de provar a
localização do imóvel em área considerada rural, a denunciante apresentou à
Comissão de Licitação, tão-somente, Certidão Negativa Municipal dando conta de
não constarem débitos referentes ao IPTU.
Como é sabido, a cobrança de IPTU
caracteriza a localização do imóvel em área urbana.
Portanto, deveria a denunciante demonstrar
que o terreno estava localizado em área rural, esclarecendo o histórico do
imóvel por meio de documentos, como fez na denúncia.
Dessa feita, mesmo presente a
divergência entre o Edital e seu Anexo II (Minuta do Contrato), não se
vislumbra que os membros da Administração Pública tenham cometido
irregularidade na inabilitação da denunciante.
Por seu turno, na parte
conclusiva do Relatório nº 57/2007, os auditores do Tribunal entenderam estar
presente a seguinte irregularidade envolvendo os fatos (fl. 44):
Revogação
de licitação sem indicar as razões de interesse público decorrente de fato
superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar
tal conduta, e sem assegurar o contraditório e a ampla defesa aos licitantes,
em desacordo ao preceito contido no art. 49, § 3º, da Lei nº 8.666/93.
Peço vênia para dissentir de tal
entendimento, pelos motivos que passo a expor.
Em despacho ao prefeito, os
membros da Comissão Permanente de Licitação narraram os motivos pelos quais
deveria o certame licitatório ser revogado. Foi justificado que, em duas
oportunidades, não se obteve sucesso na habilitação de licitantes, por isso foi
recomendado proceder-se a um novo processo licitatório, com base no art. 22, §
7º, da Lei de Licitações (fl. 129).
A Comissão de Licitação
apresentou precedente jurisprudencial do TCU, orientando que “não se deve
adjudicar licitação na modalidade convite com menos de 3 (três) propostas
válidas” (fl. 129).
Ressalto a correção da
jurisprudência citada pela Comissão de Licitação e a existência de outros
precedentes na mesma linha, e.g.: [1]
ACORDAM
os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão Plenária, ante
as razões expostas pelo Relator, em:
9.1.
determinar ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq que:
[...]
9.1.5.
ao realizar licitações sob a modalidade de convite, somente convide as empresas
do ramo pertinente ao objeto licitado, conforme exigido pelo art. 22, § 3º, da
Lei 8.666/1993 e repita o certame quando não obtiver três propostas válidas,
ressalvadas as hipóteses de limitação de mercado ou manifesto desinteresse dos
convidados, circunstâncias essas que devem estar justificadas no processo,
consoante § 7º do mesmo artigo; (Grifos meus)
Os autos demonstram que, em duas
oportunidades, a Administração não logrou ultrapassar a fase de habilitação, o
que significa dizer que nenhuma proposta foi avaliada.
Diante da ausência de propostas
válidas, o prefeito, com base nos elementos apresentados pela Comissão de
Licitações, revogou o certame (fl. 128).
Nesse passo, caracterizado está
que o gestor público demonstrou as razões que o levaram à revogação do Processo
Licitatório nº 29/2006.
Outra irregularidade apontada
pelos auditores da DLC dizia respeito ao fato de a Administração não ter
oportunizado aos licitantes o direito ao contraditório e à ampla defesa.
O direito ao contraditório e à ampla
defesa é imperativo previsto no art. 5º, LV, da Constituição, de aplicação,
também, aos processos administrativos: “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo meu).
A Lei nº 8.666/93 expressamente
prevê, em seu art. 49, § 3º, para os casos de desfazimento de processo por
revogação ou anulação, a necessidade do contraditório e da ampla defesa.
Como se sabe, o contraditório e a
ampla defesa devem ocorrer em fase que precede à decisão.
Por óbvio, na via administrativa
a situação não é diferente, conforme assentado pela doutrina:[2]
Se
a autoridade resolve aprovar a licitação, por considerá-la regular e
conveniente à contratação, pode homologá-la de imediato. Mas se decide
desfazê-la, seja por meio de revogação, seja por meio de anulação, ficará
obrigada a, antes da prática de seu ato,
realizar procedimento, onde garanta aos licitantes a oportunidade de
manifestação a respeito. É esse o conteúdo dos princípios do contraditório e da
ampla defesa. (Grifo meu)
No entanto, em casos semelhantes
ao tratado nestes autos, os ministros do Superior Tribunal de Justiça[3] entenderam não haver ofensa ao princípio do
contraditório quando a licitação é revogada antes da fase de homologação e
adjudicação:
ADMINISTRATIVO
– LICITAÇÃO – MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO – REVOGAÇÃO – CONTRADITÓRIO.
1.
Licitação obstada pela revogação por razões de interesse público.
2.
Avaliação, pelo Judiciário, dos motivos de conveniência e oportunidade do
administrador, dentro de um procedimento essencialmente vinculado.
3. Falta
de competitividade que se vislumbra pela só participação de duas empresas,
com ofertas em valor bem aproximado ao limite máximo estabelecido.
4. A
revogação da licitação, quando antecedente da homologação e adjudicação, é
perfeitamente pertinente e não enseja contraditório.
5. Só há
contraditório antecedendo a revogação quando há direito adquirido das empresas
concorrentes, o que só ocorre após a homologação e adjudicação do serviço
licitado.
6. O mero
titular de uma expectativa de direito não goza da garantia do contraditório.
7. Recurso
ordinário não provido. (Grifos meus)
Em outro caso, onde já houvera
acontecido a homologação e a adjudicação, a mesma Corte[4] julgou não haver ofensa ao contraditório e à ampla
defesa em revogação de licitação antes da assinatura de contrato:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. REVOGAÇÃO APÓS HOMOLOGAÇÃO. PREÇO ACIMA DO MERCADO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADA.
1. O Poder Público pode revogar o processo licitatório quando comprovado que os preços oferecidos eram superiores ao do mercado, em nome do interesse público.
(...)
3. O procedimento licitatório pode ser revogado após a homologação, antes da assinatura do contrato, em defesa do interesse público.
4. O vencedor do processo licitatório não é titular de nenhum direito antes da assinatura do contrato. Tem mera expectativa de direito, não se podendo falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa, previstos no § 3º do artigo 49 da Lei nº 8.666/93. Precedentes.
5. Recurso ordinário desprovido. (Grifo meu)
No caso sob análise, a homologação ainda não
havia ocorrido, inexistindo irregularidade na revogação da licitação sem
observância do contraditório e da ampla defesa.
Dessarte, opino não ter havido as incorreções
consignadas nos Relatórios nºs 57/2007 e 242/2010 da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações, pelo que dissinto de seus termos,
para considerar improcedentes os fatos objeto da denúncia.
3.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, o
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência
conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela
IMPROCEDÊNCIA dos fatos objeto da DENÚNCIA, em face da inexistência de
irregularidade na revogação do Convite nº 29/2006.
Florianópolis, 16 de agosto de
2011.
Procurador
[1] ACÓRDÃO nº 819/2005 - TCU – PLENÁRIO. Processo nº TC 019.378/2003-9. Relator: Ministro-Substituto
Marcos Bemquerer Costa. DOU nº 124,
30-6-2005.
[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. 2ª
Ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 176.
[3] STJ. RMS 23402/PR. Segunda Turma. Relatora: Min.
Eliana Calmon. DJe: 2-4-2008.
[4] STJ. RMS 30481/RJ. Segunda Turma. Relatora: Min.
Eliana Calmon. DJe: 2-12-2009.