PARECER
nº: |
MPTC/4144/2011 |
PROCESSO
nº: |
CON 11/00150703 |
ORIGEM: |
Agência de Fomento do Estado de Santa
Catarina S.A. - BADESC |
INTERESSADO: |
Nelson Marcelo Santiago |
ASSUNTO: |
Terceirização dos processos de execução
frente a luz da LC 381/2007 e D.Estadual |
1. DO RELATÓRIO
Em
tramitação nesta Procuradoria, para emissão de parecer, o expediente de fls.
A consulta está
acompanhada do parecer emitido por Paulo Murillo Keller do Valle, da Assessoria
Jurídica do BADESC - ASJUR - de fls. 7 a 9, tendo sido anotada a seguinte
compreensão sobre a matéria:
08. Permanece,
portanto, possível a terceirização, como já em outras vezes o e. Tribunal de
Contas teve oportunidade de se manifestar através do Prejulgado n. 1244, de que
foi Relator o Sr. Auditor Evângelo Spyros Diamantaras, origem BESC S/A
Corretora de Seguros e Administradora de Bens, Processo 02/08997180, Decisão
2852/02, sessão de 30.10.2002 (cópia junta), que traça requisitos de qualificação,
distribuição equânime das demandas, etc.
A matéria foi objeto de análise da
Consultoria Geral, tendo esta emitido avaliação nos termos do Parecer n.º
COG 173/2011, de fls. 15 a 40.
2. DA INSTRUÇÃO
A Consultoria Geral
anotou inicialmente à fl. 21 que a consulta pode ser conhecida por atender os
pressupostos de admissibilidade, já que observada a competência dessa Corte
para deliberar sobre o tema indagado, o objeto da consulta vir formulado em
tese, a parte ser legítima, haver precisão quanto à duvida lançada e estar
acompanhada do parecer de fls. 7-9 da
Assessoria Jurídica do BADESC.
No exame do mérito, o
Órgão Consultivo citou os Prejulgados n.º 1084 (fl. 26), n.º 1221 (fl. 27) e
n.º 1891 (fl. 27) dessa Corte de Contas, e ponderou que a terceirização, nos
termos dos prejulgados restringe-se à atividades meios da Administração
Pública. Em relação à orientação relativa à contratação de serviços jurídicos,
a análise instrutiva relaciona os Prejulgados n.º 1121 (fl. 31), n.º 1485 (fl.
33) dessa Corte de Contas, os quais formulam interpretação no sentido de que
atividades de natureza permanente da Administração Pública não podem ser
terceirizadas.
No mérito, observa-se que o
parecer da Consultoria Geral aborda com
clareza as indagações formuladas pelo titular do BADESC, sendo matéria
amplamente discutida nos autos, tanto no Parecer da Assessoria Jurídica do
BADESC (fl. 7-9), assim como no Parecer COG 173/2011 lançado pela
Consultoria Geral, às fls. 15-40, o qual inclusive traz a orientação sobre a matéria
nessa Corte de Contas, nos termos dos Prejulgados n.º 1084 e 1121.
A compreensão que se faz da matéria
permite centralizá-la na ideia de terceirização de serviços jurídicos pelo ente
público, no caso o BADESC. Sobre este ponto há observação no parecer da
Consultoria Geral à fl. 21 do seguinte teor:
Antes de entrar
especificamente no tema proposto, salutar esclarecer que a unidade gestora da
presente consulta integra a administração pública indireta do Estado de Santa
Catarina. O BADESC – Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.,
classifica-se como uma sociedade de economia mista e nesta condição sujeita-se
às regras de direito privado. O art. 173 da Constituição Federal prevê:
[...]
Mesmo com
personalidade jurídica de direito privado, as sociedades de economia mista
submetem-se às regras inerentes à administração pública, tanto que os
empregados da entidade são admitidos
somente através de concurso público, conforme inciso II do art. 37 da CF, in verbis:
[...]
Do mesmo modo, as
sociedades de economia mista estão sujeitas às regras relacionadas à
terceirização de serviços na
administração pública.
A terceirização, por
sua vez, é uma forma de execução indireta das atividades da administração
pública que envolve a prestação de serviço por pessoa estranha ao quadro de
pessoal. No ensinamento de Jacoby Fernandes:
Essa contratação tanto pode envolver a produção de bens,
como de serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de
limpeza, de vigilância e de manutenção em geral.
A prática é admitida,
contudo, quando os serviços se referirem à atividade meio não à atividade
finalística de cada órgão. Decorre daí o emprego frequente da terceirização em
serviços de limpeza e vigilância.
Complementando a compreensão da
matéria quanto à circunscrever o objeto da consulta em atividade-fim ou
atividade-meio para o fim de posicionamento quanto à possibilidade de
contratação de serviços jurídicos pelo BADESC, o Órgão Técnico de Instrução foi
claro ao firmar o entendimento de sua impossibilidade, sustentando tal ponto de
vista nas razões constantes de fls. 24-25:
No Estado de Santa
Catarina, a matéria é disciplinada por meio da Lei Complementar n.º 381, de
07/05/2007, mais especificamente no art. 173, citado acima quando da
transcrição da peça apresentada pelo consulente.
[...]
O dispositivo legal
condiciona tais contratações a atividades materiais acessórias, instrumentais o
complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão
ou entidade, ou seja, direcionam-se à área meio e não à área fim do órgão ou
entidade. Quanto a essa condicionante, não há exceção, como se verifica da
leitura do texto legal.
O mesmo artigo, em
seu § 2.º, ao excluir da contratação de prestação de serviços, atividades
inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou
entidade, possibilita exceção quando menciona: salvo expressa disposição legal
em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de
pessoal.
Infere-se que há
possibilidade, se houver expressa previsão legal, de terceirizar serviços
inerentes a cargos constantes do plano de cargos do órgão ou entidade, contudo,
mesmo assim há um entrave, pois não se cogita a hipótese de terceirizar
serviços que consistam em atividades finalísticas. Em resumo, para terceirizar
serviços jurídicos, é necessária a previsão desses serviços no caput do art. 173 da LCE 381/07 – o que
até o presente momento inexiste, bem como, não haver categoria funcional para
essas atividades no plano de cargos da pessoa jurídica contratante. Se houver
categoria funcional no plano de cargos,
deve haver outra lei, agora específica, para esse órgão ou entidade contratar
serviços jurídicos terceirizados.
Cita ainda Prejulgados dessa Corte de Contas,
de n.º 1084 - que admite a terceirização das atividades da
Administração Pública, desde que atenda ao interesse público e que sejam
pertinentes à atividade-meio (fl. 26), de n.º 1221 - disciplinando
interpretação da matéria em relação à Lei Complementar n.º 101/2000 (fl. 27),
de n.º 1891- que trata da possibilidade de terceirização das
atividades-meio (fl. 27). A partir destes Prejulgados, a Consultoria Geral
firmou o entendimento de considerar válida a contratação de terceirização
somente em se tratando de atividade-meio,
excluindo a possibilidade de terceirização quanto às atividades-fins.
Outro ponto observado
pela Consultoria Geral diz respeito à impessoalidade que deve haver quando se
tratar de terceirização de serviços. Não há, segundo o TCU (em Acórdão citado à
fl. 30 do parecer da Consultoria Geral) como se estabelecer a terceirização
atrelada à subordinação funcional. E neste ponto o entendimento instrutivo é
pela impossibilidade da terceirização, conforme leitura que se faz da análise exposta
à fl. 30.
No exame da matéria, a
Consultoria Geral elenca ainda o Prejulgado n.º 1121 do TCE/SC, que
considera serviços de assessoria jurídica (incluídas defesas em processos
judiciais) como atividades de caráter permanente e contínua, o que implica na
existência de cargos específicos nos quadros da entidade.
Em seu parecer, o Órgão
Consultivo destaca à fl. 35 decisões do STF na ADI 2125, julgada em
06/04/2000 e ADI 2987, julgada em 19/02/2004. Avaliando as decisões do STF
assim interpretou a Consultoria Geral:
O STF, nas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade acima mencionadas, entendeu que nem a
contratação temporária fundamentada no art. 37, IX, da Constituição Federal
poderá abranger cargos típicos de carreira como os relativos à área jurídica,
pois são funções permanentes da Administração Pública.
Por derradeiro,
entende-se que não há fato motivador da inserção de novo prejulgado e que
bastaria a remessa dos Prejulgados 1084 e 1121, os quais esclarecem que tão
somente a atividade meio pode ser executada de maneira indireta. Juntamente com
os Prejulgados será encaminhado ainda o presente parecer, donde se deduz que
serão fornecidos elementos suficientes para elucidar a questão apresentada pelo
consulente.
Formula sugestão à fl.
36 de revogação dos Prejulgados n.º 1244, 942
e 1485
por serem incompatíveis com a orientação sobre a matéria prevalente nessa Corte
de Contas.
Por fim, a Consultoria
Geral formulou a seguinte conclusão:
a) Conhecer da consulta em razão do
preenchimento dos requisitos e formalidades contidas nos arts. 103 e 104 do
Regimento Interno do TCE/SC;
b) Remeter ao Sr. Nelson Marcelo Santiago
e ao BADESC cópia dos Prejulgados n.º 1084 e 1121 pertinentes à matéria objeto
da consulta;
c) Revogar os Prejulgados n.º 1244, 942 e 1485
(item 1).
3. DA PROCURADORIA
A consulta deve ser recepcionada nessa Corte de Contas, vez que
preenchidos os requisitos legais que regulamentam o seu acolhimento no âmbito
dessa Corte de Contas.
Quanto ao mérito a Procuradoria
formula as seguintes compreensões sobre o tema tratado.
A interpretação do BADESC como
entidade que possui característica de sociedade de economia mista é passo
inicial para entendimento do perfil jurídico do ente e a possibilidade de ser
orientado quanto à circunstância que é objeto da consulta, de contratar
serviços jurídicos para prestação de serviços nesta área operacional da Agência
de Fomento do Estado de Santa Catarina.
No próprio corpo do parecer instrutivo
vamos encontrar elementos que permitem extrair compreensões sobre a natureza
jurídica do BADESC, os quais adiante transcreve-se:
- fl. 22
O BADESC – Agência de Fomento do Estado de Santa
Catarina S.A., classifica-se como uma sociedade de economia mista e nesta
condição sujeita-se às regras de direito privado. O art. 173 da
Constituição Federal prevê:
Art. 173. Ressalvados
os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessários aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em
lei.
§ 1.º A lei estabelecerá o estatuto jurídico
da empresa pública, da sociedade de
economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica
de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - ...
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários;
III – licitação e
contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios
da administração pública.
(grifamos)
- fl. 22
O ensinamento de Hely Lopes Meirelles,
na obra Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, 2010, p. 393, citado pela
Consultoria Geral:
As sociedades de economia mista são pessoas
jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder Público e de
particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de
atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas
particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades
mercantis, com adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e
funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do Estado,
como instrumentos de descentralização de seus serviços ...
(grifamos)
O
Decreto-lei federal n.º 200/67, com a modificação introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 900, de 1969 conceituou no art. 5.º, III:
Sociedade
de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito
privado,
criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de
sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à
União ou a entidade da Administração Indireta.
(grifamos)
Do exposto acima, resta clara a
configuração do BADESC como pessoa jurídica de direito misto público/privado,
porém revestida da forma das empresas particulares, assim como encontrar-se
sujeita ao regime próprio das empresas privadas. Assim diz a lei, a doutrina e
a análise citada.
Esta realidade jurídica aplica-se ao
BADESC.
Da análise até aqui procedida, há
necessidade de se avaliar com mais profundidade a exata compreensão do
BADESC à vista do que entende o Supremo
Tribunal Federal, quando o tema tratado é Sociedade
de Economia Mista. Nesse sentido, colhem-se ensinamentos extraídos do
Mandado de Segurança n.º 25.181-6 – Distrito Federal (anexo), na forma adiante
transcrita.
Mandado de Segurança
n.º 25.181-6
Voto do Ministro Marco Aurélio:
O texto
constitucional alcança a Administração como um grande todo, inclusive as
denominadas empresas estatais, no que atuam em verdadeiro auxílio ao setor
público. São empresas do Estado. A par de se fazer referência à administração
indireta, tem-se que, de forma explicativa, consignou-se cláusula em que se
alude às fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público
federal, assentando-se o crivo relativamente às contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. Ninguém desconhece –
e essa foi a razão de haver aderido, atuando como vogal, à óptica do
afastamento da apreciação do Tribunal de Contas
da União no tocante às sociedades de economia mista – que a natureza
destas últimas é tida como privada. O fenômeno – além de revelado pela ordem
jurídica, de forma expressa - advém do envolvimento de capital privado, muito
embora de maneira minoritária. Conforme salientado por Celso Antonio Bandeira
de Mello no trecho transcrito em parecer de trabalho a respeito das sociedades
mistas, das empresas públicas e do regime de direito publico, a submissão das sociedades de economia
mista às regras próprias das empresas privadas objetiva unicamente
viabilizar-lhes agilidade e desenvoltura na atuação do mercado, de modo a
ombrearerm com as empresas privadas propriamente ditas. Faz-se presente também
o interesse público, ante o capital injetado pela pessoa jurídica de
direito público na própria sociedade.
O fetichismo em
relação à personalidade de direito privado das sociedades de economia mista não
pode subverter os valores em questão. Como ressaltado por Celso Antonio
Bandeira de Mello, a relativa
flexibilidade que lhes foi garantida serviu para que pudesse desempenhar com um
pouco mais de liberdade os misteres para os quais foram criadas, mas jamais
para que atuassem segundo parâmetros exclusivamente privados. Tal
personalidade não pode ser usada como escudo protetor inviolável para que se
conduzam apenas de acordo com as próprias metas. Há limites a serem observados,
porquanto está em jogo a gestão de recursos também públicos. O traço nuclear das sociedades de economia
mista, que as distingue de sociedades empresárias comuns, é o fato de operarem como coadjuvantes das
diretrizes estatais e, desse modo submeterem-se aos princípios inerentes à
administração da coisa pública – a supremacia do interesse coletivo sobre o
individual. O elemento essencial das referidas sociedades
– a possibilidade de agirem como auxiliares do Estado na consecução dos objetivos públicos –
não há de ser atropelado por um elemento acidental – a personalidade jurídica
de direito privado.
[...]
Revejo o entendimento
inicialmente sufragado. Atento para o alcance linear do inciso II do art. 71 do
Diploma Maior, no que não cabe restringir a menção à administração indireta às
autarquias e fundações públicas, porque, ante a essa possibilidade
interpretativa, o texto constitucional veio ao mundo jurídico com a
explicitação de se ter como alcançadas fundações e sociedades. Na lição sempre
oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, cumpre ter presente o
entrelaçamento de normas quando em jogo tal espécie de pessoa jurídica:
Bem por isto, as normas de direito privado comparecem no
que concerne ao seu regime operacional
(e ainda assim com restrições), pois o
que se pretendeu foi tão-somente outorgar-lhes meios de ação dotados de maior
agilidade e desenvoltura do que os
dispostos paras as pessoas públicas. Já as normas de direito público
irrompem – às vezes em concomitância com disposições de direito privado –
sobretudo no que atina aos seus mecanismos de controle (em nome dos quais não raro refluem também sobre seus
procedimentos operacionais), pois não haveria razão, nem interesse, nem
possibilidade jurídica, de exonerá-las de contenções e contrastes aplicáveis
sobre quem está, por definição, preposto ao cumprimento de interesse do Estado,
do qual é um mero auxiliar e maneja, só por isto, recursos originariamente
captados, no todo ou em parte de fonte pública (Sociedades Mistas, Empresas
Públicas e o Regime de Direito Público. Revista Diálogo Jurídico, n.º 13,
abril/maio de 2002 – disponível na internet: www.direitopublico.com.br – conforme referido no parecer do Procurador–Geral da
República).
(grifamos)
Voto do Ministro Eros Grau:
02. Desejo
inicialmente observar que, consideramos empresas estatais (empresas públicas e
sociedades de economia mista) que exploram atividade
econômica em sentido estrito ou prestem serviço
público, é necessário apartarmos diversos níveis ou modelos de regimes
jurídicos. A umas e outras são aplicáveis diferentes regimes jurídicos, segundo
se esteja a cogitar de traços estruturais ou funcionais, internos ou externos,
delas.
03. Há marcante
distinção entre os momentos estrutural e funcional das empresas estatais, estou a dela cogitar em seu dinamismo,
isto é, no desenvolvimento das suas
atividades. Mas estas atividades podem ser visualizadas desde a perspectiva
dos particulares – relações da empresa estatal com os particulares – ou desde a
perspectiva do próprio Estado – relações da empresa estatal com o Estado. Quando penso no regime
estrutural da empresa estatal, estou a delas cogitar em termos estáticos,
isto é, em seu formato institucional. Posso – e devo, imperiosamente – então,
verificar que há um regime jurídico
estrutural (mais de um, em verdade: note-se a distinção entre empresas
públicas, sociedades de economia mista e empresa estatal) – e, pelo menos, dois
sub-regimes jurídicos funcionais
aplicáveis às empresas estatais. Os últimos entendidos como funcional-interno – relações da empresa
com o Estado e funcional externo – relações
da empresa com o setor privado. No nível do regime
jurídico estrutural debateremos, por exemplo, a caracterização da empresa
como sociedade de economia mista ou não; no nível do regime jurídico funcional interno obteremos, por exemplo, o tipo e
a extensão dos controles estatais a que está sujeita a empresa; no nível do regime jurídico funcional externo debateremos,
por exemplo, se o contrato celebrado entre a empresa e particulares é do tipo
denominado administrativo ou privado. Não há interpenetração necessária entre
tais regimes.
[...]
É certo que algumas concepções desenvolvidas em torno da
chamada Administração Indireta padecem de imprecisões que obscurecem o seu entendimento. A complexidade do
tema torna-se maior na medida em que a expressão “Administração Indireta” é por vezes usada como sinônimo de “administração descentralizada”, ainda que as duas não se confundam. De todo
modo, não obstante esses desacertos, o fato é que o artigo 5.º do decreto-lei
n. 200, inclui, entre as atividades da Administração Indireta, as empresas
públicas, e as sociedades de economia mista. É pacífico, por outro lado, o
entendimento de que Administração Indireta é a modalidade de Administração
Pública exercida através de pessoa jurídica de direito privado. Há
Administração Indireta sempre que a organização estatal delega a outrem
(empresas criadas ou cuja criação foi
autorizada pelo setor público, fundações, particulares delegados, contratual ou
compulsoriamente) a execução de função administrativa.
(grifamos)
E nas participações dos Ministros
Sepúlveda Pertence e Carlos Britto colhem-se as seguintes compreensões sobre o
tema:
O SENHOR MINISTRO
SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE) - É isto que acho muito importante deixar
posto: a título de fiscalização da economicidade, não pode arrogar-se o Tribunal de Contas a ser o tutor da administração
de empresas estatais, sobretudo daquelas que atuam em regime de intensa
competitividade, de que são exemplos os bancos oficiais sobreviventes à
privatização.
O SENHOR MINISTRO
CARLOS BRITTO – Exatamente. Mas acho que tenho resposta para isso, Excelência.
Meu primeiro juízo
foi este: a lei não pode ser, pura e simplesmente, substitutiva dos comandos
constitucionais, porque inutilizaria a funcionalidade desses comandos.
Restariam eles oficialmente inócuos. Então, parece-me que essa lei é para
otimizar a aplicação dos comandos constitucionais quanto às peculiaridades
mercantis dessas atividades administrativas, para que elas sejam não só de economia mista quanto à formação de
seus capitais, mas de economia mista quanto ao seu regime jurídico. Um regime jurídico
que nem coincide inteiramente com o das empresas privada nem como o dos órgãos
e entidades genuinamente públicos.
Transportei-me para o
capítulo constitucional sobre os Tribunais de Contas, que adjudica, entrega a
esses Tribunais oito tipos de fiscalização: financeira, orçamentária,
patrimonial, contábil, operacional, de eficiência, de eficácia e essa a que
Vossa Excelência se referiu: de economicidade. E o que me pareceu conclusivo?
Que o papel da lei é simplesmente de uma mediação otimizadora, a fim de refletir as peculiaridades de um
tipo de entidade administrativa que atua como protagonista de atividade
mercantil e, como tal, competindo no Mercado.
(grifamos)
O
SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – [...]
Sociedades de
economia mista são concebidas e, em
concreto, criadas em função de finalidades públicas, não apenas como se
fossem sociedades de direito privado, guiados pela atração do lucro, mas
sobretudo como prolongamentos do Estado, de
modo que os seus dirigentes devem agir no cumprimento do dever público de
resguardo dos interesses e das finalidades públicas que presidem a
instituição dessa mesmas sociedades.
[...]
A questão que me
pareceu algo mais complexa, mas apenas na aparência, é a natureza de controle
adequado a sociedade ou sociedades que
atuam segundo as regras do mercado e da concorrência. Mas, aí, parece-me
que o problema é de metodologia da fiscalização, não problema de competência
para fiscalizar, isto é, deve o Tribunal de Contas, e de certo o fará por competência técnica,
seriedade e bom senso dos seus agentes, conciliar
as exigências da autonomia empresarial e do interesse público, até porque, no
caso das sociedades de economia mista e das empresas públicas, tais requisitos
são complementares, não antagônicos.
Mas, enquanto não
seja editada, é bom advertir que o Tribunal de Contas deve preocupar-se
sobretudo com essa metodologia para não
inviabilizar, vamos dizer, a operacionalidade dessas empresas.
[...]
Respondo agora ao
argumento de que tais sociedades não comportariam esse tipo de fiscalização. Eu
não diria que seja argumento sofístico, mas, sem dúvida, é argumento especioso,
porque, se tais sociedades fossem insuscetíveis de fiscalização pública, nem a fiscalização de caráter privado poderia
dar-se. O fato de essas sociedades terem auditorias e controles internos prova
por si que, embora atuando na área empresarial, comportam formas de
fiscalização compatíveis com sua
natureza, isto é, de entidades destinadas a operar em mercado altamente
competitivo.
O que não pode é o Tribunal de Contas interferir em
decisões políticas e de estratégias empresariais, devendo restringir-se aos termos do artigo 72 para resguardar o
interesse público contra procedimentos capazes de acarretar danos ao erário.
(grifamos)
A matéria tratada nos autos, nos
termos das manifestações antes transcritas encontra-se satisfatoriamente
discutida, com abordagem de diversos aspectos e ângulos de visão para o mesmo
tema.
Não resta dúvida quanto à natureza
jurídica das sociedades de economia mista, sujeitando-se, nos termos do art. 173, § 1.º, II da CF “... ao regime jurídico próprio das empresas privadas.” Outro não
é o entendimento da doutrina, citado no parecer da Consultoria Geral, como de
Hely Lopes Meirelles quando anota que “As sociedades de economia mista são pessoas
jurídicas de Direito Privado” e que “Revestem a forma das empresas particulares”.
O conceito de Sociedade de Economia Mista que nos traz o Decreto-Lei n.
º 200/67 é claro ao dispor que é “Sociedade de Economia Mista - a entidade
dotada de personalidade jurídica de direito privado.”
Quanto a atuação das Sociedades de
Economia Mista, entidades integrantes da Administração Indireta, estas possuem
características peculiares, que agregam aspectos públicos e privados,
sujeitam-se a determinadas normas de cunho público e outras privadas, mas na
essência, atuam num mercado competitivo, específico e atuarem como auxiliares
do Estado na realização de objetivos públicos, e tem que buscar, por dever
legal, a prevalência do interesse público e o resguardo do erário, já que sua
composição está integralizada também com capital público.
Do contexto acima que oferece
informações bem precisas sobre a Sociedade de Economia Mista, restaria observar
qual a perspectiva de sua atuação na forma da presente consulta.
Esta resposta vem da interpretação que
se faz do julgado do STF contido no
Mandado de Segurança n.º 25.181-6 antes transcrito e anexo, no qual a
discussão sobre as peculiaridades de uma
sociedade de economia mista foram esclarecidas no debate em plenário.
Assim, ficou claro da leitura do
referido julgamento que , “a submissão
das sociedades de economia mista às regras próprias das empresas privadas
objetiva unicamente viabilizar-lhes agilidade e desenvoltura na atuação do
mercado...”, onde deve ser observado por estar “presente também o interesse público.”
No mesmo diapasão da interpretação do STF
o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello ao dispor sobre o
entrelaçamento de normas pertinentes às Sociedades de Economia Mista ao
enfatizar que este tipo ente tem no seu regime operacional a perspectiva de
ação dotada “de maior agilidade e desenvoltura do que os dispostos paras as pessoas
públicas.”
Como ressaltou o Ministro Eros Grau ao
discorrer sobre momentos estrutural e funcional das sociedades de economia
mista, há a necessidade de dinamismo vinculado ao desenvolvimento de suas
atividades. Tal dinamismo deve obrigatoriamente estar atrelado a um objetivo,
que é exatamente a possibilidade das sociedades de economia mista atuarem com
flexibilidade e agilidade na prática de seus atos (perfil que caracteriza entes
privados), e no caso presente o resguardo do erário em atividades terceirizadas
que tem por escopo buscar o que de direito é do Estado em ações judiciais
específicas.
Por fim, destacando as anotações do
Ministro Cezar Peluso de que as “Sociedades
de economia mista são concebidas e, em concreto, criadas em função de
finalidades públicas, não apenas como se fossem sociedades de direito
privado, guiados pela atração do lucro, mas sobretudo como prolongamentos do
Estado, de modo que os seus dirigentes
devem agir no cumprimento do dever público de resguardo dos interesses e das
finalidades públicas que presidem a instituição dessa mesmas
sociedades.”
(grifamos)
E neste contexto, vislumbra-se um
perfil peculiar das Sociedades de Economia Mista, conforme o entendimento do
Ministro Cezar Peluso, no sentido de que a apreciação desta Corte de Contas
deve “conciliar as
exigências da autonomia empresarial e do interesse público, até porque, no caso
das sociedades de economia mista e das empresas públicas, tais requisitos são
complementares, não antagônicos.”
(grifamos)
Assim, pode-se depreender que as
sociedades de economia mista tem uma característica marcante que não as situa
nem como ente exclusivamente público e nem exclusivamente privado, pelo
contrário, atuam com características que importam nesta dualidade
público/privado. Todavia, do julgado do STF acima emergem considerações válidas
e esclarecedoras quando são observados autonomia, agilidade, flexibilidade,
dinamismo como características deste tipo de ente misto estatal/privado, e a
quem incumbe no exercício de sua função atuar no resguardo dos interesses e
finalidades públicas, e em assim agindo, fazer prevalecer o interesse público.
Há ainda a registrar que a atuação de
profissional advogado não integrante do quadro funcional do BADESC estaria
apenas vinculado a situações específicas e não gerais, descaracterizando conotação
de subordinação, conforme descreve o BADESC à fl. 08:
0.4 – Entretanto,
Senhor Presidente, entendo possível se proceda
o credenciamento de determinados processos de execução, mormente aqueles
em que: não há perspectiva de acordo administrativo/judicial; há desfalque das
garantias reais que tornem duvido ou extremamente dificultoso o retorno do
crédito mutuado; dificuldade de acompanhamento do feito no interior do Estado;
pequeno valor da execução que não compense os dispêndios para resgate judicial
do crédito, etc. Tais fatos, por si só, já justificariam o credenciamento,
tendo em vista o princípio da economicidade e da eficiência que deve nortear a
Administração Pública (seja ela direta ou indireta).
Isto posto, e considerando as razões
elencadas pelo BADESC à fl. 04, quanto destaca que os princípios da
economicidade e eficiência aplicáveis a determinados processos de execução e o
dever de seus dirigentes, nas palavras do Ministro Cezar Peluso de “agir no cumprimento do dever público
de resguardo dos interesses e das finalidades públicas”, firma-se o entendimento de que possa
ser respondido ao BADESC, pela possibilidade da terceirização de serviços
jurídicos nas condições estritamente necessárias vinculadas à deficiência do
órgão conforme exposição contida no arrazoado de fls. 2 a 06, visando o
resguardo do erário.
Florianópolis, 18 de agosto de 2011.
MARCIO
DE SOUSA ROSA
PROCURADOR-GERAL ADJUNTO
prc