Parecer no:

 

MPTC/5.395/2011

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 10/00421470

 

 

 

Origem:

 

Prefeitura Municipal de Gaspar

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de Reexame (art. 80, da LCE/SC nº. 202/2000).

 

Trata-se de Recurso de Reexame formulado pelo Sr. Pedro Celso Zuchi, com fundamento no art. 80, da Lei Complementar nº. 202/2000, em face da Decisão Plenária prolatada na Sessão Ordinária de 17-05-2010 (Acórdão 0302/2010 – Processo DEN-03/07452760).

O Gestor insurgiu-se contra referida decisão nos termos da petição de fls. 02-28. Aduz em sua defesa que:

“Pedro Celso Zuchi – Prefeito Municipal de Gaspar, inconformado com os termos do Acórdão nº 0302/2010, prolatado no Processo DEN-03/07452760 e baseando-se nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar nº 202, de 15-12-2000, c/c o parágrafo único do art. 139, do Regimento Interno desse Tribunal, aprovado pela Resolução TC/SC nº 06/2001, vem respeitosamente a V.Exa. interpor o presente Recurso de Reexame contra a citada decisão, pelo que submete ao elevado discernimento do Excelso Plenário, dessa Egrégia Corte de Contas, os fatos e elementos a seguir relatados:

I – Do Acórdão

1. Em Sessão Ordinária de 17-5-2010, o Insigne Tribunal Pleno emitiu o Acórdão nº 0302/2010 sobre os presentes autos, em que deliberou:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, relativos à Representação acerca de Irregularidades na Concorrência n. 47/2002, formalizada pela Prefeitura Municipal de Gaspar; Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 923 dos presentes autos; Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Reinstrução DLC/Insp.2/Div.6 n.834/2008;

Acordam os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Gaspar, que trata da análise da Concorrência n. 47/2002, para considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, o ato examinado.

6.2. Aplicar ao Sr. Pedro Celso Zuchi – Prefeito Municipal de Gaspar, CPF n. 181.649.359-72, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), por ter incluído no edital da Concorrência n. 47/2002 as cláusulas restritivas constantes dos itens 4.1 e 4.1.2.1, contemplando exigências consideradas desnecessárias pela Administração antes do início da operação do sistema de transportes coletivos, violando, com isso, as disposições dos arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar, com fundamento no art. 29, caput, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, que a Unidade Gestora, representada pelo atual Prefeito Municipal de Gaspar, nos termos do art. 49, caput e § 2º, da Lei (federal) n. 8.666/93, promova a anulação do contrato oriundo da Concorrência n. 47/2002, comprovando tal procedimento a esta Corte de Contas no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal.

6.4. Comunicar de imediato o fato ao Ministério Público Estadual, com fundamento nos arts. 1º, XIV, r 65, § 5º, da Lei complementar (estadual) n. 202/2000, com remessa de cópia dos presentes autos.

6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC/Insp.2/Div. 6 n. 834/2008 e do Parecer MP/TC n. 3985/2009; 6.5.1 ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação; 6.5.2 aos procuradores constituídos nos autos; 6.5.3 à Procuradoria do Município de Gaspar; 6.5.4 ao responsável pelo Controle Interno daquele Município; 6.5.5 ao Denunciante nos presentes autos; 6.5.6 ao Representante no Processo n. RPA-07/00528083.

II – Do Contraditório

6.2. Aplicar ao Sr. Pedro Celso Zuchi – Prefeito Municipal de Gaspar, CPF n. 181.649.359-72, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00, por ter incluído no edital da Concorrência n. 47/2002 as cláusulas restritivas constantes dos itens 4.1 e 4.1.2.1, contemplando exigências consideradas desnecessárias pela Administração antes do início da operação do sistema de transportes coletivos, violando, com isso, as disposições dos arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

Inconsistência da Identificação do Responsável

1. Os autos são omissos quanto a justificar fundamentadamente a razão de o Chefe do Poder Executivo Municipal resultar apontado “responsável” pela suposta irregularidade, enunciada no item 6.2 do Acórdão, com base em foi-lhe imputada a multa; a decisão prolatada, pois, se ressente da observância do princípio da motivação, que deve revestir as decisões de Tribunais, conforme previsto no Direito Processual (ver CPP, art. 381; CPC, art. 165 c/c art. 458). Assim, restaram sonegados elementos fundamentais ao Recorrente, para que pudesse exercer, em sua plenitude o direito ao contraditório e ampla defesa, assegurado pelo art. 5º, LV, da C.F., inclusive quanto a eventual erro de pessoa.

Deixaram de ser apontadas provas de que o ex-Prefeito cometeu ato ilícito, ou que ingeriu para que fossem praticados. Se assinou o ato convocatório da licitação, isto se deu baseado na presunção de legitimidade do ato administrativo, trazido ao seu conhecimento, que atestou a legalidade do edital – neste caso, o parecer da Assessoria Jurídica emitido nos termos do art. 38, par. Único, da Lei nº 8.666, de 21-06-93, aprovando o ato convocatório do certame.

Hely Lopes Meirelles é elucidativo, ao discernir sobre esta questão:

“Os atos administrativos, como emanação do Poder Público, trazem em si certos atributos que os distinguem dos atos jurídicos privados e lhes emprestam características próprias e condições peculiares de atuação. Referimo-nos à presunção de legitimidade, à imperatividade e à auto-executoriedade.

Presunção de Legitimidade

Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência de solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhe execução.

A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que arguidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de  nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários de seus efeitos. Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de mandados de segurança, ou de ação popular, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado.

Outra consequência da presunção de legitimidade é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuide-se da arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia.”

2. A forma como houve designação do ex-Prefeito, como responsável, guarda conflito inclusive com os fins teleológicos da Lei Orgânica desse Tribunal de Contas, que seu art. 10, retrata com perfeição, quando diz:

Art. 10 – A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte prejuízo ao erário.

Conforme o mandamento, a autoridade administrativa competente será considerada responsável solidária se não adotar providências, com vistas a apurar fatos, identificar responsáveis e, no caso de tomada de contas especial, quantificar o dano. Portanto, a Lei não designa a autoridade competente como “responsável solidária”, só pelo fato de um subordinado cometer ato que possa ser interpretado impróprio, a não ser em caso de comprovada prevaricação – o que não é a situação.

3. A DLC agiu como órgão de investigação; realizou inspeção in loco e apontou o que entendeu impróprio; mas, não aprofundou sua ação para identificar as responsabilidades inerentes, na extensão devida e nos termos preconizados pelo Direito Processual; não efetuou investigação hábil para identificar responsáveis; simples e laconicamente, designou o Prefeito como sendo o responsável.

Não se encontra em lei, nem na doutrina ou na jurisprudência, suporte para presunção (sem prova) de responsabilidade, nos termos propostos pelo Corpo Instrutivo. Ao contrário, é ressaltada a importância de se buscar a verdade substancial, como tal ensinada em lições sobre o “princípio da verdade material” – um dos sustentáculos do “procedimento administrativo”, como leciona Celso Antônio Bandeira de Melo:

“36. (VIII) Princípio da verdade material. Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado, como bem o diz Héctor Jorge Escola. Nada importa, pois que a parte aceite como verdadeiro algo que não o é ou que negue a veracidade do que é, pois no procedimento administrativo, independentemente do que haja sido aportado aos autos pela parte ou pelas partes, a administração deve sempre buscar a verdade substancial. O autor citado escola esta assertiva no dever administrativo de realizar o interesse público.

(...)

47. O princípio da verdade material estriba-se na própria natureza da atividade administrativa. Assim, seu fundamento constitucional implícito radica-se na própria qualificação dos Poderes tripartidos, consagrada formalmente no art. 2º da Constituição, com suas inerências.

Deveras, se a Administração tem por finalidade alcançar verdadeiramente o interesse público fixado na lei, é obvio que só poderá fazê-lo buscando a verdade material, ao invés de satisfazer-se com a verdade formal, já que esta, por definição, prescinde do ajuste substancial com aquilo que efetivamente é, razão por que seria insuficiente para proporcionar o encontro com o interesse público substantivo.

Demais disto, a previsão do art. 37, caput, que submete a Administração ao princípio da legalidade, também concorre para a fundamentação do princípio da verdade material no procedimento, pois, se esta fosse postergada, seria impossível atender à autêntica legalidade na criação do interesse público.”

Da mesma forma que, legalmente, o Administrador não pode dispensar a instrução de procedimento administrativo da competência de agente subordinado, antes de cometer determinados atos finais (sob pena até de prejudicar a legalidade ou a legitimidade deles), a responsabilidade desses agentes também não pode deixar de ser apurada e identificada, na hipótese de originar-se, do exercício do seu dever funcional, eventual vício transmitido ao ato final, que, pela própria natureza, não possa ser detectado pela autoridade superior.

Frente ao acima exposto, acentua-se o fato da ausência de motivação legal, capaz de justificar a escolha do Recorrente como responsável, sujeitando-o à imputação de multa.

Ausência de base legal para multar

4. A norma legal (de caráter principiológico, e não procedimental) dita descumprida, em razão do que houve a multa, foi o art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei nº 8.666/93, de seguinte teor:

Art. 3º - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.

§ 1º - É vedado aos agentes públicos:

I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;

A aplicação da multa, ora recorrida, baseou-se art. 70, inc. II, da Lei Complementar nº 202, de 2000, que estabelece:

Art. 70. O Tribunal poderá aplicar multa de até R$ 5.000,00 aos responsáveis por:

II – ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;

A restrição enunciada, no Acórdão, não configura hipótese referida no art. 70, II, da LC 202, com base em que o legislador conferiu poder ao Tribunal de Contas para multar, pois:

. não diz respeito a irregularidade de contas ou a ilegalidade de despesa, de que trata o art. 59, VIII, da Constituição Estadual – de onde promana o poder do Tribunal de Contas de multar; por conseguinte, também não é passível de ser enquadrada em situação prevista no art. 70, II, da L.C. 202/2000, cuja eficácia deve guardar conformidade com citada norma constitucional, de onde decorre;

. a matéria em exame é inerente a Direito Administrativo propriamente dito (conforme nomenclatura adotada pela doutrina, para diferençiá-lo das normas de Direito Administrativo, de outra natureza), motivo pelo qual não é possível dela se originar infração a norma legal ou regulamentar de Natureza contábil, financeira, orçamentária” (de Direito Financeiro), e não configurarem regras de caráter “operacional ou patrimonial”; além disto,

. a Lei Federal nº 8.666/93 não delega poder a Tribunal de Contas para aplicar multas, em razão de eventual infração a alguma de suas normas; as sanções administrativas cabíveis de serem aplicadas, em caso de eventualmente haver o seu descumprimento, são unicamente as indicadas no Capítulo IV – “Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial” (arts. 81 a 108).

Por conseguinte, o eventual descumprimento da supracitada norma, da Lei nº 8.666/93, não tipifica situação sobre que recaia a capacidade de Tribunal de Contas para imputar multas. Em razão de constituir regra de Direito Administrativo propriamente dito, pela sua Natureza, aquele dispositivo não se enquadra dentre as normas referidas pelo art. 70, II, da LC 202/00, em relação às quais (e somente no tocante a estas!) foi-lhe atribuída poder para multar. Portanto, a aplicação da multa, ora recorrida, não se teve suporte legal hábil.

Outrossim, os autos não contêm elementos que permitam identificar as razões jurídicas que conduziram o Eg. Tribunal a entender que o disposto no art. 3º, § 1º, I, da Lei 866, configura matéria passível de ser enquadrada como de natureza como dentre as discriminadas no art. 70, II, da LO/TC, ensejadoras da aplicação desse tipo de penalidade.

A doutrina bem clarifica a distinção, quanto à natureza, das normas de Direito Administrativo; ensina De Plácido e Silva, em sua obra “Vocabulário Jurídico”:

Direito Administrativo: Destarte, o Direito Administrativo encerra o conjunto de normas, em virtude das quais se estabelecem os princípios e regras necessários ao funcionamento da administração pública, não somente no concernente à sua organização como às relações que se possam manifestar entre os poderes públicos e os elementos componentes da sociedade.

Assim, dentro de seu objetivo, traça os limites dos poderes delegados aos órgãos da administração pública, conferindo as atribuições e vantagens a seus componentes e lhes indicando a maneira por que devem realizar os atos administrativos e executar todos os negócios pertinentes à administração, e aos interesses de ordem coletiva, inclusos, em seu âmbito.

O Direito Administrativo, no desempenho de sua precípua finalidade, triparte-se em aspectos diferentes, dos quais surgem: o Direito Administrativo, propriamente dito, o Direito Financeiro e o Direito Fiscal, que embora estreitamente entrelaçados no cumprimento de seu objeto, apresentam-se definidos pela soma de regras que se fazem fundamentais a cada uma dessas subdivisões.

O Direito Administrativo, propriamente dito, cuida mais principalmente dos serviços de ordem pública e de interesse coletivo, segundo os quais dá execução aos planos de difusão e fomento, estabelecidos pelo poder público, para desenvolvimento e grandeza do Estado, deixando aos Financeiro e Fiscal, que cuidem ou zelem por esta parte privativa ao estabelecimento de normas financeiras oriundas do poder financeiro do Estado, e ao estabelecimento de regras promotoras da realização das rendas públicas.

O Direito Financeiro, ou Direito Administrativo Financeiro constitui-se da soma de regras, ditadas em interesse coletivo, para que governem as finanças do Estado, impondo os princípios que devem normalizar as atividades financeiras do Estado, no sentido de assegurar os recursos de que necessita para a mantença de seus serviços e cumprimento de suas precípuas finalidades, ao mesmo tempo em que traça as normas por que se dever pautar a aplicação destes recursos.

O Direito Fiscal ou Direito Administrativo Fiscal representa-se pelo conjunto de regras e princípios que, estabelecendo os impostos e taxas, institui as normas que devem ser aplicadas na arrecadação das rendas tributárias, inclusive de sua fiscalização, sem se imiscuir na administração dessas rendas e em sua aplicação, o que se já se faz objeto do Direito Financeiro. (grifei)

Regularidade dos itens 4.1.2 e 4.1.2.1, do Edital

5. Não obstante o acima asseverado, a DLC interpretou a existência de “grave infração” a uma norma legal de caráter principiológico, para sugerir aplicação de multa. Não identificou norma procedimental ferida; preferiu a aleatoriedade da alegação de infração a uma norma principiológica, para enquadrar como “grave” a própria tese do que advogou como transgressão à Lei 8.666/93, desvirtuando até o sentido dos fatos para adequá-los ao silogismo que propôs.

Contestou a autorização da mudança (depois de encerrado a licitação) do número de portas que os ônibus de 12m deveriam possuir (tão somente isto!!), referida no item 4.1.2.1, do Edital de Concorrência nº 47/2002 (de fls.20), a seguir:

4.1.2. Especificações dos veículos:

4.1.2.1. Ônibus comum com capacidade mínima para 32 passageiros sentados e carga total de 80 passageiros, apresentando 40% da sua capacidade de carga para passageiros sentados, considerando que a ocupação de passageiros em pé é de 6 por metro quadrado. Este veículo deve apresentar comprimento total máximo de 12,00 metros e três portas 1,10m, sendo duas localizadas nos balanços dianteiro e traseiro e uma no entre eixos do veículo, a porta dianteira para veículos motor dianteiro pode apresentar 0,80m de vão livre mínimo. Os bancos devem ser em material plástico com assento e encosto acolchoados e piso em  material antiderrapante tipo taraflex ou similar.

Sem explicar de onde tirou a informação (o Ofício nº 105/2002, de fls. 545, não faz referência a respeito), asseverou que a supracitada autorização se baseou no permissivo contido no item 4.2.1, assim redigido:

4.2 – Da Frota:

4.2.1. A frota de veículos para o transporte coletivo será composta de acordo com as determinações do Poder Concedente para operação do sistema, em conformidade com o item 4.1, podendo, entretanto, ser alterado a critério do Poder Concedente, a qualquer momento, desde que constatada a ineficiência do sistema.

O Edital, em que se baseou a Concorrência, aprovado pela assessoria jurídica da Prefeitura, foi regular; em momento algum o item 4.1.2.1, ou o item 4.2.1, foram objeto de impugnação, seja com base no art. 41 da Lei nº 8.666/93, seja através de Mandado de Segurança. Em si, a Concorrência realizou-se na forma da lei, gerando todos os direitos decorrentes desta modalidade licitatória, assegurados pelos princípios básicos de licitação.

A licitação foi realizada com absoluto acatamento aos mandamentos legais, a ela inerentes; suas regras revestiram-se de integral legalidade. E isto ficou caracterizado em seu resultado final, mesmo com recursos administrativos e o mandado de segurança impetrados (referidos às fls. 908 a 917). Se contivesse irregularidade, a Justiça assim teria declarado; o que não aconteceu, significando pois seu reconhecimento da legalidade do certame.

Daí, também, a improcedência da determinação de anulação do certame, mormente pelo motivo aventado: a autorização do Poder Concedente, na fase da execução contratual, para os ônibus terem 02 portas, em vez das 03 previstas no Edital, Se existiu erro nessa autorização, posterior ao término da licitação, medidas cabíveis de adotar devem se prender apenas a ele, ainda mais (como no caso) estando o fato interligado à execução do contrato, não se transmitindo à licitação já encerrada, pois circunscrito estritamente à situação e ao momento a que se vinculou.

Pressupostos básicos

6. Antes de discutir os silogismos propostos pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, cabe salientar os seguintes elementos básicos para o conhecimento e compreensão da matéria, em questão:

a) a Concorrência nº 47/2002 teve por objeto a concessão de serviços públicos de transporte coletivo urbano de passageiros, e não fornecimento de ônibus para o patrimônio da Prefeitura;

b) após vencer a licitação e firmar o contrato de concessão é que, em regra, a empresa concessionária cuida de adquirir a frota de ônibus, que utilizará a partir da data aprazada para o início da prestação de serviços;

c) nenhuma empresa, das que licitaram, fabrica ônibus; compra-os, após obterem a concessão, com as características autorizadas pelo Poder Concedente;

d) a impugnação sugerida pela DLC refere-se, tão-somente, ao fato de a Prefeitura ter autorizado o uso de ônibus de 02 portas, e não de 03 como previsto.

Suposições inconsistentes

7. A Diretoria de Controle, para impugnar a licitação, prendeu-se tão somente a suposições do que poderia ocorrer. É o evidenciado, a todo, instantes, nos Relatórios nºs 208/2008 (fls. 880 a 921) e 834/2008 (fls. 943 a 950), como a seguir se demonstra:

a) fls. 202 (4º par.): “Ocorreu, neste caso, uma série de especificações desnecessárias, inúteis e restritivas, que podem ter sido determinantes ao desinteresse de outras empresas do ramo.”

b) fls. 202 (5º par.): “Logo, pode-se considerar que tais especificações serviram, tão somente, para afastar outros interessados em participar do certame (...)”

c) fls. 905 (4º par.): “Salvo melhor juízo, a inclusão das especificações da frota, na forma indicada no edital, frustrou o caráter competitivo da licitação e trata-se de ato vedado e não tolerado pela legislação pertinente.”

d) fls. 944, enunciado do item 2.1: “(...) e tais especificações podem ter sido determinantes ao desinteresse de tantos outros interessados (...) o que pode ter beneficiado a empresa vencedora do certame...”

e) fls. 946 (1º par.): “(...) como afirmado anteriormente, podendo ter sido determinantes ao desinteresse de outras empresas do ramo.”

Em nenhum momento, a Diretoria Técnica provou a ocorrência de irregularidade na licitação, em si. Seus raciocínios pautam-se no levantamento de hipóteses do que poderia ter acontecido, mas sem provar que elas são verdadeiras. Jamais pode-se admitir um raciocínio técnico conclusivo, pela anulação de um contrato, desta forma, ainda mais com a condicional de “salvo melhor juízo”.

Frente a tais suposições inconsistentes levantadas, o Eg. Plenário determinou a anulação do contrato, porém sem provar a ilegalidade da licitação – que a Justiça reconheceu como legal.

8. Sem ter como provar suas alegações, a DLC exagerou no uso de adjetivações e meias verdades sobre o apontado, como forma de obter credibilidade, atuando como acusador descompromissado, e não como órgão de um Tribunal, de que se espera imparcialidade. Exemplo disto é seu texto, às fls. 904, ao se reportar à doutrina que transcreveu:

“Em verdade, a transcrição acima, (...) vem calcada na intenção de firmar convicção que o Edital de Concorrência nº 47/2002, na parte referente às especificações dos veículos não estava preocupada com o atendimento da vantajosidade para a Administração (com excesso de exigências afugentou outros interessados (14 retiraram cópia do edital pagando taxa de R$ 100,00, o que certamente tem a ver com o interesse no conhecimento das condições, por inteiro, e avaliar a sua participação ou não do certame), na medida em que apenas três empresas apresentaram documentos de habilitação (uma delas foi inabilitada), diminuindo a competição e, como consequência, a garantia da vantajosidade para a Administração, e supletivamente, entende-se que tratamento isonômico aos interessados fica prejudicado, se o próprio instrumento convocatório, ao impor regras que a própria Administração vem a considera-las inúteis antes mesmo da assinatura do contrato.

Ou, então, quando assim diz, às fls. 906:

“A doutrina acima está em total consonância com a posição defendida neste relatório. A Administração Pública de Gaspar, quando da elaboração do edital CC 47/2002, inseriu condições que, além de frustrar o caráter competitivo da licitação, não eram apenas rigorosas, mas inadequadas, inúteis e incompatíveis como objeto da licitação, o qual poderia ser levado a termo sem tamanhas exigências.”

Várias são as impropriedades lançadas no texto: a afirmação de que a Administração não estava preocupada em obter vantagens para o Município (sem explicar de onde tirou essa suposição); a existência de “excesso de exigências” – qual seja, a previsão de 03 portas para os ônibus de 12m; que este excesso “afugentou” outros interessados; que a Administração considerou inúteis regras do edital – o que nunca esta assim entendeu; a condição de exigir 03 portas nos ônibus foi rigorosa, inadequada, inútil e incompatível com o objeto da licitação.

De salientar, no comportamento da Diretoria Técnica, a intenção de “firmar convicção” (Dic. Aurélio: certeza adquirida, ou persuasão íntima) e de estar “defendendo posição”, no relatório, caracterizando parcialidade na apreciação da matéria. Diante da ausência de provas a respeito de suas alegações, propôs-se formular tese, criando argumentação da forma acima, cheia de adjetivações, para “firmar convicção”, “defender posição” – o que não precisaria, se o apontado não fosse hipotético.

Motivação da Impugnação

9. A razão de o Egrégio Tribunal Pleno ter multado o Recorrente e pretender que seja anulado o Contrato, oriundo da Concorrência nº 047/2002, é assim expressa, no Acórdão nº 0302/2010:

“(...) por ter incluído no edital da Concorrência n. 47/2002 as cláusulas restritivas constantes dos itens 4.1 e 4.1.2.1, contemplando exigências consideradas desnecessárias pela Administração antes do início da operação do sistema de transportes coletivos, violando, com isso, as disposições dos arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC)”

O enunciado do item 2.1, do Relatório nº DLC/Insp.2/Div.6 – 834/2008 (às fls. 944) está assim redigido:

Pela inclusão, no Edital CC 47/2002, de cláusula restritiva, no concernente às especificações da frota (item 4.1 e 4.1.2.1 do Edital), que fazia exigências consideradas desnecessárias pela Administração, antes do início da operação do sistema e tais especificações podem ter sido determinantes ao desinteresse de tantos outros interessados que retiraram cópia do Edital, descumprindo o próprio Edital que previa a modificação da frota, “a critério do Poder Concedente, a qualquer momento, desde que constatada a ineficiência do sistema”, haja vista que o sistema ainda não havia iniciado, portanto, não havia meios para constatar tal condição, o que pode ter beneficiado a empresa vencedora do certame, configurando desatendimento ao inc. I, § 1º, do art. 3º da Lei nº 8.666/93 (Item II.5 do Relatório nº 208, fls. 880/921).

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações entendeu como “cláusulas restritivas” o fato de o Edital ter previsto que os ônibus com 12m deveriam possuir 03 portas; depois, após a assinatura do Contrato SAF nº 136/2002 (mas no mesmo dia), autorizou que a empresa poderia utilizar ônibus com 02 portas (foi a essa especificação de 03 portas que a DLC qualificou de rigorosas, inadequadas, inúteis e incompatíveis com o objeto da licitação, o qual poderia ser levado a termo sem tamanhas exigências.)

Teria razão a tese da DLC se o objeto da Concorrência nº 047/2002 fosse a compra de ônibus com 03 portas, pela Prefeitura, e existisse no mercado, de um lado, empresas que só comercializassem ônibus com 03 portas e, de outro, empresas que só vendessem ônibus com 02 portas. Se assim fosse e o Edital exigisse que os ônibus a comprar devessem ter 03 portas, resultariam excluídos do certame os fornecedores de ônibus de 02 portas; então, a cláusula especificadora de 03 portas seria restritiva aos fornecedores de veículos com 02 portas. Aí, sim, a mudança do objeto contratual, para comprar ônibus de 02 portas, configuraria restrição à participação dos fornecedores de ônibus com 02 portas, no certame.

Entretanto, o objeto da licitação não é compra de ônibus, mas outorga de concessão de serviço público de transporte coletivo urbano (aspecto acentuado no tópico 6 acima) – o que altera radicalmente a percepção a se ter da matéria. Mas, a DLC não atentou para tal fato, parece.

Qualquer empresa que licita a outorga de concessão de serviços de transporte coletivo urbano de passageiros, em regra, se preocupa em investir na aquisição dos veículos necessários à prestação somente após ser-lhe adjudicada a concorrência. Só então irá adquirir os veículos, com as especificações estabelecidas pelo Poder Concedente.

Neste caso, o ônibus dever possuir 02 ou 03 portas é detalhe de menor importância, haja vista bastará à concessionária especificar ao fornecedor do veículo quantas portas ele deverá possuir e assim eles lhe serão entregues. Na hora de construí-lo, o fabricante procederá conforme o pedido, sem nenhum problema. Aliás, quem é do ramo sabe que qualquer ônibus de 12m (mesmo pronto e acabado) é passível de adequar-se ao número de portas que se quiser. A colocação de terceira porta, num ônibus, leva em torno de três dias, a um preço médio de R$ 6.000,00; custo que será diluído no valor da tarifa, segundo a metodologia de seus cálculos e as diversas variáveis envolvidas, ao longo da concessão.

10. Por conseguinte, é inteiramente despropositada a assertiva da DLC, de que a autorização para os ônibus usarem 02 portas, possa ter servido para restringir a participação de alguma empresa na licitação; ou possa “ter sido determinantes ao desinteresse de tantos outros interessados”, ou “pode ter beneficiado a empresa vencedora do certame”. Isto não aconteceu e nem haveria como acontecer.

Quanto a isto, aliás, em nenhum de seus relatórios, a Diretoria de Controle foi capaz de demonstrar em contrário. Construiu todo um silogismo à base de argumentos hipotéticos, mas eximindo-se de apresentar elementos consistentes, capazes de demonstrar a verdade de suas premissas.

A licitação foi realizada conforme os princípios básicos e a legislação, que a regem. Nenhuma mácula restou-lhe, o que a própria Justiça reconheceu – fato conhecido pelo Tribunal de Contas, como retrato nos autos. E nesta consideração estão incluídos os Itens 4.2.1 e 4.1.2.1, que a DLC alega terem servido de base para a autorização de uso de 02 portas, nos ônibus de 12m (embora o Ofício nº 105/2002, de fls. 545, não tivesse se referido a eles).

11. A Secretaria do Interior, Assuntos Estratégicos e Desenvolvimento, da Pref. Mun. de Gaspar, através de seu Ofício nº 0105/2002, após assinado o Contrato nº SAF 136/2002 (de fls. 825 a 830), autorizou a empresa concessionária a alterar de 03 para 02 o número de portas dos ônibus de 12m, a serem utilizados na prestação dos serviços. As razões que justificaram a medida prenderam-se à alçada daquela Secretaria e quase 8 anos após, afastado do cargo de Prefeito, não tem o Recorrente como identificar o que levou o Secretário, à época, a assim decidir.

A Secretaria Municipal contatou à LOGISTRAN, indagando-lhe sobre a conveniência de os ônibus disporem de 02 portas, em vez de 03. A resposta da empresa deu-se em 12-8-2002 (fls. 546/547), após a abertura e o julgamento das propostas (vide Ata de 05-08-02, de fls. 815).

Na Carta de 12-8-02, a LOGISTRAN afirmou não haver problema nenhum em operar com ônibus de 02 portas; disse que assim havia recomendado – o que não procede; sua sugestão anterior era para ônibus com 03 portas, conforme o “Plano de Transporte Público do Município de Gaspar” (item 6.1, às fls. 525).

Em função deste detalhe, a DLC investiu vigorosamente contra a Carta da LOGISTRAN, procurando revestir a nova sugestão como contradição, capaz de prejudicar a participação de alguém na licitação, pretextando ainda que 02 portas, em vez de 03, constituiriam características mais difíceis de serem atendidas, desta forma afunilando o leque de concorrentes; alegando, com isto, evidências de burla à competitividade.

Nada disto aconteceu. Se o Edital contivesse exigências capazes de prejudicar a participação de algum interessado, por certo teria sido impugnado. Ainda mais que não se está falando de pequenos licitantes, mas de fortes empresas ou grupos empresariais atuantes no setor de transporte coletivo urbano, com suas assessorias jurídicas, conhecedores dos direitos que as Leis nº 8666/93 e 8987/95 lhes garantem. Os itens apontados como impróprios jamais mereceram impugnação que demonstrassem vícios contidos; e no reconhecimento da legalidade do Edital, pela Justiça, eles também se inseriam.

A Secretaria do Interior, Assuntos Estratégicos e Desenvolvimento autorizou o uso de ônibus com 02 portas, embora o Edital previsse 03. Mas, isto aconteceu após terminada a Concorrência, constituindo detalhe que, frente ao objeto licitado e contratado – concessão – não configurou prejuízo ao direito de qualquer concorrente. Por outro lado, resultou em benefício aos usuários; como afirmou a LOGISTRAN, (Item 4, da Carta de 12-8-02, às fls. 547), o uso de duas portas traria ganho de conforto no interior dos veículos, por acrescentar-lhes mais 4 assentos.

Em nenhum momento e frente ao detalhe alterado, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações demonstrou cabalmente que o fato de ser autorizado o uso de ônibus 02 portas, em vez de 03, efetivamente prejudicou a participação de algum interessado na licitação.

Referiu-se aleatoriamente à possibilidade de assim acontecer, sem analisar no que implicava o detalhe de existir 02 ou 03 portas e a importância disto para atingir os fins de uma licitação, como a realizada; demonstrou até desconhecer o que se asseverou acima; uma concessionária comprar, para prestar serviços de transporte, um ônibus com 02 ou 03 portas é de somenos importância; basta indicar ao fabricante a especificação do que o veículo deve ter; até mesmo um ônibus de duas portas, se for o caso, pode ser alterado para incluir uma terceira em sua carroceria, num prazo médio de apenas três dias, sem grande custo.

12. Consequentemente, o Recorrente não cometeu qualquer ato que justifique a multa aplicada, entendendo improcedente a afirmação de ter incluído cláusulas restritivas no Edital de Concorrência nº 47/2002, capazes de prejudicar a participação de algum interessado.

A Administração nunca entendeu desnecessárias as exigências feitas, como constou do ato convocatório da licitação. Entretanto, percebendo que o uso de ônibus com 02 portas traria vantagens principalmente aos usuários, admitiu essa pequena alteração, da mesma forma que poderia ter assim permitido um, dois, ou três anos após, e o resultado seria o mesmo.

6.3. Determinar, com fundamento no art. 29, caput, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, que a Unidade Gestora, representada pelo atual Prefeito Municipal de Gaspar, nos termos do art. 49, caput, e § 2º, da Lei (federal) n. 8.666/93, promova a anulação do contrato oriundo da Concorrência n. 47/2002, comprovando tal procedimento a esta Corte de Contas no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste acórdão no Diário Oficial eletrônico deste Tribunal.

13. Tratam os autos de inspeção “in loco”, realizada pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, na Prefeitura Municipal de Gaspar, para analisar o procedimento licitatório e contratual, atinente à Concorrência nº 047/2002, cujo objeto foi a outorga de concessão dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros, no Município de Gaspar.

Das sugestões contidas no Relatório de Reinstrução nº DLC/Insp.2/Div.6 – 834/2008, ao julgar o processo, decidiu o Colendo Tribunal Pleno determinar, ao atual Prefeito Municipal de Gaspar, que promova a anulação do contrato oriundo daquela Concorrência. Para tanto, baseou-se no art. 29, caput, da LC 202/00.

Em conformidade com o art. 59, II, da Constituição Estadual, e com a Lei Complementar nº 202/2000, em seu Título II, Capítulo I, Seções I e II, arts. 1º, III, e 7º a 24, a competência legal para julgar, atribuída ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, é adstrita a Contas Públicas. Em relação a outras matérias, essa Corte é capaz para manifestar-se sobre a sua juricidade, mas não para julgá-las.

Impropriedade do Julgamento em face do Objeto

14. A Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, consoante o art. 59, da Constituição Estadual, fixa a competência básica do Tribunal de Contas, no controle externo da Administração Municipal, como sendo:

a) apreciar, mediante parecer prévio, as Contas Anuais do Estado, apresentadas pelo Prefeito;

b) julgar as Contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, (...), e as Contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

c) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, exceto as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a legalidade dos atos de concessão de aposentadorias, reformas, transferências para a reserva e pensões.

O Acórdão 0302/2010 não trata de julgamento de contas públicas, nem de parecer prévio ou de ato de pessoal. Refere-se a julgamento de Ato Jurídico, integrante de procedimento licitatório, de que resultou inclusive responsabilização da Pessoa Física.

Data vênia, a Eg. Corte de Contas atuou em desconformidade com a competência legal que lhe é atribuída pelas Constituições Federal (art. 71, II, c/c art. 75) e Estadual (art. 59, II).

O Órgão Constitucional, a que compete deliberar sobre como o direito deva ser atuado, que tem judicatura para decidir sobre Atos Jurídicos, é o Poder Judiciário.

O Tribunal de Contas é órgão vinculado ao Poder Legislativo, sendo suas atribuições vinculadas ao exercício da função administrativa de Estado, e não jurisdicional. Por conseguinte, na esfera de sua alçada, cabe-lhe julgar Contas e somente quando assim proceder, poderá arguir a ilegalidade de ato administrativo vinculado à Conta; porém, sem se afastar desse limite, sem assumir a função do Judiciário, de decidir como a lei deva ser atuada.

O presente processo não envolveu julgamento de conta pública. Mas, o Tribunal de Contas cometeu Ato de Julgamento, a respeito de matéria não inserida na competência que lhe atriui o art. 59, II, da C.E., e o art. 1º, III, da Lei Complementar nº 202, de 2000, como sói ser a deliberação sobre a juridicidade de “atos jurídicos administrativos”, de que se originou a imputação de multa e a determinação de anulação de contrato de concessão.

Por não tratar de julgamento de Conta Pública, não se configurou condição fática constitucional que legitime a emissão de decisão, para aplicar multa e determinar a nulidade de contrato de concessão, pelo Tribunal de Contas.

Cabe este tipo de deliberação se o Egrégio Plenário julgar Contas (art. 59, II, da C.E.) e constatar impropriedades inerentes a elas, em função de ilegalidade cometida por administrador, por responsável pela guarda e aplicação de bens, direitos e valores públicos, ou por quem tenha dado causa a perda, extravio ou outra irregularidade resultante em prejuízo ao erário. Não é o caso dos presentes autos, que se referem a licitação para outorga de concessão de serviços públicos.

Razão também de se entender improcedente o embasamento da decisão no art. 29, caput, da LC 202/00, que diz:

Art. 29. Na fiscalização de que trata esta seção, o Tribunal de Contas determinará a adoção de providências com vistas à evitar a ocorrência de irregularidade semelhante, quando for constatada falta ou impropriedade de caráter formal, que não caracterize transgressão à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

Este dispositivo, na LO/TCSC, integra o Título II (Exercício do Controle Externo), Capítulo II (Fiscalização a cargo do Tribunal), Seção IV (Fiscalização de atos e contratos). Portanto, não deve ser interpretada isoladamente, mas segundo os fins teleológicos da Lei Orgânica, em sua harmonia com o art. 59, da Constituição Estadual. Logo, é aplicável tão-somente quando o Tribunal de Contas exerce sua função constitucional de julgar contas públicas, em que não se inclui julgamento de procedimento licitatório e contratual atinente a concessão de serviço público.

Lembre-se, outrossim, os termos do art. 113, § 2º, da Lei nº 8.666/93:

Art. 113 – O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 2º - Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia do edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas.

A orientação finalística da norma está em seu caput; refere-se a demonstração da legalidade e regularidade da despesa. Não trata de concessão.

Outrossim, a abrangência da capacidade delegada aos Tribunais de Contas, no § 2º do art. 113, estende-se à solicitação de cópia do edital de licitação e à obrigação de órgãos ou entidades de adotarem medidas corretivas determinadas, decorrentes do exame do edital. Não confere poder legal às Cortes de Contas de determinar a anulação de contrato por suposta impropriedade do edital.

Legalidade do Contrato

15. Baseou-se a deliberação do Eg. Plenário, de determinar a anulação do contrato, no art. 49, § 2º, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual “a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato”.

Entretanto, não está comprovado, nos autos, que os itens 4.1.2 e 4.1.2.1 do Edital contêm vício de nulidade, possível de gerar a ilegalidade da licitação e, em razão disto, constituir determinante de nulidade do contrato.

Citadas regras não foram objeto de impugnação administrativa, nem a Justiça assim os declarou.

Toda a licitação foi realizada tendo por parâmetro a obediência das especificações constantes destes itens; e os licitantes apresentaram suas propostas em conformidade com as especificações destes itens.

16. Após a assinatura do Contrato SAF 136/2002 (embora no mesmo dia), através do Ofício 105/2002 (de fls. 545), a Secretaria Municipal do Interior, Assuntos Estratégicos e Desenvolvimento autorizou a concessionária a utilizar ônibus de 02 portas.

Isto, porém, não afetou a natureza das regras licitatórias, até porque – como já esclarecido anteriormente – os ônibus possuírem 03 ou 02 portas é detalhe menor, em se tratando de contrato de concessão de transporte coletivo urbano de passageiros, ao contrário do que seria, se fosse para a Prefeitura contratar a compra de ônibus.

As alegações de que a Prefeitura se contradisse, ou entendeu inútil a exigência de ônibus com três portas, não decorreu de afirmação do Poder Público Municipal, mas de ilação da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

A razão de os itens 4.1.2 e 4.1.2.1 não constituem cláusulas restritivas – tese construída pela DLC (porém, não comprovadas com base na realidade operacional da concessão outorgada) está arrazoada, nos tópicos 5 a 11, deste recurso. Ratificam-se inteiramente seus termos.

É infundada e inconsistente a motivação proposta pela Diretoria de Controle, na defesa de sua tese de a especificação de 03 portas, para os ônibus a usar, ter configurado exigência restritiva à participação de interessados, na licitação. Em momento algum, demonstrou cabalmente este fato; buscou “firmar convicção” (expressão que usou) apenas no vigor de adjetivos empregados em suas frases, cuja análise mais consentânea com a realidade dos fatos permite verificar sua total improcedência – como demonstrou o Recorrente.

Entretanto, esse arrazoado da DLC foi base para a determinação de anulação do Contrato de Concessão, em tela, conforme o Item 6.3, do Acórdão nº 0302/2010, embora – repete-se – a real falta de importância para o resultado do julgamento da Concorrência nº 047/2002, bem como para o contrato de concessão, que os ônibus a utilizar tivessem duas ou três portas.

Daí, a inconformidade do Recorrente, em relação ao Acórdão nº 0302/2010, cuja sustentação baseou-se nas ilações hipotéticas da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, do que ela considerou poderia ter acontecido, porém sem nada provar, até não demonstrando firmeza no que propôs, a ponto de ressalvar, com a expressão “salvo melhor juízo” (fls. 905), sua tese de a exigência de 03 portas, para a frota de ônibus, frustrar o caráter competitivo da licitação.

III – Do Pedido

Considerando o exposto e fundamentado nos arts. 79 e 80 da L.C. nº 202, de 15-12-2000, c/c o parágrafo único do art. 139 do RI/TCSC, aprovado pela Res. Nº 06/2001, de 03-12-2001, REQUER a esse Colendo Tribunal Pleno sejam conhecidas as razões de defesa acima enunciadas, para, reexaminando o Acórdão nº 0991/2004, considerar insubsistentes:

a) as razões que levaram à multa, aplicada nos termos do Item 6.2, da decisão recorrida, determinando o seu cancelamento, com o reconhecimento de que as disposições dos itens 4.1.2 e 4.1.2.1, do Edital de Concorrência nº 047/2002, não configuraram cláusula restritiva à participação de interessados, na licitação;

b) a motivação de que decorreu a determinação de anulação do Contrato SAF nº 136/2002, pela Prefeitura Municipal de Gaspar.”

A Consultoria Geral elaborou o Parecer Técnico de fls. 30-48, concluindo:

“3.1. Conhecer do Recurso de Reexame interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0302/2010, exarado na Sessão Ordinária de 17 de maio de 2010, nos autos do Processo nº DEN 03/07452760, e no mérito dar provimento para:

3.1.1. Anular a Deliberação Recorrida.

3.2. Encaminhar os presentes autos à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações para que apure a possível irregularidade do ato que alterou o contrato de concessão, com a necessária citação da autoridade que tomou dita decisão, ou seja, que expediu o ofício nº 0105/2002 autorizando a redução do número de portas (fls. 545 dos autos DEN 03/07452760).

3.3. Dar ciência da Decisão, ao Sr. Pedro Celso Zuchi, à Prefeitura Municipal de Gaspar, ao Sr. Jair Bogo, autor da denúncia e, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em face do item 6.4 do Acórdão recorrido.”.

É o relatório.

A sugestão da Consultoria Técnica, pelo conhecimento do Recurso de Reexame, merece ser acolhida, tendo em vista preencher os requisitos de admissibilidade.

Especificamente quanto à tempestividade, a Decisão recorrida foi publicada no DOTC nº. 508 de 31-05-2010 (segunda-feira), e o recurso protocolizado em 29-06-2010 (terça-feira), portanto, dentro do prazo máximo de 30 dias estabelecido pelo art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000.

Caminhou bem a COG ao examinar as preliminares apresentadas pelo recorrente.

Não vislumbro, porém, a necessidade e a possibilidade de acolher a conclusão sustentada pela Douta Consultoria da Corte.

O recorrente não logrou demonstrar a injustiça da decisão que combate.

Não me parece relevante rediscutir uma previsão editalícia restritiva, apenas porque a materialização dela deu-se a posteriori, na fase de execução contratual. Se o Município necessitava de veículos de duas portas não havia razão para licitar com três. A verdadeira necessidade restou plenamente caracterizada, já que antes mesmo de iniciar a execução contratual a mudança de requisitos já se concretizava. Cada exigência inútil no certame caracteriza por si só restrição injustificável.

O Ministério Público entende que a decisão contra a qual se insurge o recurso bem resguardou o interesse público, razão pela qual deve permanecer intacta.

É pertinente, porém, a sugestão da COG no sentido de se promover o desapensamento do processo RPA 07/00528083, já que o mesmo não teve o seguimento pretendido nos autos ora analisados.

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pelo conhecimento do Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Pedro Celso Zuchi, por atender os requisitos da Lei Complementar nº. 202/2000 (art. 80).

2) No mérito, pela negativa de provimento, para manter-se intacta a decisão combatida.

3) Pelo desapensamento do processo RPA 07/00528083, para que o feito siga seu curso processual.

4) Pela comunicação da decisão ao recorrente, à Prefeitura Municipal de Gaspar, ao Sr. Jair Bogo, autor da denúncia e, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

 Florianópolis, 14 de outubro de 2011.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas