PARECER nº: |
MPTC/3217/2011 |
PROCESSO nº: |
REP
08/00298179 |
ORIGEM : |
Prefeitura
de Itapema |
INTERESSADO: |
Salomão
Antônio Ribas Junior |
ASSUNTO : |
Irregularidades
no Concurso Público nº 1/2002. |
1 -
RELATÓRIO
Trata-se de autos apartados originários
de Representação formulada pelo Exmo. Conselheiro Salomão Ribas Júnior, acerca
de irregularidades em concurso público realizado pela Prefeitura de Itapema, no
exercício de 2002, visando ao preenchimento de 412 cargos de provimento efetivo
do quadro de pessoal do serviço público municipal, conforme Edital nº 1/2002.
Os auditores da Diretoria de
Atividades Especiais efetuaram inspeção nas contratações e demais atos
administrativos do Município de Itapema, e apresentaram o Relatório nº 14/2008,
sugerindo a audiência do prefeito e dos membros da comissão de concurso (fls.
2316/2361 – vol. VI).
A audiência foi determinada (fls.
2363/2364 – vol. VI).
Foram apresentadas as defesas de fls.
2377/2410, 2412/2416, 2418/2424, 2443/2449-a, 2451/2460 e 2464/2479 (vol. VII).
Por fim, os auditores da
Diretoria de Atividades Especiais sugeriram decisão de irregularidade de atos de
responsabilidade do prefeito mencionados nos itens 2.1.1 a 2.1.9 de sua
conclusão, e de atos de responsabilidade de integrantes da Comissão do Concurso
descritos nos itens 2.2.1 e 2.2.2; aplicação de multas aos
responsáveis; e determinação ao gestor da Prefeitura de Itapema de abertura de
processo administrativo individualizado para os servidores que ingressaram por
meio do concurso público nº 1/2002, e que ainda permanecem vinculados à
administração, para verificação do alcance das irregularidades apontadas,
assegurando o exercício do contraditório e da ampla defesa (fls. 2481/2615 –
vol. VII).
2 -
MÉRITO
O Sr. Clóvis José da Rocha, prefeito
de Itapema, nomeou, por intermédio da Portaria nº 144/2001, comissão para “elaboração
do edital, divulgação do programa, inscrição e cadastramento dos candidatos,
confirmação das inscrições e escolha e local das provas” (flS. 117/118 – vol. I).
A empresa Contabilidade e Representações Schmitz Ltda foi contratada para
“prestação de serviços técnico-profissionais de inscrição dos candidatos,
elaboração das provas, organização, fiscalização e execução do dia das provas,
correção, classificação, julgamento e entrega de resultado das provas” (fls.
453/455 - vol. II).
Após a realização do concurso,
surgiram denúncias, tendo o Ministério Público Estadual proposto a Ação Civil
Pública nº 125.02.005395-2, em trâmite na Comarca de Itapema.
Em razão das irregularidades noticiadas,
o gestor nomeou comissão de sindicância, com o objetivo de apurar “possíveis
irregularidades no Concurso Público nº 001/2002” (fls. 456/457 – vol. II).
Os membros da aludida Comissão concluíram
“pela inexistência das irregularidades denunciadas pelo Ministério Público
Estadual e apontadas pela equipe de inspeção do Tribunal de Contas do Estado,
observando, todavia, que a empresa de Contabilidade
e Representações Schmitz Ltda não possuía estrutura organizacional e não
detinha qualificação técnica para realização do Concurso Público 01/2002” (fls.
624/708, especificamente fl. 664 – vol. II).
As irregularidades evidenciadas
pelos auditores da Diretoria de Atividades Especiais são as seguintes (fls.
2481/2615 – vol. VII):
- elaboração da relação final dos candidatos
em planilha eletrônica com a disposição das notas de forma decrescente, com
intervalos de centésimos de pontos e em forma sequencial, com atribuição de
notas para a entrevista por intermédio de fórmula;
- classificação de candidatos para etapas
subsequentes sem o alcance de pontuação mínima na prova escrita, prevista no item
2.1, letra c, do Edital;
- aprovação de candidatos em dois cargos
distintos, tendo sido as provas para todos os cargos realizadas na mesma data e
horário;
- aplicação da prova de entrevista para
cargos sem previsão editalícia, contrariando os itens 2.2 e 2.4 do edital;
- inserção no edital de prova de entrevista,
sem previsão de critérios e conteúdos versados, para os cargos de Encarregado
de Manutenção de Veículos, Mecânico, Operador de Máquina Pesada, Operador de
Máquina Leve, Soldador, Vacinador, Motorista, Motorista de Ônibus;
- inserção no edital de cláusula prevendo
contagem vantajosa de tempo de serviço para os candidatos que houvessem
trabalhado no magistério público municipal;
- inserção no edital de cláusula prevendo
critério de desempate privilegiando quem fosse ou houvesse sido servidor do
Município de Itapema, e quem tivesse o maior número de dependentes;
- aprovação de candidatos sem número de
inscrição, e sem comprovação da realização da prova;
- ausência de comprovação da divulgação do
local, data e horário de realização da prova prática;
- ausência de assinatura de candidatos na
lista de presença quando da realização da prova escrita, contrariando o item 2.5 do Edital;
- ausência de controles sobre procedimentos,
métodos e atividades inerentes à realização do concurso, com divergências no
número de inscrições homologadas em relação ao quantitativo oficial divulgado,
candidatos diferentes com igual número da inscrição, além de supressão de
números para a quantidade de candidatos participantes.
Importante observar que as
irregularidades não foram contestadas nas defesas constantes dos autos,
limitando-se o prefeito e os membros da Comissão de Concurso a sustentar a
ausência de responsabilidade.
Em suas justificativas, o
prefeito argumentou o seguinte (fls. 2451/2457 – vol. VII):
a)
tão logo
tomou a decisão de abrir concurso público, fez a nomeação de uma comissão
responsável e determinou a contratação de uma empresa para a realização do
certame;
b)
a
terceirização de algumas etapas do concurso faz prova que não teve intenção de
fraudar ou burlar quaisquer regras que devem ser observadas em concursos;
c)
não teve
participação nos atos de seleção do concurso;
d)
responsabilidade
pelas supostas irregularidades da empresa contratada;
e)
assim
que tomou conhecimento das supostas irregularidades, determinou a abertura de
sindicância para apuração dos fatos.
Sobre a responsabilidade do
prefeito pelos atos inquinados de irregularidade, asseveram os auditores da DAE
(fls. 2500/2501 – vol. VII):
Em
diversos atos existe a assinatura do Ex-Prefeito, como o edital do concurso, a
homologação da relação dos inscritos, a homologação dos aprovados, além do
contrato firmado com a empresa de Contabilidade
e Representações Schmitz Ltda.
A
homologação indica conhecimento pela Administração da situação apresentada e a
concordância com o resultado apresentado, reconhecendo assim, os efeitos do
ato.
O
Ex-Prefeito homologou, contratou, concordou com procedimentos e assinou o
edital, e, no entanto, alegou que em nenhum momento praticou atos que lhe
pudessem causar possibilidades de responsabilização. (...)
(...)
Novamente,
não procede sua alegação, pois como já foi comentado de forma exaustiva, o
Ex-Prefeito era o ordenador primário, o gestor do município à época da
realização do concurso. Além disso, homologou a maioria dos atos, inclusive a
relação dos candidatos aprovados, como já mencionado. Ademais, não pode se
eximir da responsabilidade de fiscalizar os serviços delegados por contrato
para realização do concurso, afinal a homologação do resultado final é ato do
Chefe do Poder Executivo.
A
conclusão de responsabilização do prefeito pelos vícios que macularam o
concurso público havido no Município de Itapema não merece reparos.
De
outro lado, quanto à responsabilização da Sra. Elvira Pierre da Silva,
Presidente da Comissão do Concurso, e Sra. Luciana Coninck, Secretária da
Comissão de Concurso,[1]
teço as considerações que seguem.
No
que concerne à ausência de recolhimento de assinatura do candidato na lista de
presença quando da realização da prova escrita, contrariando cláusula do
edital, o fato de as duas terem assinado ata de reunião da comissão de concurso
(fl. 1029 – vol. III) não é suficiente para a responsabilização, no tópico.
Asseveram
os auditores da DAE (fl. 2574 – vol. VII):
Neste
item verificou-se que ela [Sra. Luciana Coninck] agiu de forma efetiva, pois
existe uma ata de reunião da Comissão do concurso (fl. 1029) onde se observa
claramente a participação da Sra. Luciana como Secretária.
Referida
ata versa sobre a realização das provas afirmando que a comissão estabeleceu as
normas de realização e aplicação das provas entre outras instruções. Se
orientações foram dadas e instruções para o exercício da fiscalização, poderiam
ter exigido as listas de presença. Esta ata está assinada pela Sra. Luciana
Coninck e pela Presidente da Comissão, Sra. Elvira Pierre da Silva.
A
restrição diz respeito ao descumprimento de cláusula do edital que previa a
necessidade de assinatura dos candidatos em lista de presença quando da
realização da prova objetiva.[2]
A ata de reunião da Comissão de
Sindicância acostada na fl. 1029, assinada pela Sra. Elvira Pierre da Silva,
Presidente da Comissão do Concurso, e pela Sra. Luciana Coninck, Secretária da
Comissão de Concurso, trata da homologação de inscritos no concurso, não
servindo como subsídio para responsabilização quanto à ausência de assinatura
nas listas de presença por ocasião da realização das provas objetivas.
Nessa direção, é necessário
lembrar que outros membros da Comissão de Concurso foram excluídos de
responsabilização por diversas irregularidades investigadas nos autos sob o
argumento que a execução propriamente dita do concurso cabia à empresa contratada
e não à Comissão, como segue (fls. 2506/2507 – vol. VII):
Em
relação ao argumento sobre as limitações da comissão mencionando que ela tinha
competência apenas para ‘elaboração do edital, divulgação do programa,
inscrição e cadastramento dos candidatos, confirmação das inscrições e escolha
do local das provas’, ficando a empresa contratada responsável pelas demais
etapas da realização do concurso, procede a justificativa oferecida, pois
realmente houve uma separação das tarefas com a terceirização de parte das
etapas do certame.
Destaque-se
que a restrição ora analisada [montagem de quadro de classificação atribuindo
notas à prova de entrevista por meio de fórmulas] refere-se à execução do
concurso, etapa cuja responsabilidade competia à empresa contratada e não à
comissão nomeada pela Portaria nº 144/01.
O
argumento de responsabilidade da empresa pela execução das provas como
fundamento para ausência de responsabilidade de membros da Comissão de Concurso
foi utilizado mais de uma vez nos autos (fls. 2509, 2510 e 2514 – vol. VII).
No
caso, a assinatura dos candidatos na lista de presença consiste fase do
processo de execução do concurso, motivo pelo qual inexiste razão para sanção
da Sra. Elvira Pierre da Silva e da Sra. Luciana Coninck, membros da Comissão
de Concurso, quanto a isto.
Melhor
sorte não assiste às responsáveis no que concerne à restrição relativa à
ausência de controle sobre procedimentos, métodos e atividades inerentes à
realização do concurso, por dizerem respeito tais atividades ao planejamento do
certame.
Neste
diapasão, a ata de fl. 1029 (vol. III) serve para demonstrar a efetiva
participação da Sra. Elvira Pierre da Silva e da Sra. Luciana Coninck nas
decisões a cargo da Comissão de Concurso.
Assim,
necessária a aplicação de sanção às responsáveis, no tópico.
Por fim, passo à análise das
consequências das irregularidades do concurso: são tantas e de tal vulto que demandam
a anulação do Concurso,[3] em
atenção aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, isonomia,
publicidade e moralidade administrativa.
Nessa direção, a inicial de Ação
Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual consigna:[4]
Nestas
circunstâncias, o que se conclui é que o concurso público realizado pelo
Município de Itapema, através do edital nº 001/2002, serviu apenas de
maquiagem, para que diversas pessoas, selecionadas através de critérios que não
os próprios da administração pública, pudessem ingressar nos quadros do serviço
público deste município, de forma totalmente legal, ferindo os mais elementares
princípios constitucionais.
Com acerto, os auditores da DAE
aferem que, “da doutrina e jurisprudência dominantes emerge a possibilidade de
anulação do certame, e demissão/exoneração de todos aqueles que ingressaram por
meio do ato viciado, conforme preceito contido na Súmula 473 do Supremo
Tribunal Federal que assegura o direito à autotutela do Estado” (fl. 2601 –
vol. VII).
A necessidade de anulação do
concurso sob analise emerge dos ditames do art. 37, II e § 2º, da Constituição,
in verbis:
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(...)
§
2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do
ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
Como se vê, a inobservância da
regra do concurso público implica na nulidade do ato de investidura em cargo ou
emprego público.
Ainda mais acerto possui a
assertiva dos auditores da DAE de necessidade de processo administrativo para
oportunização de contraditório aos alcançados pela decisão de anulação do
concurso.
Apenas faria pequena alteração no
texto da determinação proposta nas fls. 2614/2615, para que conste o seguinte: “DETERMINAÇÃO
ao gestor da Prefeitura de Itapema que, no prazo de noventa dias, adote medidas
visando à anulação do Concurso Público nº 1/2002, nos termos da Súmula nº 473
do Supremo Tribunal Federal, eis que eivado de irregularidades insanáveis, promovendo
processo administrativo individual, de forma a assegurar o contraditório e a
ampla defesa aos servidores atingidos pela decisão, visando à desconstituição
dos atos de nomeação decorrentes do certame”.
Por
fim, considero necessária determinação à Diretoria competente desse Tribunal de
acompanhamento do cumprimento da decisão, tendo em vista o disposto no art. 71,
X, da Constituição.
Dessarte,
difiro dos termos do Relatório nº 16/2010 da Diretoria de Atividades Especiais
apenas quanto à proposta de multa pela ausência de assinatura dos candidatos na
lista de presença quando da realização da prova escrita (item 2.2.1 – fl. 2614 – vol. VII), e quanto
ao texto da determinação ao gestor da Prefeitura, como exposto neste Parecer.
3 -
CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo
art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela adoção das
seguintes providências:
- DECISÃO DE IRREGULARIDADE, nos termos do
art. 36, § 2º, a, da Lei Complementar nº 202/2000 dos atos descritos nos itens 2.1 (2.1.1 a 2.1.9) e 2.2 (apenas o
item 2.2.2) da conclusão do Relatório
nº 16/2010 da Diretoria de Atividades Especiais;
- APLICAÇÃO de MULTAS previstas no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, aos responsáveis, em virtude da prática das referidas infrações;
- DETERMINAÇÃO ao gestor da Prefeitura de
Itapema que, no prazo de noventa dias, adote medidas visando à anulação do
Concurso Público nº 1/2002, nos termos da Súmula nº 473 do Supremo Tribunal
Federal, eis que eivado de irregularidades insanáveis, promovendo processo
administrativo individual, de forma a assegurar o contraditório e a ampla
defesa aos servidores atingidos pela decisão, visando à desconstituição dos
atos de nomeação decorrentes do certame;
- DETERMINAÇÃO à Diretoria competente desse
Tribunal de acompanhamento do cumprimento da decisão, tendo em vista o disposto
no art. 71, X, da Constituição.
Florianópolis,
3 de novembro de 2011.
Procurador
[1] Itens 2.2.1
e 2.2.2 – fl. 2614 – vol. VII.
[2] Sobre o assunto, veja-se o item 2.5 do Edital (fl. 19 – vol. I) e a lista
de presença (fls. 168/204 – vol. I).
[3] Montagem de quadro geral de classificação dos candidatos em planilha eletrônica atribuindo notas à prova de entrevista por meio de fórmulas; classificação de candidatos para etapas subsequentes sem atingimento da pontuação mínima nas etapas anteriores; aprovação irregular do mesmo candidato para dois cargos distintos, quando as provas para todos os cargos foram realizadas na mesma data e horário; aplicação de entrevista sem previsão no edital; inserção de prova oral para cargos cuja natureza dispensa tal exigência; cláusula em edital prevendo contagem vantajosa de tempo de serviço no magistério de Itapema; critério de desempate privilegiando quem houvesse trabalhado no serviço público municipal; aprovação de candidatos sem número de inscrição e sem a comprovação da realização da prova.
[4] Fl. 92 – vol. I.