Parecer no:

 

MPTC/5.821/2011

                       

 

 

Processo nº:

 

PCP 11/00106127

 

 

 

Origem:

 

Município de Rancho Queimado – SC

 

 

 

Assunto:

 

Prestação de Contas realizada pelo Prefeito, referente ao exercício financeiro de 2010.

 

 

Trata-se de Prestação de Contas efetuada pelo Chefe do Poder Executivo do Município em epígrafe, consoante regra da Constituição Estadual, art. 113, § 1º.

Foram juntados os documentos relativos à prestação de contas em comento nas fls. 02-331.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório Técnico de fls. 333-368, consignando remanescentes as seguintes irregularidades:

1. Restrições de ordem legal:

1.1. Ausência de abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010 e, consequentemente, não evidenciação da realização de despesa com os recursos do FUNDEB remanescentes do exercício anterior no valor de R$ 1.003,88, em descumprimento ao estabelecido no § 2º do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007;

1.2. Divergência, no valor de R$ 202.308,83, entre os créditos autorizados constantes do Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada – Anexo 11 (R$ 10.690.053,63) e o apurado através das informações enviadas via Sistema e-Sfinge – Módulo Planejamento (R$ 10.487.744,80), caracterizando afronta aos artigos 75, 90 e 91 da Lei nº 4.320/64;

1.3. Divergência, no valor de R$ 188,25, entre o saldo para o exercício seguinte do Balanço Financeiro do exercício anteriorAnexo 13 (R$ 3.848.430,45) e o saldo do exercício anterior do mesmo demonstrativo do exercício atual (R$ 3.848.618,70), em desacordo com o artigo 103 da Lei nº 4.320/84;

1.4. Registro impróprio na conta Valores Pendentes a Curto Prazo, do grupo Realizável (Ativo Financeiro), do Balanço PatrimonialAnexo 14 da Lei nº 4.320/64, no valor de R$ 232.066,39, superestimando o Ativo Financeiro do Município, em afronta ao disposto nos artigos 35, 85 e 105, I, § 1º da citada Lei;

1.5. Ausência de Audiências Públicas durante os processos de elaboração e discussão do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual, contrariando o art. 48, parágrafo único, inciso I, da Lei Complementar nº 101/2000;

1.6. Atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno referentes aos 2º e 6º bimestres, em desacordo aos artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC-16/94, alterada pela Resolução nº TC-11/2004.;

 

Este o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31, § 1º e art. 71 c/c art. 75 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, arts. 50 a 54 da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000; arts. 20 a 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e arts. 82 a 94 da Resolução TC nº. 6/2001).

A análise destes autos revela que o Relatório DMU não atendeu aos requisitos da Lei Complementar nº 202/2000 ao deixar de conter as informações previstas no art. 53, parágrafo único, inciso III, relacionadas ao reflexo da administração financeira e orçamentária municipal no desenvolvimento econômico e social do Município.

Informação relevante ainda, inexplicavelmente suprimida da maior parte dos relatórios produzidos pela DMU, é aquela relacionada às contratações terceirizadas para atividades públicas de natureza permanente.

Sobre os grandes números da administração, cuja análise conforma, por definição constitucional, as chamadas contas anuais apresentadas pelo Sr. Prefeito Municipal, objeto do parecer prévio a ser exarado pela Corte e de futuro julgamento pelo Poder Legislativo, foram apurados pela Diretoria de Controle da Administração Municipal - DMU:

1. O confronto entre a receita arrecada e a despesa realizada resultou no superávit de execução orçamentária da ordem de R$ 695.406,69, correspondendo a 7,35% da receita arrecadada.

2. O resultado financeiro do exercício apresentou-se superavitário, atendendo, portando, aos ditames legais aplicáveis.

Das aplicações mínimas em educação

3. O disposto no art. 212 da Constituição Federal, referente à aplicação mínima de 25% das receitas resultantes de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino revelou-se cumprido.

4. Foram aplicados, pelo menos, 95% dos recursos oriundos do FUNDEB em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme exige o art. 60 do ADCT c/c art. 21 da Lei nº 11.494/2007.

5. A obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) não foi observada.

6. Restou atendido o art. 60, inciso XII, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e o art. 22 da Lei nº 11.494/2007, que preconizam seja aplicado pelo menos 60% dos recursos recebidos do FUNDEB na remuneração dos profissionais do magistério do ensino fundamental.

 

 

Das aplicações mínimas em saúde

7. No capítulo das despesas com saúde, constata-se que foram aplicados em ações e serviços públicos de saúde valores correspondentes ao percentual mínimo do produto de impostos, conforme exige o art. 198 da Constituição Federal c/c o art. 77, inciso III e § 1º, do ADCT.

Dos limites para gastos com pessoal

8. Os gastos com pessoal do Município no exercício ficaram abaixo do limite de 60% da Receita Corrente Líquida, conforme o exigido pelo art. 169 da Constituição Federal e pela Lei Complementar 101/2000, em seu art. 19.

9. Os gastos com pessoal do Poder Executivo no exercício em exame ficaram abaixo do limite máximo de 54% da Receita Corrente Líquida - RCL, conforme exigido pelo art. 20, III, “b” da Lei Complementar 101/2000.

10. O limite de gastos com pessoal do Poder Legislativo previsto no art. 20, III, “a” da Lei de Responsabilidade Fiscal, situado no percentual de 6% da RCL, foi observado nas despesas próprias da Câmara Municipal do Município em epígrafe.

Do controle interno

11. Quanto à remessa bimestral dos Relatórios de Controle Interno, constatou-se que a Unidade Gestora não observou as disposições regulamentares.

Efetivamente, a Unidade Gestora remeteu intempestivamente os relatórios de controle interno relativos aos 2º e 6º bimestres do exercício de 2010. 

Em relação à realização das audiências públicas preconizadas pelos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000, verificou-se que o Município não cumpriu referidos dispositivos legais ao deixar de realizar a audiência pública para a discussão do PPA – plano plurianual, da LOAlei orçamentária anual  e da LDO – lei de diretrizes orçamentárias.

A atuação da Corte sobre a matéria é de extrema importância, haja vista envolver a consagração de princípios fundamentais como o da participação democrática, do controle social e da transparência. A doutrina assenta quetradicionais figuras jurídicas de participação comunitária estão sendo, progressivamente, consagradas pelo direito positivo brasileiro e aplicadas em alguma medida, ainda que de forma incipiente[1]”.

Os tribunais de contas têm sua parcela de responsabilidade na consolidação deste direito democrático de participação comunitária, e é certo que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina está atento para a importância do controle social preconizado pelo art. 48, parágrafo único da LC 101/00, tanto que fez aprovar o Prejulgado nº 1.777 com a seguinte redação:

O Poder Público Municipal, em face dos princípios da legalidade, da publicidade e da eficiência constantes do art. 37, caput, da Constituição Federal, com a redação da EC nº 19, de 1998, deve cumprimento às disposições do art. 48, parágrafo único, da Lei Complementar Federal nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), e do art. 44 c/c o art. 4º, inciso III, letra f, da Lei Federal nº 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), com vistas à transparência da gestão fiscal e à gestão democrática da cidade, promovendo audiências e consultas públicas e debates prévios, cuja realização é condição obrigatória para a aprovação legislativa do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual.

 

A falta de participação popular, decorrente da não-realização de audiência/consulta pública por parte do Poder Executivo, na fase de elaboração do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, deve ser suprida pelo Poder Legislativo, ao qual compete, nessa situação, promover a participação da sociedade na discussão dos respectivos Projetos de Lei. (...)[2]

 

12. Houve (fls. 122-123) a remessa do parecer do Conselho de acompanhamento e controle da aplicação dos recursos do Fundeb. Referido conselho exerce importante função de fiscalização dos recursos desse Fundo.

Estranhamente, o parecer do Conselho de Acompanhamento do FUNDEB atesta a aplicação do saldo não aplicado em 2009, no valor de R$ 1.003,88 no primeiro trimestre de 2010, mas a DMU atesta o contrário:

1.1. Ausência de abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010 e, consequentemente, não evidenciação da realização de despesa com os recursos do FUNDEB remanescentes do exercício anterior no valor de R$ 1.003,88, em descumprimento ao estabelecido no § 2º do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007;

 

São posições diametralemente oportas que devem ser esclarecidas pela Corte, em procedimento apartado.

 

Das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente

13. No que tange à apuração do princípio da prioridade absoluta, com sede constitucional no art. 227da Carta Magna, a Diretoria de Controle do Municípios apurou que:

13.1) O Município não possui o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Trata-se de obrigação imposta pelo art. 88, inciso IV, da Lei Federal no 8.069/90 (fl. 361-363, Relatório nº. 4.602/2011).

Tal constatação é muito grave, pois implica o comprometimento de parte da despesa pública voltada às demandas da criança e do adolescente, despesas estas que devem ser processadas consoante diretrizes especiais delimitadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA.

A execução orçamentária de algumas demandas deve, obrigatoriamente, ocorrer por meio do FIA. Isso porque para essa espécie de demandas sociais um sistema legalmente estabelecido que impõe a definição de metas e prioridades assim como a fiscalização da execução orçamentária de forma colegiada.

Não me refiro aqui ao colegiado legislativo, que deliberará e aprovará as normas orçamentárias, mas a um colegiado especializado nas questões da infância e do adolescente.

O art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente assim determina:

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

(...)

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

(...)

IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

 

Como se pode perceber, as demandas relacionadas aos direitos da criança e do adolescente não são definidas e/ou priorizadas monocraticamente pelo prefeito municipal, ou apenas pelo poder legislativo.

A Resolução CONANDA nº 105/05 assim dispõe:

Art. 2º. Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá um único Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, composto paritariamente de representantes do governo e da sociedade civil organizada, garantindo-se a participação popular no processo de discussão, deliberação e controle da política de atendimento integral dos direitos da criança e do adolescente, que compreende as políticas sociais básicas e demais políticas necessárias à execução das medidas protetivas e socioeducativas previstas nos arts. 87, 101 e 112, da Lei nº 8.069/90. (caput alterado pela Resolução n° 116/2006)

§1º. O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser criado por lei, integrando a estrutura de Governo Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com total autonomia decisória quanto às matérias de sua competência;

§ 2º. As decisões do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios constitucionais da participação popular e da prioridade absoluta à criança e ao adolescente. (§ alterado pela Resolução 116/2006)

 

Em razão da prioridade absoluta preconizada pela Constituição Federal, há um rito especial para a discussão da política municipal voltada aos direitos da criança e do adolescente, para a fixação de prioridades a serem incluídas no planejamento do município, e até mesmo para a fiscalização da execução orçamentária.

Tal rito especial se transpõe para a elaboração dos projetos das normas orçamentárias, plano plurianual (PPA), lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e lei orçamentária anual (LOA) que, como se sabe, são os instrumentos para a definição de políticas públicas no Brasil (CF, arts. 165-167).

A definição de políticas públicas quando envolver direitos das crianças e dos adolescentes exige a participação dos conselhos de direitos previstos no art. 88, II do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como exige também a participação do conselho tutelar, conforme art. 136, IX do ECA:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:

(...)

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

 

Deixar de executar o orçamento do FIA ou executá-lo sem a observância das deliberações do CMDCA implica comprometer o funcionamento do sistema de definição de metas e prioridades que exige a participação do conselho de direitos e do conselho tutelar.

O incentivo à guarda e adoção, previsão expressa do art. 260 do ECA, é a única despesa obrigatória do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente - FIA, embora não seja a única despesa admitida. Este incentivo poderá ser feito através de campanhas e eventos.

A doutrina especializada identifica outros programas e projetos que permitem a aplicação dos recursos do FIA[3]. A regra sempre será: despesas de caráter continuado devem ser suportadas pelo orçamento geral; despesas incomuns, eventuais, imprevistas (não são imprevisíveis) devem correr à conta do FIA[4].

É o que consta de cartilha elaborada pelo Ministério da Justiça com orientações para criação e funcionamento dos Fundos:

Os recursos captados pelo Fundo são destinados ao financiamento de ações complementares. É equivocada a idéia de que todos os programas e serviços de atendimento a crianças e adolescentes devam ser custeados com recursos desse fundo especial.

Dessa maneira, um programa de tratamento para drogadição, por exemplo (CF: artigo 227, §3, inciso VII; ECA: artigo 101, inciso VI), deve ser custeado com recursos próprios do orçamento dos órgãos responsáveis pelo setor de saúde; um programa de apoio e promoção à família (CF: artigo 226, caput e §8; ECA: artigos 90, incisos I e II, e 129, inciso I) deve ser custeado com dotações próprias da área da assistência social e assim por diante, devendo o orçamento próprio de cada órgão da administração prever recursos privilegiados para a implementação e manutenção das políticas públicas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA: artigo 4º, parágrafo único, alínea d).

Portanto, os recursos do FCA devem ser aplicados em projetos complementares de promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, auxiliando no processo de inclusão de meninos e meninas em situação de risco social e contribuindo para a qualificação da rede de atendimento.[5]

 

Devem ser suportadas pelo FIA então, despesas excepcionais para atender crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social como, por exemplo, usuários de substâncias psicoativas e vítimas de maus tratos (CF, art. 227, §3º, VII).

O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente poderá financiar, utilizando o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, as pesquisas, estudos e diagnósticos que julgar necessários à efetivação do atendimento à criança e ao adolescente.

Os recursos do FIA também poderão promover a formação de pessoal. Conselheiros dos direitos, conselheiros tutelares, além de profissionais envolvidos com os direitos da criança e do adolescente precisam ser qualificados para trabalhar de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Admite-se a utilização dos recursos do FIA para a divulgação dos Direitos da Criança e do Adolescente (ECA, art. 88, VII). As crianças, adolescentes, as famílias e a comunidade precisam conhecer o ECA para aplicá-lo.

Como nem sempre estão implantados todos os órgãos e programas de atendimento, como define o ECA, é preciso que estes sejam reordenados, isto é, transformados, atualizados aos princípios previstos na lei. Estas demandas implicam mudanças de conteúdo[6], método[7] e gestão[8] nos organismos governamentais e não governamentais que atuam na área, o que também poderá ser financiando pelo Fundo, sempre com estrita observância dos princípios que regem o regime administrativo público.

13.2) Não foi informada a nominata dos membros que integram o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), e remetidos os atos de posse. Este conselho é responsável pelas atividades de planejamento e fiscalização (ECA, art. 88) da atuação estatal voltada às políticas da criança e do adolescente e à concretização do princípio da prioridade absoluta.

Assim estabelecem os Prejulgados no 1.832 e 1681:

Prejulgado no 1832

1. O Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente, instituído em cada ente da Federação, tem por objetivo receber recursos e realizar despesas para a consecução dos objetivos pretendidos pelo art. 227 da Constituição da República e pela Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

2. O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente é órgão paritário, com metade de seus membros representantes do Poder Público e a outra metade da sociedade civil, instituído em cada ente da Federação, com o objetivo de proporcionar condições de implementação dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, devendo, além de outras atribuições, gerir o Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente.

3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente.

4. A definição das despesas que podem ser custeadas com recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao seu gestor, a quem compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o objeto do gasto está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como se está em conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.[9]

Prejulgado no 1681

1. Conforme o disposto no § 2º do art. 260 da Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, os critérios de utilização dos recursos do fundo, tanto daqueles oriundos de doações ou deduções do imposto de renda, quanto dos provenientes de repasses de entes públicos, devem ser fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, através de plano de aplicação.

2. A administração dos recursos é tarefa exercida pelo órgão público designado pelo Chefe do Poder Executivo para a execução orçamentária e contábil do fundo.

3. O Conselho vai dizer o quanto de recursos será destinado para tal programa de atendimento e o órgão público irá proceder à liberação e ao controle dos valores dentro das normas legais e contábeis.[10]

Referido Conselho, portanto, responde pelos atos e omissões que perpetrar, sempre que danosos os interesses da causa da criança e do adolescente.

Pode caracterizar a omissão dos membros do referido Conselho:

A) Deixar de formular a política municipal dos direitos da criança e do adolescente;

B) Deixar de fixar prioridades para a consecução das ações de atendimento e a captação e a ampliação dos recursos;

C) Deixar de elaborar plano de ação municipal para a área da infância e da juventude;

D) Deixar de dar publicidade às propostas formuladas pelo Conselho para integrar o planejamento municipal;

E) Deixar de acompanhar o processo de elaboração da legislação municipal (inclusive das leis orçamentárias – PPA, LDO e LOA).

F) Deixar de assessorar o Poder Executivo na elaboração da proposta orçamentária

Pode caracterizar omissão do chefe do Poder Executivo municipal e de seus secretários:

A) Executar política municipal voltada aos direitos da criança e do adolescente que não tenha passado pelo crivo do colegiado especial do CMDCA;

B) Deixar de observar as prioridades fixadas para a consecução das ações de atendimento e a captação e a ampliação dos recursos;

C) Deixar de observar o plano de ação municipal elaborado pelo CMDCA para a área da infância e da juventude;

indícios, pois, de que sequer esteja operando o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA.

 

13.3) Não houve a elaboração do Plano de Ação do Fundo da Infância e da AdolescênciaFIA.

13.4) Não houve a elaboração do Plano de Aplicação dos recursos do Fundo da Infância e da AdolescênciaFIA.

Estas constatações são bastante graves, pois caracterizam a omissão do Conselho de Direitos e a insubmissão da Administração as prioridades que deveriam ser estabelecidas na aplicação de recursos do FIA.

Analisando os dados apresentados nestes autos, em confronto com o disposto na Decisão Normativa nº. TC 06/2008, tem-se que as impropriedades apontadas não são consideradas irregularidades gravíssimas dentro dos critérios que orientam o parecer prévio, e que se destinam a conferir uma opinião geral sobre o conjunto dos atos praticados durante todo o exercício.

São os apontamentos tidos como “gravíssimos” pela referida Portaria, em princípio, quando constatados, que justificam o posicionamento opinativo da Corte no sentido da rejeição das contas apresentadas.

Todavia, deverá constar no Parecer Prévio a determinação para a oportuna apreciação em sede da competência para julgamento de atos, privativa da Corte (PROCESSO APARTADO):

1) da responsabilidade pela ausência de realização da audiência pública para a discussão e laboração da LDO, caracterizando o descumprimento do parágrafo único do art. 48 da Lei Complementar nº 101/2000 (fl. 337);

2) das responsabilidades pela omissão quanto à obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) - (item 1.1 do Relatório nº. 4.602/2010);

3) omissão na elaboração dos planos de ação e de aplicação dos recursos do Fundo da Infância e da AdolescênciaFIA, caracterizando o malferir do art. 260, § 2o da Lei federal no 8.069/90 c/c art. 1o da Resolução CONANDA no 105/2005;

4) da omissão quanto ao dever legal de instituir, em respeito ao disposto no art. 88, IV da lei Federal no 8.069/90, o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Da instauração de processo apartado para apurar a omissão na realização das audiências públicas previstas na Lei Complementar nº 101/2000

A Corte acolheu, sob o nº REP 07/00585044, representação deste Ministério Público destinada a apurar a omissão na realização das audiências públicas previstas na Lei Complementar nº 101/2000. Esta representação decorreu de pedido de formação de autos apartados não acolhido em sede do processo PCP em que a situação fática foi apurada. Naqueles autos assim se manifestou e Eminente Conselheiro substituto, Cleber Muniz Gavi:

A providência determinada pela LRF, esclareça-se, não constitui mero formalismo. Representa, na verdade, instrumento destinado a fomentar a participação popular no processo de discussão e elaboração dos planos orçamentários, dentro do objetivo maior visado pela lei de assegurar a transparência na gestão fiscal e o controle social mais efetivo, com a participação concreta do cidadão. Não se deve admitir, portanto, que a realização da audiência pública fique ao exclusivo arbítrio do gestor, passando a figurar comoletra morta” a disposição legal.[11]

 

Também no PCP - 07/00119400 a Corte assim decidiu:

Parecer Prévio n.º 0269/2007

Processo n.º PCP - 07/00119400

Prestação de Contas do Prefeito - Exercício de 2006

Prefeitura Municipal de Major Gercino

(...)

“O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, reunido nesta data, em Sessão Ordinária, com fulcro nos arts. 31 da Constituição Federal, 113 da Constituição do Estado e 1º e 50 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo examinado e discutido a matéria, acolhe o Relatório e a Proposta de Parecer Prévio do Relator, aprovando-os, e considerando ainda que:”

(...)

“6.1. EMITE PARECER recomendando à Egrégia Câmara Municipal a Rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Major Gercino, relativas ao exercício de 2006, em face das restrições apontadas no Relatório DMU n. 3323/2007, em especial,...”a ocorrência de déficit de execução orçamentária do Município (Consolidado) da ordem de R$ 172.972,49  (ajustado), representando 3,93% da receita arrecadada do Município no exercício em exame, o que equivale a 0,47 arrecadação mensalmédia mensal do exercício, em desacordo com os arts. 48, “b”, da Lei Federal n. 4.320/64 e 1º, § 1º, da Lei Complementar (federal) n. 101/2000 (LRF), absorvido em pequena monta pelo superávit financeiro do exercício anterior (ajustado) – R$ 20.368,19 (item A.2.1 do Relatório DMU);”

[...]

“6.4. Determinar à Secretaria Geral – SEG, deste Tribunal, a formação de autos apartados para fins de exame, pela Diretoria Técnica competente, das seguintes matérias:”
(...)

“6.4.2. Ausência de informação no Relatório Bimestral de Controle Interno (6º bimestre de 2006) acerca da realização das audiências públicas previstas nos arts. 9º, § 4º e 48, parágrafo único, da Lei Complementar (federal) n. 101/2000, denotando deficiência no sistema de controle interno, em desacordo com o disposto  nos arts. 4º da Resolução n. TC- 16/94, e em descumprimento aos arts. 9º, § 4º, e 40, parágrafo único da LRF (item 3.1.3 do Parecer MPjTC);”[12]

 

Considerações gerais sobre a instauração de processos apartados

Os chamados “processos apartados” oportunizam a concretização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Por estes processos a Corte investigará aquilo que não pode ser investigado no processo de contas por não representar matéria passível de exame em sede de contas, ou por não possuir conteúdo suficiente para macular o conjunto das contas anuais, não obstante revele indícios de práticas ilícitas.

Observado sob a óptica interna dos processos de contas, o ditos “apartados” são também a concretização, em alguma medida, do princípio da proporcionalidade, pois não seria sustentável que todo o conjunto de atos que conformam a gestão financeira, orçamentária e patrimonial de todo um ano, e que são apreciados nesses processos, fosse comprometida pela prática de atos isolados, mesmo que ilegais. Estes atos deverão ser apreciados isoladamente em outro processo – o chamado “processo apartado”.

Não é, contudo, facultativa esta apreciação desses atos isolados. Se a matéria está entre as atribuições do Tribunal de Contas ela deverá ser apreciada em sede da competência para julgar conferida às cortes de contas.

O manejo de argumentos relacionados à falta de estrutura para o exercício do múnus constitucional, como comumente tem ocorrido, também reclama maior cautela.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina está, por certo, entre os órgãos melhor aparelhados do Estado e, porque não dizer, da Federação, para o exercício de suas obrigações. Nos últimos anos realizou diversos concursos públicos que culminaram com a nomeação de um invejável quadro de altíssima qualidade técnica. Não lhe faltam também recursos de informática ou de qualquer sorte. Trata-se, pois, de um dos mais afortunados órgãos de controle do Brasil e que possui os meios para o exercício pleno de todas as suas atribuições. Poderiam ser melhores e maiores os recursos a serem disponibilizados para os tribunais de contas? Sempre poderiam!

Também o manejo do princípio da razoabilidade, como sustentam alguns (normalmente sem demonstrar a aplicação do princípio...), para afastar a atuação da Corte, não pode ocorrer sem a demonstração clara dos subprincípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu dessa não-atuação do Tribunal de Contas.

 

Em razão do exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas entende que as contas apresentadas pelo Município cuja prestação ora se examina apresentam de forma adequada a posição contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da entidade, e, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) pela emissão de parecer recomendando à Câmara Municipal a aprovação das contas do Município de Rancho Queimado, relativas ao exercício de 2010;

2) por determinar ao Chefe do Poder Executivo municipal que:

2.1) institua, em respeito ao disposto no art. 88, IV da lei Federal no 8.069/90, o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, disto fazendo prova ao Tribunal de Contas no prazo de 90 dias;

3) pela determinação à Diretoria de Controle dos Municípios para que:

3.1) instaure o procedimento adequado à verificação (PROCESSO APARTADO):

3.1.1) da responsabilidade pela ausência de realização da audiência pública para a discussão e laboração da LDO, caracterizando o descumprimento do parágrafo único do art. 48 da Lei Complementar nº 101/2000 (item 1.5 da conclusão do Relatório nº. 4.602/2010);  

3.1.2) das responsabilidades pela omissão quanto à obrigação de utilizar no primeiro trimestre os recursos do FUNDEB que deixaram de ser aplicados no exercício anterior (no máximo 5%) mediante abertura de crédito adicional (artigo 21, § 2º, da Lei nº 11.494/2007) - (item 1.1 da conclusão do Relatório nº. 4.602/2010);

3.1.3) omissão na elaboração dos planos de ação e de aplicação dos recursos do Fundo da Infância e da AdolescênciaFIA, caracterizando o malferir do art. 260, § 2o da Lei federal no 8.069/90 c/c art. 1o da Resolução CONANDA no 105/2005 (fl. 363 da conclusão do Relatório nº. 4.602/2010);

3.1.4) da omissão quanto ao dever legal de instituir, em respeito ao disposto no art. 88, IV da lei Federal no 8.069/90, o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (fl. 362 da conclusão do Relatório nº. 4.602/2010);

3.2) acompanhe o cumprimento da Decisão a ser exarada pela Corte e a eventual tipificação de reincidências no exame que processará do exercício seguinte;

3.3) inclua o Município na sua programação de auditorias no exercício de 2011/2012, para a verificação in loco do funcionamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA;

4) com fundamento no art. 59, XI da Constituição Estadual; nos arts. 1º, XIV e 65, § 5º da Lei Complementar nº 202/2000; no art. 7º da Lei Federal nº 7.347/85; nos arts. 14 c/c 22 da Lei Federal nº 8.429/92; no art. 35, I c/c 49, II da LOMAN, no art. 43, VIII da Lei Federal nº 8.625/93, no art. 24, § 2º c/c art. 40 do Decreto-Lei n° 3.689/41, no art. 260, § 2o da Lei federal no 8.069/90 c/c art. 1o da Resolução CONANDA no 105/2005, no art. 60 do ADCT e o art. 21, § 2o da Lei nº 11.494/2007 e no art. 88, IV da Lei Federal nº 8.069/1990, pela imediata comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas, em razão da possível tipificação de condutas previstas nos arts. 10, X e 11, II da Lei 8.429/92:

4.1) em razão da possível omissão da Administração municipal quanto à obrigação de instituir e manter o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente-FIA;

4.2) em razão da possível omissão do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, caracterizada pela omissão na elaboração dos planos de ação e de aplicação dos recursos do Fundo da Infância e da AdolescênciaFIA;

4.3) e para fins de subsidiar eventual ação civil pública visando impor à Administração local a obrigação de realizar os gastos que não foram realizados no exercício em exame, assim como a apuração de eventual tipificação do crime previsto no art. 315 do Código Penal brasileiro em razão da omissão relacionada à aplicação de recursos do FUNDEB;

5) pela comunicação do parecer prévio ao Chefe do Poder Executivo nos termos do propugnado pela Instrução Técnica, estendendo-se o conhecimento da Decisão da Corte ao Poder Legislativo municipal;

6) pela solicitação à Câmara Municipal de Vereadores para que comunique à Corte o resultado do julgamento e ressalvas propugnados pela Instrução.

Florianópolis, 07 de novembro de 2011.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 



[1] MOTTA, Carlos Pinto Coelho e FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade fiscal.  2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 401.

[2] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Processo:CON-05/04115944. Decisão: 397/2006. Origem: Câmara Municipal de Xaxim. Relator: Conselheiro Moacir Bertoli. Data da Sessão: 06/03/2006. Diário Oficial: 20/04/2006

[3] GOMES NETO, Gercino Gérson. Palestra proferida na Conferência Regional para Conselheiros de Direitos e Conselheiros Tutelares http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portalimpressao .asp?campo=2451&conteudo=fixo_detalhe.

[4] CANTANHÊDE, João de Deus Nogueira. Fundo municipal da criança e do adolescente. Fundo Estadual da Criança e do Adolescente-MA. São Luis-Maranhão – 2002. p.7.

[5] Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar : orientações para criação e funcionamento / Secretaria Especial dos Direitos Humanos. – Brasília : Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, 2007. p. 25

[6] Refere-se ao conjunto de ações desenvolvidas pelas diversas entidades, a ser redefinido em função do novo reordenamento jurídico. In: Manual de perguntas & respostas para criação e estruturação dos:conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente, conselhos tutelares e fundos municipais Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do adolescente - CEDICA – RS.

[7] Refere-se a novas maneiras de entender e agir, superando os enfoques assistencialistas e correcionais-repressivos, substituindo-os por ações educativas e emancipadoras, que promovam a Cidadania. In: Manual de perguntas & respostas para criação e estruturação dos:conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente, conselhos tutelares e fundos municipais Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do adolescente - CEDICA – RS.

[8] Trata-se do conjunto de definições e medidas de natureza jurídico-administrativa para garantir a descentralização do atendimento (ECA, art. 88, III), participação da população por meio de suas organizações representativas na formulação e controle das políticas de proteção integral (ECA, art. 88, II). In: Manual de perguntas & respostas para criação e estruturação dos:conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente, conselhos tutelares e fundos municipais Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do adolescente - CEDICA – RS.

[9] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. CON-06/00168506. Parecer: COG-241/06. Decisão: 2414/2006. Origem: Prefeitura Municipal de Mondai. Relator: Conselheiro José Carlos Pacheco. Data da Sessão: 02/10/2006. Data do Diário Oficial:14/11/2006.

[10] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. CON-05/00113750. Parecer: COG-516/05. Decisão:1988/2005. Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall.Data da Sessão:03/08/2005. Data do Diário Oficial: 30/09/2005

[11] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Wilson Rogério Wan-Dall. Data da Sessão: 14/07/2008. Representante do Ministério Público de Contas: Mauro André Flores Pedrozo.

[12] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Relator: Salomão Ribas Junior. Data da Sessão: 17/12/2007. Representante do Ministério Público de Contas: Márcio de Sousa Rosa.