PARECER
nº: |
MPTC/5976/2011 |
PROCESSO
nº: |
PCP 11/00114227 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Novo Horizonte |
INTERESSADO: |
|
ASSUNTO: |
Prestação de Contas do Prefeito exercício
de 2010 |
Trata-se de Prestação de Contas da
Prefeitura Municipal de Novo Horizonte - SC, relativa ao
exercício de 2010.
Foram juntados os documentos
relativos à prestação de contas em comento às fls. 2-449.
A Diretoria de Controle dos
Municípios apresentou relatório técnico (fls. 450-483 e anexos de fl. 484) identificando, ao final, a
ocorrência das seguintes restrições:
1. RESTRIÇÕES DE ORDEM LEGAL
1.1.
Despesas com Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica no valor de R$ 620.654,61, equivalendo a 94,44% (menos que 95%) dos recursos do
FUNDEB, gerando aplicação a menor no valor de R$ 3.680,55, em descumprimento ao artigo 21 da Lei nº 11.494/2007
(item 5.2.2, limite 2).
1.2. Não evidenciação da realização de despesa com os
recursos do FUNDEB remanescentes do exercício anterior no valor de R$ 9.052,63, em descumprimento ao estabelecido
no § 2º do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007 (item 5.2.2, limite 3).
1.3. Atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno
referentes aos 2º, 4º, 5º e 6º bimestres, em desacordo aos artigos 3º e 4º da
Lei Complementar nº 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC-16/94,
alterada pela Resolução nº TC-11/2004.
O relator
exarou despacho à fl. 486, determinando a abertura de prazo para manifestação
da Prefeitura Municipal de Novo Horizonte, diante da irregularidade descrita no
item 1.1. da conclusão do relatório de instrução.
O responsável
apresentou justificativas e documentos às fls. 488-511.
A Diretoria
de Controle dos Municípios apresentou novo relatório técnico (fls. 513-548 e
anexos fl. 549) e, ao analisar as informações prestadas pelo responsável,
manteve todas as restrições.
Após análise de toda a
documentação dos autos e do Relatório Técnico, esta Procuradoria constatou que
foram obtidos os seguintes dados relativos aos pontos de controle realizados
pela instrução.
1. Análise da Gestão Orçamentária
Com relação à análise da
gestão orçamentária do Município, destaca-se que o confronto entre a receita
arrecadada e a despesa realizada resultou no superávit de execução orçamentária
da ordem de R$ 862.212,38, correspondendo a 9,58% da receita arrecadada.
Ressalta-se
que, excluindo-se o resultado orçamentário do Regime Próprio de Previdência, o
Município apresentou superávit de R$ 77.271,59.
Salienta-se que a receita
arrecadada do exercício em exame atingiu o montante de R$ 9.003.057,43, equivalendo a 119,47% da receita orçada.
Aponta-se,
ainda, que foram realizadas audiências públicas para elaboração e discussão dos
Projetos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei
Orçamentária Anual, em cumprimento ao disposto no art. 48, da Lei Complementar
n. 101/2000.
2. Análise da Gestão Patrimonial e Financeira
No que tange à análise da
gestão patrimonial e financeira do Município, destaca-se que o confronto entre
o ativo financeiro e o passivo financeiro do exercício encerrado resulta em
superávit financeiro de R$ 562.113,02, cumprindo-se, assim, o princípio do
equilíbrio de caixa exigido pelo art. 48, alínea “b”, da Lei n. 4.320/64, e
pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Salienta-se que, em
relação ao exercício anterior, ocorreu variação positiva de R$ 303.325,87, passando de um
superávit de R$ 258.787,15 para um superávit de R$ 562.113,02.
3. Análise do cumprimento de limites
Normas constitucionais e
legais estabelecem limites mínimos para aplicação de recursos nas áreas da
Saúde e da Educação, assim como limites máximos para despesas com pessoal.
Na área da Saúde,
observa-se que foi aplicado, em ações e serviços públicos de saúde para o
exercício de 2010, o montante de R$ 1.305.978,09, correspondente ao percentual de 19,01% da receita com
impostos, incluindo transferências, percentual este superior, portanto, ao
limite mínimo de 15% estipulado no art. 77, inciso III e § 4º, do ADCT, à luz
do art. 198, da CRFB/88.
Por sua vez, na área da
Educação, observa-se que foi aplicado, em gastos com manutenção e
desenvolvimento do ensino para o exercício de 2010, o montante de R$ 1.848.016,57, correspondente ao
percentual de 26,90%
da receita com impostos, incluindo transferências, percentual este superior,
portanto, ao limite mínimo de 25% estipulado no art. 212, caput, da CRFB/88.
Também na área da
Educação, com relação ao FUNDEB, observa-se que foi aplicado, na remuneração
dos profissionais do magistério para o exercício de 2010, o montante de R$ 435.734,29, correspondente ao
percentual de 66,30%
dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este superior, portanto, ao limite
mínimo de 60% estipulado no art. 60, XII, do ADCT, c/c o art. 22, da Lei n.
11.494/07.
Igualmente no que toca ao
FUNDEB, observa-se que foi aplicado, em despesas com manutenção e
desenvolvimento da educação básica para o exercício de 2010, o montante de R$ 620.654,61, correspondente ao
percentual de 94,44%
dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este inferior, portanto, ao limite mínimo de 95% estipulado no art. 21, da
Lei n. 11.494/07, caracterizando o descumprimento da referida norma legal.
Ainda quanto ao FUNDEB,
observa-se que o Município, apesar de proceder a abertura de crédito
adicional por superávit financeiro do fundo em questão do exercício anterior
(decreto de fl. 443), não comprovou se a despesa fora efetivamente realizada
(fl. 448), caracterizando
a não realização de despesas com o saldo do
exercício anterior do fundo, no valor de R$ 9.052,63, descumprindo, portanto, o mandamento estipulado no art. 21,
§ 2º, da Lei n. 11.494/07, o qual determina a abertura de crédito adicional no
1º trimestre do exercício subsequente para a efetiva utilização do saldo
remanescente do referido fundo.
Por seu turno, no que
tange aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Município
gastou 41,61%
do total da receita corrente líquida em despesas com pessoal no exercício de
2010, percentual este inferior, portanto, ao limite máximo de 60% estipulado no
art. 169 da CRFB/88, e regulamentado pela Lei Complementar n. 101/2000.
Também com relação aos
limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder Executivo do
Município gastou 39,17% do total da receita corrente líquida em despesas com seu
pessoal no exercício de 2010, percentual este inferior, portanto, ao limite
máximo de 54% estipulado no art. 20, inciso III, alínea “b”, da Lei
Complementar n. 101/2000.
Finalmente, ainda com
relação aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder
Legislativo do Município gastou 2,44% do total da receita corrente
líquida em despesas com seu pessoal no exercício de 2010, percentual este
inferior, portanto, ao limite máximo de 6% estipulado no art. 20, inciso III,
alínea “a”, da Lei Complementar n. 101/2000.
4. Controle Interno
Inicialmente, cumpre esclarecer
que a exigência de manutenção do sistema de controle interno do Poder Executivo
Municipal é de caráter constitucional, consoante preceitua a CRFB/88, nos
seguintes dispositivos:
Art. 31. A fiscalização do Município será
exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos
sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
§ 1º O controle externo da Câmara Municipal
será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município
ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão
competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará
de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
§ 3º As contas dos Municípios ficarão,
durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para
exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da
lei.
§ 4º É vedada a criação de Tribunais,
Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida
pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle
interno de cada Poder.
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas
no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da
União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os
resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira
e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da
aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de
crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício
de sua missão institucional.
Por sua vez, a
Constituição do Estado de Santa Catarina possui disposição semelhante nos
seguintes verbetes:
Art. 58. A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos órgãos e entidades da
administração pública, quanto a legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia
Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de
cada Poder.
Art. 62. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas
no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos do
Estado;
II - comprovar a legalidade e avaliar os
resultados quanto a eficácia e a eficiência da gestão orçamentária, financeira
e patrimonial nos órgãos e entidades da administração estadual, bem como da
aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de
crédito, avais e outras garantias, bem como dos direitos e haveres do Estado;
IV - apoiar o controle externo no exercício
de sua missão institucional.
O art. 60 da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, detém redação idêntica ao último dispositivo
transcrito, tendo tal diploma, em seu art. 119, com redação determinada pela
Lei Complementar Estadual n. 246/2003, estipulado o final do exercício de 2003
como prazo para organização desses sistemas de controle interno.
Neste contexto, a
Resolução n. TC-06/2001, além de também possuir dispositivo com redação
idêntica (art. 128), regulamentou a elaboração do relatório do Órgão Central do
sistema de controle interno municipal, consoante os seguintes dispositivos:
Art. 3º O órgão de Controle Interno
competente encaminhará ou colocará à disposição do Tribunal, em cada exercício,
por meio de acesso a banco de dados informatizado, o rol de responsáveis e suas
alterações, com a indicação da natureza da responsabilidade de cada um, além de
outros documentos ou informações necessários, na forma prescrita em instrução
normativa.
Art. 82. O Tribunal apreciará as contas
prestadas anualmente pelo Prefeito, às quais serão anexadas as do Poder
Legislativo, mediante parecer prévio, separadamente, a ser elaborado antes do
encerramento do exercício no qual foram prestadas.
Art. 83. As contas prestadas anualmente pelo
Prefeito, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, consistirão no
Balanço Geral do Município e no relatório do órgão central do sistema de
controle interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que
trata o art. 120, § 4º, da Constituição Estadual.
Art. 84. O relatório do órgão central do
sistema de controle interno do Poder Executivo que acompanha as Contas do
Governo Municipal deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - considerações sobre matérias econômica,
financeira, administrativa e social relativas ao Município;
II - descrição analítica das atividades dos
órgãos e entidades do Poder Executivo e execução de cada um dos programas
incluídos no orçamento anual, com indicação das metas físicas e financeiras
previstas e das executadas;
III - observações concernentes à situação da
administração financeira municipal;
IV - análise da execução dos orçamentos
fiscal, da seguridade social e de investimento das empresas em que o Município,
direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a
Voto;
V - balanços e demonstrações da posição
financeira e patrimonial do Governo Municipal nas entidades da administração
indireta e nos fundos da administração direta;
VI - execução da programação financeira de
desembolso;
VII - demonstração da dívida ativa do
Município e dos créditos adicionais abertos no exercício;
VIII - notas explicativas que indiquem os
principais critérios adotados no exercício, em complementação às demonstrações
contábeis;
IX - informações sobre as atividades
inerentes ao Poder Legislativo relativas à execução dos respectivos programas
incluídos no orçamento anual.
Por seu turno, a
Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela Resolução n. TC-11/2004, também
dispõe sobre o assunto, ao regulamentar a remessa do referido relatório do
Órgão de controle interno do Município.
Portanto restou
devidamente positivada a questão da organização de sistema de controle interno,
seja no âmbito constitucional, legal ou regulamentar.
Assim, a inexistência ou
deficiência de controle interno afronta dispositivos constitucionais, legais e
regulamentares que impõem expressamente tal obrigação, cuja inobservância
acarreta a violação de deveres essenciais do Administrador, no sentido de atuar
com cautela e compromisso na utilização dos recursos públicos, com vistas a
evitar o mau uso do erário.
Veja-se, inclusive, a
importância do controle interno destacada no XII Ciclo de Estudos de Controle
Público da Administração Municipal, editado por esse Tribunal de Contas, onde
se lê, à p. 301:
O Sistema de Controle Interno deve funcionar
como guardião do patrimônio público, vigiando permanentemente as ações ou atos
expedidos pela administração que venham a ocasionar perda, desperdício ou
desvio do propósito primordial e norteador da administração pública que é o
interesse público.
Desta forma, deverá emitir relatórios
consistentes e circunstanciados que propiciem aos gestores uma visão gerencial
e de planejamento das ações, metas e objetivos a serem alcançados.
Destaca-se, portanto, o fato de que
deficiências relacionadas à atuação do controle interno são consideradas falhas
gravíssimas, sendo tal tipo de irregularidade passível de emissão de parecer
prévio recomendando a rejeição das contas prestadas por Prefeitos, à luz do
art. 9º, inciso XI, da Decisão Normativa n. TC-06/2008:
Art. 9º As restrições que podem ensejar a
emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas
pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão
Normativa, em especial as seguintes:
[...]
XI – CONTROLE INTERNO – Ausência de efetiva
atuação do Sistema de Controle Interno demonstrado no conteúdo dos relatórios
enviados ao Tribunal de Contas, ou em auditoria in loco.
No presente caso,
observa-se que a Lei Municipal n. 28/03 instituiu o Órgão de Controle
Interno do Município de Novo Horizonte, tendo como responsável a Sra. Diana de
Almeida Sanagiotto (ato de nomeação em 02/08/2010), sendo remetido a esse Tribunal de
Contas quatro dos relatórios bimestrais de controle interno com atraso (2º, 4º, 5º
e 6º bimestres), em descumprimento aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com redação dada
pela Resolução n. TC-11/2004.
Sob uma ótica geral,
pode-se concluir que não há graves falhas relacionadas com a atuação do controle
interno do Município que possam ensejar a rejeição das contas em análise.
5. Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FIA)
Após um legado de
abandono aos outrora chamados menores, a CRFB/88 claramente prestigiou a defesa
dos direitos da criança e do adolescente, especialmente a partir da adoção
expressa do princípio da prioridade absoluta, constante de seu art. 227, caput, in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (GRIFEI).
A fim de efetivar tais
garantias, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), cujo
art. 88, incisos II e IV, da seguinte maneira dispõe:
Art. 88. São diretrizes da política de
atendimento:
II - criação de conselhos municipais,
estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos
deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a
participação popular paritária por meio de organizações representativas,
segundo leis federal, estaduais e municipais;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais
e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do
adolescente;
Assim, restou prevista a
criação de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e a
manutenção de Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente,
respectivamente, como diretrizes da política de atendimento do ECA – tudo para
garantir a efetividade do princípio constitucional da prioridade absoluta e do
princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
O próprio ECA e a
Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA) n. 105/2005 determinam a maneira de atuação do Fundo em questão, responsável
por assegurar ações de atendimento a crianças e adolescentes em áreas
prioritárias por meio de receita vinculada aos seus objetivos e a sua
finalidade, sendo a forma de aplicação dos recursos determinada pelos Conselhos
Municipais. Neste sentido, há a elaboração do Plano de Ação e a posterior
aprovação do Plano de Aplicação realizada anualmente, o que operacionaliza a
atuação do referido Fundo.
Importante também trazer
os Prejulgados desse Tribunal de Contas que tratam do referido fundo.
Prejulgado n. 1832:
1. O Fundo de Direitos da Criança e do
Adolescente, instituído em cada ente da Federação, tem por objetivo receber
recursos e realizar despesas para a consecução dos objetivos pretendidos pelo
art. 227 da Constituição da República e pela Lei nº 8.069/90 - Estatuto da
Criança e do Adolescente.
2. O Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente é órgão paritário, com metade de seus membros representantes do
Poder Público e a outra metade da sociedade civil, instituído em cada ente da
Federação, com o objetivo de proporcionar condições de implementação dos
direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, devendo, além de outras
atribuições, gerir o Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Os recursos do Fundo de Direitos da
Criança e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas,
projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da
criança e do adolescente.
4. A definição das despesas que podem ser
custeadas com recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao
seu gestor, a quem compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o
objeto do gasto está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção
sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como
se está em conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo
fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Prejulgado n. 1681:
1. Conforme o disposto no § 2º do art. 260 da
Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, os critérios de
utilização dos recursos do fundo, tanto daqueles oriundos de doações ou
deduções do imposto de renda, quanto dos provenientes de repasses de entes
públicos, devem ser fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente, através de plano de aplicação.
2. A administração dos recursos é tarefa
exercida pelo órgão público designado pelo Chefe do Poder Executivo para a
execução orçamentária e contábil do fundo.
3. O Conselho vai dizer o quanto de recursos
será destinado para tal programa de atendimento e o órgão público irá proceder
à liberação e ao controle dos valores dentro das normas legais e contábeis.
No presente caso,
observa-se que a despesa do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente representa 0,48% da despesa total realizada pela Prefeitura Municipal.
Também foi verificado que
a nominata e os atos de posse dos Conselheiros do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente remetidos às fls. 407-435
referem-se, na verdade, aos Conselheiros Tutelares.
A ausência na
remessa da nominata desses Conselheiros Municipais caracteriza fortes indícios
de que não há atuação do CMDCA no município de Novo Horizonte, em descumprimento ao art. 88,
inciso II, do ECA, c/c o art. 2º, da Resolução do CONANDA n. 105/2005.
Os Conselhos dos Direitos da Criança
e do Adolescente são entidades fundamentais na execução de
O art. 88 do
Art. 88.
(...)
II -
(...)
A
Art. 2º. Na
§1º. O
§ 2º. As
Em
A
Art. 136.
(...)
IX -
A in
A ausência de um Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente implica
em uma grave omissão do chefe do Poder Executivo Municipal que pode
acarretar em sérios prejuízos à efetiva execução de políticas públicas nessa
área ou até em desvirtuamentos quanto à aplicação dos recursos a elas
destinados ou até mesmo pode inviabilizar a concretização do princípio da
prioridade absoluta previsto na Constituição Federal.
Constatou-se, ainda, que, apesar da
remessa de documentação relativa à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
referentes às metas voltadas à criança e ao adolescente, não houve a devida remessa do
Plano de Ação e do Plano de Aplicação, devendo ambos ser elaborados e aprovados
pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente, como visto
acima, caracterizando-se o descumprimento
do art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º, da Resolução do CONANDA n. 105/2005.
Constata-se, por fim, que
a remuneração dos Conselheiros Tutelares foi arcada pelo Fundo Municipal da
Infância e Adolescência, e representa 60,10% da despesa total do fundo,
consoante a informação de fl. 545, em afronta ao art. 16, inciso II, da Resolução CONANDA n.
137/2010, que veda expressamente a
utilização dos recursos provenientes deste fundo para pagamento, manutenção e
funcionamento do Conselho Tutelar.
Tal prática representa
claro desvirtuamento dos objetivos atrelados à formação do referido fundo, o
que prejudica a concretização de ações concretas voltadas à efetiva proteção da
criança e do adolescente, além de configurar violação ao princípio
constitucional da proteção integral previsto no art. 227, caput, da CF/88.
Considerando que tal
irregularidade não está inserida no rol de restrições passíveis de acarretar na
rejeição das contas municipais, mas que, todavia, reveste-se de gravidade
suficiente para, uma vez comprovada, carrear em sanções aos responsáveis, opino
ao final pela autuação em apartado e pela realização de uma auditoria detalhada
para análise e julgamento de possíveis irregularidades vinculadas ao FIA de Novo
Horizonte.
6. Outra
restrição
Como já visto
no item 4 deste parecer, a instrução apontou o atraso na remessa de quatro dos
relatórios bimestrais de controle interno, em desconformidade aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com
redação dada pela Resolução n. TC-11/2004.
7.
Conclusão
Da análise
das informações apresentadas nestes autos e do relatório técnico, tem-se que o
responsável pela Unidade Gestora não apresentou justificativas suficientes para
elidir a irregularidade detectada pela instrução, referente ao descumprimento
do art. 21 da Lei n. 11.494/07, cujo teor impõe a aplicação do limite mínimo de
95% dos recursos oriundos do FUNDEB em despesas com manutenção e
desenvolvimento da educação básica.
Esta
restrição é considerada gravíssima, a ponto de ensejar a rejeição das contas
apresentadas, conforme jurisprudência consolidada dessa Corte de Contas
expressamente consignada no art. 9º, inciso VIII, da Decisão Normativa n.
TC-06/2008, in verbis:
Art.
9º As restrições que podem ensejar a
emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas
pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta
Decisão Normativa, em especial as seguintes: [grifei]
[...]
VIII
– DESPESA. FUNDEB. Despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica
no valor de R$...., equivalendo a ....% (menos que 95%) dos recursos oriundos
do FUNDEB, gerando aplicação a menor no valor de R$.... (Lei nº 11.494/2007,
art. 21).
Em suas
justificativas (fls. 488-491 e documentos de fls. 492-511), o responsável aduz
que a restrição em questão fora ocasionada por um equívoco na geração dos
empenhos da folha de pagamento dos meses de janeiro a abril de 2010, falha esta
decorrente da apropriação indevida, na fonte de recurso destinada à receita de
impostos, de despesas que poderiam ter sido pagas com a fonte de recurso
dedicada ao FUNDEB.
Portanto o
responsável admitiu que a Unidade Gestora utilizou recursos de impostos para o
pagamento de despesas relacionadas à folha de pagamento nos meses acima
referidos, não configurando, por isso mesmo, aplicação dos recursos do FUNDEB,
ou seja, o responsável, em suas
justificativas, confessou a não aplicação dos recursos do FUNDEB no limite
mínimo legal.
Neste
contexto, necessário frisar a importância do FUNDEB – Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – o qual substituiu o antigo FUNDEF (restrito ao ensino fundamental),
a partir da Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006.
Cumprir os
ditames básicos da Lei 11.494/07, a qual regulamentou o fundo, é a ação mínima dos gestores municipais
no que se relaciona aos investimentos quantitativos na educação, isso
sem falar no abandonado aspecto qualitativo, já que atualmente no País
o
que mais profundamente estigmatiza a educação básica é a perda de qualidade, em
contínuo declínio, ano a ano, e acentuada na última década. Os sistemas de
avaliação, aprimorados ao longo do tempo, postos em prática regularmente, de
alguns anos para cá, põem a descoberto essa triste e constrangedora realidade.
Em parte, agravada pela atenção maior que tem sido dada ao fazer crescer o
atendimento quantitativo do ensino público. Mas que não mais pode manter-se
relegada a um segundo plano.[1]
A propósito,
a inobservância do que determina a legislação em questão é irregularidade
gravíssima, porquanto mesmo quando cumpridos os limites mínimos estipulados em
Lei, o Brasil segue em situação precária no que se refere à educação, consoante
inclusive o mais recente relatório da UNESCO sobre o tema, o “Education for All Global Monitoring Report
2011”[2],
no qual o País permaneceu na 88ª
colocação de tal ranking da educação, atrás de países como Paraguai, Namíbia e Botswana.
Este estudo
abrange as ações de cada nação na ampliação da educação infantil, na
universalização do ensino primário, no combate das desigualdades de gênero na
educação e na melhoria de sua qualidade, dentre outros aspectos, por meio do
cálculo do chamado EDI (EFA Development
Index, o Índice de Desenvolvimento do Programa Educação Para Todos).
E com relação
ao índice apresentado (94,44%), é importante frisar que o percentual para
manutenção e desenvolvimento do ensino básico estabelecido no art. 21 da Lei nº 11.494/2007 é o mínimo exigível.
Portanto é o menor quantitativo que
entendeu o legislador ser o minimamente razoável para se tentar garantir a
prestação e uma qualidade (também mínima) no ensino básico.
Assim, entendo que, independentemente
do montante que representa o descumprimento da norma, o fato concreto é que o gestor não conseguiu sequer cumprir essa
menor porção que deveria ser necessariamente destinada à educação básica e,
nesse passo, não importa o quanto
maior ou menor for a dita violação, o que releva verificar é se ela realmente
existiu ou não.
Ressalto que a adoção desse raciocínio
quantitativo pode gerar situações de infração ao princípio da eqüidade, pois,
na ausência de um parâmetro legal que assegure uma margem de segurança para se
aferir a gravidade do descumprimento, tal apreciação fica ao mero alvitre do
julgador, o que evidentemente poderá gerar decisões antagônicas para situações
similares, pois o que pode não ser uma irregularidade grave para uns, pode o
ser para outros.
Por todas as
razões expostas, entendo que as contas em questão não podem ser tidas como boas
e opino, ao final, pela emissão de parecer propondo a sua rejeição.
E
considerando que a restrição
apontada no item 1.2 da conclusão do relatório de
instrução pode
configurar grave infração à norma legal de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, devendo constar, na conclusão do
parecer prévio, a determinação para formação de autos apartados para fins de
exame desse ato de gestão.
Ante o exposto, o Ministério Público
de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II,
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:
1. pela emissão de parecer
recomendando à Câmara Municipal a REJEIÇÃO das contas da Prefeitura Municipal
de Novo Horizonte, relativas ao exercício de 2010;
2. pela DETERMINAÇÃO para formação de
autos apartados com vistas ao exame do ato descrito nos item 1.2 da conclusão do relatório de instrução;
3.
pela
DETERMINAÇÃO para
formação de autos apartados para exame do ato referente à utilização de
recursos do FIA para pagamento da remuneração dos Conselheiros Tutelares, em
afronta ao disposto no art. 16, caput
e parágrafo único, inciso II, da Resolução CONANDA n. 137/2010 e, ainda, quanto
à ausência de criação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e de remessa
dos Planos de Ação e Aplicação referentes ao Fundo Municipal da Infância e
Adolescência, em descumprimento do art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º da
Resolução do CONANDA n. 105/2005;
4. pela DETERMINAÇÃO para realização de auditoria detalhada no Fundo Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente, em face das irregularidades
constantes do capítulo 7 do relatório técnico (item 5 deste parecer), que podem
apontar para a existência de outras falhas relacionadas à utilização do
referido fundo municipal;
5.
pela DETERMINAÇÃO
ao Chefe do Poder Executivo Municipal para que institua,
6. pela RECOMENDAÇÃO para que sejam adotadas providências visando à não
reincidência no atraso da remessa de relatórios de controle interno a esse
Tribunal de Contas;
7.
pela
REMESSA DE INFORMAÇÕES ao
Florianópolis, 9 de novembro de 2011.
Cibelly
Farias
Procuradora
do Ministério Público de Contas
[1] CALLEGARI, César
(organizador). O FUNDEB e o financiamento da educação pública no Estado de São
Paulo. 5 ed. São Paulo: IBSA, 2010, p. 189.
[2] Disponível em: http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/ED/pdf/gmr2011-efa-development-index.pdf.
Acesso em 09/11/2011, às 7h32.