PARECER
nº: |
MPTC/6011/2011 |
PROCESSO
nº: |
PCP 11/00158518 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Içara |
RESONSÁVEL: |
Gentil Dory da Luz |
ASSUNTO: |
Prestação de Contas do Prefeito do Exercício de
2010 |
01. DO
RELATÓRIO
O presente
processo refere-se a Prestação de Contas do Prefeito Municipal de Içara,
relativa ao exercício de 2010, em cumprimento ao disposto no Artigo 51 da Lei
Complementar nº 202/2000.
02. DA
INSTRUÇÃO
A análise das
contas pelo corpo Técnico da Diretoria de Controle dos Municípios - DMU abrange
o Balanço Anual do exercício financeiro de 2010, bem como as informações dos
registros contábeis e de execução orçamentária, enviadas por meio
informatizado.
Após acurado
exame das informações prestadas pela Unidade Gestora, a Instrução elaborou o Relatório
nº. 4.580/2011, conforme registro às fls. 568 - 598, que concluiu por apontar
as seguintes restrições para efeito de emissão de Parecer Prévio pelo Egrégio
Tribunal Pleno:
I- RESTRIÇÕES DE ORDEM
LEGAL:
I.1. Déficit financeiro
do Município (Consolidado) da ordem de R$ 1.316.407,85, resultante do déficit
financeiro remanescente do exercício anterior, correspondendo a 1,52% da
Receita Arrecadada do Município no exercício em exame (R$ 86.346.046,47) e,
tomando-se por base a arrecadação média mensal, equivale a 0,18 da arrecadação
mensal, em desacordo ao artigo 48, “b” da Lei 4.320/1964 e artigo 1º da Lei
Complementar nº. 101/2000 (LRF).
I.2. Ausência de remessa
do Parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o artigo 27, da Lei nº
11.494/07;
I.3. Ausência de
abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010 e,
consequentemente, não evidenciação da realização de despesa com recursos do
FUNDEB, remanescentes do exercício anterior, no valor de R$ 62.182,96, em
descumprimento ao estabelecido no § 2º, do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007;
Em 17 de outubro
de 2011, o Processo foi encaminhado para este Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas do Estado para competente manifestação.
03. DA
PROCURADORIA
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, na sua
missão constitucional e legal de guarda da lei e fiscal de sua execução,
regrada nas Constituições Federal e Estadual e na Lei Complementar Estadual nº.
202/2000, analisando o Relatório de Instrução, constatou que o Município de
Içara, no exercício de 2010:
a)
Aplicou
pelo menos 15% das receitas produto de impostos, inclusive transferências, em
Ações e Serviços Públicos de Saúde, conforme exigido no artigo 77, III, e § 4º
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
b)
Aplicou
pelo menos 25% das Receitas Resultantes de Impostos em Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino, conforme exige o artigo 212 da Constituição Federal;
c)
Aplicou,
pelo menos, 60% dos recursos recebidos do FUNDEB na remuneração dos
profissionais do magistério, conforme exige o artigo 60, XII, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias c/c artigo 22 da Lei n°. 11.494/2007;
d)
Aplicou
pelo menos, 95% dos recursos recebidos do FUNDEB em despesas com Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica, conforme exige o artigo 21 da Lei n°.
11.494/2007;
e)
Os gastos
com pessoal do Município ficaram abaixo do limite máximo de 60% da Receita
Corrente Líquida, conforme exigido pelo artigo 169 da Constituição federal c/c
o artigo 19, III da Lei de Responsabilidade Fiscal;
f)
Os gastos
com pessoal do Poder Executivo no exercício em exame ficaram abaixo do limite
máximo de 54% da Receita Corrente Líquida, conforme exigido pelo artigo 20, III
da Lei de Responsabilidade Fiscal;
g)
Os gastos
com pessoal do Poder Legislativo no exercício em exame ficaram abaixo do limite
máximo de 6% da Receita Corrente Líquida, conforme exigido pelo artigo 20, III
da Lei de Responsabilidade Fiscal;
h)
O
resultado financeiro do exercício não foi bom, pois apresentou um déficit da ordem de R$ 1.316.407,85,
descumprindo, portanto, ao princípio do equilíbrio de caixa exigido pelo artigo
48, “b” da Lei 4.320/64 e artigo 1º, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Denota-se
que a Unidade Gestora aplicou corretamente os percentuais enumerados na Carta Magna
e legislação infraconstitucional. Restaram, contudo, restrições de ordem legal,
eivadas de incorreções procedimentais, as quais este Órgão Ministerial passa a
analisar:
A) RESTRIÇÕES DE ORDEM
LEGAL:
I – DÉFICIT FINANCEIRO
- Déficit financeiro do
Município (Consolidado) da ordem de R$ 1.316.407,85, resultante do déficit
financeiro remanescente do exercício anterior, correspondendo a 1,52% da
Receita Arrecadada do Município no exercício em exame (R$ 86.346.046,47) e,
tomando-se por base a arrecadação média mensal, equivale a 0,18 da arrecadação
mensal, em desacordo ao artigo 48, “b” da Lei 4.320/1964 e artigo 1º da Lei
Complementar nº. 101/2000 (LRF).
O Déficit
Financeiro é originário de causas injustificáveis e resultado contábil vedado pela
Lei 4.320/64 e Lei Complementar nº. 101 – Lei de Responsabilidade Fiscal. É,
portanto, prática ilegal e lesiva ao erário. Em níveis expressivos e
macroeconômicos, eleva os preços e causa impacto negativo na economia nacional,
devendo, portanto, ser duramente combatido pelos órgãos de controle externo.
Dispõe a Lei 4.320/64:
Art. 48 – A fixação das cotas a que se refere o artigo anterior atenderá
aos seguintes objetivos:
a)
(...)
b)
Manter, durante o exercício,
na medida do possível, o equilíbrio entre a receita arrecadada e a
despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo eventuais insuficiências de
tesouraria.
Dispõe a LC nº. 101 de 04/05/2000:
Art. 1º, § 1º – A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação
planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes
de afetar o equilíbrio das contas públicas...
É preciso
avaliar o contexto do Resultado Financeiro, quais as suas causas, tendo em
vista, por exemplo, o princípio contábil da continuidade estabelecido na
Resolução nº. 750/93 do Conselho Federal de Contabilidade.
Importante
considerar que “a informação
contábil representa fatos que não estão totalmente acabados, eis que a entidade
governamental tem vida ilimitada e que os finais de exercícios financeiros
representam cortes na vida da entidade para apresentar resultados das
operações, situação financeira e as suas modificações que incluem fatos cujos
efeitos não terminam na data dos balanços do período”.
Neste sentido,
há que se avaliar o comportamento do resultado financeiro de exercícios
passados e até mesmo futuros, antes de responsabilizar o administrador público
por encerrar o Balanço com Déficit Financeiro, como é o caso da Prefeitura
Municipal de Matos Costa.
Entretanto, como
não há nos autos informações que permitam essa análise, tomemos apenas o
comportamento do resultado financeiro dos últimos dois exercícios e registrados
à fl. 404:
2009 – Déficit
de R$ 1.778.780,08 e,
2010
– Déficit de R$ 1.316.407,85.
Este
comportamento do resultado financeiro da Prefeitura Municipal de Içara
evidencia que o responsável pela Unidade, no exercício em tela, se preocupou em
recuperar o equilíbrio financeiro de forma a atender o disposto no art. 48, “b”
da Lei 4.320/64, artigo 1º, § 1º e 42 da LRF, na medida em que produziu um
Superávit Orçamentário de R$ 462.372,23, diminuindo a insuficiência de caixa.
Sendo assim,
entende-se que a irregularidade, atenuada pelo esforço fiscal empreendido, não
possui o condão de, por si só, ensejar a rejeição de contas do Município.
II – RECURSOS DO FUNDEB
I.2. Ausência de remessa
do Parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o artigo 27, da Lei nº
11.494/07;
I.3. Ausência de
abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010 e,
consequentemente, não evidenciação da realização de despesa com recursos do
FUNDEB, remanescentes do exercício anterior, no valor de R$ 62.182,96, em
descumprimento ao estabelecido no § 2º, do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007;
A Emenda Constitucional nº 53, de 20 de dezembro de 2006, entre outras
medidas, criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, como fonte adicional de
financiamento da educação básica.
O objeto primordial é
arrecadar fundos dos Estados e Municípios para posterior aplicação na Educação
Básica Pública, conforme disposto na Lei Federal nº. 11.494/2007.
A lei do FUNDEB
determina que no mínimo 95% dos recursos sejam aplicados no exercício, e a
sobra deve ser aplicada no primeiro trimestre do próximo exercício:
Art. 21 §2º: Até 5%
(cinco por cento) dos recursos recebidos à conta dos Fundos, inclusive
relativos à complementação da União recebidos nos termos do §1º do art. 6º
desta Lei, poderão ser utilizados no 1º (primeiro) trimestre do exercício
imediatamente subseqüente, mediante abertura de crédito adicional.
Ressalte-se que
o desenvolvimento do País, assim como a melhoria da qualidade de vida, a
consolidação do processo democrático, e a inclusão social de parcela mais
significativa da população, passam necessariamente por um sistema educacional
mais amplo e eficaz.
A excelência no
ensino está atrelada a vários fatores: melhores instalações, equipamentos,
transporte, merenda e principalmente, profissionais capacitados e bem
remunerados que possam desempenhar seu papel fundamental de educar.
Sendo assim,
deve à Unidade Gestora adotar as medidas necessárias à aplicação integral dos recursos remanescentes do exercício anterior e
encaminhe o Parecer do Conselho do FUNDEB no prazo estabelecido na Lei Federal
nº 11.494/2007.
V
- DO FUNDO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (FIA)
A Constituição Federal
prestigia a defesa dos direitos da criança e do adolescente, especialmente a
partir da adoção expressa do princípio da prioridade absoluta, constante de seu
art. 227, caput, in verbis:
Art.
227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
E como forma de efetivar
tais garantias, a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê
a criação de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e a
manutenção de Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente,
conforme se lê no art. 88 do referido diploma legal:
Art.
88. São diretrizes da política de atendimento:
II
- criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança
e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os
níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações
representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
IV
- manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA) nº 105/2005 regram a atuação do Fundo, com o objetivo
de assegurar ações de atendimento a crianças e adolescentes em áreas
prioritárias por meio de receita vinculada aos seus objetivos e a sua
finalidade, sendo a forma de aplicação dos recursos determinada pelos Conselhos
Municipais.
Importante
colacionar os Prejulgados desse Tribunal de Contas que tratam da matéria.
Prejulgado n. 1832:
1.
O Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente, instituído em cada ente da
Federação, tem por objetivo receber recursos e realizar despesas para a
consecução dos objetivos pretendidos pelo art. 227 da Constituição da República
e pela Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
2.
O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente é órgão paritário, com
metade de seus membros representantes do Poder Público e a outra metade da
sociedade civil, instituído em cada ente da Federação, com o objetivo de
proporcionar condições de implementação dos direitos e garantias das crianças e
dos adolescentes, devendo, além de outras atribuições, gerir o Fundo de
Direitos da Criança e do Adolescente.
3.
Os recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente devem ser empregados
exclusivamente em programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos
voltados ao atendimento da criança e do adolescente.
4.
A definição das despesas que podem ser custeadas com recursos do Fundo de
Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao seu gestor, a quem compete
avaliar, no momento da autorização da despesa, se o objeto do gasto está
inserido nos programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos
voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como se está em conformidade
com os critérios de utilização dos recursos do Fundo fixados pelo Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente.
Prejulgado n. 1681:
1.
Conforme o disposto no § 2º do art. 260 da Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança
e do Adolescente, os critérios de utilização dos recursos do fundo, tanto
daqueles oriundos de doações ou deduções do imposto de renda, quanto dos
provenientes de repasses de entes públicos, devem ser fixados pelo Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente, através de plano de aplicação.
2.
A administração dos recursos é tarefa exercida pelo órgão público designado
pelo Chefe do Poder Executivo para a execução orçamentária e contábil do fundo.
3.
O Conselho vai dizer o quanto de recursos será destinado para tal programa de
atendimento e o órgão público irá proceder à liberação e ao controle dos
valores dentro das normas legais e contábeis.
Assim, analisando o caso
em tela, observa-se que a despesa do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente (Unidade Orçamentária) representa 0,20% da despesa total
realizada pela Prefeitura Municipal.
A nominata e os atos de
posse dos Conselheiros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente estão devidamente acostados aos autos.
A Unidade Gestora Elaborou
o Plano de Ação, porém, tais programas (políticas públicas) foram inseridos no
Fundo Municipal de Assistência Social. Verifica-se, ainda, que não houve a
remessa do Plano de aplicação, caracterizando descumprimento ao disposto no
art. 260, § 2º, do ECA e art. 1º, da Resolução do CONANDA n. 105/2005.
Por fim, constata-se que a
remuneração dos Conselheiros Tutelares foi arcada pelo Fundo Municipal da
Infância e Adolescência, vedado expressamente pelo art. 16, da Resolução
CONANDA n. 137/2010.
Tal prática caracteriza
desvirtuamento dos objetivos atrelados à formação do referido fundo, o que
prejudica a concretização de ações concretas voltadas à efetiva proteção da
criança e do adolescente, além de configurar violação ao princípio
constitucional da proteção integral previsto no art. 227, caput, da CF/88.
Considerando que tal
incorreção não está inserida no rol de restrições passíveis de acarretar a
rejeição das contas municipais, mas que, todavia, reveste-se de gravidade
suficiente para, uma vez comprovada, carrear em sanções aos responsáveis, opino pela autuação em apartado e
realização de auditoria, objetivando averiguar possíveis irregularidades
vinculadas ao FIA do Município de Içara.
4. CONCLUSÃO
Analisando ainda, a gestão
orçamentária, financeira e patrimonial constante do Relatório Técnico da
DMU/TCE, entendemos que o Balanço Geral do Município de Içara representa de
forma adequada a posição
financeira, orçamentária e patrimonial, assim como não há registro de fatos
relevantes que possam comprometer os princípios fundamentais da contabilidade
aplicados à administração pública.
Ante o exposto, concluo sugerindo que o eminente
Relator possa propor ao Egrégio Tribunal Pleno, que recomende à Câmara
Municipal, a APROVAÇÃO das contas do exercício de 2010 da Prefeitura
Municipal de Içara, com fundamento nos artigos 53 e 54 da Lei Complementar nº.
202/2000.
Florianópolis,
11 de novembro de 2011.
MAURO ANDRÉ FLORES PEDROZO
Procurador-Geral
Ministério Público junto
ao Tribunal de Contas