PARECER
nº: |
MPTC/6029/2011 |
PROCESSO
nº: |
PCP 11/00027090 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Laguna |
INTERESSADO: |
|
ASSUNTO: |
Prestação de Contas do Prefeito exercício
de 2010 |
Trata-se de Prestação de Contas da
Prefeitura Municipal de Laguna - SC, relativa ao
exercício de 2010.
Foram juntados os documentos
relativos à prestação de contas em comento às fls. 2-475.
A Diretoria de Controle dos
Municípios apresentou relatório técnico (fls. 476-509, anexo de fl. 510 e apêndices de fls.
511-515)
identificando, ao final, a ocorrência das seguintes restrições:
1.
RESTRIÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL
1.1.
Abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição,
remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para
outra ou de um órgão para outro, no montante de R$ 319.191,89, sem prévia
autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167,
V e VI da CF/88 (item 9.2).
2. RESTRIÇÕES DE ORDEM LEGAL
2.1.
Ausência de abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010 e,
consequentemente, não evidenciação da realização de despesa com os recursos do
FUNDEB remanescentes do exercício anterior no valor de R$ 1.035,19, em descumprimento ao estabelecido no § 2º do artigo 21
da Lei nº 11.494/2007 (item 5.2.2, limite 3);
2.2. Divergência, no valor de R$ 329.852,27, entre os créditos autorizados constantes do
Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada – Anexo 11 (R$ 82.988.766,97)
e o apurado através das informações enviadas via Sistema e-Sfinge – Módulo
Planejamento (R$ 83.318.619,24), caracterizando afronta aos artigos 75, 90 e 91
da Lei nº 4.320/64 (item 8.1);
2.3. Atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno
referentes aos 1º e 4º bimestres, em desacordo aos artigos 3º e 4º da Lei
Complementar nº 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC-16/94, alterada
pela Resolução nº TC-11/2004 (item 9.1).
A Relatora exarou o despacho de fls.
517-519, concluindo ao final que a restrição apontada no item 1.1 da conclusão
do relatório de instrução seria, no seu entender, objeto de ressalva no parecer
prévio, e remeteu os autos a este
Ministério Público.
Após análise de toda a
documentação dos autos e do Relatório Técnico, esta Procuradoria constatou que
foram obtidos os seguintes dados relativos aos pontos de controle realizados
pela instrução.
1. Análise da Gestão Orçamentária
Com relação à análise da
gestão orçamentária do Município, destaca-se que o confronto entre a receita
arrecadada e a despesa realizada resultou no déficit de execução orçamentária
da ordem de R$ 1.949.594,88, correspondendo a 3,75% da receita arrecadada.
Ressalta-se
que o déficit em questão fora totalmente absorvido pelo superávit financeiro do
exercício anterior (R$ 2.154.207,70), conforme será demonstrado no item 2.
deste parecer.
Salienta-se que a receita
arrecadada do exercício em exame atingiu o montante de R$ 51.980.867,89, equivalendo a 76,86% da receita orçada.
Aponta-se,
ainda, que foram realizadas audiências públicas para elaboração e discussão dos
Projetos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei
Orçamentária Anual, em cumprimento ao disposto no art. 48, da Lei Complementar
n. 101/2000.
2. Análise da Gestão Patrimonial e Financeira
No que tange à análise da
gestão patrimonial e financeira do Município, destaca-se que o confronto entre
o ativo financeiro e o passivo financeiro do exercício encerrado resulta em
superávit financeiro de R$ 550.135,25, cumprindo-se, assim, o princípio do
equilíbrio de caixa exigido pelo art. 48, alínea “b”, da Lei n. 4.320/64, e
pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Salienta-se que, em
relação ao exercício anterior, ocorreu variação negativa de R$ 1.604.072,45, passando de um
superávit de R$ 2.154.072,45 para um superávit de R$ 550.135,25.
3. Análise do cumprimento de limites
Normas constitucionais e
legais estabelecem limites mínimos para aplicação de recursos nas áreas da
Saúde e da Educação, assim como limites máximos para despesas com pessoal.
Na área da Saúde,
observa-se que foi aplicado, em ações e serviços públicos de saúde para o
exercício de 2010, o montante de R$ 7.281.135,54, correspondente ao percentual de 22,83% da receita com
impostos, incluindo transferências, percentual este superior, portanto, ao
limite mínimo de 15% estipulado no art. 77, inciso III e § 4º, do ADCT, à luz
do art. 198, da CRFB/88.
Por sua vez, na área da
Educação, observa-se que foi aplicado, em gastos com manutenção e
desenvolvimento do ensino para o exercício de 2010, o montante de R$ 9.075.451,75, correspondente ao
percentual de 28,46%
da receita com impostos, incluindo transferências, percentual este superior,
portanto, ao limite mínimo de 25% estipulado no art. 212, caput, da CRFB/88.
Também na área da
Educação, com relação ao FUNDEB, observa-se que foi aplicado, na remuneração
dos profissionais do magistério para o exercício de 2010, o montante de R$ 7.139.971,14, correspondente ao
percentual de 97,24%
dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este superior, portanto, ao limite
mínimo de 60% estipulado no art. 60, XII, do ADCT, c/c o art. 22, da Lei n.
11.494/07.
Igualmente no que toca ao
FUNDEB, observa-se que foi aplicado, em despesas com manutenção e
desenvolvimento da educação básica para o exercício de 2010, o montante de R$ 7.248.234,18, correspondente ao
percentual de 98,71%
dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este superior, portanto, ao limite
mínimo de 95% estipulado no art. 21, da Lei n. 11.494/07.
Ainda quanto ao FUNDEB,
observa-se que o Município não realizou despesas com o saldo do exercício
anterior do fundo, no valor de R$ 1.035,19, descumprindo, portanto, o mandamento estipulado no art. 21,
§ 2º, da Lei n. 11.494/07, o qual determina a abertura de crédito adicional no
1º trimestre do exercício subsequente para a utilização do saldo remanescente
do referido fundo.
Por seu turno, no que
tange aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Município
gastou 57,09%
do total da receita corrente líquida em despesas com pessoal no exercício de
2010, percentual este inferior, portanto, ao limite máximo de 60% estipulado no
art. 169 da CRFB/88, e regulamentado pela Lei Complementar n. 101/2000.
Também com relação aos
limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder Executivo do
Município gastou 53,62% do total da receita corrente líquida em despesas com seu
pessoal no exercício de 2010, percentual este inferior, portanto, ao limite
máximo de 54% estipulado no art. 20, inciso III, alínea “b”, da Lei
Complementar n. 101/2000.
Finalmente, ainda com
relação aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder
Legislativo do Município gastou 3,47% do total da receita corrente
líquida em despesas com seu pessoal no exercício de 2010, percentual este
inferior, portanto, ao limite máximo de 6% estipulado no art. 20, inciso III,
alínea “a”, da Lei Complementar n. 101/2000.
4. Controle Interno
Inicialmente, cumpre
esclarecer que a exigência de manutenção do sistema de controle interno do
Poder Executivo Municipal é de caráter constitucional, consoante preceitua a
CRFB/88, nos seguintes dispositivos:
Art.
§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será
exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão
competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará
de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
§ 3º As contas dos Municípios ficarão,
durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para
exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da
lei.
§ 4º É vedada a criação de Tribunais,
Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.
Art.
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas
no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da
União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os
resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira
e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da
aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de
crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício
de sua missão institucional.
Por sua vez, a
Constituição do Estado de Santa Catarina possui disposição semelhante nos
seguintes verbetes:
Art.
Art. 62. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas
no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos do
Estado;
II - comprovar a legalidade e avaliar os
resultados quanto a eficácia e a eficiência da gestão orçamentária, financeira
e patrimonial nos órgãos e entidades da administração estadual, bem como da
aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de
crédito, avais e outras garantias, bem como dos direitos e haveres do Estado;
IV - apoiar o controle externo no exercício
de sua missão institucional.
O art. 60 da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, detém redação idêntica ao último dispositivo
transcrito, tendo tal diploma, em seu art. 119, com redação determinada pela
Lei Complementar Estadual n. 246/2003, estipulado o final do exercício de 2003
como prazo para organização desses sistemas de controle interno.
Neste contexto, a
Resolução n. TC-06/2001, além de também possuir dispositivo com redação
idêntica (art. 128), regulamentou a elaboração do relatório do Órgão Central do
sistema de controle interno municipal, consoante os seguintes dispositivos:
Art. 3º O órgão de Controle Interno
competente encaminhará ou colocará à disposição do Tribunal, em cada exercício,
por meio de acesso a banco de dados informatizado, o rol de responsáveis e suas
alterações, com a indicação da natureza da responsabilidade de cada um, além de
outros documentos ou informações necessários, na forma prescrita em instrução
normativa.
Art. 82. O Tribunal apreciará as contas
prestadas anualmente pelo Prefeito, às quais serão anexadas as do Poder
Legislativo, mediante parecer prévio, separadamente, a ser elaborado antes do
encerramento do exercício no qual foram prestadas.
Art. 83. As contas prestadas anualmente pelo
Prefeito, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, consistirão no
Balanço Geral do Município e no relatório do órgão central do sistema de
controle interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que
trata o art. 120, § 4º, da Constituição Estadual.
Art. 84. O relatório do órgão central do
sistema de controle interno do Poder Executivo que acompanha as Contas do
Governo Municipal deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - considerações sobre matérias econômica,
financeira, administrativa e social relativas ao Município;
II - descrição analítica das atividades dos
órgãos e entidades do Poder Executivo e execução de cada um dos programas
incluídos no orçamento anual, com indicação das metas físicas e financeiras previstas
e das executadas;
III - observações concernentes à situação da
administração financeira municipal;
IV - análise da execução dos orçamentos
fiscal, da seguridade social e de investimento das empresas em que o Município,
direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a
Voto;
V - balanços e demonstrações da posição
financeira e patrimonial do Governo Municipal nas entidades da administração
indireta e nos fundos da administração direta;
VI - execução da programação financeira de
desembolso;
VII - demonstração da dívida ativa do
Município e dos créditos adicionais abertos no exercício;
VIII - notas explicativas que indiquem os
principais critérios adotados no exercício, em complementação às demonstrações
contábeis;
IX - informações sobre as atividades
inerentes ao Poder Legislativo relativas à execução dos respectivos programas
incluídos no orçamento anual.
Por seu turno, a
Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela Resolução n. TC-11/2004, também
dispõe sobre o assunto, ao regulamentar a remessa do referido relatório do
Órgão de controle interno do Município.
Portanto restou
devidamente positivada a questão da organização de sistema de controle interno,
seja no âmbito constitucional, legal ou regulamentar.
Assim, a inexistência ou
deficiência de controle interno afronta dispositivos constitucionais, legais e
regulamentares que impõem expressamente tal obrigação, cuja inobservância
acarreta a violação de deveres essenciais do Administrador, no sentido de atuar
com cautela e compromisso na utilização dos recursos públicos, com vistas a
evitar o mau uso do erário.
Veja-se, inclusive, a
importância do controle interno destacada no XII Ciclo de Estudos de Controle
Público da Administração Municipal, editado por esse Tribunal de Contas, onde
se lê, à p. 301:
O Sistema de Controle Interno deve funcionar
como guardião do patrimônio público, vigiando permanentemente as ações ou atos
expedidos pela administração que venham a ocasionar perda, desperdício ou
desvio do propósito primordial e norteador da administração pública que é o
interesse público.
Desta forma, deverá emitir relatórios
consistentes e circunstanciados que propiciem aos gestores uma visão gerencial
e de planejamento das ações, metas e objetivos a serem alcançados.
Destaca-se, portanto, o fato de que
deficiências relacionadas à atuação do controle interno são consideradas falhas
gravíssimas, sendo tal tipo de irregularidade passível de emissão de parecer
prévio recomendando a rejeição das contas prestadas por Prefeitos, à luz do
art. 9º, inciso XI, da Decisão Normativa n. TC-06/2008:
Art. 9º As restrições que podem ensejar a
emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas
pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão
Normativa, em especial as seguintes:
[...]
XI – CONTROLE INTERNO – Ausência de efetiva
atuação do Sistema de Controle Interno demonstrado no conteúdo dos relatórios
enviados ao Tribunal de Contas, ou em auditoria in loco.
No presente caso,
observa-se que a Lei Municipal n. 99/03 instituiu o Órgão de Controle
Interno do Município de Laguna, tendo como responsável a Sra. Mariza Barreto Machado (ato de nomeação em 01/02/2005), sendo remetido a esse
Tribunal de Contas dois dos relatórios bimestrais de controle interno com atraso (1º e 4º
bimestres),
em descumprimento aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000,
c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela
Resolução n. TC-11/2004, não se verificando irregularidades ou ilegalidades
levantadas pelo referido Órgão, com relação à execução do orçamento e dos
registros contábeis, bem como aos atos e fatos da Administração Municipal.
Sob uma ótica geral,
pode-se concluir que não há graves falhas relacionadas com a atuação do controle
interno do Município que possam ensejar a rejeição das contas em análise.
5. Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FIA)
Após um legado de
abandono aos outrora chamados menores, a CRFB/88 claramente prestigiou a defesa
dos direitos da criança e do adolescente, especialmente a partir da adoção
expressa do princípio da prioridade absoluta, constante de seu art. 227, caput, in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (GRIFEI).
A fim de efetivar tais
garantias, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), cujo
art. 88, incisos II e IV, da seguinte maneira dispõe:
Art. 88. São diretrizes da política de
atendimento:
II - criação de conselhos municipais,
estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos
deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a
participação popular paritária por meio de organizações representativas,
segundo leis federal, estaduais e municipais;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais
e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do
adolescente;
Assim, restou prevista a
criação de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e a
manutenção de Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente,
respectivamente, como diretrizes da política de atendimento do ECA – tudo para
garantir a efetividade do princípio constitucional da prioridade absoluta e do
princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
O próprio ECA e a
Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA) n. 105/2005 determinam a maneira de atuação do Fundo em questão, responsável
por assegurar ações de atendimento a crianças e adolescentes em áreas
prioritárias por meio de receita vinculada aos seus objetivos e a sua
finalidade, sendo a forma de aplicação dos recursos determinada pelos Conselhos
Municipais. Neste sentido, há a elaboração do Plano de Ação e a posterior
aprovação do Plano de Aplicação realizada anualmente, o que operacionaliza a
atuação do referido Fundo.
Importante também trazer
os Prejulgados desse Tribunal de Contas que tratam do referido fundo.
Prejulgado n. 1832:
1. O Fundo de Direitos da Criança e do
Adolescente, instituído em cada ente da Federação, tem por objetivo receber
recursos e realizar despesas para a consecução dos objetivos pretendidos pelo
art. 227 da Constituição da República e pela Lei nº 8.069/90 - Estatuto da
Criança e do Adolescente.
2. O Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente é órgão paritário, com metade de seus membros representantes do
Poder Público e a outra metade da sociedade civil, instituído em cada ente da
Federação, com o objetivo de proporcionar condições de implementação dos
direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, devendo, além de outras
atribuições, gerir o Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança
e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas, projetos e
atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do
adolescente.
Prejulgado n. 1681:
1. Conforme o disposto no § 2º do art. 260 da
Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, os critérios de
utilização dos recursos do fundo, tanto daqueles oriundos de doações ou
deduções do imposto de renda, quanto dos provenientes de repasses de entes
públicos, devem ser fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente, através de plano de aplicação.
3. O Conselho vai dizer o quanto de recursos
será destinado para tal programa de atendimento e o órgão público irá proceder
à liberação e ao controle dos valores dentro das normas legais e contábeis.
No presente caso,
observa-se que a despesa do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Unidade Orçamentária) representa 0,006% da despesa total realizada pela Prefeitura
Municipal.
Também foi verificado que
a nominata e os atos de posse dos Conselheiros do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente estão devidamente acostados aos autos
(fls. 334, 341-342).
Constatou-se, ainda, que, apesar da
remessa do Plano Municipal de Assistência Social para o quadriênio de
2010-2013, não houve a devida remessa do Plano de Ação e do Plano de Aplicação, devendo
ambos ser elaborados e aprovados pelo Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e Adolescente, como visto acima, caracterizando-se o descumprimento do art. 260, §
2º, do ECA, c/c o art. 1º, da Resolução do CONANDA n. 105/2005.
Por fim, observa-se que a
remuneração dos Conselheiros Tutelares foi paga com recursos da Prefeitura
Municipal (fls. 335-339), portanto, corretamente tais despesas não correram à conta
do FIA, haja vista que as finalidades do fundo da criança e do adolescente não
abrangem, por exemplo, despesas de caráter continuado.
6. Inconsistência
contábil
A Unidade
Técnica apontou uma inconsistência contábil (fl. 506), relacionada, em síntese,
com divergência entre os créditos autorizados constantes do Comparativo da
Despesa Autorizada com a Realizada e o apurado através das informações enviadas
via Sistema e-Sfinge.
7. Outras restrições
Como já visto
no item 4 deste parecer, a instrução apontou o atraso na remessa de dois dos
relatórios bimestrais de controle interno, em desconformidade aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar Estadual
n. 202/2000, c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com redação dada
pela Resolução n. TC-11/2004.
A Área
Técnica assinalou também a presença da irregularidade referente à abertura de
Créditos Adicionais Suplementares por conta de transposição, remanejamento ou
transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um
órgão para outro, sem prévia autorização legislativa específica, em afronta ao
art. 167, incisos V e VI, da CRFB/88.
Neste
contexto, oportuno transcrever o que preceitua nossa Lei Maior:
Art.
167. São vedados:
[...]
V
– a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização
legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
VI
– a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma
categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia
autorização legislativa;
Ocorre que
tal restrição é considerada gravíssima a ponto de ensejar a rejeição das contas
apresentadas pelo Prefeito, conforme jurisprudência consolidada dessa Corte de
Contas expressamente consignada no art. 9º, incisos III e IV, da Decisão
Normativa n. TC-06/2008, in verbis:
Art.
9º As restrições que podem ensejar a
emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas pelo
Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão
Normativa, em especial as seguintes: [grifei]
[...]
III
– ORÇAMENTO (CRÉDITOS ADICIONAIS) – Suplementares ou Especiais. Abertura sem
prévia autorização legislativa e sem a indicação dos recursos correspondentes
(Constituição Federal, art. 167, V).
IV
– ORÇAMENTO (CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS) – Transposição, Remanejamento
ou Transferências de Recursos de uma categoria de programação para outra ou de
um órgão para outro sem prévia autorização legislativa (Constituição Federal,
art. 167, VI).
Assim, uma
vez devidamente comprovada a irregularidade apontada pela instrução, a
manifestação pela rejeição das contas deveria ser a consequência natural,
todavia, antes de mais nada, é imprescindível
notificar o responsável para ciência do relatório técnico e para que
possa se manifestar sobre tal restrição, em homenagem ao princípio
constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Importa
registrar que, em que pese o argumento de que os processos de prestações de
contas municipais (PCPs) não são julgados nessa Corte, mas nas Câmaras
Municipais, é sabido que os pareceres prévios
emanados servem como forte subsídio para o julgamento propriamente dito, daí a
razão pela qual é não só pertinente, mas necessário, emitir comunicação ao
responsável para que tome ciência dos fatos irregulares descritos
pela instrução.
Além disso, é
importante frisar que da ciência do gestor podem resultar justificativas que
apontem inclusive para a não existência da irregularidade, o que é mais um
motivo para que seja oportunizado o direito de defesa, para que não se corra o
risco de manter apontamentos gravíssimos no parecer prévio sem ter a certeza de
que eles realmente ocorreram.
Todavia, a
Relatora, consoante despacho de fls. 517-519, ao não determinar a citação do
responsável, adiantou seu juízo de valor a respeito da sua futura manifestação
nestes autos, sinalizando com futura aprovação de contas maculadas por
gravíssima irregularidade – inconstitucional, diga-se de passagem.
Com a devida
vênia, entendo que os argumentos aduzidos pela Relatora não se mostram
suficientes para afastar, neste
momento processual, a restrição detectada, nos termos do texto
constitucional e da Decisão Normativa n. TC-06/2008, que – frisa-se – encontra-se em pleno em vigor.
A referida
norma foi fruto de diversos debates e estudos antes de sua edição, o que
culminou com o incremento de algumas irregularidades passíveis de rejeição de
contas antes não previstas na Portaria TC n. 233/2003.
O que se pode
concluir é que houve uma evolução no entendimento sobre a matéria no âmbito
dessa Corte de Contas, surgiram novos apontamentos, novas possibilidades de
rejeição de contas, as quais, ainda que sejam objeto de discordâncias pessoais,
estão claramente contidas na legislação interna em vigor.
Assim não se
pode, a meu ver, simplesmente ignorar uma disposição normativa plenamente
vigente, pois somente a revogação – total ou parcial – da referida norma
autorizaria a afastar de pleno a hipótese de rejeição das contas, como se
observa no despacho de fls. 517-519.
Como frisado
pela Auditora, no julgamento das contas do exercício anterior, diversos
Municípios apresentaram a irregularidade em questão, tendo suas contas aprovadas com a ressalva de que não cometessem as
mesmas anomalias no exercício seguinte. No caso de Laguna, o que se
percebe é que tal procedimento de nada adiantou, tendo em vista que a Unidade voltou a proceder a abertura de créditos
adicionais suplementares por conta do remanejamento de recursos de uma
categoria de programação para outra, sem prévia autorização legislativa
específica.
E
quanto ao argumento de que o valor resultante da violação constitucional foi
inferior ao exercício anterior, também entendo que não se pode usar de tal mensuração
para afastar a irregularidade.
Independentemente
do montante que representa o descumprimento da norma, o fato concreto é que os
apontamentos da área técnica levam a crer que o gestor não cumpriu uma norma a
qual deveria estar vinculado e que por disposição normativa vigente pode
ensejar a rejeição de suas contas.
Nesse passo, não importa o
quanto maior ou menor for a dita violação, o que releva verificar é se ela
realmente existiu ou não.
Ressalto
que a adoção desse raciocínio quantitativo pode gerar situações de infração ao
princípio da equidade, pois, na ausência de um parâmetro legal que assegure uma
margem de segurança para se aferir a gravidade do descumprimento, tal
apreciação fica ao mero alvitre do julgador, o que evidentemente poderá gerar decisões
antagônicas para situações similares, pois o que pode não ser um montante
considerável para uns, pode o ser para outros.
Acrescenta-se,
ainda, que a Lei Orçamentária Municipal para o exercício de 2010 não pode ser
considerada como justificativa para o ato, já que se trata de autorização
legislativa não específica,
portanto, à margem da previsão constitucional.
Por fim,
salienta-se que não há no texto constitucional ou na Decisão Normativa dessa
Corte de Contas ressalva de que a irregularidade deve ser desconsiderada caso
não prejudique a percepção dos resultados apresentados no Balanço Geral do
Município. Na verdade, a razão de ser do impedimento constitucional é não armar
o gestor com um cheque em branco para dispor, da maneira que bem entenda, unilateralmente,
do dinheiro público, sem a aquiescência da Câmara Municipal. O dispositivo
constitucional em foco representa também o mecanismo de freios e contrapesos
constante de nossa Constituição Cidadã.
É
que a prática do remanejamento de recursos, mediante transposições e
transferências de alta monta sem autorização legislativa específica para tal,
macula os princípios básicos que regem as normas orçamentárias, sobretudo o
preceito de que “o ordenador de despesas só pode fazer aquilo que as
respectivas leis lhe permitem – e nos termos e limites dessa permissão”.[1]
Assim, antes
de qualquer outro juízo de valor acerca da presente questão, entendo pertinente a
realização de
citação do responsável, para que se manifeste especificamente acerca da irregularidade contida no item 1.1 da conclusão do relatório de
instrução.
8.
Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público
de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II,
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, assim se manifesta:
1. preliminarmente,
requer a V. Exa. reconsideração do despacho de fl. 517-519 e a CITAÇÃO do responsável para tomar ciência e, querendo, apresentar
justificativas e esclarecimentos acerca da irregularidade descrita no item 1.1
da conclusão do relatório de instrução;
2. na
hipótese de não se realizar a citação do responsável, considerando a existência
de fortes indícios de irregularidade que, conforme as razões expostas neste parecer, apontam para a existência de contas
deficitárias, não há como opinar pela recomendação de aprovação das contas.
Tampouco é possível opinar recomendando a rejeição, sem que se confira ao
responsável a possibilidade de exercer seu direito ao contraditório e à ampla
defesa, constitucionalmente garantidos. Dessa forma, se ausente o contraditório, esta
representante ministerial entende que não há elementos suficientes
e hábeis para manifestação acerca da regularidade ou da irregularidade das
contas apresentadas pela Prefeitura
Municipal de Laguna, relativas ao exercício de 2010;
3. pela DETERMINAÇÃO para formação de autos apartados com vistas ao exame do ato descrito no item 2.1 da conclusão do relatório de instrução;
4.
pela
DETERMINAÇÃO para
formação de autos apartados para exame do ato referente à ausência de remessa
dos Planos de Ação e Aplicação referentes ao Fundo Municipal da Infância e
Adolescência, em descumprimento do art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º da
Resolução do CONANDA n. 105/2005;
5. pela DETERMINAÇÃO para realização de auditoria detalhada no Fundo Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente, em face das irregularidades
constantes do capítulo 7 do relatório técnico (item 5 deste parecer), que podem
apontar para a existência de outras falhas relacionadas ao
planejamento e à utilização do referido fundo municipal;
6. pela RECOMENDAÇÃO para que sejam adotadas providências visando à
correção da
deficiência de
natureza contábil constante do capítulo 8 do relatório técnico (item 6 deste parecer),
bem como com vistas à não reincidência no atraso da remessa de relatórios de
controle interno a esse Tribunal de Contas.
7. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES
ao
Florianópolis, 10 de novembro de 2011.
Cibelly
Farias
Procuradora
do Ministério Público de Contas
[1] MENDES. Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2 ed.
rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 1349.