PARECER nº:

MPTC/6722/2011

PROCESSO nº:

PCP 11/00145530    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Barra Velha

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Prestação de Contas do Prefeito do exercício de 2010

 

 

 

 

Trata-se de Prestação de Contas da Prefeitura Municipal de Barra Velha - SC, relativa ao exercício de 2010.

Foram juntados os documentos relativos à prestação de contas em comento às fls. 2-450 e 565-567.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou relatório técnico (fls. 451-487, anexo de fl. 488 e apêndices de fls. 489-495) identificando, ao final, a ocorrência das seguintes restrições:

1. RESTRIÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL

1.1. Abertura de Créditos Adicionais Suplementares no valor de R$ 49.500,00 por conta de transposição, remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa específica, em desacordo com o disposto no artigo 167, VI da CF/88. (Apêndice 6)

2. RESTRIÇÕES DE ORDEM LEGAL

2.1. Ausência de remessa do Parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o artigo 27, da Lei nº 11.494/07.

2.2. Aplicação parcial no valor de R$ 120.665,59 referente aos recursos do FUNDEB remanescentes do exercício anterior no valor de R$ 126.000,31 mediante abertura de crédito adicional no primeiro trimestre de 2010, em descumprimento ao estabelecido no § 2º do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007 (item 5.2.2, limite 3).

2.3. Atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno referentes aos 1º, 2º, 3º, 4º bimestres, em desacordo aos artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC-16/94, alterada pela Resolução nº TC-11/2004.

2.4. Divergência, no valor de R$ 123.524,45, entre o Resultado Patrimonial apurado na Demonstração das Variações Patrimoniais – Anexo 15 (R$ - 7.300.458,54) e o Saldo Patrimonial do exercício corrente, apurado no Balanço Patrimonial – Anexo 14, (R$ 23.316.861,22), em afronta aos artigos 104 e 105 da Lei nº 4.320/64.

2.5. Divergência, no valor de R$ 79.215,33, apurada entre a variação do saldo patrimonial financeiro (R$ 2.501.259,03) e o resultado da execução orçamentária – Superávit (R$ 2.347.594,09), considerando o cancelamento de restos a pagar de R$ 74.449,61, em afronta ao artigo 102 da Lei nº 4.320/64.

2.6. Divergência, no valor de R$ 687,07, entre o saldo apresentado na Demonstração da Dívida Flutuante – Anexo 17 (R$ 6.618.480,34) e o saldo do Passivo Financeiro constante do Balanço Patrimonial – Anexo 14 da Lei nº 4.320/64 (R$ 6.619.167,41), caracterizando afronta aos artigos 85 e 105 da referida Lei.

2.7. Utilização dos recursos da Reserva de Contingência, no montante de R$ 480.000,00 sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em desacordo com a Lei Complementar nº 101/2000, artigo 5º, III, “b”. (Apêndice 7).

O Relator exarou despacho à fl. 497, determinando a abertura de prazo para manifestação da Prefeitura Municipal de Barra Velha, diante das irregularidades descritas nos itens 1.1., 2.1., 2.2. e 2.7. da conclusão do relatório de instrução.

O responsável apresentou justificativas e documentos às fls. 500-564.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou novo relatório técnico (fls. 568-612, anexo de fl. 613 e apêndices de fls. 614-620) e, ao analisar as informações prestadas pelo responsável, excluiu a irregularidade descrita no item 2.7. e manteve as demais restrições.

Após análise de toda a documentação dos autos e do Relatório Técnico, esta Procuradoria constatou que foram obtidos os seguintes dados relativos aos pontos de controle realizados pela instrução.

1. Análise da Gestão Orçamentária

Com relação à análise da gestão orçamentária do Município, destaca-se que o confronto entre a receita arrecadada e a despesa realizada resultou no superávit de execução orçamentária da ordem de R$ 2.897.324,32, correspondendo a 6,75% da receita arrecadada.

Ressalta-se que, excluindo-se o resultado orçamentário do Regime Próprio de Previdência o Município apresentou superávit de R$ 2.347.594,09.

Salienta-se que a receita arrecadada do exercício em exame atingiu o montante de R$ 42.944.505,73, equivalendo a 116,78% da receita orçada.

Aponta-se, ainda, que foram realizadas audiências públicas para elaboração e discussão dos Projetos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual, em cumprimento ao disposto no art. 48, da Lei Complementar n. 101/2000.

2. Análise da Gestão Patrimonial e Financeira

No que tange à análise da gestão patrimonial e financeira do Município, destaca-se que o confronto entre o ativo financeiro e o passivo financeiro do exercício encerrado resulta em superávit financeiro de R$ 1.440.074,54, cumprindo-se, assim, o princípio do equilíbrio de caixa exigido pelo art. 48, alínea “b”, da Lei n. 4.320/64, e pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Salienta-se que, em relação ao exercício anterior, ocorreu variação positiva de R$ 2.501.259,03, passando de um déficit de R$ 1.061.184,49 para um superávit de R$ 1.440.074,54.

3. Análise do cumprimento de limites

Normas constitucionais e legais estabelecem limites mínimos para aplicação de recursos nas áreas da Saúde e da Educação, assim como limites máximos para despesas com pessoal.

Na área da Saúde, observa-se que foi aplicado, em ações e serviços públicos de saúde para o exercício de 2010, o montante de R$ 5.116.265,57, correspondente ao percentual de 21,81% da receita com impostos, incluindo transferências, percentual este superior, portanto, ao limite mínimo de 15% estipulado no art. 77, inciso III e § 4º, do ADCT, à luz do art. 198, da CRFB/88.

Por sua vez, na área da Educação, observa-se que foi aplicado, em gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino para o exercício de 2010, o montante de R$ 5.998.666,63, correspondente ao percentual de 25,57 da receita com impostos, incluindo transferências, percentual este superior, portanto, ao limite mínimo de 25% estipulado no art. 212, caput, da CRFB/88.

Também na área da Educação, com relação ao FUNDEB, observa-se que foi aplicado, na remuneração dos profissionais do magistério para o exercício de 2010, o montante de R$ 4.733.774,58, correspondente ao percentual de 76,30% dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este superior, portanto, ao limite mínimo de 60% estipulado no art. 60, XII, do ADCT, c/c o art. 22, da Lei n. 11.494/07.

Igualmente no que toca ao FUNDEB, observa-se que foi aplicado, em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica para o exercício de 2010, o montante de R$ 6.127.689,25, correspondente ao percentual de 98,76% dos recursos oriundos do FUNDEB, percentual este superior, portanto, ao limite mínimo de 95% estipulado no art. 21, da Lei n. 11.494/07, caracterizando o cumprimento da referida norma legal.

Ainda quanto ao FUNDEB, observa-se que o Município utilizou parcialmente o saldo do exercício anterior do fundo, no valor de R$ 120.665,59 (o saldo total era de R$ 126.000,31), mediante abertura de crédito adicional no 1º trimestre, descumprindo, portanto, o mandamento estipulado no art. 21, § 2º, da Lei n. 11.494/07, o qual determina a abertura de crédito adicional no 1º trimestre do exercício subsequente para a utilização da totalidade do saldo remanescente do referido fundo. Salienta-se que a justificativa do responsável de que o valor seria incapaz de gerar prejuízo por irrisório não merece guarida, porquanto a regra do dispositivo legal em questão não traz outra exceção, conforme salientado pela instrução, à fl. 595 do relatório técnico final.

Por seu turno, no que tange aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Município gastou 46,81% do total da receita corrente líquida em despesas com pessoal no exercício de 2010, percentual este inferior, portanto, ao limite máximo de 60% estipulado no art. 169 da CRFB/88, e regulamentado pela Lei Complementar n. 101/2000.

Também com relação aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder Executivo do Município gastou 44,27% do total da receita corrente líquida em despesas com seu pessoal no exercício de 2010, percentual este inferior, portanto, ao limite máximo de 54% estipulado no art. 20, inciso III, alínea “b”, da Lei Complementar n. 101/2000.

Finalmente, ainda com relação aos limites máximos para despesas com pessoal, observa-se que o Poder Legislativo do Município gastou 2,54% do total da receita corrente líquida em despesas com seu pessoal no exercício de 2010, percentual este inferior, portanto, ao limite máximo de 6% estipulado no art. 20, inciso III, alínea “a”, da Lei Complementar n. 101/2000.

4. Controle Interno

Inicialmente, cumpre esclarecer que a exigência de manutenção do sistema de controle interno do Poder Executivo Municipal é de caráter constitucional, consoante preceitua a CRFB/88, nos seguintes dispositivos:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

§ 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.

§ 4º É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

Por sua vez, a Constituição do Estado de Santa Catarina possui disposição semelhante nos seguintes verbetes:

Art. 58. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos órgãos e entidades da administração pública, quanto a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Art. 62. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos do Estado;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados quanto a eficácia e a eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração estadual, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e outras garantias, bem como dos direitos e haveres do Estado;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

O art. 60 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, detém redação idêntica ao último dispositivo transcrito, tendo tal diploma, em seu art. 119, com redação determinada pela Lei Complementar Estadual n. 246/2003, estipulado o final do exercício de 2003 como prazo para organização desses sistemas de controle interno.

Neste contexto, a Resolução n. TC-06/2001, além de também possuir dispositivo com redação idêntica (art. 128), regulamentou a elaboração do relatório do Órgão Central do sistema de controle interno municipal, consoante os seguintes dispositivos:

Art. 3º O órgão de Controle Interno competente encaminhará ou colocará à disposição do Tribunal, em cada exercício, por meio de acesso a banco de dados informatizado, o rol de responsáveis e suas alterações, com a indicação da natureza da responsabilidade de cada um, além de outros documentos ou informações necessários, na forma prescrita em instrução normativa.

Art. 82. O Tribunal apreciará as contas prestadas anualmente pelo Prefeito, às quais serão anexadas as do Poder Legislativo, mediante parecer prévio, separadamente, a ser elaborado antes do encerramento do exercício no qual foram prestadas.

Art. 83. As contas prestadas anualmente pelo Prefeito, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, consistirão no Balanço Geral do Município e no relatório do órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que trata o art. 120, § 4º, da Constituição Estadual.

Art. 84. O relatório do órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo que acompanha as Contas do Governo Municipal deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:

I - considerações sobre matérias econômica, financeira, administrativa e social relativas ao Município;

II - descrição analítica das atividades dos órgãos e entidades do Poder Executivo e execução de cada um dos programas incluídos no orçamento anual, com indicação das metas físicas e financeiras previstas e das executadas;

III - observações concernentes à situação da administração financeira municipal;

IV - análise da execução dos orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimento das empresas em que o Município, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a Voto;

V - balanços e demonstrações da posição financeira e patrimonial do Governo Municipal nas entidades da administração indireta e nos fundos da administração direta;

VI - execução da programação financeira de desembolso;

VII - demonstração da dívida ativa do Município e dos créditos adicionais abertos no exercício;

VIII - notas explicativas que indiquem os principais critérios adotados no exercício, em complementação às demonstrações contábeis;

IX - informações sobre as atividades inerentes ao Poder Legislativo relativas à execução dos respectivos programas incluídos no orçamento anual.

Por seu turno, a Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela Resolução n. TC-11/2004, também dispõe sobre o assunto, ao regulamentar a remessa do referido relatório do Órgão de controle interno do Município.

Portanto restou devidamente positivada a questão da organização de sistema de controle interno, seja no âmbito constitucional, legal ou regulamentar.

Assim, a inexistência ou deficiência de controle interno afronta dispositivos constitucionais, legais e regulamentares que impõem expressamente tal obrigação, cuja inobservância acarreta a violação de deveres essenciais do Administrador, no sentido de atuar com cautela e compromisso na utilização dos recursos públicos, com vistas a evitar o mau uso do erário.

Veja-se, inclusive, a importância do controle interno destacada no XII Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração Municipal, editado por esse Tribunal de Contas, onde se lê, à p. 301:

O Sistema de Controle Interno deve funcionar como guardião do patrimônio público, vigiando permanentemente as ações ou atos expedidos pela administração que venham a ocasionar perda, desperdício ou desvio do propósito primordial e norteador da administração pública que é o interesse público.

Desta forma, deverá emitir relatórios consistentes e circunstanciados que propiciem aos gestores uma visão gerencial e de planejamento das ações, metas e objetivos a serem alcançados.

Destaca-se, portanto, o fato de que deficiências relacionadas à atuação do controle interno são consideradas falhas gravíssimas, sendo tal tipo de irregularidade passível de emissão de parecer prévio recomendando a rejeição das contas prestadas por Prefeitos, à luz do art. 9º, inciso XI, da Decisão Normativa n. TC-06/2008:

Art. 9º As restrições que podem ensejar a emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão Normativa, em especial as seguintes:

[...]

XI – CONTROLE INTERNO – Ausência de efetiva atuação do Sistema de Controle Interno demonstrado no conteúdo dos relatórios enviados ao Tribunal de Contas, ou em auditoria in loco.

No presente caso, observa-se que a Lei Municipal n. 027/2003 instituiu o Órgão de Controle Interno do Município de Barra Velha, tendo como responsável o Sr. Ivo Irineu Bernardo (ato de nomeação em 05/01/2009), sendo remetido a esse Tribunal de Contas quatro dos relatórios bimestrais de controle interno com atraso (1º, 2º, 3º e 4º bimestres), em descumprimento aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela Resolução n. TC-11/2004.

Sob uma ótica geral, pode-se concluir que não há graves falhas relacionadas com a atuação do controle interno do Município que possam ensejar a rejeição das contas em análise.

 

 

5. Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA)

Após um legado de abandono aos outrora chamados menores, a CRFB/88 claramente prestigiou a defesa dos direitos da criança e do adolescente, especialmente a partir da adoção expressa do princípio da prioridade absoluta, constante de seu art. 227, caput, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (GRIFEI).

A fim de efetivar tais garantias, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), cujo art. 88, incisos II e IV, da seguinte maneira dispõe:

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

Assim, restou prevista a criação de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e a manutenção de Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, respectivamente, como diretrizes da política de atendimento do ECA – tudo para garantir a efetividade do princípio constitucional da prioridade absoluta e do princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

O próprio ECA e a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) n. 105/2005 determinam a maneira de atuação do Fundo em questão, responsável por assegurar ações de atendimento a crianças e adolescentes em áreas prioritárias por meio de receita vinculada aos seus objetivos e a sua finalidade, sendo a forma de aplicação dos recursos determinada pelos Conselhos Municipais. Neste sentido, há a elaboração do Plano de Ação e a posterior aprovação do Plano de Aplicação realizada anualmente, o que operacionaliza a atuação do referido Fundo.

Importante também trazer os Prejulgados desse Tribunal de Contas que tratam do referido fundo.

Prejulgado n. 1832:

1. O Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente, instituído em cada ente da Federação, tem por objetivo receber recursos e realizar despesas para a consecução dos objetivos pretendidos pelo art. 227 da Constituição da República e pela Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

2. O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente é órgão paritário, com metade de seus membros representantes do Poder Público e a outra metade da sociedade civil, instituído em cada ente da Federação, com o objetivo de proporcionar condições de implementação dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, devendo, além de outras atribuições, gerir o Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente.

3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente.

4. A definição das despesas que podem ser custeadas com recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao seu gestor, a quem compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o objeto do gasto está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como se está em conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Prejulgado n. 1681:

1. Conforme o disposto no § 2º do art. 260 da Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, os critérios de utilização dos recursos do fundo, tanto daqueles oriundos de doações ou deduções do imposto de renda, quanto dos provenientes de repasses de entes públicos, devem ser fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, através de plano de aplicação.

2. A administração dos recursos é tarefa exercida pelo órgão público designado pelo Chefe do Poder Executivo para a execução orçamentária e contábil do fundo.

3. O Conselho vai dizer o quanto de recursos será destinado para tal programa de atendimento e o órgão público irá proceder à liberação e ao controle dos valores dentro das normas legais e contábeis.

No presente caso, observa-se que a despesa do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente representa 0,12% da despesa total realizada pela Prefeitura Municipal.

Também foi verificado que a nominata e os atos de posse dos Conselheiros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente estão devidamente acostados aos autos (fls. 375-379).

Constatou-se, ainda, que, apesar da remessa de documentação relativa à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) referentes às metas voltadas à criança e ao adolescente, não houve a devida remessa do Plano de Ação e do Plano de Aplicação, devendo ambos ser elaborados e aprovados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente, como visto acima, caracterizando-se o descumprimento do art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º, da Resolução do CONANDA n. 105/2005.

Por fim, observa-se que a remuneração dos Conselheiros Tutelares foi paga com recursos da Prefeitura Municipal (fls. 402-410), portanto, corretamente tais despesas não correram à conta do FIA, haja vista que as finalidades do fundo da criança e do adolescente não abrangem, por exemplo, despesas de caráter continuado.

6. Inconsistências contábeis

A Unidade Técnica apontou três inconsistências contábeis às fls. 601-602, relacionadas, em síntese, com divergências entre o Resultado Patrimonial apurado na Demonstração das Variações Patrimoniais e o Saldo Patrimonial do exercício corrente apurado no Balanço Patrimonial, entre a variação do saldo patrimonial financeiro e o resultado da execução orçamentária, e entre o saldo apresentado na Demonstração da Dívida Flutuante e o saldo do Passivo Financeiro constante do Balanço Patrimonial.

7. Outras restrições

A Unidade Técnica assinalou a ausência de remessa do parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o art. 27 da Lei n. 11.494/07, salientando que o responsável remeteu, por meio da documentação anexada as suas justificativas (fls. 559-564), o parecer conclusivo e a ata de aprovação referentes ao exercício de 2009, e não de 2010.

Como já visto no item 4 deste parecer, a instrução apontou o atraso na remessa de quatro dos relatórios bimestrais de controle interno, em desconformidade aos arts. 3º e 4º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, c/c o art. 5º, § 3º, da Resolução n. TC-16/1994, com redação dada pela Resolução n. TC-11/2004.

A instrução destacou, também, a abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta da transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa específica, em desacordo com o art. 167, inciso VI, da CRFB/88, irregularidade esta que será debatida no item 9. deste parecer.

Finalmente, a Área Técnica havia apontado a utilização da Reserva de Contingência, no montante de R$ 480.000,00, sem evidenciar o atendimento de passivos contingentes, riscos ou eventos fiscais imprevistos, em afronta ao art. 5º, inciso III, alínea “b”, da Lei Complementar n. 101/2000.

Em suas justificativas, o responsável esclareceu que a utilização dos recursos da Reserva de Contingência decorreu da declaração de situação de emergência no Município, tendo os documentos de fls. 520-558 (Lei Orçamentária, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Decretos n. 588 e 611/2010) comprovado tal situação, restando atendido, assim, o disposto no art. 5º, inciso III, alínea “b”, da Lei Complementar n. 101/2000.

Por sua vez, o documento de fl. 565 (Decreto n. 595/2010) refere-se à Reserva Matemática Previdenciária utilizada pelo Regime Próprio de Previdência de Barra Velha para suplementar despesas deste órgão.

Assim, a presente restrição da utilização da Reserva de Contingência restou sanada.

8. Despesas vinculadas a terceirizações e contratações temporárias

Além das divergências apontadas pela Unidade Técnica, esta representante ministerial verificou, às fls. 11-15, a existência dos seguintes gastos relacionados no Resumo Geral da Despesa – Anexo 2 – Administração Direta, Indireta e Fundacional, no qual consta o demonstrativo das despesas empenhadas por elemento segundo os grupos de natureza de despesa:

DESPESAS POR ELEMENTOS

VALOR (R$)

Vencimentos e Vantagens Fixas – Pessoal Civil                   

9.068.774,09

Contratação por Tempo Determinado

7.225.401,29

Outras Despesas de Pessoal decorrentes de Contratos de Terceirização

-

Outros Serviços Temporários

-

Outros Serviços de Terceiros – Pessoa Física

245.160,65

A partir da análise dos dados apresentados, verifica-se que as despesas realizadas no exercício de 2010 com contratações por tempo determinado, com outras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização, com outros serviços temporários e com outros serviços de terceiros (pessoa física) correspondem a um elevado percentual, no total 82,37% do montante gasto com vencimentos e vantagens fixas dos servidores e/ou empregados públicos no mesmo exercício.

Inicialmente, cumpre registrar que não consta nestes autos (referente ao exercício de 2010)  como já houve outrora em outras análises anuais de prestações de contas efetivadas pela DMU , o demonstrativo das despesas empenhadas, liquidadas e pagas nas rubricas “outros serviços de terceiros – pessoa física” e “outras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização”, o que, por si só, impossibilita a análise detalhada da natureza dessas contratações e aponta, já à primeira vista, para a necessidade de se apreciar o tema em outro processo, em face da análise numérica apresentada.

Além de se perquirir a natureza dessas contratações, faz-se necessária uma apreciação acerca dos motivos que ensejam a manutenção dos referidos gastos, para que se possa aferir a legalidade e a legitimidade dos mesmos, informações que não estão disponíveis nestes autos.

Nesse contexto, seguindo a mesma linha de análises de exercícios anteriores, esta Procuradora tem adotado o seguinte procedimento: nas hipóteses em que os gastos com contratações temporárias e/ou terceirizações ultrapassam 50% (cinquenta por cento) dos gastos com pessoal efetivo do quadro de servidores, entendo que há indícios de irregularidades e manifesto-me pela autuação em apartado para que se possa melhor analisar a matéria, inclusive conferindo o direito ao contraditório e à ampla defesa.

É evidente que se houvesse informações mais precisas acerca da natureza das contratações, as conclusões quanto à possibilidade de existência de irregularidades poderiam ser mais evidentes, todavia, considerando os dados apresentados nestes autos, a apreciação numérica é a única alternativa que se mostra viável.

Com relação às despesas em questão, que pese a previsão constitucional que possibilita as contratações temporárias (art. 37, inciso IX, da CRFB/88) – somente para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público –, a prática demonstra que tal instituto tem sido desvirtuado pelas administrações municipais, aplicado a contratos que se prolongam por vários exercícios, sem nenhuma comprovação quanto a sua excepcionalidade e, ainda, para o desempenho de atividades contínuas e permanentes que deveriam ser atribuídas a servidores do quadro de pessoal do Órgão.

Nessa linha, há um número considerável de julgados dessa Corte de Contas que aplica multas aos gestores em face dessa irregularidade. Cito como exemplo as seguintes decisões: Acórdãos n. 0059/2010, n. 0005/2010, n. 0053/2010, n. 0143/2010, n. 0180/2010, n. 0283/2010, n. 0291/2010, n. 0373/2010, n. 0384/2010 e n. 0382/2010.

Ao discorrer sobre o tema relativo à terceirização no âmbito da administração pública, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] tece as seguintes considerações, que bem demonstram o quão perniciosas podem se configurar essas contratações quando realizadas à margem da mencionada autorização constitucional:

No âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, a terceirização, como contrato de fornecimento de mão-de-obra, [...], não tem guarida, nem mesmo com base na Lei nº 6.019, que disciplina o trabalho temporário, porque a Constituição, no art. 37, inciso II, exige que a investidura em cargos, empregos ou funções se dê sempre por concurso público.

[...].

Tais contratos têm sido celebrados sob a fórmula de prestação de serviços técnicos especializados, de tal modo a assegurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer mão-de-obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público, para que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado. Tais pessoas não têm qualquer vínculo com a entidade onde prestam serviços, não assumem cargos, empregos ou funções e não se submetem às normas constitucionais sobre servidores públicos. Na realidade, a terceirização, nesses casos, normalmente se enquadra nas referidas modalidades de terceirização tradicional ou com risco, porque mascara a relação de emprego que seria própria da Administração Pública; não protege o interesse público, mas, ao contrário, favorece o apadrinhamento político; burla a exigência constitucional de concurso público; escapa às normas constitucionais sobre servidores públicos; cobra taxas de administração incompatíveis com os custos operacionais, com os salários pagos e com os encargos sociais; não observa as regras das contratações temporárias; contrata servidores afastados de seus cargos para prestarem serviços sob outro título, ao próprio órgão do qual está afastado e com o qual mantém vínculo de emprego público.

Aliás, não estando investidas legalmente em cargos, empregos ou funções, essas pessoas não têm condições de praticar qualquer tipo de ato administrativo que implique decisão, manifestação de vontade, com produção de efeitos jurídicos; só podem executar atividades estritamente materiais; são simples funcionários de fato. Foi uma das muitas fórmulas que se arrumou para burlar todo um capítulo da Constituição Federal (do art. 37 ao 41), para servir aos ideais de nepotismo e apadrinhamento a que não pode resistir tradicionalmente à classe política brasileira.

[...].

Tais contratos são manifestamente ilegais e inconstitucionais. Eles correspondem a uma falsa terceirização e não escondem a intenção de burla à Constituição.

Também não há fundamento constitucional para essas empresas contratarem pessoal sem concurso público. O art. 37, inciso II, da Constituição Federal, ao exigir concurso público para investidura em cargo ou emprego, atinge todas as entidades da Administração indireta, seja qual for o tipo de atividade que exerçam (serviço público ou atividade econômica) [GRIFEI].

Convém registrar que, em recente decisão publicada em 16/6/2010, nos autos do processo REsp n. 1.191.095, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão da Justiça paulista que havia condenado, por improbidade administrativa, o ex-prefeito de Taubaté (SP), acusado pelo Ministério Público de contratar servidores sem concurso público.

O ex-prefeito teve os direitos políticos suspensos por cinco anos e foi condenado, ainda, a pagar multa de 20 vezes sua remuneração como prefeito, além de perder o cargo público que ocupava atualmente.

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, o ex-prefeito fez uso abusivo da lei que autoriza a contratação sem concurso em situações excepcionais, transformando-a em mecanismo rotineiro de burla à Constituição.

Segundo o acórdão do tribunal paulista, a irregularidade restou claramente evidenciada, pois não se cuidou de realizar nenhum concurso público ou, ao menos, de estabelecer um cronograma de concursos durante a gestão do recorrente.

Tal decisão corrobora a gravidade da eventual irregularidade aqui tratada, o que reitera a necessidade de apuração dos fatos que levaram o município a efetuar gastos nesse montante com terceirizações e contratações temporárias.

Por tais razões esta representante ministerial sugere, ao final, a determinação para autuação em apartado para aferição da regularidade ou não dos gastos efetuados com terceirizações e contratações temporárias pelo município.

 

 

9. Conclusão

Da análise das informações apresentadas nestes autos e do relatório técnico, tem-se que o responsável pela Unidade Gestora não apresentou justificativas suficientes para elidir a irregularidade detectada pela instrução, referente ao descumprimento do art. 167, incisos V e VI, da CRFB/88, cujo teor veda a abertura de Créditos Adicionais Suplementares por conta da transposição, do remanejamento ou da transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa específica.

Neste contexto, oportuno transcrever o que preceitua nossa Lei Maior:

Art. 167. São vedados:

[...]

V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

Ocorre que tal restrição é considerada gravíssima, a ponto de ensejar a rejeição das contas apresentadas, conforme jurisprudência consolidada dessa Corte de Contas expressamente consignada no art. 9º, incisos III e IV, da Decisão Normativa n. TC-06/2008, in verbis:

Art. 9º As restrições que podem ensejar a emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas pelo Prefeito, dentre outras, compõe o Anexo I, integrante desta Decisão Normativa, em especial as seguintes: [grifei]

[...]

III – ORÇAMENTO (CRÉDITOS ADICIONAIS) – Suplementares ou Especiais. Abertura sem prévia autorização legislativa e sem a indicação dos recursos correspondentes (Constituição Federal, art. 167, V).

IV – ORÇAMENTO (CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS) – Transposição, Remanejamento ou Transferências de Recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa (Constituição Federal, art. 167, VI).

Em suas justificativas (fls. 520-558), o responsável aduz que o Município não descumpriu a legislação vigente, uma vez que promoveu as alterações necessárias para ajuste do orçamento com a devida autorização prévia do Poder Legislativo Municipal por meio do art. 27, inciso VI, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, e dos arts. 17, 18 e 19, da Lei Orçamentária Anual.

Todavia, o remanejamento de recursos de uma atividade para outra deve estar amparado em lei específica, consoante os dispositivos acima transcritos, além do disposto no Prejulgado n. 1312, dessa Corte de Contas, o qual melhor pormenoriza a presente questão:

1. Os créditos suplementares e especiais necessitam de autorização legislativa através de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, devendo a abertura se dar através de decreto do Executivo, mediante prévia exposição justificativa e indicação da origem dos recursos correspondentes. Pode haver autorização na Lei Orçamentária Anual, conforme arts. 165, §8º, da Constituição Federal e 7º, I, da Lei nº 4.320/64, somente para as hipóteses de superávit financeiro do exercício anterior, excesso de arrecadação e operações de crédito, sendo irregulares as autorizações na Lei Orçamentária Anual para as suplementações cujos recursos sejam resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias, de que trata o art. 43, III, da Lei nº 4.320/64.

2. A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, de que trata o art. 167, VI, da Constituição Federal, devem ocorrer mediante prévia autorização legislativa específica, sendo incabível previsão neste sentido na Lei Orçamentária Anual.

Portanto a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2010 não podem ser consideradas como justificativa para o ato, já que se trata de autorização legislativa não específica, logo, à margem da previsão constitucional.

Necessário, ainda, frisar o fato de a Decisão Normativa n. TC-06/2008 encontrar-se em pleno em vigor.

A referida norma foi fruto de diversos debates e estudos antes de sua edição, o que culminou com o incremento de algumas irregularidades passíveis de rejeição de contas antes não previstas na Portaria TC n. 233/2003.

O que se pode concluir é que houve uma evolução no entendimento sobre a matéria no âmbito dessa Corte de Contas, surgiram novos apontamentos, novas possibilidades de rejeição de contas, as quais, ainda que sejam objeto de discordâncias pessoais, estão claramente contidas na legislação interna em vigor.

Por fim, salienta-se que a razão de ser do impedimento constitucional é não armar o gestor com um cheque em branco para dispor, da maneira que bem entenda, unilateralmente, do dinheiro público, sem a aquiescência da Câmara Municipal. O dispositivo constitucional em foco representa também o mecanismo de freios e contrapesos constante de nossa Constituição Cidadã.

É que a prática do remanejamento de recursos, mediante transposições e transferências de alta monta sem autorização legislativa específica para tal, macula os princípios básicos que regem as normas orçamentárias, sobretudo o preceito de que “o ordenador de despesas só pode fazer aquilo que as respectivas leis lhe permitem – e nos termos e limites dessa permissão”.[2]

Por todas as razões expostas, entendo que as contas em questão não podem ser tidas como boas e opino, ao final, pela emissão de parecer propondo a sua rejeição.

E considerando que as restrições apontadas nos itens 2.1. e 2.2. da conclusão do relatório de instrução podem configurar grave infração à norma legal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, devendo constar, na conclusão do parecer prévio, a determinação para formação de autos apartados para fins de exame desses atos de gestão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela emissão de parecer recomendando à Câmara Municipal a REJEIÇÃO das contas da Prefeitura Municipal de Barra Velha, relativas ao exercício de 2010;

2. pela DETERMINAÇÃO para formação de autos apartados com vistas ao exame dos atos descritos nos itens 2.1. e 2.2. da conclusão do relatório de instrução;

3. pela DETERMINAÇÃO para formação de autos apartados para exame do ato referente à ausência de remessa do Plano de Ação e do Plano de Aplicação referente ao Fundo Municipal da Infância e Adolescência, em descumprimento do art. 260, § 2º, do ECA, c/c o art. 1º da Resolução do CONANDA n. 105/2005;

4. pela DETERMINAÇÃO para realização de auditoria detalhada no Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em face das irregularidades constantes do capítulo 7 do relatório técnico (item 5 deste parecer), que podem apontar para a existência de outras falhas relacionadas ao gerenciamento e à utilização do referido fundo municipal;

5. pela DETERMINAÇÃO para formação de autos apartados, com vistas à apuração de eventual irregularidade relativa à afronta ao disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal;

6. pela RECOMENDAÇÃO para que sejam adotadas providências visando à correção das deficiências de natureza contábil constantes do capítulo 8 do relatório técnico (item 6 deste parecer), bem como com vistas à não reincidência no atraso da remessa de relatórios de controle interno a esse Tribunal de Contas.

Florianópolis, 7 de dezembro de 2011.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora do Ministério Público de Contas

 



[1] Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras Formas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 234-235.

[2] MENDES. Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 1349.