PARECER  nº:

MPTC/7458/2012

PROCESSO nº:

REP 08/00461851

ORIGEM     :

Prefeitura de Pomerode

INTERESSADO:

Dra. Andrea Maria L. P. Búrigo – Juíza do Trabalho

ASSUNTO    :

Peças de Reclamatória Trabalhista - contratação irregular.

 

 

 

 

1. RELATÓRIO

Trata-se de Representação proposta pela Dra. Andrea Maria Limongi Pasold Búrigo, Juíza do Trabalho da Vara de Timbó.

Nas fls. 50/53, consta o Parecer nº 6768/2009, de minha lavra, motivo pelo qual adoto como relatório, até o citado evento, os fatos lá descritos.

Na sequência, o Exmo. Conselheiro Relator determinou a remessa dos autos à Diretoria de Atos de Pessoal para manifestação acerca da ocorrência de prescrição, levantada naquele Parecer.

Auditores da Diretoria de Atos de Pessoal, por meio da Informação nº 147/2010, sustentaram a não ocorrência de prescrição (fls. 55/61).

O Exmo. Conselheiro Relator determinou a audiência do Sr. Nelson Kickhoefel, ex-prefeito de Pomerode (fl. 62).

Realizada a audiência (fls. 62/63), por meio de procuradores, o responsável apresentou justificativas (fls. 65/73).

Por fim, a questão foi reexaminada por auditores da Diretoria de Atos de Pessoal, por intermédio do Relatório nº 6366/2010 (fls. 75/80).

 

2. PRELIMINARMENTE

No passado, por intermédio do Parecer nº 6768/2009, de 20-4-2010, defendi a ocorrência de prescrição em relação aos fatos representados.

Assim procedi valendo-me do entendimento adotado nas Cortes de Contas de que o prazo prescricional a ser observado para atuação dessas Instituições seria de acordo com previsão contida no Código Civil: vinte anos, segundo o art. 177 do Código de 1916, e de dez anos, de acordo com o art. 205 do Novo Código de 2002.[1]

O caso reporta-se a fato ocorrido entre abril de 93 e janeiro de 95, portanto antes da entrada em vigor do Novo Códex Civil, que ocorreu em 11-1-2003.

Nesse caso, para apuração da ocorrência de prescrição, necessário aplicar-se a regra de transição prevista no artigo 2028 do Código de 2002:

 

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

 

Quando da entrada em vigor do Novo Código, não havia transcorrido mais de 10 anos dos fatos (metade do prazo prescricional anterior).[2]

Portanto, inquestionavelmente o caso é de prescrição em 10 anos.

No Parecer nº 6768/2009, defendi que o termo a quo iniciou-se em 31-1-95; por conseguinte, a pretensão punitiva prescreveria em 31-1-2005.

A tese foi amparada em decisões do Tribunal Pleno, e.g.:

 

Decisão n. 2889/2009

1. Processo n. RPJ - 04/01615871

2. Assunto: Grupo 2 – Representação do Poder Judiciário - Peças de Reclamatória Trabalhista encaminhadas pela 1ª Vara do Trabalho de Criciúma - contratação irregular de servidor em 1990.

[...]

5. Unidade Técnica: DMU

6. Decisão: O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Determinar o arquivamento da Representação em análise, ante o advento da prescrição da pretensão punitiva desta Corte de Contas.

6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 239/2008, à Prefeitura Municipal de Urussanga, ao Sr. Vanderlei Olívio Rosso - ex-Prefeito daquele Município, e à 1ª Vara do Trabalho de Criciúma.

7. Ata n. 53/08

8. Data da Sessão: 19/08/2009 – Ordinária (Grifos meus)

 

Do voto do Relator, Conselheiro Salomão Ribas Júnior, colho os seguintes excertos:

 

A hipótese, ao que se percebe, é mesmo de prescrição.

[...]

No caso, a contratação irregular ocorreu em 2.4.1990 e perdurou até 3.2.1994. O responsável, contudo, somente foi citado para apresentar defesa perante esta Corte, em decorrência da aludida irregularidade, em 7.11.2007 (fl. 22). Significa que, entre o término do contrato e o ato citatório, decorreram mais de 13 anos e meio, circunstância que impõe a análise, em caráter preliminar, da possibilidade da prescrição.

[...]

Ora, o prazo de prescrição, no sistema do antigo Código Civil, na falta de norma específica, era de 20 (vinte) anos. Assim, como o novo Código Civil entrou em vigor em 11.1.2003, o lapso temporal, entre esta data e o início do prazo prescricional (3.2.1994), é inferior a dez anos, ou seja, não ultrapassa a metade do tempo estabelecido na legislação revogada, conforme preconiza o art. 2.028, acima citado. Quer dizer que, para o caso, deve ser aplicada a regra geral do novo diploma substantivo civil, isto é, considerar o prazo prescricional de 10 anos.

Portanto, como este foi superado em mais de três anos, conforme antes demonstrado, o reconhecimento da prescrição é medida que se impõe. (Grifos meus)

 

Ressalto que, no exemplo citado, o prazo prescricional foi contado a partir dos fatos (3-2-94) e não da entrada em vigor do Novo Código Civil (11-1-2003).

No mesmo sentido a Decisão nº 2888/2009, exarada em 19—8-2009, nos autos da REP 02/10855878.

No entanto, o tempo demonstrou que a tese de contar o prazo inicial a partir dos fatos acontecidos não se revelou a mais aceita.

A jurisprudência dominante indica na direção de aplicar-se como marco inicial na apuração da prescrição, nos casos de uso da regra de transição,[3] a data de 11-1-2003, que é a data da entrada em vigor no Novo Código Civil, conforme precedentes do STJ:[4]

 

Denota-se, então, se a obrigação originou-se na vigência do Código Civil revogado, o prazo prescricional era o previsto no seu artigo 177, vintenário. Caso não completado o prazo vintenário na entrada em vigor do Código Civil, em 11.01.2003, a contagem da prescrição passou a obedecer seu artigo 2028, o qual determina: se transcorrido mais da metade do prazo prescricional o  artigo 177 do Código Civil revogado, de acordo com o principio da ultra-atividade, continuaria a vigorar; caso contrário obedeceria o prazo previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, sendo que o início da contagem seria no dia 11.01.2003. (Grifos meus)

 

No mesmo sentido:[5]

 
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. MARCO INICIAL. ENTRADA EM VIGOR DO
NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO DOS VALORES EMPRESTADOS. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Aplicada a regra de transição do art. 2028 do Código Civil de 2002, o marco inicial de contagem é data em que entrou em vigor do
novo Código. Precedentes do STJ.[...] (Grifos meus)
 

Ainda:[6]

 

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONTAGEM. MARCO INICIAL. REGRA DE TRANSIÇÃO. NOVO CÓDIGO CIVIL.

1 - Se pela regra de transição (art. 2028 do Código Civil de 2002) há de ser aplicado o novo prazo de prescrição, previsto no art. 206, §3º, IV do mesmo diploma legal, o marco inicial de contagem é o dia 11 de janeiro de 2003, data de entrada em vigor do novo Código e não a data do fato gerador do direito. Precedentes do STJ.

2 - Recurso especial conhecido e provido para, afastando a prescrição, no caso concreto, determinar a volta dos autos ao primeiro grau de jurisdição para julgar a demanda. (Grifos meus)

 

Em decisão recente (22-2-2011), o TCU reafirmou este entendimento:[7]

 

11.     No presente caso, nos termos da regra de transição constante do art. 2028 do novo Código Civil, deve ser aplicada a prescrição decenária, uma vez que, em 11/1/2003, ainda não havia transcorrido metade do prazo vintenário previsto no Código Civil de 1916, considerando que a ocorrência motivadora da sanção do responsável (descumprimento do prazo para prestação de contas) data de 30/8/1999.

12.     Esse prazo prescricional de 10 anos tem como marco inicial a data de entrada em vigor do novo Código Civil, consoante defendido na proposta de deliberação que fundamentou o Acórdão 1727/2003 – 1ª Câmara, in verbis:

‘12. Deve-se enfrentar, ainda, nos casos em que os fatos ocorreram na vigência do Código Civil de 1916, o tema atinente ao termo inicial para contagem do prazo prescricional previsto na nova legislação. Duas teses se apresentam. A primeira, de que a contagem do prazo inicia-se na data em que o direito foi violado (art. 189 do Código Civil de 2002). A segunda, de que o prazo inicia-se em 01/01/2003 [na verdade, 11-1-2003], data em que o novo Código Civil entrou em vigor.’

‘13. Entendo que a segunda tese é a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico. Julgo que a regra de transição estabelecida no art. 2.028 do novo Código Civil veio para evitar ou atenuar efeitos drásticos nos prazos prescricionais em curso. A aplicação da primeira tese, de forma contrária, promoveria grandes impactos nas relações jurídicas já constituídas. Em diversos casos, resultaria na perda imediata do direito de ação quando, pela legislação anterior, ainda restaria mais da metade do prazo prescricional.’

‘14. Com a aplicação da segunda tese assegura-se aos titulares de direitos já constituídos, ao menos, o mesmo prazo prescricional estabelecido para os casos ocorridos após a vigência da nova legislação.’ (Grifos meus)

 

No âmbito da Corte de Contas Catarinense a tese também foi acolhida pelos conselheiros do E. Tribunal Pleno, conforme consignado no Acórdão nº 578, de 20-6-2011, que se baseou na seguinte argumentação apresentada pelo Exmo. Conselheiro Júlio Garcia, no exame do REC 08/00200039:

 

Por fim, o recorrente alegou a ocorrência da prescrição do poder de sanção do Tribunal de Contas, em virtude do transcurso do prazo de cinco anos entre a prática dos atos considerados irregulares e a decisão guerreada.

Acerca do assunto, acompanho o posicionamento pacífico deste Tribunal Pleno no sentido de aplicar-se, atualmente, aos processos em tramitação no âmbito desta Corte de Contas, o prazo prescricional de 10 anos, conforme decisões exaradas nos processos REC 04/06399085, REC 04/05167091 e REC 07/00127410, as quais adotaram o disposto no artigo 205 do Código Civil.

Não se pode olvidar que também é aplicável, aos processos deste Tribunal, a regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil, a qual estabelece que serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Sobre o tema, o Ministro Benjamin Zymler, na relatoria do Processo TCU n. 004.730/2001-4, Segunda Câmara, comentou:

‘No âmbito deste Tribunal, em síntese, entendo deva-se aplicar o prazo prescricional de 10 (dez) anos, previsto no art. 205 do novo Código Civil, quando não houver, em 11/01/2003, o transcurso de mais da metade do prazo de 20 (vinte) anos estabelecido na lei revogada. Sendo caso de aplicação do prazo previsto no novo Código Civil, sua contagem dar-se-á por inteiro, a partir de 11/01/2003, data em que a referida norma entrou em vigor. Ao contrário, quando, em 11/01/2003, houver transcorrido mais da metade do prazo de 20 anos, a prescrição continua a correr nos moldes do Código Civil anterior.’

In casu, como os atos foram praticados nos exercícios de 1998 a 2000, não havia transcorrido a metade do prazo prescricional quando da vigência do novo Código Civil. Dessa forma, o prazo de 10 anos deve ser contado a partir do 11/01/2003, o que ocasionaria a prescrição punitiva, desta Corte de Contas, tão somente em 12/01/2013. (Grifos meus)

 

Dessa forma, com lastro em precedentes jurisprudenciais, retifico o entendimento anteriormente apresentado, para reconhecer que a pretensão punitiva só será alcançada pela prescrição em 11-1-2013.

 

3. MÉRITO

Na Justiça Trabalhista constatou-se que a servidora Cristina Strelow foi contratada pela Prefeitura de Pomerode, no período entre 29-4-93 e 31-1-95, no cargo de auxiliar de departamento da fazenda, sem que tivesse se submetido a concurso público.

O responsável pela contratação foi o Sr. Nelson Kickhoefel, prefeito de Pomerode no quadriênio 1993/1996, fato admitido por ele próprio.

No entanto, o responsável sustentou a regularidade da contratação, haja vista a presença de boa-fé, a exclusiva intenção de atender necessidades da administração pública, que no momento da contratação carecia de servidores.

A contratação em exame não se deu com base em prévia aprovação em concurso público, conforme preconizado pelo art. 37, II, da Constituição.

Isso foi constatado na Justiça Laboral, conforme se depreende do teor da sentença de fls. 3/6.

E também foi admitido pelo responsável, na fl. 66:

 

Antes de qualquer conclusão precipitada, é necessário esclarecer que a admissão da servidora pública, embora sem concurso público, efetuada na sua gestão, foi REGULAR E LEGAL, pois cumpria ela uma necessidade imperiosa do Município naquele momento, pois os serviços públicos não podiam ficar paralisados. (Grifo meu)

 

Embora o responsável tenha sustentado a legalidade da contratação, em nenhum momento citou a base legal que a amparou.

Os auditores da Diretoria de Atos de Pessoal, visando apurar a possibilidade da contratação com amparo no inciso IX do art. 37 da Constituição, fizeram juntar aos autos a Lei Municipal nº 850/89, vigente à época dos fatos, que autorizava contratações temporárias (fl. 40).

Em resumo, a citada Lei autorizava a contração de servidores para recuperação de obras e serviços danificados pela ocorrência de fenômenos meteorológicos; obra certa; em determinadas situações nas áreas da saúde e educação; e recuperação de obras e serviços públicos; pelo prazo máximo de 12 meses.

A admissão de servidor para o de cargo de auxiliar de departamento da fazenda, pelo prazo de quase 2 anos, não contou com respaldo na Lei nº 850/89.

Dessa forma, inegável a irregularidade do ato, por ter se dado sem concurso público, e sem permissivo legislativo para contratação temporária, nos moldes preconizados pelo art. 37, II e IX, da Carta Magna.

 

4. CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar 202/2000, retificando entendimento anteriormente apresentado, para reconhecer que a pretensão punitiva só será alcançada pela prescrição em 11-1-2013, manifesta-se pela PROCEDÊNCIA dos fatos objeto da Representação, adotando-se as seguintes providências:

- DECISÃO de IRREGULARIDADE da contratação da Sra. Cristina Strelow, ocorrida no período de 29-4-93 a 31—1-95, sem a caracterização de necessidade temporária de excepcional interesse público, e sem prévia aprovação em concurso público, em ofensa ao art. 37, II e IX, da Constituição;

- APLICAÇÃO de MULTA ao responsável, Sr. Nelson Kickhoefel, prefeito de Pomerode no quadriênio 1993/1996, com supedâneo no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000.

Florianópolis, 8 de fevereiro de 2011.

 

Aderson Flores

Procurador

 

 



[1] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

[2] As eventuais irregularidades ocorreram entre abril de 93 e janeiro de 95; portanto, quando da entrada em vigor do Novo Código Civil (11-1-2003), haviam transcorrido menos de 8 anos dos fatos.  

[3] Nos termos do art. 2028 do Código Civil de 2002.

[4] AgRg no Ag 1.396.597–RS. 4ª Turma. Trecho do voto exarado pelo Ministro Luis Felipe Salomão. Decisão publicada no DJe de 20-9-2011.

[5] AgRg no AI 986.520-RS. 4ª Turma. Relator Ministro Sidnei Beneti. DJe: 25-6-2009.

[6] REsp nº 838414/RJ. 4ª Turma. Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES. DJe:  22-4-2008.

[7] Excerto da Proposta de Deliberação apresentada pelo Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, Relator dos Embargos de Declaração apresentados nos autos do processo TC‑008.365/2007-5, que resultou no Acórdão nº 1142/2011 - TCU - 2ª Câmara – Ata nº 5/2011. Data da Sessão: 22-2-2011 – Extraordinária.