PARECER
nº: |
MPTC/9052/2012 |
PROCESSO
nº: |
REP 08/00432673 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Itajaí |
INTERESSADO: |
Procuradoria Geral Junto ao TCE - PGTC |
ASSUNTO: |
Alteração de carga horária sem previsão
legal |
Trata-se de Representação encaminhada
pela Sra. Cibelly Farias, Procuradora do Ministério Público junto ao Tribunal
de Contas de Santa Catarina, sob protocolo nº 012805, para apreciação por essa
Corte de Contas.
Na peça é relata a ocorrência de supostas
irregularidades na acumulação de cargos/funções públicas por parte do Sr.
Everaldo Izaú Desidério, o qual é servidor público efetivo da Prefeitura de
Itajaí e presta serviço de contabilidade na Prefeitura de Camboriú, o que é
vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal. Ainda foi exposto que a Prefeitura
Municipal de Itajaí concedeu horário especial de trabalho ao servidor acima
mencionado, em descompasso com o princípio da impessoalidade; e que a jornada
de trabalho do referido servidor na Prefeitura de Itajaí era de 8 (oito) horas
contínuas, sem intervalo, não obedecendo o disposto no Decreto nº. 8.487/08.
A Diretoria de Controle dos Municípios
apresentou o Relatório Técnico 2967/2008 (fls. 18-20), propondo o conhecimento
da Representação e a determinação de que fossem adotadas providências que se
fizessem necessárias, junto à Prefeitura Municipal de Itajaí, objetivando a
apuração dos fatos.
Na mesma trilha seguiu o parecer
ministerial (fls. 22-25).
Por meio da Decisão Singular (fls.
26-29), o relator conheceu da representação e determinou a adoção de
providência para a apuração dos fatos apontados como irregulares, inclusive
auditoria e audiência.
A
Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls.
32-36), opinando pela realização de audiência dos Srs.:
(a)
Volnei José Morastini, Ex-Prefeito Municipal
de Itajaí (2005-2008), em face das seguintes irregularidades:
3.1.1 – Alteração da carga horária do
servidor Everaldo Izaú Desidério, sem previsão legal, uma vez que trabalha na
Prefeitura de Itajaí das 13 às 21 horas e a mesma tem horário de funcionamento
regulamentado pelo Decreto nº. 8487/2008, que estabelece o expediente das 8 às
12 horas e das 14 às 18 horas (fl. 17), caracterizando afronta ao princípio da
Impessoalidade, expresso no caput do artigo 37 da Constituição Federal;
3.1.2 – Jornada de trabalho do servidor
Everaldo Izaú Desidério de 8 (oito) horas seguidas (das 13 às 18 horas), sem
intervalo, não obedecendo ao disposto no Decreto nº. 8487/08; e
3.1.3 – Acúmulo de duas funções públicas –
Contador das Prefeituras de Itajaí e de Camboriú, por parte do Sr. Everaldo
Izaú Desidério, contrariando o disposto no art. 37, inciso XVII, da
Constituição Federal.
(b)
Edson Olegário, Ex-Prefeito Municipal de
Camboriú (2005-2008), em face da seguinte irregularidade:
3.2.1 – Acúmulo de duas funções públicas –
Contador das Prefeituras de Itajaí e de Camboriú, por parte do Sr. Everaldo
Izaú Desidério, contrariando o disposto no art. 37, inciso XVII, da
Constituição Federal.
Dessa forma, os responsáveis foram devidamente
citados mediante os Ofícios de nºs. 17.609/2010 (fl. 37) e 17.615/2010 (fl.
38), para apresentação de justificativas e documentos.
Em resposta às citações,
o Sr. Edson Olegário e o Sr. Volnei José Morastoni apresentaram suas defesas
nas fls. 40-42 e 53-60, respectivamente, além de documentos juntados às fls. 43-45
e 61-64.
A Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 76-83), sugerindo as aplicações de
multas aos Srs. Edson Olegário, Ex-Prefeito Municipal de Camboriú, em face da
irregularidade apontada no item 3.1.1, e ao Sr. Volnei José Morastini,
Ex-Prefeito Municipal de Itajaí, em face das irregularidades apontadas nos
itens 3.2.1 e 3.2.2 da conclusão do relatório.
É o relatório.
Passo
à análise das irregularidades apontadas no relatório de instrução.
1. Alteração da carga horária do
servidor Everaldo Izaú Desidério sem previsão legal, uma vez que trabalha na
Prefeitura de Itajaí das 13 às 21 horas e a mesma tem horário de funcionamento
regulamentado pelo Decreto nº. 8.487/08, que estabelece o expediente das 8 às
12 horas e das 14 às 18 horas (fl. 17), caracterizando afronta ao princípio da
impessoalidade, expresso no caput do
artigo 37 da Constituição Federal.
Em
sua defesa, o Sr. Volnei José Morastoni afirma, em síntese, que seria competência
do Chefe do Executivo determinar o horário de trabalho dos servidores, que
somente o Sr. Everaldo Izaú Desidério exercia
a função de contador na seção onde trabalhava e que o seu expediente de
trabalho não representou nenhuma afronta à legislação vigente.
Conforme
se extrai dos artigos 47, inciso XLII, da Lei Orgânica Municipal de Itajaí, e
57 do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais de Itajaí, de fato, cabe ao
Prefeito a fixação do período de trabalho. Entretanto, essa fixação deve ser
feita no âmbito de cada Unidade/Órgão, e não exclusivamente a determinado um
servidor como ocorre no caso analisado.
Desta
forma, ao fixar um horário especial de trabalho especialmente voltado a um
único servidor resta violado o princípio da impessoalidade previsto no caput do artigo 37 da Constituição.
Verifica-se
de forma mais clara o desrespeito a este princípio basilar da administração
pública nas palavras de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet
Branco, os quais explicam que: “...o princípio da impessoalidade consubstancia
a ideia de que a Administração Pública,
enquanto estrutura composta de órgãos e de pessoas incumbidos de gerir a coisa
pública, tem de desempenhar esse múnus sem levar em conta interesses pessoais,
próprios ou de terceiros, a não ser quando o atendimento de pretensões parciais
constitua concretização do interesse geral. [...] O princípio da impessoalidade, por outro lado, convoca o da igualdade,
na medida em que este último postulado impõe aos agentes públicos, em geral, e
não apenas ao administrador, medir a todos com o mesmo metro” [1]
[grifei].
José
dos Santos Carvalho Filho, na mesma linha, entende que “[...] para que haja verdadeira impessoalidade,
deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não
para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns
indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de
outros” [2].
Assim
sendo, percebe-se que a alteração da carga horária do servidor Everaldo Izaú
Desidério para um horário incompatível com o expediente regular de
funcionamento da Prefeitura de Itajaí e diferente dos demais funcionários
municipais de Itajaí apresenta um caráter de interesse eminentemente pessoal do
servidor, e não da coisa pública. Tal diferenciação retira a própria igualdade
presente entre os agentes públicos, de forma que afronta o princípio da
impessoalidade, um dos pilares do correto funcionamento da Administração
Pública.
Deste
modo, inevitável que permaneça a restrição apontada pela instrução, com a
devida aplicação de multa, pelo ferimento do princípio da impessoalidade
contido no caput do artigo 37 da
Constituição Federal.
2. Jornada de trabalho do servidor
Everaldo Izaú Desidério de 8 (oito) horas seguidas (das 13 às 21 horas), sem
intervalo, não obedecendo ao disposto no Decreto nº. 8.487/08.
Em
sua defesa, o Sr. Volnei José Morastoni alega que o artigo 71 da Consolidação
das Leis do Trabalho, o qual determina o intervalo para refeição e descanso,
não tem aplicabilidade sobre o regime único dos servidores públicos municipais
de Itajaí, que tem regime próprio regulamentado na Lei 2.960/95.
Em
que pese esta alegação, o Supremo Tribunal Federal já manifestou seu
entendimento sobre a questão, decidindo que o artigo 7º, inciso XIII, da
Constituição Federal, não tem como único objetivo fixar a duração máxima de 8
horas por dia e 44 horas por semana de trabalho, mas também permitir o
exercício de outros direitos, como os intervalos intra e inter jornada,
expostos nos arts. 71 e 66 da CLT.
Isto
fica evidente quando analisados os seguintes excertos, retirados do Agravo de
Instrumento 293.896 BA (Rel. Min. Joaquim Barbosa, Data de Julgamento
2/10/2008):
“Embora, tratando-se de servidor público, a
questão há de se inspirar na Legislação Trabalhista, mais precisamente, na
Norma do inc. IV, da CLT, porque o Legislador Constituinte estendeu ao servidor
público direitos tipicamente previstos no art. 7º da Constituição.
[...]
O sentido do art. 7º, XIII não é apenas fixar
a duração máxima de 8 horas por dia e 44 horas por semana, mas também permitir
o exercício de outros direitos, tais como o repouso semanal (art. 7º, XV e os
intervalos entra e inter jornada (arts. 71 e 66, respectivamente, da
Consolidação das Leis do Trabalho). Essa é a conclusão a ser extraída da
jurisprudência desta Corte.”
Logo,
o servidor público deve, também, gozar de intervalo durante sua jornada de
trabalho, sendo uma afronta à legislação, conforme exposto, faze-lo trabalhar 8
(oito) horas consecutivas.
Além
disto, determina o Decreto nº 8.487/08 (Prefeitura Municipal de Itajaí):
Art. 2º Fica restabelecido o horário normal
de funcionamento das repartições públicas municipais, das 8:00 às 12:00 horas e
das 14:00 às 18:00 horas.
Desta
maneira, fica claro o desrespeito ao supracitado decreto quando o Sr. Everaldo
Izaú Desidério teve sua jornada de trabalho fixada das 13 às 21 horas, de forma
que trabalhava além do horário de funcionamento da repartição pública
municipal.
Pelos
motivos expostos, permanece a restrição apontada.
3. Acúmulo de duas funções públicas –
Contador das Prefeituras de Itajaí e de Camboriú, por parte do Sr. Everaldo
Izaú Desidério, contrariando o disposto no art. 37, inciso XVII, da
Constituição Federal.
A
cumulação ilegal de cargos públicos se encontra regulamentada na Constituição
Federal, em seu artigo 37, incisos XVI e XVII, abaixo transcritos:
XVI - é
vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando
houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no
inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro
técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
XVII - a
proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange
autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder
público;
Sobre
a matéria do caso em estudo, este Tribunal de Contas já se manifestou pelo
Prejulgado 1.371, citado pela instrução e abaixo transcrito:
A
prestação de serviços de assessoria e consultoria, ainda que por intermédio de
contrato com empresa privada, por servidor público, comissionado ou
efetivo, em outro ente, órgão ou entidades públicos, caracteriza exercício de função pública por orientar a tomada de
decisões e a expedição de atos administrativos, em desrespeito à vedação contida no art. 37, incisos XVI e XVII, da
Constituição Federal, que proíbe a cumulação remunerada de cargos, empregos
e funções públicas.
O servidor público que se encontre em tal
situação deverá optar entre uma das atividades, sob pena de exoneração.
A autoridade administrativa que permita a
cumulação indevida responderá civil, penal e administrativamente pela ilegalidade.
(grifei)
O
referido prejulgado se se amolda precisamente ao presente caso, considerando
que o Sr. Everaldo Izaú Desidério exercia cargo efetivo na Prefeitura Municipal
de Itajaí e prestava serviços contábeis como contratado na Prefeitura Municipal
de Camboriú, sendo que em ambos casos, tanto no cargo, quanto na prestação de
serviços, temos a configuração do exercício de funções públicas. Fica, assim,
inequívoca a cumulação ilegal de duas funções públicas, indo de encontro à
Constituição Federal em seu artigo 37, incisos XVI e XVII.
Entretanto,
conforme bem ponderou a instrução, tal impropriedade não pode ser imputada ao
Sr. Volnei José Morastoni, uma vez que quando da nomeação de Everaldo Izaú
Desidério pelo Município de Itajaí (2/8/04), não ocorria a cumulação ensejadora
da ilegalidade aqui apontada. Da mesma forma, não há provas inequívocas nos
autos que indiquem o conhecimento por parte de algum gestor da Prefeitura de
Itajaí sobre a contratação de servidor do seu quadro de pessoal pela Prefeitura
de Camboriú.
Dessa
forma, entendo que a responsabilidade deve incidir sobre aquele que realizou a
contratação posterior, causadora da vedação constitucional.
No presente
caso, atribui-se esta responsabilidade ao Sr. Edson Olegário, Prefeito de
Camboriú à época, já que, conforme este ainda afirma em suas considerações
(fls.40-42), não foi solicitada a declaração de acumulação ou não, de cargos
públicos no ato da referida contratação.
Logo,
com a formalização do Contrato nº 5/2008, que atribuiu ao Sr. Everaldo Izaú
Desidério a prestação de serviços de contabilidade do município de Camboriú,
restou caracterizada a irregularidade apontada e vedada no artigo 37, incisos
XVI e XVII, da Constituição Federal.
Por estes motivos, mantem-se esta restrição.
Ante o
1.
pela
IRREGULARIDADE,
com fulcro no art. 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n. 202/2000, dos atos de gestão descritos nos itens 3.1.1, 3.2.1 e
3.2.2 da conclusão do relatório de instrução;
2.
pela APLICAÇÃO DE MULTA ao
Sr. Edson Olegário, ex-Prefeito Municipal de Camboriú, na forma do disposto no
art. 70, incisos II e VII da Lei Complementar nº 202/2000, em face da
irregularidade apontada no item 3.1.1 da conclusão do relatório conclusivo;
3. e pela APLICAÇÃO DE MULTA ao Sr. Volnei José Morastoni, ex-Prefeito
Municipal de Itajaí, na forma do disposto no art. 70, incisos II e VII da Lei
Complementar nº 202/2000, em face das irregularidades apontadas nos itens 3.2.1
e 3.2.2 da conclusão do relatório conclusivo.
Florianópolis, 8 de maio
de 2012.
Cibelly
Farias
Procuradora
[2] FILHO, J. S. C. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006. 17 p.