PARECER
nº: |
MPTC/9773/2012 |
PROCESSO
nº: |
LCC 10/00690617 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Blumenau |
INTERESSADO: |
João Paulo Karam Kleinubing |
ASSUNTO: |
PP 87/2010 Móveis escolares - Comunicação
da Ouvidora 367/2010 |
Trata-se de análise da Licitação na Modalidade Pregão Presencial 87/2010,
lançado pela Prefeitura de Blumenau, em face de comunicação feita à Ouvidoria
dessa Corte de Contas, cujos relatos informam que o edital de licitação exigia
documentos de qualificação técnica exorbitantes e ainda solicitava amostras
antecipadas.
Com base nos fatos relatados, a
Diretoria de Controle de Licitações e Contratações requisitou documentos à
Procuradoria do Município de Blumenau, que foram apresentados às fls. 5-10.
A Diretoria de Controle de Licitações
e Contratações, então, emitiu parecer técnico (fls. 11-33) sugerindo a
audiência do Sr. Fernando Cesar Lenzi, Secretário da Administração do Município
de Blumenau, para que apresentasse justificativas a respeito da solicitação de
amostra, sendo que a exigência deve ser imposta somente ao licitante
provisoriamente colocado em primeiro lugar no certame, bem como com relação a
exigências exorbitantes de qualificações técnicas de laudos do CREA, NR 17,
normas da NBR 9178, INMETRO de acordo com a NBR ISO/TEC 17026, além de Registro
do CREA, e CONFEA Resolução 417, Certificado de Regularidade do Cadastro
Técnico Federal do IBAMA, carta do fabricante assinada e com firma reconhecida.
Os responsáveis remeterem os
documentos de fls. 36-54
A
Diretoria de Controle de Licitações e Contratações emitiu novo parecer técnico
(fls. 56-67) opinando pela irregularidade dos atos objeto da audiência e pela
aplicação de multas ao responsável.
É o
relatório.
Passo
à análise das irregularidades apontadas pela instrução.
1. Solicitação antecipada de amostra.
Com
relação ao requerimento prévio de amostra de materiais, o responsável
apresentou alegações no sentido de que podem ser solicitadas as amostras da
forma como ocorreu.
O
responsável afirma ainda que a decisão foi tomada visando à garantia de que o
melhor material fosse adquirido para a utilização dos alunos das escolas
públicas.
Contudo,
tal alegação, apesar de parcialmente correta, haja vista que, conforme veremos,
a exigência de amostras é possível, não exime o gestor quanto ao fato de que o
momento para a sua exigência foi equivocado.
Trago
sobre o tema as palavras de Marçal Justen Filho[1]:
3) A exigência de
amostras:
O edital deverá disciplinar
a apresentação, a análise e o julgamento das amostras, se assim se reputar necessário e adequado.
3.1.) A omissão legislativa e o
problema prático enfrentado:
Nenhuma das leis que disciplina as
licitações no Brasil dispõe sobre a questão das amostras. O tema não despertou,
no entanto, maiores disputas antes da introdução do pregão. A exigência de
amostras era algo excepcional (e continua a sê-lo, no âmbito das licitações
subordinadas à Lei nº 8.666). No entanto, a amostra tornou-se algo
essencial no tocante ao pregão.
Assim se passa em virtude do sério problema da
qualidade dos objetos adquiridos mediante pregão. A competição intensa e a redução contínua dos
preços conduz ao fenômeno já referido da mutação qualitativa da proposta. Isso
significa, como já exposto, a crescente redução da qualidade do produto
proporcionalmente à redução do preço ao longo da disputa. Logo, o licitante
cogitava, ao início da disputa, de um objeto dotado de determinado padrão de
qualidade. À medida que o sujeito reduz o preço, também vai buscando formas de
diminuir o seu custo.
Em termos práticos, isso conduziu a uma
experiência muito negativa para a Administração. Multiplicaram-se os casos de
contratações insatisfatórias, em que o sujeito fornecia produtos
destituídos da qualidade mínima necessária a satisfazer as necessidades
estatais.
A reação da Administração foi a
generalização da exigência da apresentação de amostras, o que propicia
problemas práticos muito relevantes – especialmente porque, como dito, a lei
não disciplinou o tema das amostras.
3.2) O cabimento da exigência de
amostras:
É cabível exigir amostras em licitação, mesmo que
tal não tenha sido expressamente facultado em lei.
3.2.1) A necessidade de autorização
legislativa específica:
A ausência de expressa previsão
legislativa sobre as amostras não significa impedimento à sua exigência. Assim
se passa porque a lei
conferiu competência à Administração para estabelecer os requisitos de
identidade e de qualidade mínima do objeto licitado. Mais ainda, determinou
incumbir à Administração zelar pela adequação e satisfatoriedade da proposta
formulada pelo licitante e da prestação executada pelo contratado. A
exigência de amostra é um meio para o cumprimento de tal poder-dever. Se a
Administração não dispusesse do poder de exigir amostras, estaria impedido o
cumprimento de deveres que sobre ela recaem.
Daí não se segue, obviamente, que a
amostra possa ser exigida sem expressa previsão no ato convocatório, ao qual
caberá estabelecer o procedimento de sua análise, os critérios de sua
aceitabilidade e as soluções atinentes ao julgamento. (...)
3.4.4) Os pressupostos de cabimentos
das alternativas descritas:
Nada impede que a Administração exija
tanto amostras na fase de propostas como na etapa de execução do contrato. Mas
é relevante tomar em vista as diferenças entre ambas as situações. Mais
explicitamente, é necessário diferenciar os pressupostos de cabimento das duas
alternativas.
A amostra de proposta deve ser exigida nos casos em
que seja impossível determinar, por meio de regras abstratas e genéricas, o
padrão de qualidade mínimo exigido. Nesse caso, exige-se a amostra como solução
jurídica para verificar se a proposta corresponde à exigência prevista no
edital." [03] (Grifamos).
3.5.5.) O
momento de apresentação das amostras:
Uma das questões mais problemáticas, sob o prisma jurídico,
consiste na determinação do momento de apresentação da amostra. Existe uma
dissociação entre a solução teoricamente mais satisfatória e aquela exigida
pela necessidade prática.
Sob o prisma jurídico, a amostra integra a proposta. Portanto, a
sua apresentação deveria fazer-se na oportunidade de avaliação da
aceitabilidade da proposta.
No entanto, a apresentação e o julgamento da amostra envolvem, tal
como exposto, uma perturbação no seguimento normal do procedimento do pregão.
Logo, o critério prático consiste em reduzir ao mínimo os problemas potenciais
derivados do julgamento da amostra.
Adotado
esse entendimento, a apresentação e o julgamento da amostra deverá ocorrer como
última etapa antes de proclamar-se o vencedor do certame. Isso significa que, encerrada a fase de
lances, deverá desencadear-se o exame da documentação de habilitação. Somente
se passará ao recebimento e avaliação de amostras relativamente ao licitante
que preencher todos os demais requisitos para ser contratado. Desse modo,
evita-se que sejam promovidas as diligências relativamente à amostra em face de
um licitante que não dispunha de condições de ser contratado por ausência de
requisitos de habilitação (o que pode ser determinado de modo simples e rápido
mediante o mero exame de documentos)" [grifei].
Denota-se
do texto que o autor expôs a problemática de não haver legislação própria sobre
a possibilidade da exigência de amostras, e tampouco legislação sobre o prazo
temporal procedimental em que deva ser feita a exigência. Como se viu ainda, a
prática relativa à deficitária qualidade dos produtos que foram recepcionados
pela Administração Pública, no decorrer dos anos de vigência da Lei 8.666/93,
provou que a solicitação de amostras pode ser fundamentada, desde que restrita
a um rol de elementos taxativos, e sempre como exceção.
Consolidado
o entendimento de que a amostra possa ser exigida, o autor registra que para a
segurança jurídica dos licitantes, a apresentação do protótipo deverá ocorrer
como última etapa antes de proclamar-se o vencedor do certame, ou seja, depois
de apresentadas as propostas, analisadas, e estar pré-definido o primeiro
colocado, seria então solicitada e analisada a amostra, como uma forma de
“inspeção”, para que a Administração Pública certifique-se de que garantirá o
produto com as exigências contidas no edital.
A
apresentação de amostras ou protótipos, quando exigida, portanto, não pode
constituir condição de habilitação dos licitantes. Deve limitar-se ao licitante
classificado provisoriamente em primeiro lugar. Caso não seja aceito o material
entregue para análise, deve ser exigido do segundo e assim sucessivamente até
ser classificada empresa que atenda plenamente as exigências do ato
convocatório.
Exigir
a amostra de todos os licitantes antecipadamente em determinados processos
licitatórios pode inclusive implicar em desistência de participação do certame,
sobretudo nas hipóteses de procedimentos licitatório longos, em que o
concorrente ainda não dispõe do produto, pois pretende adquirir após vislumbrar
a possibilidade de se sagrar vencedor, vencida ao menos a etapa de habilitação.
Na
jurisprudência, tanto deste Tribunal, como do Tribunal de Contas da União o
entendimento vai no mesmo sentido, de que a
apresentação de amostras seja realizada somente na fase final do procedimento,
com o primeiro colocado geral do certame, conforme os acórdãos abaixo
mencionados:
Tribunal
de Contas da União
Acórdão
2.739/2009 - Plenário
"REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO.
No pregão eletrônico, quando for necessária a
apresentação de amostras no âmbito de licitações promovidas por entidade, deve
ser restringida tal exigência aos licitantes provisoriamente classificados em
primeiro lugar, e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada no
respectivo instrumento convocatório, nos termos do art. 45 da Lei 8.666/93 c/c
o art. 4º, inciso XVI, da Lei 10.520/2002 e o art. 25, § 5º, do Decreto
5.450/2005".
Acórdão
1113/2008 Plenário
A exigência de amostras a todos os
licitantes, na fase de habilitação ou de classificação, além de ser ilegal,
pode impor ônus excessivo aos licitantes, encarecer o custo de participação na
licitação e desestimular a presença de potenciais interessados.
Acórdão 1634/2007 Plenário
Na modalidade pregão, é vedada a exigência de
apresentação de amostras antes da fase de lances, devendo a obrigação ser
imposta somente ao licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar.
Acórdão
1598/2006 Plenário
Não há como impor, no pregão, a exigência de
amostras, por ausência de amparo legal e por não se coadunar tal exigência com
a agilidade que deve nortear a referida modalidade de licitação. A exigência de
amostras utilizada nas modalidades de licitação previstas na Lei n° 8.666/1993
deve ser imposta somente ao licitante provisoriamente colocado em primeiro
lugar no certame.
Tribunal
de Contas do Estado de Santa Catarina
Decisão:
3673/2007 – Processo ECO 0700533320 – Sessão: 7.11.2007
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição
do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
6.1. Argüir as ilegalidades abaixo descritas,
constatadas no Edital de Concorrência n. 010/2007, de 06/09/2007, da Prefeitura
Municipal de Balneário Camboriú, cujo objeto é a contratação de empresa para
execução do Sistema de Iluminação Pública da Rodovia BR-101, vias marginais e
acessos, no trecho que atravessa o Município de Balneário Camboriú, constante
de obras civis para fundações dos postes com 10 a 13m de altura e postes
ornamentais com 13,5m de altura, banco de dutos e caixas de passagem, obras de
montagem eletromecânica, colocação de luminárias e lâmpadas de vapor de sódio,
e melhorias de rede de média e baixa tensão da CELESC, com prazo de execução de
6 (seis) meses, com valor máximo previsto de R$ 4.265.625,00, e apontadas pelo
Órgão Instrutivo nos Relatórios DLC/Insp.1/Div.3 n. 284/2007 e DLC/Insp.2/Div.4
n. 466/2007:
[...]
6.1.7. Estabelecer a entrega pelos licitantes
e realizar os testes das amostras antes da abertura do certame, em desacordo
com a ordem dos procedimentos estabelecidos no art. 43 da Lei (federal) n.
8.666/93, haja vista que as amostras dos materiais a serem utilizados na
execução do contrato devem ser exigidos e analisados na fase de julgamento das
propostas, preferencialmente, em relação ao licitante que esteja
provisoriamente classificado em primeiro lugar, nos termos e condições
previamente definidos no instrumento convocatório (item 2.2.3.1 do Relatório
DLC n. 466/2007);
Acórdão
1268/2008 - Processo LCC 08/00113659 – Sessão: 25.8.2008
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas
do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e
1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
[...]
6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo
discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000
c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas,
fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao
Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que,
fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial,
observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. ao Sr. PAULO ROBERTO BAUER -
Secretário de Estado da Educação, CPF n. 293.970.579-87, as seguintes multas:
[...]
6.2.1.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em virtude da exigência de amostras
anteriormente à realização da sessão pública do pregão como condição para
participação, afrontando o princípio da legalidade previsto no art. 37,
caput, da Constituição Federal (item 2.1.2 do Relatório DLC);
Acórdão:
0422/2009 – Processo: REP 08/00189205 – Sessão: 1.4.2009
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas
do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da
Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
[...]
6.2. Aplicar ao Sr. Sílvio Marques Emerim -
ex-Secretário de Administração do Município de Joinville, CPF n.
008.837.430-00, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000
c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00, em face da exigência antecipada de
apresentação de amostras prevista no item 9.1.1 do Edital de Pregão
Presencial n. 006/2008, contrariando o disposto nos arts. 4º, inciso VII, da
Lei n. 10.520/02 e 3º, inciso I, § 1º, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2
do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da
publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas,
para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o
que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n.
202/2000.
Deste
modo, entendo que a solicitação antecipada de amostras não se mostra necessária
nem razoável, ficando mantida assim a irregularidade.
2. Exigência exorbitante de documentos de
qualificação técnica.
Extrai-se
dos documentos apresentados que a Prefeitura Municipal de Blumenau, ao lançar o
Pregão 87/2010, para o registro de preços de móveis escolares, fez exigências
indevidas relativas à:
1.
carta de corresponsabilidade do fabricante,
citando o número do Edital, assinada e com firma reconhecida, onde o fabricante
se compromete a fornecer os produtos dentro das especificações do edital;
2.
registro de inscrição do fabricante na
entidade profissional competente;
3.
apresentação pelo licitante de certidão de
regularidade do fabricante perante o Cadastro Técnico Federal do IBAMA;
4.
documento que comprove que as madeiras
utilizadas pelo fabricante são oriundas de áreas de florestas nativas com
Projetos de Manejo Florestal aprovados pelo IBAMA, ou de áreas de
reflorestamento;
5.
laudos: Laudo ou Declaração de Médico; Laudo
de Flamabilidade da Espuma; Análise do Tecido, Ensaio resistência a Abrasão,
Ensaio Piling de tecido, Ensaio de Inflamabilidade Horizontal, Ensaio de
Resistência ao Rasgo, Ensaio de Resistência a Tração, Ensaio de Gramatura.
Perante o narrado, o responsável contestou os argumentos
originadores da restrição, assegurando que jamais o Município solicitou
requisitos abusivos para comprovação do fornecimento do material.
A Lei Federal 8.666/93 em seu artigo 30 regulamenta o que
se pode ser exigir dos licitantes quanto à qualificação técnica, abaixo:
Art. 30. A
documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro
ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação
de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em
características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação
das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis
para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um
dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação,
fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando
exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições
locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova
de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
Como é de amplo conhecimento, a
vinculação do gestor ao princípio da legalidade contido no caput do artigo 37 da Constituição Federal, é um dos pilares que
regem toda a atividade pública administrativa. Sobre
o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[2]:
“Na Administração
Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração
particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública
só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa
‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve fazer assim’”.
Na mesma linha de orientação, Celso
Antônio Bandeira de Mello[3]
comenta:
“Para avaliar
corretamente o principio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre
atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político:
o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um
quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos.
Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei,
editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas
as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a
atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.
O principio da
legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de
exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder
autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações
caudilhescas ou messiânicas típicas dos paises subdesenvolvidos. O principio da
legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois te
como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação de cidadania.
(...)
Assim, o princípio da
legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve
tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las
Vale ressaltar ainda que uma das
finalidades precípuas do processo licitatório é a de garantir o princípio
constitucional da isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa de acordo
com o interesse público, baseando-se nos princípios básicos da legalidade,
da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa entre outros, e que a vedação ao caráter competitivo da
licitação está expressamente prevista no parágrafo 1º, inciso I, conforme se
vê:
Art. 3o A licitação
destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos.
§ 1o É vedado
aos agentes públicos:
I - admitir,
prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que
comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos
casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em
razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra
circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato,
ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art.
3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de
1991;
Para fundamentar a explicação sobre o dispositivo legal
acima citado, valho-me das palavras de Marçal Justen Filho[4]:
“O ato convocatório
tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta mais
vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso dependerá do tipo
de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências
necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que,
ainda indiretamente, prejudiquem o caráter competitivo da licitação.
Assegura-se tratamento
igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias para
contratar com a Administração. A vitória de um deles dependerá de seus próprios
méritos. A regra não exige que o benefício indevido seja derivado de uma
intenção reprovável. Ou seja, não é
necessário sequer a intenção de beneficiar um ou mais competidores.”
O que não se admite no processo licitatório é a
discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do
ocupante do cargo público. A licitação consiste em instrumento jurídico para
afastar essa arbitrariedade na seleção do contratante. A isonomia no processo
licitatório, portanto, significa o tratamento uniforme em todas as situações
semelhantes, distinguindo-se na medida em que a lei, e somente a lei, assim o
exija.
Exigências qualificativas de um determinado produto que
excedam em número a prática regional, ou que se mostrem descabidas ao objeto
licitado, ou ainda, que representem exigências de difícil acesso a quaisquer
dos possíveis candidatos do processo licitatório, representam um claro
obstáculo ao ânimo de participação dos concorrentes, o que, em determinadas
circunstâncias pode representar até mesmo o direcionamento do certame à
determinado competidor.
No caso concreto, conforme listado acima, foram inúmeras
as exigências de qualificações e especificações técnicas do objeto licitado, o
que chamou a atenção do corpo técnico, dando causa à restrição.
O responsável, na sua defesa, não logrou êxito em
comprovar devidamente a real necessidade de todas essas exigências, que se mostram à primeira vista
exorbitantes, especificamente no que tange aos requisitos dos itens “a”, “b”,
“g”, “d” e “h” do edital (fl. 3-4).
Tendo em vista que o objeto licitado refere-se a cadeiras
para alunos da rede pública de ensino de Blumenau, da leitura da resposta
apresentada pelo responsável, considero plausíveis as exigências a respeito do
Registro ou Inscrição do fabricante no CREA e o certificado do IBAMA sobre a
procedência das madeiras utilizadas para a confecção do objeto licitado, (1)
uma por se tratar de obrigações legais e normativas necessárias ao exercício
dessa atividade econômica e porque (2) a outra imposição, também de natureza
legal, visa garantir o uso consciente da flora brasileira.
Em ambas as situações, o responsável trouxe disposições
legais e normativas que amparavam tais exigências editalícias.
Contudo, todas as outras disposições (carta de
corresponsabilidade do fabricante, a ficha técnica do material utilizado na
fabricação do produto e ainda os laudos e testes solicitados), não têm, no meu
entender, o necessário fundamento para sua exigência e se mostram restritivas
ao caráter competitivo do certame.
Para estas hipóteses o responsável não trouxe um único
argumento que pudesse justificar tais imposições que, consideradas em conjunto,
se mostram à primeira vista desprovidas de amparo e passíveis de causar
prejuízo à livre concorrência nessa licitação.
É importante salientar que esse
Tribunal de Contas tem aplicado multas aos responsáveis cujos editais de
licitação exorbitam exigências legais, e, assim, limitam o caráter competitivo
do certame licitatório. Vejam-se algumas dessas decisões:
Acórdão 1494/2009 - SLC - 07/00374507 - Sessão
25.11.2009
ACORDAM os
Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos
(...)
6.2. Aplicar ao Sr.
Sérgio Galizza - ex-Diretor Geral Administrativo do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, CPF n. 375.579.049-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei
Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas
abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da
publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas,
para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas
cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida
para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei
Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 1.000,00
(mil reais), em face da exigência de qualificação técnica exorbitante no item
8.6, II, "a" e "b", do Edital n. 144/2006, frustrando o
caráter competitivo da licitação, infringindo o disposto no art. 3º, § 1º, I,
da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC);
[...]
Acórdão
1378/2009 - LCC - 07/00567909 – Sessão: 26.10.2009
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas
do Estado de Santa Catarina, reunidos
(...)
6.2. Aplicar ao Sr. Marco Antônio Tebaldi -
ex-Prefeito Municipal de Joinville, CPF n. 256.712.350-49, com fundamento no
art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento
Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta)
dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta
Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado
das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da
Lei Complementar n. 202/2000:
(...)
6.2.4. R$ 800,00 (oitocentos reais),
devido à exigência de qualificação técnica exorbitante, contrariando o art. 3º,
§ 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.6 do Relatório DLC n.
14/2008);
[...]
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no
202/2000, manifesta-se:
1.
Pela
2.
Pela
Florianópolis, 9 de maio
de 2012.
Cibelly Farias
Procuradora
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009
[2] Cf. Direito Administrativo
Brasileiro, 20ª ed., cit., p. 82 e 83.
[3] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 20ª ed., cit., p. 89.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Editora Dialética. Ed. 11ª. São Paulo