PARECER nº:

MPTC/9773/2012

PROCESSO nº:

LCC 10/00690617    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Blumenau

INTERESSADO:

João Paulo Karam Kleinubing

ASSUNTO:

PP 87/2010 Móveis escolares - Comunicação da Ouvidora 367/2010

 

 

 

 

Trata-se de análise da Licitação na Modalidade Pregão Presencial 87/2010, lançado pela Prefeitura de Blumenau, em face de comunicação feita à Ouvidoria dessa Corte de Contas, cujos relatos informam que o edital de licitação exigia documentos de qualificação técnica exorbitantes e ainda solicitava amostras antecipadas.

Com base nos fatos relatados, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações requisitou documentos à Procuradoria do Município de Blumenau, que foram apresentados às fls. 5-10.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, então, emitiu parecer técnico (fls. 11-33) sugerindo a audiência do Sr. Fernando Cesar Lenzi, Secretário da Administração do Município de Blumenau, para que apresentasse justificativas a respeito da solicitação de amostra, sendo que a exigência deve ser imposta somente ao licitante provisoriamente colocado em primeiro lugar no certame, bem como com relação a exigências exorbitantes de qualificações técnicas de laudos do CREA, NR 17, normas da NBR 9178, INMETRO de acordo com a NBR ISO/TEC 17026, além de Registro do CREA, e CONFEA Resolução 417, Certificado de Regularidade do Cadastro Técnico Federal do IBAMA, carta do fabricante assinada e com firma reconhecida.

Os responsáveis remeterem os documentos de fls. 36-54

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações emitiu novo parecer técnico (fls. 56-67) opinando pela irregularidade dos atos objeto da audiência e pela aplicação de multas ao responsável.

É o relatório.

Passo à análise das irregularidades apontadas pela instrução.

1.    Solicitação antecipada de amostra.

Com relação ao requerimento prévio de amostra de materiais, o responsável apresentou alegações no sentido de que podem ser solicitadas as amostras da forma como ocorreu.

O responsável afirma ainda que a decisão foi tomada visando à garantia de que o melhor material fosse adquirido para a utilização dos alunos das escolas públicas.

Contudo, tal alegação, apesar de parcialmente correta, haja vista que, conforme veremos, a exigência de amostras é possível, não exime o gestor quanto ao fato de que o momento para a sua exigência foi equivocado.

Trago sobre o tema as palavras de Marçal Justen Filho[1]:

3) A exigência de amostras:

O edital deverá disciplinar a apresentação, a análise e o julgamento das amostras, se assim se reputar necessário e adequado.

3.1.) A omissão legislativa e o problema prático enfrentado:

Nenhuma das leis que disciplina as licitações no Brasil dispõe sobre a questão das amostras. O tema não despertou, no entanto, maiores disputas antes da introdução do pregão. A exigência de amostras era algo excepcional (e continua a sê-lo, no âmbito das licitações subordinadas à Lei nº 8.666). No entanto, a amostra tornou-se algo essencial no tocante ao pregão.

Assim se passa em virtude do sério problema da qualidade dos objetos adquiridos mediante pregão. A competição intensa e a redução contínua dos preços conduz ao fenômeno já referido da mutação qualitativa da proposta. Isso significa, como já exposto, a crescente redução da qualidade do produto proporcionalmente à redução do preço ao longo da disputa. Logo, o licitante cogitava, ao início da disputa, de um objeto dotado de determinado padrão de qualidade. À medida que o sujeito reduz o preço, também vai buscando formas de diminuir o seu custo.

Em termos práticos, isso conduziu a uma experiência muito negativa para a Administração. Multiplicaram-se os casos de contratações insatisfatórias, em que o sujeito fornecia produtos destituídos da qualidade mínima necessária a satisfazer as necessidades estatais.

A reação da Administração foi a generalização da exigência da apresentação de amostras, o que propicia problemas práticos muito relevantes – especialmente porque, como dito, a lei não disciplinou o tema das amostras.

3.2) O cabimento da exigência de amostras:

É cabível exigir amostras em licitação, mesmo que tal não tenha sido expressamente facultado em lei.

3.2.1) A necessidade de autorização legislativa específica:

A ausência de expressa previsão legislativa sobre as amostras não significa impedimento à sua exigência. Assim se passa porque a lei conferiu competência à Administração para estabelecer os requisitos de identidade e de qualidade mínima do objeto licitado. Mais ainda, determinou incumbir à Administração zelar pela adequação e satisfatoriedade da proposta formulada pelo licitante e da prestação executada pelo contratado. A exigência de amostra é um meio para o cumprimento de tal poder-dever. Se a Administração não dispusesse do poder de exigir amostras, estaria impedido o cumprimento de deveres que sobre ela recaem.

Daí não se segue, obviamente, que a amostra possa ser exigida sem expressa previsão no ato convocatório, ao qual caberá estabelecer o procedimento de sua análise, os critérios de sua aceitabilidade e as soluções atinentes ao julgamento. (...)

3.4.4) Os pressupostos de cabimentos das alternativas descritas:

Nada impede que a Administração exija tanto amostras na fase de propostas como na etapa de execução do contrato. Mas é relevante tomar em vista as diferenças entre ambas as situações. Mais explicitamente, é necessário diferenciar os pressupostos de cabimento das duas alternativas.

A amostra de proposta deve ser exigida nos casos em que seja impossível determinar, por meio de regras abstratas e genéricas, o padrão de qualidade mínimo exigido. Nesse caso, exige-se a amostra como solução jurídica para verificar se a proposta corresponde à exigência prevista no edital." [03] (Grifamos).

3.5.5.) O momento de apresentação das amostras:

Uma das questões mais problemáticas, sob o prisma jurídico, consiste na determinação do momento de apresentação da amostra. Existe uma dissociação entre a solução teoricamente mais satisfatória e aquela exigida pela necessidade prática.

Sob o prisma jurídico, a amostra integra a proposta. Portanto, a sua apresentação deveria fazer-se na oportunidade de avaliação da aceitabilidade da proposta.

No entanto, a apresentação e o julgamento da amostra envolvem, tal como exposto, uma perturbação no seguimento normal do procedimento do pregão. Logo, o critério prático consiste em reduzir ao mínimo os problemas potenciais derivados do julgamento da amostra.

Adotado esse entendimento, a apresentação e o julgamento da amostra deverá ocorrer como última etapa antes de proclamar-se o vencedor do certame. Isso significa que, encerrada a fase de lances, deverá desencadear-se o exame da documentação de habilitação. Somente se passará ao recebimento e avaliação de amostras relativamente ao licitante que preencher todos os demais requisitos para ser contratado. Desse modo, evita-se que sejam promovidas as diligências relativamente à amostra em face de um licitante que não dispunha de condições de ser contratado por ausência de requisitos de habilitação (o que pode ser determinado de modo simples e rápido mediante o mero exame de documentos)" [grifei].

Denota-se do texto que o autor expôs a problemática de não haver legislação própria sobre a possibilidade da exigência de amostras, e tampouco legislação sobre o prazo temporal procedimental em que deva ser feita a exigência. Como se viu ainda, a prática relativa à deficitária qualidade dos produtos que foram recepcionados pela Administração Pública, no decorrer dos anos de vigência da Lei 8.666/93, provou que a solicitação de amostras pode ser fundamentada, desde que restrita a um rol de elementos taxativos, e sempre como exceção.

Consolidado o entendimento de que a amostra possa ser exigida, o autor registra que para a segurança jurídica dos licitantes, a apresentação do protótipo deverá ocorrer como última etapa antes de proclamar-se o vencedor do certame, ou seja, depois de apresentadas as propostas, analisadas, e estar pré-definido o primeiro colocado, seria então solicitada e analisada a amostra, como uma forma de “inspeção”, para que a Administração Pública certifique-se de que garantirá o produto com as exigências contidas no edital.

A apresentação de amostras ou protótipos, quando exigida, portanto, não pode constituir condição de habilitação dos licitantes. Deve limitar-se ao licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar. Caso não seja aceito o material entregue para análise, deve ser exigido do segundo e assim sucessivamente até ser classificada empresa que atenda plenamente as exigências do ato convocatório.

Exigir a amostra de todos os licitantes antecipadamente em determinados processos licitatórios pode inclusive implicar em desistência de participação do certame, sobretudo nas hipóteses de procedimentos licitatório longos, em que o concorrente ainda não dispõe do produto, pois pretende adquirir após vislumbrar a possibilidade de se sagrar vencedor, vencida ao menos a etapa de habilitação.

Na jurisprudência, tanto deste Tribunal, como do Tribunal de Contas da União o entendimento vai no mesmo sentido, de que a apresentação de amostras seja realizada somente na fase final do procedimento, com o primeiro colocado geral do certame, conforme os acórdãos abaixo mencionados:

Tribunal de Contas da União

Acórdão 2.739/2009 - Plenário

"REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO.

No pregão eletrônico, quando for necessária a apresentação de amostras no âmbito de licitações promovidas por entidade, deve ser restringida tal exigência aos licitantes provisoriamente classificados em primeiro lugar, e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada no respectivo instrumento convocatório, nos termos do art. 45 da Lei 8.666/93 c/c o art. 4º, inciso XVI, da Lei 10.520/2002 e o art. 25, § 5º, do Decreto 5.450/2005".

Acórdão 1113/2008 Plenário

A exigência de amostras a todos os licitantes, na fase de habilitação ou de classificação, além de ser ilegal, pode impor ônus excessivo aos licitantes, encarecer o custo de participação na licitação e desestimular a presença de potenciais interessados.

Acórdão 1634/2007 Plenário

Na modalidade pregão, é vedada a exigência de apresentação de amostras antes da fase de lances, devendo a obrigação ser imposta somente ao licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar.

Acórdão 1598/2006 Plenário

Não há como impor, no pregão, a exigência de amostras, por ausência de amparo legal e por não se coadunar tal exigência com a agilidade que deve nortear a referida modalidade de licitação. A exigência de amostras utilizada nas modalidades de licitação previstas na Lei n° 8.666/1993 deve ser imposta somente ao licitante provisoriamente colocado em primeiro lugar no certame.

 

Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina

Decisão: 3673/2007 – Processo ECO 0700533320 – Sessão: 7.11.2007

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Argüir as ilegalidades abaixo descritas, constatadas no Edital de Concorrência n. 010/2007, de 06/09/2007, da Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú, cujo objeto é a contratação de empresa para execução do Sistema de Iluminação Pública da Rodovia BR-101, vias marginais e acessos, no trecho que atravessa o Município de Balneário Camboriú, constante de obras civis para fundações dos postes com 10 a 13m de altura e postes ornamentais com 13,5m de altura, banco de dutos e caixas de passagem, obras de montagem eletromecânica, colocação de luminárias e lâmpadas de vapor de sódio, e melhorias de rede de média e baixa tensão da CELESC, com prazo de execução de 6 (seis) meses, com valor máximo previsto de R$ 4.265.625,00, e apontadas pelo Órgão Instrutivo nos Relatórios DLC/Insp.1/Div.3 n. 284/2007 e DLC/Insp.2/Div.4 n. 466/2007:

[...]

6.1.7. Estabelecer a entrega pelos licitantes e realizar os testes das amostras antes da abertura do certame, em desacordo com a ordem dos procedimentos estabelecidos no art. 43 da Lei (federal) n. 8.666/93, haja vista que as amostras dos materiais a serem utilizados na execução do contrato devem ser exigidos e analisados na fase de julgamento das propostas, preferencialmente, em relação ao licitante que esteja provisoriamente classificado em primeiro lugar, nos termos e condições previamente definidos no instrumento convocatório (item 2.2.3.1 do Relatório DLC n. 466/2007);

 

Acórdão 1268/2008 - Processo LCC 08/00113659 – Sessão: 25.8.2008

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

[...]

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. ao Sr. PAULO ROBERTO BAUER - Secretário de Estado da Educação, CPF n. 293.970.579-87, as seguintes multas:

[...]

6.2.1.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em virtude da exigência de amostras anteriormente à realização da sessão pública do pregão como condição para participação, afrontando o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.1.2 do Relatório DLC);

 

Acórdão: 0422/2009 – Processo: REP 08/00189205 – Sessão: 1.4.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

[...]

6.2. Aplicar ao Sr. Sílvio Marques Emerim - ex-Secretário de Administração do Município de Joinville, CPF n. 008.837.430-00, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00, em face da exigência antecipada de apresentação de amostras prevista no item 9.1.1 do Edital de Pregão Presencial n. 006/2008, contrariando o disposto nos arts. 4º, inciso VII, da Lei n. 10.520/02 e 3º, inciso I, § 1º, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2 do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

Deste modo, entendo que a solicitação antecipada de amostras não se mostra necessária nem razoável, ficando mantida assim a irregularidade.

2.     Exigência exorbitante de documentos de qualificação técnica.

Extrai-se dos documentos apresentados que a Prefeitura Municipal de Blumenau, ao lançar o Pregão 87/2010, para o registro de preços de móveis escolares, fez exigências indevidas relativas à:

1.     carta de corresponsabilidade do fabricante, citando o número do Edital, assinada e com firma reconhecida, onde o fabricante se compromete a fornecer os produtos dentro das especificações do edital;

2.     registro de inscrição do fabricante na entidade profissional competente;

3.     apresentação pelo licitante de certidão de regularidade do fabricante perante o Cadastro Técnico Federal do IBAMA;

4.     documento que comprove que as madeiras utilizadas pelo fabricante são oriundas de áreas de florestas nativas com Projetos de Manejo Florestal aprovados pelo IBAMA, ou de áreas de reflorestamento;

5.     laudos: Laudo ou Declaração de Médico; Laudo de Flamabilidade da Espuma; Análise do Tecido, Ensaio resistência a Abrasão, Ensaio Piling de tecido, Ensaio de Inflamabilidade Horizontal, Ensaio de Resistência ao Rasgo, Ensaio de Resistência a Tração, Ensaio de Gramatura.

Perante o narrado, o responsável contestou os argumentos originadores da restrição, assegurando que jamais o Município solicitou requisitos abusivos para comprovação do fornecimento do material.

A Lei Federal 8.666/93 em seu artigo 30 regulamenta o que se pode ser exigir dos licitantes quanto à qualificação técnica, abaixo:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

Como é de amplo conhecimento, a vinculação do gestor ao princípio da legalidade contido no caput do artigo 37 da Constituição Federal, é um dos pilares que regem toda a atividade pública administrativa. Sobre o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[2]:

“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve fazer assim’”.

 

Na mesma linha de orientação, Celso Antônio Bandeira de Mello[3] comenta:

“Para avaliar corretamente o principio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.

O principio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos paises subdesenvolvidos. O principio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois te como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação de cidadania.

(...)

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da Republica, até o mais modesto dos servidores, só poder ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.

Vale ressaltar ainda que uma das finalidades precípuas do processo licitatório é a de garantir o princípio constitucional da isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa de acordo com o interesse público, baseando-se nos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa entre outros, e que a vedação ao caráter competitivo da licitação está expressamente prevista no parágrafo 1º, inciso I, conforme se vê:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;

Para fundamentar a explicação sobre o dispositivo legal acima citado, valho-me das palavras de Marçal Justen Filho[4]:

“O ato convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta mais vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso dependerá do tipo de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que, ainda indiretamente, prejudiquem o caráter competitivo da licitação.

Assegura-se tratamento igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias para contratar com a Administração. A vitória de um deles dependerá de seus próprios méritos. A regra não exige que o benefício indevido seja derivado de uma intenção reprovável. Ou seja, não é necessário sequer a intenção de beneficiar um ou mais competidores.”

O que não se admite no processo licitatório é a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em instrumento jurídico para afastar essa arbitrariedade na seleção do contratante. A isonomia no processo licitatório, portanto, significa o tratamento uniforme em todas as situações semelhantes, distinguindo-se na medida em que a lei, e somente a lei, assim o exija.

Exigências qualificativas de um determinado produto que excedam em número a prática regional, ou que se mostrem descabidas ao objeto licitado, ou ainda, que representem exigências de difícil acesso a quaisquer dos possíveis candidatos do processo licitatório, representam um claro obstáculo ao ânimo de participação dos concorrentes, o que, em determinadas circunstâncias pode representar até mesmo o direcionamento do certame à determinado competidor.

No caso concreto, conforme listado acima, foram inúmeras as exigências de qualificações e especificações técnicas do objeto licitado, o que chamou a atenção do corpo técnico, dando causa à restrição.

O responsável, na sua defesa, não logrou êxito em comprovar devidamente a real necessidade de todas essas exigências, que se mostram à primeira vista exorbitantes, especificamente no que tange aos requisitos dos itens “a”, “b”, “g”, “d” e “h” do edital (fl. 3-4).

Tendo em vista que o objeto licitado refere-se a cadeiras para alunos da rede pública de ensino de Blumenau, da leitura da resposta apresentada pelo responsável, considero plausíveis as exigências a respeito do Registro ou Inscrição do fabricante no CREA e o certificado do IBAMA sobre a procedência das madeiras utilizadas para a confecção do objeto licitado, (1) uma por se tratar de obrigações legais e normativas necessárias ao exercício dessa atividade econômica e porque (2) a outra imposição, também de natureza legal, visa garantir o uso consciente da flora brasileira.

Em ambas as situações, o responsável trouxe disposições legais e normativas que amparavam tais exigências editalícias.

Contudo, todas as outras disposições (carta de corresponsabilidade do fabricante, a ficha técnica do material utilizado na fabricação do produto e ainda os laudos e testes solicitados), não têm, no meu entender, o necessário fundamento para sua exigência e se mostram restritivas ao caráter competitivo do certame.

Para estas hipóteses o responsável não trouxe um único argumento que pudesse justificar tais imposições que, consideradas em conjunto, se mostram à primeira vista desprovidas de amparo e passíveis de causar prejuízo à livre concorrência nessa licitação.

É importante salientar que esse Tribunal de Contas tem aplicado multas aos responsáveis cujos editais de licitação exorbitam exigências legais, e, assim, limitam o caráter competitivo do certame licitatório. Vejam-se algumas dessas decisões:

Acórdão 1494/2009 - SLC - 07/00374507 - Sessão 25.11.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Sérgio Galizza - ex-Diretor Geral Administrativo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, CPF n. 375.579.049-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de qualificação técnica exorbitante no item 8.6, II, "a" e "b", do Edital n. 144/2006, frustrando o caráter competitivo da licitação, infringindo o disposto no art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC);

[...]

Acórdão 1378/2009 - LCC - 07/00567909 – Sessão: 26.10.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, por maioria de votos, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Marco Antônio Tebaldi - ex-Prefeito Municipal de Joinville, CPF n. 256.712.350-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

(...)

6.2.4. R$ 800,00 (oitocentos reais), devido à exigência de qualificação técnica exorbitante, contrariando o art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.6 do Relatório DLC n. 14/2008);

[...]

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1. Pela IRREGULARIDADE do Pregão 87/2010, lançado pela Prefeitura de Blumenau, com fundamento no art. 36, § 2°, alínea “a”, da Lei Complementar n° 202/2000;

2. Pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao responsável, Sr. Fernando Cesar Lenzi, Secretário da Administração do Município de Blumenau, na forma prevista no art. 70, inciso II, Lei Complementar n. 202/2000, em face das irregularidades de itens 3.2.1 e 3.2.2 da conclusão do relatório de instrução.

Florianópolis, 9 de maio de 2012.

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009

 

[2] Cf. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., cit., p. 82 e 83.

[3] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 20ª ed., cit., p. 89.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Editora Dialética. Ed. 11ª. São Paulo