PARECER nº:

MPTC/10657/2012

PROCESSO nº:

REC 12/00174582    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Florianópolis

INTERESSADO:

Salomão Antonio Ribas Junior

ASSUNTO:

Recurso de Reexame de Conselheiro da Decisão nº 573/2011, exarada no processo -AOR-07/00520856

 

 

 

1. DO RELATÓRIO

 

 

            Cuida-se no presente processo de recurso na modalidade de Reexame de Conselheiro, com fundado no art. art. 81, da Lei Complementar estadual n. 202/2000, visando reapreciar a Decisão n.º 573/2011 exarada no processo AOR-07/005520856.

            No referido processo foram aplicadas penalidades de multa a diversos administradores municipais de Florianópolis, sendo objeto recursal a matéria que está situada na permissão de uso de área pública para exploração de estacionamento pela AFLOV, em Florianópolis, sem realização de procedimento licitatório.

            Compulsando os autos, registra-se nos termos do Reexame de Conselheiro de fls. 3-4, que as razões lançadas às  fls. 6-16, firmadas pela ex-Prefeita de Florianópolis, Ângela Regina Heinzen Amin Helou, juntamente com os termos do Despacho de Conselheiro de fls. 3-4, constituem os fundamentos do recurso de reexame, dentre os quais a existência de divergência doutrinária sobre a necessidade ou não de prévia licitação, em se tratando de permissão de uso de bem público.

             Do conjunto de informações técnicas extraídas dos autos, verifica-se ajustada apreciação da matéria no expediente de fls. 6-16, em que são citados entendimentos doutrinários divergentes sobre a obrigatoriedade ou não de licitação para permissão de uso de bem público, além de peculiaridades destacadas quanto às características de precariedade da permissão de uso, a incidência da discricionariedade inerente à permissão, o prazo permitido e outras que identificam este instituto de Direito Administrativo.

            A matéria foi objeto de análise da Consultoria Geral dessa Corte de Contas, cuja análise  técnica está inserida no Parecer COG  817/2012, de fls. 74-91.

 

 

2. DA INSTRUÇÃO

 

 

            O Parecer COG n.º 817/2012 de fls. 74-91 concluiu pela procedência do Reexame de Conselheiro e no mérito pela reforma da Decisão n.º 573/2011, em razão das considerações que adiante estão alinhadas.

           

a)   Da Admissibilidade do Recurso de Reexame de Conselheiro

 

Segundo o regramento inscrito no art. 81 da LC/SC n.º 202/2000, observa a Consultoria Geral  que “é deferido ao Conselheiro do Tribunal de Contas o direito de interpor recurso na modalidade de Reexame, o que confere ao subscritor legitimidade para o manejo do presente recurso.” Portanto, atendido pré-requisito da legitimidade de parte.

 

No que pertine à tempestividade, restou observada na peça recursal o lapso temporal estabelecido na legislação aplicável, sendo atendido o prazo regimental.

Finalizando as questões preliminares do recurso, observa a Consultoria Geral que o disposto no art. 142 do Regimento Interno quanto ao Reexame de Conselheiro restou cumprido na sua integralidade, com exposição circunstanciada dos fatos e proposta fundamentada de decisão.

Nestas condições, sugeriu a Consultoria Geral à fl. 78 o conhecimento do recurso.

 

b)   Do Exame de Mérito

 

Destaca a Consultoria Geral à fl. 78 que já houve da parte da ex-Prefeita de Florianópolis, sra. Ângela R. H. Amin Helou, a interposição de recurso quanto à Decisão n.º 573/2011, que não foi conhecido por sua intempestividade.

No entanto, as razões recursais na peça citada que formam a base de fundamentação do presente Reexame, foram adotadas pelo Conselheiro subscritor do Reexame de Conselheiro, cujo objeto é a reapreciação da decisão que aplicou multa  à ex-Prefeita Municipal de Florianópolis, no item 6.2.6, no valor de R$ 3.500,00, “[...] em virtude da permissão de uso de áreas para exploração de estacionamento não precedida de licitação, com ofensa aos arts. 37,  XXI, e 175 da Constituição Federal e 2.º e 3.º da Lei de Licitações.”

E neste contexto seguiu o exame da Consultoria Geral quanto à procedência do enfoque da matéria e o motivo da aplicação da multa.

Para melhor situar a matéria, transcreve-se a manifestação da Consultoria Geral contida à fl. 79:

 

Verifica-se da leitura das penalidades aplicadas que ambas tem como fato ensejador a permissão de uso de áreas públicas a AFLOV, com o objetivo de exploração de estacionamento, sem que para tal permissão tenha sido procedido o devido processo licitatório, entendendo deste modo a instrução que restou vulnerado o disposto nos artigos 37, XXI, e 175, da Constituição Federal e art. 2.º e 3.º da Lei 8.666/93.

 

Por entender que para a permissão de uso de bens públicos por associação sem fins lucrativos, paira dúvida quanto a necessidade de preceder de processo licitatório, o Conselheiro Relator em seu despacho requer seja julgado procedente o recurso proposto, pleiteando pelo cancelamento da multa aplicada no item 6.2.6 do Acórdão 573/2011, asseverando o que a seguir transcreve-se:

 

            E adentrando ao tema objeto do recurso a Consultoria Geral tece considerações sobre Prejulgados dessa Corte de Contas, assim como a distinção entre os institutos da concessão e permissão de uso de bem público, com abordagem específica da doutrina administrativa aplicada e a caracterização da natureza jurídica da permissão de uso. E na apreciação destes aspectos quanto ao instituto em discussão, observa a Consultoria Geral em seu parecer:

 

. fls. 86/87

 

Doutrinariamente é feita a distinção entre os institutos da concessão e da permissão de uso de bens públicos e acerca deste último temos conceituados por ilustres mestres do Direito Administrativo que lecionam:

 

Autorização ou permissão é o ato unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário. – Maria Sylvia Z. Di Pietro –

 

Permissão de Uso é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário para consentir e retirar o uso especial do bem público – Hely Lopes Meirelles –

 

O regime permissional, menos rígido, tem sido caracterizado na doutrina tradicional  como vinculo  produzido por simples manifestação de vontade unilateral da Administração, através de um ato administrativo discricionário e precário, que seria, por isso revogável a qualquer tempo. – Diogo de Figueiredo Moreira Neto –

 

Autorização de uso – é o ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administração consente que um particular  utilize privativamente um bem público. Pode incidir sobre qualquer tipo de bem. De regra, o prazo de uso é curto; poucas e simples são suas normas disciplinadoras: independe de autorização legislativa e licitação: pode ser revogada a qualquer tempo. – Odete Medauar –

 

O fato ora examinado está vinculado ao contido no documento, de fls. 88/89 dos autos do processo de conhecimento, firmado em 24 de novembro de 1977, é nele que se verifica a natureza jurídica da permissão de uso em análise.

 

 

            Temos assim, elementos de análise quanto ao motivo ensejador da multa aplicada, os quais remeteram à conclusão de fl. 90 da Consultoria Geral no sentido de conhecimento do recurso interposto contra a Decisão n.º 573/2011 dessa Corte de Contas e no mérito, pelo provimento e cancelamento das multas aplicadas nos itens 6.2.1.2 e 6.2.6.  

 

 

 

 

3. DA PROCURADORIA

 

            Acertado o enfoque da matéria pela Consultoria Geral.

            Efetivamente, o expediente recursal, ao observar divergência doutrinária administrativa quanto à necessidade ou não de realização de procedimento licitatório prévio à permissão de uso de bem público, torna esclarecedor o fato em discussão.

            A existência dos Prejulgados desse Tribunal, n.º 227, 185 e 386, 1282 e 1569 disciplinando a concessão de uso de bem público orienta no sentido da necessidade de licitação quando de sua feitura.

            No entanto, como bem observado pela Consultoria Geral à fl. 86, há necessidade de remessa à interpretação da doutrina de Direito Administrativo para dirimir eventuais dúvidas sobre a aplicação de procedimento licitatório prévio em ato do Poder Público quando se tratar da permissão de uso. Necessário igualmente estabelecer de modo preciso o instituto, suas peculiaridades conceituais e análise detalhada do caso em apreciação de modo a formular adequado juízo de valores sobre a regularidade ou não do ato praticado pela P. M. de Florianópolis.

            Inicialmente, deve ser registrada a perfeita caracterização do ato administrativo conforme descrição da Consultoria Geral à fl. 87:

 

A leitura do documento leva necessariamente a conclusão de que o ato administrativo reveste-se  como permissão real de uso de bem imóvel de natureza pública uma vez presente a  discricionariedade do administrador e a justificativa da razão da escolha da entidade beneficiada, e ainda, presente o caráter de precariedade da cessão de uso do bem, em razão da ausência de fixação de prazo para o exercício do direito do mesmo.

 

            A interpretação do instituto da permissão de uso de bem público, ao enfoque de suas peculiaridades e do regramento que a lei impõe foi objeto de análise da Consultoria Geral, a qual refere-se ao ensinamento da doutrina administrativa de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

            Assim, conforme destacado pela doutrinadora, há aspectos a serem levados em conta para uma ajustada compreensão do tema, quando observa que deve ser considerada, por exemplo a precariedade (que é da natureza da permissão de uso), assim como a discricionariedade da Administração em relação à permissão, podendo decidir sobre sua revogação unilateralmente, ausência de prazo ou por não se tratar de uma relação contratual. Neste contexto, não passou despercebido ao exame da Consultoria Geral estas circunstâncias vinculadas ao tema tratado, inclusive quando transcreve a interpretação doutrinária, abaixo destacada:

 

A fixação relativa a destinação dos recursos obtidos, Cláusulas quarta e quinta do termo de permissão, não são suficientes para caracterizar o instrumento como um contrato oneroso e bilateral nos moldes previsto no artigo 2.º, § 2.º da Lei 8.666/93, senão vejamos o que diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro, sobre o assunto:

 

O intuito da permissão na doutrina brasileira, tem sido definido como ato unilateral e não como contrato. No entanto, a Constituição Federal, ao tratar da concessão e da permissão do serviço público, referiu a ambos como contrato (art. 175, parágrafo único, inc. I) e foi expresso na exigência de licitação (caput do mesmo dispositivo). Também o art. 124, da Lei n.º 8.666, introduzido pela Lei n.º 8.883, refere-se à permissão de serviço público como um contrato. Assim sendo, não há dúvida  de que a permissão de serviço público está sujeita aos ditames da Lei n.º 8.666. Já a permissão de uso constitui, em regra, ato unilateral e, como tal, não se enquadra na exigência do art. 2.º, que, ao mencionar as várias modalidades (obras, compras, alienações, concessões, permissões e locações), acrescenta a expressão “quando contratados por terceiros”. Além disso, o § 2.º, do mesmo dispositivo define o contrato, para os fins da lei, como “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. A permissão de uso, quando dada precariamente (como é de sua natureza) ou seja, sem prazo estabelecido, não cria obrigações para a Administração Pública, que concede a permissão e a retira discricionariamente, independentemente do consentimento do permissionário, segundo razões exclusivamente de interesse público. Nesses casos, a permissão não tem natureza contratual e, portanto, não está sujeita à licitação...

 

O instrumento que permitiu o uso dos bens públicos pela entidade AFLOV está longe de se caracterizar como uma relação contratual que caracterize como uma concessão ou permissão de serviço público, em face da essencial necessidade de estabelecimento de cláusulas, conforme regramento fixado no art. 23, da Lei 8.987/95.

 

Assim, entende-se que a permissão de uso de bem público, conforme se verifica no caso em exame, reveste-se da necessária precariedade em razão da ausência de fixação de prazo para o uso dos bens cedidos, e, portanto, fica excluída da Lei 8.666/93 ou qualquer outro processo de seleção, tendo em vista que a sua  natureza jurídica não comporta competição, eis que se atrela a discricionariedade da Administração Pública na destinação da utilização do bem cedido.     

 

            Nas condições descritas anteriormente, como asseverado na interpretação de Maria Sylvia Di Pietro, a ausência de natureza contratual no caso de permissão de uso, retira a imposição de licitar. E com precisão a observação da Consultoria Geral quando anota que a precariedade da concessão e a ausência de fixação de prazo para uso do bem cedido, afasta a incidência do procedimento licitatório, em razão da natureza jurídica do instituto aqui tratado que não comporta competição.

            Este enfoque da Consultoria Geral ao qual perfila-se este órgão ministerial, deve estar obrigatoriamente vinculado ás razões recursais que ensejariam revisão de decisão e fundamentariam o reexame proposto. Neste passo, procedeu-se verificação no arrazoado recursal de fls. 6 a 16, para nele verificar-se a ocorrência de conexão com o posicionamento técnico da Consultoria Geral. Assim, observa-se nos argumentos da ex-Prefeita de Florianópolis,  as seguintes anotações pertinentes ao posicionamento da Consultoria Geral:

 

. fl. 6

 

A permissão de uso de bem público se caracteriza pelo fato deste instituto possuir como característica a precariedade, e via  de consequência, não necessita de processo licitatório para ser firmado. Em outras palavras, trata-se de ato administrativo, unilateral, discricionário ou vinculado, precário ou com certa estabilidade, gratuito ou remunerado, como ou sem condições, pelo qual a Administração possibilita a utilização individual e personalizada de determinado bem público por particular.

 

. fl. 9

 

Já a ilustre Odete Medauar ratificando o que foi dito pela refinada doutrina já declinada, deixou grafado em seu magistral “Direito Administrativo Moderno”, a desnecessidade do certame licitatório para o deferimento da autorização de permissão de uso de bem público: a) Autorização de uso – é o ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administração consente que um particular utilize privativamente um bem público. Pode incidir sobre qualquer tipo de bem: independe de autorização legislativa e licitação; pode ser revogada a qualquer tempo.” (grifamos)

 

. fl. 10

 

Somente a permissão de serviços públicos, a teor do artigo 175, da CF, é que deverá ser precedido da competente licitação, visto que este Comando Maior é taxativo em estabelecer tal cânone legal, e não no presente caso que se trata de permissão de uso de bens públicos.

 

. fl. 10

 

Para a situação legal aqui verificada, a eminente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, seguindo o entendimento dos demais doutrinadores, não tem dúvida em afirmar que a permissão de uso não possui natureza contratual, ficando excluída da necessidade de ser  precedida do certame licitatório:

 

“[...]

Assim sendo, não há dúvida de que a permissão de serviço público está sujeita aos ditames da Lei n.º 8.666. a permissão de uso constitui, em regra, ato unilateral e, como tal, não se enquadra na exigência do art. 2.º, que, ao mencionar as várias modalidades (obras, compras, alienações, concessões, permissões e locações), acrescenta a expressão “quando contratados por terceiros”

 

. fl. 11

 

Para que a “permissão de uso” tenha natureza contratual, sujeita a licitação, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro na obra acima citada, é necessário que a mesma tenha prazo estabelecido, gerando para o particular o direito de receber indenização em caso de revogação, situação jurídica diversa da lide em questão, que não tem prazo determinado.

 

            Há portanto, compatibilidade dos argumentos recursais com o exame técnico procedido pela Consultoria Geral, assim como há interpretação doutrinária no campo do Direito Administrativo de renomados autores a convalidar o procedimento adotado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis. Fica assim demonstrada a conexão do pedido com a matéria foco do objeto recursal.

           

 

A verificação que se faz dos termos do Reexame de Conselheiro, contidos à fl. 4, que registra “[...] haverem divergências doutrinárias acerca da obrigatoriedade de prévia licitação para a permissão de uso de bem público.” encontra respaldo na doutrina específica da matéria conforme demonstrado anteriormente, motivo ensejador do posicionamento deste órgão ministerial no sentido de ser conhecido e provido o recurso formulado para cancelar a multa imposta no item 6.2.6 da Decisão n.º 573/2011 dessa Corte de Contas.

            Este entendimento que reformula a decisão recorrida tem reflexos quanto ao item 6.2.1.2 que aplicou multa ao Prefeito Municipal de Florianópolis, sr. Dário Elias Berger pela manutenção da permissão de uso já existente. Nesse contexto, o motivo determinante desta multa é o mesmo que ensejou a aplicação da multa à ex-Prefeita de Florianópolis, sra. Angela R. H. A. Helou, razão de entender-se correta a proposição final da Consultoria Geral no item 3.1.1 de fl. 90 no sentido de cancelamento das multas aplicadas aos responsáveis nos itens 6.2.6 e 6.2.1.2 da Decisão n.º 573/2011.

            Em conclusão, posiciona-se este órgão ministerial pelo conhecimento do Recurso de Reexame de Conselheiro de fls. 3-4 e provimento para cancelar as multas dos itens 6.2.6 e 6.2.1.2 da Decisão n.º 573/2011.

 

 

Florianópolis, 12 de julho de 2012.

 

 

 

 

MÁRCIO DE SOUSA ROSA

                      Procurador-Geral, em exercício

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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