PARECER nº:

MPTC/11328/2012

PROCESSO nº:

REP 09/00036834    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Pomerode

INTERESSADO:

Marcelo J. Ferlin DAmbroso

ASSUNTO:

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta n. 00204/2007 - Irregularidades em contratações temporárias e terceirização da execução de programas conveniados.

 

 

 

 

Trata-se da Representação apresentada pela Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região – Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos - CODIN, subscrita pelo Sr. Marcelo Ferlin D’Ambroso, Procurador do Trabalho, para apreciação dessa Corte de Contas.

Na peça é relatada a ocorrência de suposta irregularidade envolvendo a Prefeitura Municipal de Pomerode, relacionada com contratações temporárias e admissão de pessoal sem o devido concurso público, contrariando o art. 37, inciso II, da Constituição Federal, solicitando, ainda, o acompanhamento por parte do Tribunal de Contas do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta 00204/2007, firmado entre o Ministério Público e a Prefeitura Municipal de Pomerode (fls. 5-9).

A Diretoria de Controle dos Municípios emitiu parecer técnico (fls. 12-16), opinando pelo não-conhecimento da representação e seu arquivamento, uma vez que o pedido de acompanhamento do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta 00204/2007 não atende às prescrições contidas no art. 66 da Lei Complementar n. 202/2000, c/c o art. 102 do Regimento Interno.

O parecer ministerial (fls. 18-20), discordando do relatório, entendeu pelo conhecimento da presente Representação no que tange à análise da irregularidade relatada, e pela determinação à Diretoria para que adotasse as providências necessárias para a apuração dos fatos irregulares.

Na mesma trilha seguiu o Despacho do Relator de nº 09/2009 (fls. 21-23).

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico de nº 3.339/2010 (fls. 25-29), por meio do qual se procedeu a diligência à Prefeitura Municipal de Pomerode para que enviasse documentos indispensáveis à instrução do processo, conforme conclusão do relatório.

A Prefeitura Municipal de Pomerode remeteu os documentos requisitados às fls. 32 a 78.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico de nº 6.214/2010 (fls. 80-86), para que se procedesse nova diligência à Prefeitura Municipal de Pomerode para que enviasse outros documentos indispensáveis à instrução do processo, conforme conclusão do relatório.

A Prefeitura Municipal de Pomerode remeteu os demais documentos requisitados às fls. 91 a 98.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico de nº 559/2011 (fls. 100-107), opinando:

(a) pela realização de audiência dos Srs. Paulo Mauricio Pizzolati, Prefeito Municipal de Pomerode a partir de 2009, e Ercio Kriek, Prefeito Municipal de Pomerode no período de 2005 a 2008, para apresentarem alegações de defesa em face das seguintes irregularidades:

- Contratos de trabalho temporário firmados de forma irregular, tendo em vista estar descaracterizada a necessidade temporária e o excepcional interesse público das contratações, bem como não estar comprovada a realização de processo seletivo para a totalidade das contratações, contidas nas fls. 96/97, estando, assim, em desconformidade com o art. 37, incisos II e IX, da Constituição da República, configurando burla ao concurso público;

- suspensão do contrato de trabalho temporário da servidora Cinthia Volkmann, contratada por tempo determinado, em 03/10/2006, em afronta ao art. 37, caput e inciso IX da CF/88, cuja responsabilidade recai sobre gestor Sr. Ercio Kriek;

(b) pela diligência à Origem que fossem remetidas informações sobre os editais de processo seletivo bem como a classificação de todos os contratados em caráter temporário constantes das fls. 96/97, fornecida por essa Unidade Gestora em resposta ao Relatório de diligência deste Tribunal nº 06214/2010.

O Relator determinou as audiências dos responsáveis (fl. 107), as quais foram efetivadas por meio dos Ofícios nºs 3.552 e 3.551/2011 (fls. 109-110).

Devidamente citados (fls. 111-112), os responsáveis apresentaram suas defesas (fls. 113-247)

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório de instrução conclusivo (fls. 249-257), sugerindo a irregularidade das contratações temporárias em análise nestes autos e pela aplicação de multas ao Sr. Ercio Kriek, Prefeito do Município à época, em face das irregularidades descritas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições desta Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (70 e 71, inciso II da Constituição Federal, arts. 58 e 59, inciso II, da Constituição Estadual, art. 1º, incisos III e XI, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, art. 17 da Resolução TCE/SC n. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TCE/SC n. 6/2001).

Do exame dos autos é possível constatar que, por solicitação do Ministério Público, o Prefeito de Pomerode estatuiu o Decreto de nº 1.913/03, o qual visava à criação do “Núcleo de Atendimento à Família – NAF”, instituto voltado à proteção integral às famílias em situação de risco.

Por conta deste programa foi necessária a criação de empregos públicos (Lei nº 1.869, fls. 120-121), dentre eles o ocupado pela servidora Cinthia Cristina Volkmann, na função de psicóloga.

Em sua defesa (fls.113-116), o Sr. Ércio Kriek alegou que seguiu o disposto na Lei nº 1.869/06, a qual determina que o contrato de trabalho seja regido pela CLT e que sua duração seja vinculada à duração do Programa.

Entretanto, como bem ressalva o relatório, nos casos de atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, poderá a Administração Pública promover contratações por tempo determinado e, portanto, dispensar o instituto do concurso público, como se preceitua no seguinte artigo constitucional:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...]

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Com o fim de complementar o inciso IX deste dispositivo surgiu a Lei Federal de nº 8.745/93, que indicou os casos de necessidades temporárias, a exigência de processo seletivo simplificado no recrutamento de pessoal, o tempo determinado e a improrrogabilidade da contratação, como exemplificou a instrução.

Neste contexto, não pode o contrato, tal como ocorre na situação concreta, ter prazo indeterminado para seu fim, pois, como já indica a Constituição da República, as contratações devem ser suficientes para suprir a necessidade temporária da Administração e não tem como objetivo o provimento por tempo indefinido tampouco a substituição de um cargo de provimento efetivo.

Como se extrai dos documentos dos autos (fls. 39-47), a Sra. Cínthia Cristina Volkmann ocupou o cargo de psicóloga por cerca de 16 meses (de 3/10/06 a 14/4/08), com suspensão do contrato durante o período de 11/5/07 a 9/9/07.

A contratação em questão ainda gerou outra irregularidade oriunda da suspensão de seu contrato para “tratar de assuntos pessoais” (fls. 43 e 123), o que estabeleceu uma espécie de “reserva de vaga”, de modo a prejudicar os trabalhos do Projeto NAF e desvirtuar a suposta necessidade temporária e o excepcional interesse público necessários à referida contratação.

Por fim, a Portaria de nº 10.825 (fls. 162-163) exonerou a servidora em 14/4/2008 a pedido da dela.

Sobre a suspensão do contrato (fl. 115), o Sr. Ércio Kriek alegou que ela é prevista na CLT, artigo 476-A, que possibilita a suspensão do contrato para qualificação do empregado, como ocorreu no caso em estudo.

Ainda aduz o responsável que foram respeitados os princípios constitucionais do artigo 37 da Constituição, assim como o interesse do serviço público, e que o inciso IX do citado artigo se refere aos Contratos de Caráter Temporário (ACT), motivo pelo qual não se aplicaria ao caso ora em análise.

As alegações do responsável não prosperam, pois na própria licença, originada em razão de tratamento de assuntos particulares, já se mostra o prevalecimento do interesse particular sobre o público, mostrando-se uma afronta ao disposto no artigo 37, IX, da Constituição, que inclusive impõe a necessidade do excepcional interesse público da contratação temporária, o qual foi sucumbido na situação concreta.

Logo, a presença de uma função de caráter permanente na administração pública acarreta a realização de um concurso público que possibilite o ingresso dos cidadãos de acordo com os seus méritos, conforme preconiza a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso II c/c o IX.

No presente caso, não se verifica nenhuma hipótese extraordinária que pudesse justificar tal contratação (catástrofes, guerra, epidemias, operações ou projetos específicos e temporários, como o fez a Lei Federal nº. 8.745/1993), o que faz com que esteja completamente desvirtuada da previsão constitucional que permitiria a temporariedade contratual.

E isto se aplica também às demais contratações temporárias realizadas durante o mandato do Prefeito Ercio Kriek

 Como se percebe pela análise da lista de empregados temporários (fls. 173-179, no total de 109 contratados), o tempo de contratação dos profissionais chega a ser, em muitos casos, de até 2 anos, em cargos que são de evidente caráter permanente, como nos casos de professores, motorista de ambulância, médico, recepcionista, secretário de escola, auxiliar de educação infantil, zelador de escola, dentre outros cargos.

É firme a jurisprudência da Suprema Corte ao afirmar que a excepcionalidade à regra constitucional de que o provimento de cargo público deve se dar pela realização de concurso não ampara a contratação para atividade permanente e previsível (como, in casu, psicóloga).

Nesse sentido, os seguintes julgados:

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF. art. 37. IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2.987, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-2-04, DJ de 2-4-04) [grifei].

A Administração Pública direta e indireta. Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e excepcional. Interpretação restritiva  do artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso Público. As atividades relacionadas no artigo 2° da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos incisos li e VII, são permanentes ou previsíveis.: Atribuições passíveis de serem exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso público. (AOI 890, ReI. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-9­03, DJ de 6-2-04) [grifei].

As modificações introduzidas no artigo 37 da Constituição 'Federal pela EC 19/98 mantiveram inalterada a redação do inciso IX, que cuida de contratação de pessoal por tempo determinado na Administração Pública.

Inconstitucionalidade formal inexistente. Ato legislativo consubstanciado em medida provisória: pode, em princípio, regulamentá-lo, desde que não tenha sofrido essa disposição nenhuma alteração por emenda constitucional a partir de 1995 (CF, artigo 246). A regulamentação, contudo, não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma genérica e abrangente de servidores, sem o devido concurso público (CF. artigo 37, m. para cargos típicos de carreira, tais como aqueles relativos à área jurídica. (ADI 2.125-MC, ReI. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 6-4-00, DJ de 29-9-00) [grifei].

Desta forma, sem qualquer manifestação sobre a motivação do excepcional interesse público e necessidade temporária e com a evidência de que as funções exercidas pelos temporários (professores, médico, motorista de ambulância, psicólogo, auxiliares de serviços gerais, serventes e turismologo) são de natureza permanente, o relatório admitiu não ser possível identificar os processos seletivos para a totalidade das contratações descritas nas fls. 34-36, 96-97 e 174-179, mostrando-se uma afronta, portanto ao art. 37, II e IX, e, consequentemente, à regra geral que impõe a realização de concurso anteriormente à contratação de um servidor ou empregado público.

Ainda sob a óptica destas irregularidades, a análise dos documentos demonstram que os fatos geradores destas restrições são anteriores à gestão do Sr. Paulo Maurício Pizzolatti, que se iniciou somente no ano de 2009, portanto, após todas as contratações irregulares mencionadas às fls. 173-179.

Assim, restam caracterizadas e mantidas as irregularidades inicialmente identificadas pela Unidade Técnica quanto ao Sr. Ércio Kriek, as quais ensejam aplicação de multas, consoante os comandos da Lei Complementar n. 202/2000.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao Sr. Ércio Kriek, Ex-Prefeito Municipal (2005-2008), em face das irregularidades descritas nos item 3.1.1 e 3.1.2 do relatório de instrução, com fundamento nos arts. 70, incisos II e VII, da Lei Complementar nº 202/2000.

Florianópolis, 10 de julho de 2012.

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora