PARECER
nº: |
MPTC/11638/2012 |
PROCESSO
nº: |
REP 10/00090342 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Santa Helena |
INTERESSADO: |
Flavio Marcos Lazarotto |
ASSUNTO: |
Irregularidades em licitações, contratos,
nepotismo, contratação de servidora temporária, programa PROFIS, despesa
médica com pessoa não carente, uso de equipamentos e servidores em proveito
próprio, superfaturamento, contratação sem concurso público. |
Trata-se de Representação encaminhada
pelos Srs. Flávio Marcos Lazarotto, José Guerra, Volmir Immig, Ivanilde Palu e
Valdir Casanova, Vereadores do Município de Santa Helena, sob protocolo nº
3144/2010 (fls. 2-176), para apreciação por essa Corte de Contas.
Na peça é relata a ocorrência de
supostas irregularidades envolvendo a Prefeitura de Santa Helena no exercício
de 2009 (fls. 2-21), relacionadas à:
a) contratação de empresa mediante processo
licitatório (Convite nº 03/2009), para conserto em máquina carregadeira
Michigan 55 C com indícios de superfaturamento;
b) contratação de parentes para ocupar
cargos comissionados;
c) substituição de servidor efetivo em
afastamento por dispensa de licitação, cujo valor de contratação supera o
permitido pelo art. 23 da Lei nº 8.666/93 e em inobservância da Lei Municipal
nº 333/99;
d) utilização de vagas do Programa
PROFIS (Programa de Profissionalização e Inclusão Social) por pessoas de
elevado poder aquisitivo e/ou funcionários públicos;
e) pagamento de cirurgia com recursos
públicos à esposa de servidor público (Secretário de Administração, Indústria e
Comércio do Município), enquanto munícipes carentes do município não têm acesso
a tal benefício;
f)
utilização
de máquinas e servidores públicos em serviços na propriedade do Prefeito
Municipal;
g) realização de termos aditivos a
contratos que não caracterizam continuidade;
h) aquisição de material de construção
(Convite 28/2009), com indícios de superfaturamento e com participação de
empresas do Município de Maravilha;
i)
alteração
de cargo de servidor sem participação em novo concurso público;
j)
contratação
de pessoal sem observância de concurso público ou processo seletivo.
A Diretoria Geral de Controle
Externo, mediante a Informação DGCE/AT 09/2010 (fls. 178-179), opinou pela
formação de equipe multidisciplinar da DMU, DAP e DLC, para exame da
admissibilidade e apuração dos fatos narrados.
A Diretoria de Controle dos
Municípios, consoante Informação n. 184/2010 (fls. 180-183), opinou pela
reprodução dos autos para formação de autos apartados ou o desentranhamento de
parte dos autos e a autuação de processos específicos, conforme a competência
de cada diretoria.
O Relator emitiu despacho (fls.
184-186), determinando a extração de cópias de partes dos autos,
correspondentes às competências da DMU e DLC, e o encaminhamento do presente
processo à DAP, para apreciação da matéria elencada nos itens 2,3 e 9 da
Informação n. 184/2010 da DMU e o item 11 da denúncia.
A Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 187-198), propondo o conhecimento da
Representação e a realização de diligência, objetivando o esclarecimento dos
fatos relacionados no item 4.2 do relatório de instrução.
Na mesma trilha seguiu o parecer
ministerial (fls. 200-203).
Por meio da Decisão Singular (fls.
204-207), o Relator conheceu da representação, determinou a realização das
diligências elencadas nos itens 2.1 a 2.4 da Decisão e determinou a adoção de
providências para a apuração dos fatos apontados como irregulares, inclusive
auditoria e audiência.
Assim, após a efetivação do Ofício
8.813/2011 (fl. 209-210), a Prefeitura Municipal de Santa Helena remeteu
documentos de fls. 211 a 267.
A
Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls.
269-280), opinando pela realização de audiência do Sr. Gilberto Giordino,
Prefeito Municipal de Santa Helena, para que apresentasse alegações de defesa
em face das seguintes irregularidades:
3.1 Inobservância da Súmula Vinculante nº 13 do
Supremo Tribunal Federal, que disciplina a nomeação de parentes para cargo
em comissão na Administração Pública: os cargos comissionados de Chefe de
Gabinete do Executivo (Mauro Rodrigo Sehnem) e o Cargo de Coordenação do
Controle Interno (Daiane Sehnem) são ocupados por parentes consanguíneos de
terceiro grau. O Chefe de Gabinete é tio da Coordenadora de Controle Interno;
3.2 Desvio de Função – Irregular designação
que altera as atribuições do cargo de pedreiro mediante Portaria nº 2.388/2009
de 1º de setembro de 2009, de Servidor efetivo, no cargo de pedreiro para
exercer atribuições do cargo de provimento efetivo de Agente de Apoio
Operacional sem que tenha sido classificado em novo concurso público, além da
falta de qualificação para ocupar o referido cargo em desconformidade com o
art. 37, II, da Constituição da República, configurando burla ao concurso
público, no período de 01 de setembro de 2009 a 13 de junho de 2011;
3.3 Contratação temporária irregular, tendo em vista a ausência de concurso público ou
processo seletivo, requisito constitucional indispensável ao preenchimento de
cargos ou emprego público em desconformidade com o art. 37, incisos II e IX da
Constituição da República, configurando burla ao concurso público, conforme
segue:
3.3.1 Contratação temporária
irregular da Sra. Neli Célia Petry, no período de 19/01/2009 a 06/06/2009,
amparada por lei municipal que alberga hipóteses genéricas e sem processo
seletivo em desconformidade com os parâmetros constitucionais;
3.3.2 Contratação temporária
irregular do Sr. Fábio Ambrosio Perotto (fisioterapeuta), no período de
21/01/2010 a 21/07/2010, sem processo seletivo;
3.3.3 Contratação temporária irregular
da sra. Disaura Regina Lorenski (psicóloga) no período de 21/01/2010 a
21/07/2010, em razão de que no processo seletivo 2/2009, acostados aos autos às
fls. 247 a 248, restou comprovado que a contratação ocorreu em preterição a
candidata classificada em primeiro lugar – Marciane Barella.
3.3.4 Contratação temporária
irregular da Sra. Fabíola Folmmann Maldaner (nutricionista) no período de
21/01/2010 a 21/07/2010, em razão de que no processo seletivo 2/2009, em que
havia candidatos aprovados para a função de nutricionista, a servidora sequer
foi classificada.
Em resposta à citação
(fl. 283), o Sr. Gilberto Giordano apresentou sua defesa às fls. 284-353.
A Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal apresentou relatório conclusivo de nº 3.977/2012 (fls. 354-360),
sugerindo considerar irregulares os fatos relacionados nos itens 3.1.1 a 3.1.3
do relatório e aplicar multas ao Sr. Gilberto Giordano por estas mesmas
irregularidades.
É o relatório. Passo à análise das
irregularidades apontadas no relatório de instrução.
1. Inobservância da Súmula Vinculante nº
13 do Supremo Tribunal Federal, que disciplina a nomeação de parentes para
cargo em comissão na Administração Pública.
Como
ficou demonstrado nos autos, conforme documento de fls. 211-217, o Chefe de
Gabinete do Poder Executivo, Sr. Mauro Rodrigo Sehnem, é tio, ou seja, parente
em terceiro grau, da Coordenadora de Controle Interno, Sra. Daiane Sehnem,
sendo ambos servidores ocupantes de cargo em comissão.
Assim,
este fato se enquadra perfeitamente no proclamado pela Súmula nº 13 do Supremo
Tribunal Federal:
A
nomeação de
cônjuge, companheiro ou parente em linha
reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da
mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para
o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função
gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios, compreendido o
ajuste mediante designações recíprocas, viola
a Constituição Federal.
Em
sua defesa (fls. 284-289), o Sr. Gilberto Giordano alega que nenhum dos
servidores possui qualquer grau de parentesco com a autoridade nomeante
(Prefeito e Vice-Prefeito), o que tornaria legal, assim, o ato de gestão, já
que, segundo o entendimento doutrinário, o nepotismo ocorre na relação de
parentesco existente entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado, tendo
como finalidade evitar que as escolhas realizadas para o exercício em cargos em
comissão ou função de confiança sejam guiadas pelo vínculo subjetivo do
parentesco.
Ademais,
o responsável cita o Prejulgado nº 2.072 dessa Corte de Contas, o qual, segundo
ele, permitiria a situação em estudo, já que entre os dois servidores inexiste
qualquer relação de subordinação ou hierarquia no exercício de seus cargos.
Veja-se:
Prejulgado nº 2.072
1. As nomeações para
cargo de provimento efetivo ou emprego público, mediante prévia aprovação em
concurso público, e a contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, desde que precedida de
regular processo seletivo simplificado, não se enquadram nas hipóteses de
nepotismo;
2. Somente cargos em comissão ou funções de
confiança, os quais não exigem concurso público para o seu provimento, sendo de
livre nomeação da autoridade administrativa, podem ser objeto de nepotismo;
3. Restará caracterizada situação de
nepotismo caso haja relação de subordinação hierárquica entre os agentes, independentemente
do momento da investidura da autoridade política no cargo e da nomeação do
agente público ao cargo em comissão ou da designação para função de confiança.
Em
que pese o alegado pelo Prefeito de Santa Helena, o entendimento proferido pelo
STF por intermédio da Súmula nº 13 é claro no sentido de não haver necessidade
de relação de subordinação entre os servidores parentes para que ocorra o
nepotismo.
Já
sobre o entendimento deste Tribunal que o responsável trouxe por meio do
Prejulgado nº 2.072, esta Procuradora já se manifestou contrariamente à tese do
responsável, nos autos do Processo CON 09/00079720, do qual extraio os
seguintes trechos do parecer ministerial, por esclarecedores:
No que tange à relação
de subordinação hierárquica entre os agentes, parece que o item 1.3 da resposta
formulada pela Consultoria-Geral aponta para a caracterização do nepotismo apenas nas hipóteses em que
houver subordinação hierárquica, o que faz com amparo no item I do Enunciado
Administrativo n. 1 do Conselho Nacional de Justiça, transcrito às fls. 23-24.
Entretanto, discordo
desse posicionamento da instrução, pelas razões que passo a expor.
Inicialmente, cumpre
registrar que, segundo as prerrogativas e competências conferidas pela
Constituição Federal ao CNJ (art. 103-B), depreende-se que a sua atuação
cinge-se ao controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, portanto,
seus enunciados e atos regulamentares vinculam, à primeira vista, somente os
órgãos vinculados a este Poder, o que refoge ao caso em análise.
De forma diversa, as
súmulas expedidas pelo STF têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
na forma do art. 103-A da Constituição Federal.
Além disso, o referido
enunciado foi aprovado na sessão de 11.4.2006 e a súmula vinculante n. 13 foi
publicada posteriormente, em 29.8.2008.
Pode-se concluir,
então, que na hipótese de qualquer confronto entre esses dispositivos,
prevalece, para fins do objeto dessa consulta, o conteúdo da citada súmula
vinculante.
Da leitura das duas
orientações, verifica-se que, para o Enunciado Administrativo n. 1 do CNJ, a
situação de incompatibilidade para fins do disposto no inciso III do art. 2º da
Resolução n. 07[1] (que
frisa-se, não trata de contratação temporária, mas apenas do exercício de
cargos em comissão ou de função gratificada) depende da existência de uma
relação de subordinação hierárquica.
Já a súmula vinculante
n. 13 não excepciona a configuração da situação de nepotismo em face da
ausência de subordinação; os critérios parecem ser puramente objetivos: o
nepotismo advém da simples nomeação para o cargo em comissão ou função
gratificada e do liame de parentesco até o terceiro grau com a autoridade nomeante
ou com servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de função, chefia e
assessoramento.
O que se extrai da
orientação firmada pela Suprema Corte é que a sua abrangência parece ser a
maior possível, razão pela qual a questão da subordinação – não à-toa – não foi
contemplada, ou seja, pouco importa se existe ou não tal vínculo hierárquico, o
nepotismo se dá, conforme já dito, pela configuração das situações
objetivamente descritas na súmula.
Outro elemento que leva
à conclusão de que, para o STF o nepotismo independe dessa subordinação é a
parte final da súmula, que abrange o “ajuste mediante designações recíprocas”,
ou seja, o dito “nepotismo cruzado”, no qual, evidentemente, não há nenhuma
ligação hierárquica direta.
Em pesquisa
realizada sobre o tema com base em informações disponibilizadas na internet
verifiquei que ainda não á consenso e que algumas orientações têm sido
firmadas, com base em interpretações sistemáticas dessas duas normas, contudo,
não verifiquei a existência de nenhum entendimento que condicionasse sempre o
nepotismo à subordinação hierárquica, como parece ser o da Consultoria-Geral.
Como
exemplo, cito a nota de esclarecimento conjunta emitida pela Procuradoria-Geral
de Justiça e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Rio Grande
do Norte, que estabeleceu tratamento diferenciado em função do parentesco (se
entre servidores da mesma pessoa jurídica ou com membro de Poder). Eis o teor
dessa orientação:
[...]
Considerando
que, tendo em vista a relevância da matéria, há necessidade de atuação uniforme
do Ministério Público, de preservação do tratamento isonômico dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário e de interpretação sistemática da
mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal em cotejo com a resolução nº 07
e a Instrução Normativa nº 01, ambas do Conselho Nacional de Justiça, e com os
princípios e normas constitucionais da Administração Pública, de forma a manter
a máxima eficiência no combate ao nepotismo:
O
Procurador-Geral de Justiça, o Procurador-Geral do Ministério Público Junto ao
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte e a Coordenadora do Centro
de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Combate à
Sonegação Fiscal, vem emitir nota a fim de esclarecer o seguinte:
1) Quando
se tratar de exercício de cargo de provimento em comissão, de função
gratificada ou de contratação por tempo determinado por excepcional interesse
público, no âmbito de cada Poder, por cônjuge, companheiro ou parente em linha
reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer
outro servidor investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, só
estará caracterizado o nepotismo se entre estes houve vínculo de subordinação
hierárquica [grifei];
2) Quando
a relação matrimonial, de companheirismo ou de parentesco, em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, for entre um
servidor ocupante de cargo em comissão, função gratificada ou contratado
temporariamente por excepcional interesse público e um membro do Poder
(Governador, Prefeito, secretários estaduais, Secretários Municipais, Deputados
Estaduais, Vereadores, Controladores-Gerais, Procuradores-Gerais, Chefes de
Gabinete Civil, entre outros) a configuração de nepotismo, dentro do mesmo
Poder, independe de existência de subordinação hierárquica entre ambos
[grifei];
[...]
Já o
Ministério Público de Santa Catarina, ao emitir a Nota Técnica n. 001/2008,
fixou tal diferenciação com relação a cargos em comissão ocupados por pessoas
concursadas ao não. Veja-se:
QUANTO AOS CARGOS
Qualquer
pessoa que esteja no exercício de cargo em comissão ou não integrante do quadro
efetivo do poder ou da instituição não pode ser nomeada ou continuar a exercer
o cargo, caso seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou
por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, de detentor
de mandato eletivo ou de membro de referido poder ou instituição, e ainda de
servidor da mesma pessoa jurídica, ocupante de cargo de direção, chefia ou
assessoramento, de acordo com a Súmula Vinculante n. 13.
No
Executivo: do Prefeito,
Vice-Prefeito, Presidente; Vice-Presidente de autarquia, fundação, empresa
pública ou sociedade de economia mista, no âmbito da Administração Direta,
indireta ou fundacional do respectivo Poder Executivo e também de servidor da
mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento;
No
Legislativo: do
Presidente da Câmara Municipal, do Vereador e também do servidor deste Poder
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento (exemplo: não pode
nomear pessoa irmão do Diretor-Geral da Câmara);
QUANTO AOS CARGOS COMISSIONADOS OCUPADOS
POR PESSOAS CONCURSADAS DO PODER OU DA INSTITUIÇÃO E AS FUNÇÕES DE CONFIANÇA
Nesses
casos, quando a pessoa exerce cargo em comissão e também é ocupante de cargo efetivo do respectivo poder ou
da instituição ou exerce função de confiança (ocupado exclusivamente por
servidores efetivos – art. 37, V, da CF), fica vedada a designação, caso haja subordinação hierárquica com a
autoridade nomeante, com detentor de mandato eletivo ou membro do
respectivo poder ou instituição, ou se subordinado ainda a parente seu ocupante
de cargo de direção, chefia ou assessoramento. Concluindo, a nomeação não pode
se efetivar quando a pessoa designada possuir relação de parentesco com o
agente público determinante da incompatibilidade [grifei].
Além
disso, cumpre esclarecer que, após a edição da súmula vinculante n. 13,
surgiram requerimentos no Conselho Nacional de Justiça com o intuito de alterar
a Resolução n. 7/2005, por incompatibilidade com a nova orientação do STF,
designando-se comissão especial para tal finalidade, conforme se extrai do
Acórdão proferido nos autos do Pedido de Providências n. 2008.10.00.002800-3,
em anexo.
Assim, considerando que a súmula
vinculante n. 13 é aplicável a toda a administração pública, que ela não traz
nenhuma ressalva quanto à existência ou não de subordinação hierárquica para a
caracterização do nepotismo, ao contrário, parece conferir maior abrangência ao
tema ao proibir inclusive o nepotismo cruzado, entendo que a melhor
interpretação a ser conferida à matéria deve estar restrita ao conteúdo da
citada súmula, para que não esse Tribunal de Contas não promova orientações
divergentes das emanadas pela Suprema Corte.
Nesta
oportunidade, mantenho o mesmo entendimento já firmado naqueles autos, no
sentido de que a Súmula n. 13 do STF é clara ao prever a situação de nepotismo
nas nomeações de parentes até o terceiro grau para o exercício de cargos em
comissão na mesma entidade, o que se amolda exatamente à hipótese em análise
nestes autos.
2. Desvio de Função.
Pela
análise dos autos, verifica-se que houve a alteração das atribuições do cargo
de pedreiro, mediante Portaria nº 2.388/2009, do servidor efetivo Valdomiro
Machado, para exercer atribuições do cargo de provimento efetivo de Agente de
Apoio Operacional, sem que tenha sido classificado em novo concurso público e
sem que tenha, também, qualificação para ocupar o referido cargo, o que se
encontra em desconformidade com o art. 37, II, da Constituição da República,
caracterizando-se como burla ao concurso público.
Da
leitura das atribuições que compõem os cargos de pedreiro e agente de apoio
operacional (fl. 242), é notável a distinção existente entre os cargos, motivo
pelo qual fica mais evidente ainda o desvio de função existente na situação
apontada.
Em
sua defesa (fls.284-289), o responsável alegou que a designação ocorreu em
virtude da desnecessidade dos serviços de pedreiro no Município e da
necessidade temporária de operador de máquina pesada (trator de esteira), já
que este servidor possui profundo conhecimento e habilidade para desenvolver
esta função. Além disto, a Portaria nº 2.787, de 13 de junho de 2011, revogou a
Portaria nº 2.388 de 2009, retornando o servidor ao seu cargo de origem.
Entretanto,
em que pese o alegado, não pode o Município, por simples necessidade temporária
de certo cargo, realizar desvios de funções com o fim de preencher lacunas no
seu Quadro de Pessoal. Neste sentido, oportuna a colocação relatada pela
instrução:
“... o desvio de função é prática reprovável,
uma vez que enseja a percepção da diferença remuneratória entre o cargo para o
qual o servidor fora nomeado e aquele que efetivamente exerce. Com efeito, tal
procedimento impede o enriquecimento sem causa em detrimento do princípio da
vedação ao locupletamento ilícito, positivado pelo art. 884 do Código Civil,
afinal, foi no interesse da Unidade Gestora que houve desempenho de atividade
distintas daquelas próprias do cargo original. Isto na melhor das hipóteses,
caso contrário, na ocorrência de um acidente de trânsito, por exemplo, com
vítima, a responsabilidade civil da Prefeitura estaria comprometida, perante o
servidor e terceiros, inevitavelmente demandaria um passivo judicial em
desfavor da Prefeitura”.
Assim,
devidamente caracterizado o desvio de função e, por consequência, a burla à
imposição constitucional que prevê a realização de concurso para provimento de
cargos públicos, inevitável que se considere este ato irregular e se aplique
multa ao responsável.
3. Contratações temporárias irregulares.
Consoante demonstra as informações
destes autos, evidencia-se, no âmbito da Prefeitura Municipal de Santa Helena,
a existência de diversas contratações temporárias irregulares, em descompasso
com as previsões do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal, conforme
segue:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
[...]
IX
- a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de excepcional interesse público.
Foram
constatadas pela instrução quatro contratações que estariam incorrendo em
irregularidade, as quais são descritas a seguir para posterior análise:
(a)
Contratação temporária irregular da Sra. Neli Célia Petry, no período de
19/01/2009 a 06/06/2009, amparada por lei municipal que alberga hipóteses
genéricas e sem processo seletivo em desconformidade com os parâmetros
constitucionais;
(b)
Contratação temporária irregular do Sr. Fábio Ambrosio Perotto
(fisioterapeuta), no período de 21/01/2010 a 21/07/2010, sem processo seletivo;
(c)
Contratação temporária irregular da Sra. Disaura Regina Lorenski (psicóloga) no
período de 21/01/2010 a 21/07/2010, em razão de que no processo seletivo
2/2009, acostados aos autos às fls. 247 a 248, restou comprovado que a
contratação ocorreu em preterição a candidata classificada em primeiro lugar –
Marciane Barella.
(d)
Contratação temporária irregular da Sra. Fabíola Folmmann Maldaner
(nutricionista) no período de 21/01/2010 a 21/07/2010, em razão de que no
processo seletivo 2/2009, em que havia candidatos aprovados para a função de
nutricionista, a servidora sequer foi classificada.
Acerca
da contratação da Sra. Neli Celia Petry (item “a”), o responsável, em sua
defesa (fls.284-289), alegou que o contrato foi realizado em virtude na
necessidade temporária advinda da licença maternidade da qual gozava a
servidora efetiva, Sra. Alzira Pellegrin, como se extrai da Portaria 2.283/2009
e demais documentos (fls. 225-229). Ademais, sobre este ato, alegou, ainda, que
havia urgência na contratação, uma vez que não havia possibilidade de se
aguardar o prazo para realização de certame diante da necessidade premente do
atendimento a serviços essenciais do setor social.
Entretanto,
em que pese o alegado pelo Sr. Gilberto Giordano, a contratação temporária é
uma exceção ao princípio do concurso público que pressupõe a necessidade
temporária de excepcional interesse público. Tal procedimento não deve ser
utilizado para a cobertura de eventuais – e previsíveis – ausências de
servidores efetivos, Outra falha cinge-se ao fato de que não houve nenhum
processo seletivo, o que afronta o princípio da impessoalidade.
Já
quanto às contratações apontadas nos itens “b”, “c” e “d”, o responsável alegou
que o Edital de Processo Seletivo nº 2/2009 (fls. 298-306) tinha prazo de
validade para o ano de 2009, sem prorrogação, motivo pelo qual a Administração
Pública foi obrigada a realizar as citadas contratações por meio de prestação
de serviços com prazo determinado até que se pudesse realizar o concurso
público; o que ocorreu em junho de 2010 para os cargos de Psicólogo e
Nutricionista (Edital nº 1/2010 – fls. 324-336) e em novembro do mesmo ano para
o cargo de Fisioterapeuta (Edital nº 2/2010 – fls. 337-351).
Novamente
as alegações do responsável não devem prosperar pois não está caracterizada a
excepcionalidade da norma constitucional que permitiria a contratação
temporária para o exercício destas funções elencadas pelo relatório, que são de
caráter permanente.
No
presente caso, não se verifica nenhuma hipótese extraordinária que pudesse
justificar tal contratação (catástrofes, guerra, epidemias, operações ou
projetos específicos e temporários, como o fez a Lei Federal nº. 8.745/1993), o
que faz com que esteja completamente desvirtuada da previsão constitucional que
permitiria a temporariedade contratual.
É
firme a jurisprudência da Suprema Corte ao afirmar que a excepcionalidade à
regra constitucional de que o provimento
de cargo público deve se dar pela realização de concurso não ampara a
contratação para atividade permanente e previsível (como, in casu, fisioterapeuta,
nutricionista e psicólogo).
Nesse sentido, os
seguintes julgados:
Servidor público: contratação temporária excepcional (CF. art. 37. IX):
inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para
funções burocráticas ordinárias e permanentes. (ADI 2.987, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-2-04, DJ
de 2-4-04) [grifei].
A Administração Pública direta e indireta.
Admissão de pessoal. Obediência cogente à regra geral de concurso público para
admissão de pessoal, excetuadas as hipóteses de investidura em cargos em
comissão e contratação destinada a atender necessidade temporária e
excepcional. Interpretação restritiva do
artigo 37, IX, da Carta Federal. Precedentes. Atividades permanentes. Concurso
Público. As atividades relacionadas
no artigo 2° da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos incisos li
e VII, são permanentes ou previsíveis.: Atribuições passíveis de serem
exercidas somente por servidores públicos admitidos pela via do concurso
público. (AOI 890, ReI. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-903,
DJ de 6-2-04) [grifei].
As modificações introduzidas no artigo 37 da
Constituição 'Federal pela EC 19/98 mantiveram inalterada a redação do inciso
IX, que cuida de contratação de pessoal por tempo determinado na Administração
Pública.
Inconstitucionalidade formal inexistente. Ato
legislativo consubstanciado em medida provisória: pode, em princípio,
regulamentá-lo, desde que não tenha sofrido essa disposição nenhuma alteração
por emenda constitucional a partir de 1995 (CF, artigo 246). A regulamentação,
contudo, não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma
genérica e abrangente de servidores, sem o devido concurso público (CF. artigo
Desta
forma, sem qualquer manifestação que justificasse devidamente a motivação do
excepcional interesse público e necessidade temporária e com a evidência de que
as funções exercidas pelos temporários são de natureza permanente, os atos
realizados mostram-se uma afronta à regra geral que impõe a realização de
concurso anteriormente à contratação de um servidor ou empregado público,
motivo pelo qual a restrição deve permanecer.
Ante o
1.
pela
IRREGULARIDADE,
com fulcro no art. 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n. 202/2000, dos atos de gestão descritos nos itens 3.1.1, 3.1.2 e
3.1.3 da conclusão do relatório de instrução;
2.
pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao
Sr. Gilberto Giordano, Prefeito Municipal de Santa Helena, na forma do disposto
no art. 70, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000, em virtude das
referidas irregularidades.
Florianópolis, 19 de julho de 2012.
Cibelly
Farias
Procuradora
[1] Art. 2º Constituem práticas de
nepotismo, dentre outras:
[...]
III – o exercício de cargo de provimento em comissão ou
de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até
o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção
ou de assessoramento.
[...]