Parecer no:

 

MPTC/12.083/2012

                       

 

 

Processo nº:

 

RLA 11/00033065

 

 

 

Origem:

 

Prefeitura Municipal de Lages

 

 

 

Assunto:

 

Auditoria sobre a concessão do sistema de transporte público urbano

 

 

A Diretoria de Controle Licitações e Contratações emitiu Relatório de Auditoria (fls. 155/184), sugerindo que fosse procedida audiência dos Responsáveis, em conformidade com o previsto no art. 29, § 1º, da Lei Complementar nº. 202/2000, face às pretensas irregularidades apontadas, sujeitas à aplicação de multas, conforme relacionado abaixo:

3.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Lages, com abrangência sobre a concessão do sistema de transporte público urbano, para considerar irregular o contrato firmado entre o Município e a empresa Transul – Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda., em atendimento ao disposto no art. 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, em razão dos achados relacionados na conclusão deste relatório.

3.2. Determinar a Audiência do Sr. Renato Nunes de Oliveira, nos termos do artigo 29, § 1º c/c art. 35 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação de multa prevista no art. 70 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000.

3.2.1. Prorrogação do contrato de concessão de transporte coletivo de passageiros no Município de Lages celebrado com a empresa Transul, sem realização de procedimento licitatório, contrariando os arts. 175 da CF/88, 137, § 1º, da Constituição do Estado de Santa Catarina e os arts. 14 e 42 da Lei Federal nº. 8.987/95 (item 2.1 deste Relatório);

3.2.2. Prorrogação irregular do prazo da concessão em face da ausência de demonstrativo de investimentos da empresa concessionária (item 2.2 deste Relatório);

3.2.3. Inexistência dos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços concedidos, em desacordo com o inciso III, artigo 23 da Lei Federal nº 8.987/95. (item 2.3.1 deste Relatório);

3.2.4. Ausência de cláusula contratual com previsão da prestação de contas, em desacordo com o inc. XIII do art. 23 da Lei Federal nº 8.987/95 (item 2.3.2 deste Relatório);

3.2.5. Ausência de critério de avaliação dos bens reversíveis ao final da concessão, desrespeitando o art. 23, IX da Lei nº 8.987/95 (item 2.3.3 deste Relatório);

3.2.6. Adoção de fórmula deficiente para o cálculo da tarifa, (item 2.4 deste Relatório);

3.2.7. Atuação deficiente do órgão regulador, em desacordo com os arts. 29 e 30 da Lei Federal nº 8.987/95 (item 2.5 deste Relatório);

3.3. Dar ciência deste Relatório, do voto do Relator e da Decisão, ao Sr. Renato Nunes de Oliveira e à Prefeitura Municipal de Lages, bem como ao Controle Interno e à Assessoria Jurídica do Órgão.

O Conselheiro Relator emitiu Despacho (fls. 188/189), determinando as audiências do Responsável e da empresa Transul – Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda, para que apresentassem justificativas acerca das restrições apontadas.

A audiência foi cumprida, conforme se constata às fls. 196/204 e 209/218, com justificativas protocoladas pelo Sr. Renato Nunes de Oliveira, Prefeito Municipal de Lages, bem como pela empresa Transul – Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda, representada pelo seu Diretor Administrativo Sr. Humberto Machado Arantes.

À luz dos esclarecimentos e documentos apresentados, o Órgão Técnico emitiu Relatório de Reinstrução DLC-179/2012 às fls. 382/412, no qual sugeriu o conhecimento do Relatório de Auditoria realizado na Prefeitura Municipal de Lages para, na forma do disposto no art. 70, II da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, sugerir o que segue:

 

3.1. Considerar irregular, em atendimento ao disposto no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, o contrato de concessão dos serviços de transporte coletivo do Município de Lages, firmado em 1998, pela Prefeitura Municipal com empresa Transul- Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda., sem processo licitatório, por contrariar os arts. 175 da CF/88, 137, §1º, da Constituição do Estado de Santa Catarina e os arts. 14 e 42 da Lei Federal nº. 8.987/95 (itens 2.1 e 2.2 deste Relatório).

3.2. Tendo em vista que os serviços de transporte público são de utilização necessária e contínua pela população, que não pode prescindir dos serviços de ônibus urbanos e que, portanto, não se afigura adequada para o momento, a anulação do contrato, determinar a Prefeitura Municipal de Lages que promova o devido processo licitatório para contratação de empresa para exploração dos serviços de transporte coletivo, no prazo máximo de seis meses, a contar da ciência desta Decisão.

3.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Lages que, no futuro procedimento licitatório:

3.3.1. atente para os termos do art. 23 da Lei nº 8.987/95, que estabelece cláusulas essenciais do contrato de concessão, como a indicação dos bens reversíveis (inciso X); dos critérios indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço (inciso III);); bem assim da obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária (inciso XIII) (itens 2.3 e 2.4 deste Relatório).

3.3.2. abstenha-se de adotar a metodologia de cálculo tarifário baseada na planilha GEIPOT, por estar ultrapassada, remunerando o custo do serviço e o custo do capital sem levar em conta o serviço, os investimentos e o retorno a médio e longo prazo (item 2.5 deste Relatório).

3.3.3. aprimore os mecanismos de fiscalização das atividades do concessionário de forma a dar cumprimento ao disposto nos arts. 3º, 29, I e 30, parágrafo único, da Lei nº 8.987/95 (item 2.6 deste Relatório).

3.4. Alertar a Prefeitura Municipal de Lages, na pessoa do Sr. Renato Nunes de Oliveira, que o não cumprimento do item 3.2 desta deliberação implicará cominação das sanções previstas no art. 70, § 1º, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000.

3.5. Dar ciência do Relatório e da Decisão, ao Responsável, Sr. Renato Nunes de Oliveira, a Unidade Gestora e a interessada, empresa Transul- Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

       

1. Prorrogação do contrato de concessão de transporte coletivo de passageiros no Município de Lages celebrado com a empresa Transul, sem realização de procedimento licitatório

 

Em resumo, a prática ocorrida no Município de Lages é a seguinte (fls. 384/385):

Em 05 de maio de 1965 foi celebrado um contrato de concessão para exploração dos serviços de transporte coletivo de passageiros na cidade de Lages, entre a Prefeitura e a empresa Transul- Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda.

Em 04 de outubro de 1982 o contrato foi aditado estabelecendo o prazo de 05 anos, podendo ser prorrogado por mais 5 anos, a critério do Chefe do Executivo Municipal (fl. 21). Após expirado o prazo de 5 anos, concluiu-se que a concessionária continuou a prestação dos serviços sem cobertura contratual, já que não foi localizado nos arquivos da Prefeitura qualquer contrato ou termo aditivo dando conta das prorrogações relativas ao período de 05 de outubro de 1987 a 28 de dezembro de 1998.

Em 16 de abril de 1998 a empresa Transul- Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda. protocolou um requerimento de renovação do contrato de concessão firmado em 04 de outubro de 1982 (fl. 23).

Com o advento da Lei Municipal nº 2.413/1998 a concessão foi prorrogada por mais 15 anos, sem licitação, ficando o término do contrato para 05 de julho de 2013. Destacou-se, ainda, que o contrato em curso prevê a possibilidade de prorrogação por mais 15 anos, como base nos arts. 9º e 52 da citada lei municipal, o que garantiria a continuação do contrato com a mesma empresa até 2028.

Justificou-se o Responsável alegando que a Lei Municipal nº 2.413/1998 não possui qualquer vício formal ou material. Além disso, assevera que a lei municipal foi elaborada com o objetivo de estabelecer regras claras para a operação e o desenvolvimento do transporte coletivo, de acordo com as diretrizes da Constituição Federal e Estadual e da Lei de Concessões. (fls.386)

Já a empresa Transul apresentou os seguintes argumentos (fls. 388):

[...] a fixação de um prazo com possibilidade de elastecimento para as concessões sempre encontrou justificativa na teoria e na prática, pois o investimento realizado pelo concessionário, especialmente no setor de transporte, é sempre muito elevado, necessitando de um prazo significativo para que haja a devida remuneração.

Argumenta que a Lei nº 8.987/95 não se aplicaria ao caso em exame, sob pena de agredirem-se o ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.

Aduz, ainda, que mesmo não havendo indícios materiais acerca dos valores investidos pela concessionária, tais investimentos foram realizados, pois caso contrário a empresa operadora não se encontraria prestando um serviço à população considerado adequado.

Por fim, afirma que tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e que o desfazimento da concessão exige a observância do contraditório e da ampla defesa.

Apesar da apresentação das justificativas, o Corpo Técnico manteve o apontamento de irregularidade.

Sobre a concessão de serviços públicos, dispõe a Constituição Federal de 1988:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (grifou-se)

Os preceitos específicos referentes às licitações para concessão e permissão de serviços públicos são encontrados na Lei 8.987/1995. Para o que não estiver estabelecido nela, dever-se-á utilizar os dispositivos da Lei 8.666/93, nos termos do artigo 124 desta lei.

Art. 124.  Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto.

No entanto, a Lei 8.987/1995 é bem clara ao exigir a licitação prévia:

Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório. (grifou-se)

Também é entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria no Mandado de Segurança 1.592/DF:

Transporte coletivo. Concessão. Licitação. Na atual ordem jurídico constitucional não se pode admitir que possa o Poder Público conceder a execução de um serviço de utilidade pública sem prévia licitação.

Não há como sustentar também a ideia do contrato ter sido firmado antes da Constituição de 1988. Por tratar-se de uma concessão, como apontam os auditores, há de se invocar o artigo 43 da Lei 8.987/95:

Art. 43. Ficam extintas todas as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988.

Além disso:

Art. 42. As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto no art. 43 desta Lei.

Assim, utilizando-se da regulamentação legal, os contratos posteriores a 1998 já deveriam ter sido resultado de prévia licitação. Desde então o contrato firmado entre a Prefeitura Municipal de Lages e a empresa Transul - Transportes Urbanos Nossa Senhora dos Prazeres Ltda. e suas prorrogações encontram-se irregulares.

Quanto à competência para legislar sobre os contratos administrativos, cabe somente à União fazê-lo, como disposto no artigo 22, XXVII da Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; 

Destarte, acompanho o entendimento técnico, no sentido de considerar irregular a prorrogação do contrato de concessão de transporte coletivo de passageiros no Município de Lages celebrado com a empresa Transul, sem procedimento licitatório, contrariando os arts. 175 da CF/88 e os arts. 14 e 42 e da Lei Federal nº. 8.987/95.

A contratação e prorrogação contratual ao arrepio da regra constitucional, é importante que se ressalte, pode tipificar, pelo menos em tese, os crimes previstos nos arts. 89 e 92, da Lei 8.666/93:

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.        

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

[...]

Art. 92.  Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:       

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.        

Parágrafo único.  Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

Há a possibilidade também de que se caracterize ato de improbidade administrativa nos termos do que preveem os arts. 10, VIII e 11, I e II da Lei 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

[...]

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

 

Frisa-se que, aparentemente, houve a prescrição de tais crimes, uma vez que o contrato foi celebrado em 28 de dezembro de 1998 (fls. 38). O contrato de concessão sem prévia licitação prescreveu em 15/04/2010 e a prorrogação ocorreu em 27/12/2006. No entanto, se a prática for reiterada, poderão voltar a serem caracterizados os crimes supracitados futuramente. Por isso, deve-se determinar a realização de procedimento licitatório para a concessão do serviço de transporte público no Município de Lages.

 

2. Prorrogação irregular do prazo da concessão em face da ausência de demonstrativo de investimentos da empresa concessionária

 

Sobre esse ponto, apontou o corpo técnico na instrução (fls. 392):

[...] não há justificativa para o termo que prorrogou a concessão em 1998, pelo prazo de 15 anos, pois não há prova da necessidade de promover o equilíbrio econômico financeiro da concessionária. Observou-se, ainda, que foram incluídas novas obrigações a serem cumpridas durante a vigência da prorrogação, como a renovação da frota e ampliação de linhas, dentre outros fatos que demonstram não serem os referidos termos aditivos mero meio de garantir o equilíbrio do contrato.

A Prefeitura Municipal de Lages manifestou-se afirmando que (fls. 392):

[...] a prorrogação se deu com base no art. 52 da Lei Municipal nº 2.413/1998, que segundo ela, teria seguido as diretrizes do § 2º do art. 42 da Lei nº 8.987/95 c/c art. 27, § 1º, da Lei nº 9.074/1995. Cita decisão proferida na Adin nº 2001.025412-3, sobre a Lei Complementar nº 034/99 do Município de Florianópolis.

[Além disso] houve a manutenção da concessão para a amortização dos investimentos.

 

Já a empresa afirmou que (fls. 393):

a)               não se aplicaria a Lei nº 8.987/95 sob pena de agredirem-se ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada; b) mesmo não havendo indícios materiais acerca dos valores investidos pela concessionária, tais investimentos certamente foram realizados, pois caso contrário a empresa operadora não se encontraria prestando um serviço à população considerado adequado e c) tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e que o desfazimento da concessão exige a observância do contraditório e da ampla defesa.

 

Primeiramente, não há que se falar que os investimentos feitos pela empresa de transporte é motivo para a prorrogação irregular do contrato. Isso porque, na concessão, a prestação de serviço corre por conta e risco da concessionária, nos termos do artigo 2º, II da Lei 8.987/95, estando essa ciente dos seus deveres no momento da celebração do contrato. 

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

Visto a ocorrência de termo no contrato administrativo em questão, a possibilidade de prejuízo por parte da empresa de transporte não pode ser pretexto para a burla à Lei.

Além disso, dispõe o artigo 42, § 2º da Lei 8.987/95:

Art. 42. As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto no art. 43 desta Lei.

§ 2o As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 (vinte e quatro) meses.

Ante a previsão legal, não há base para a prorrogação de prazo. A Administração Pública deveria ter mantido o contrato até nova licitação e se houvesse interesse por parte da empresa de transporte público na manutenção do contrato, esta deveria ter feito sua habilitação e apresentação de proposta.

Por isso, acompanho o Corpo Técnico no sentido de considerar irregular a prorrogação de prazo após 1998 ante a inobservância do artigo 42, § 2º da Lei 8.987/95.

 

 

3. Análise das cláusulas contratuais

 

O primeiro ponto analisado pelo Corpo Técnico foi a respeito das cláusulas necessárias para um contrato de concessão. Sobre o assunto, apontou-se (fls.394/395):

Primeiramente, é importante destacar que o vício identificado na exploração dos serviços públicos de transporte coletivo de Lages, delegado sem prévio procedimento licitatório, em desacato a legislação de regência, reflete em toda a relação contratual. Ou seja, a análise em torno das cláusulas do contrato, evidentemente deve ocorrer numa relação contratual válida e não em uma prorrogação já considerada irregular pela auditoria.

Não obstante isso, essa análise das cláusulas que devem estar previstas em qualquer instrumento contratual de concessão foi feita em cumprimento a função pedagógica dos Tribunais de Contas, a fim de prevenir a ocorrência das mesmas impropriedades em novo contrato a ser firmado, após o devido procedimento licitatório.

Sobre as essas cláusulas, dispõe a Lei 8.987/95:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:

I - ao objeto, à área e ao prazo da concessão;

II - ao modo, forma e condições de prestação do serviço;

III - aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas;

V - aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;

VI - aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;

VII - à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la;

VIII - às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação;

IX - aos casos de extinção da concessão;

X - aos bens reversíveis;

XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso;

XII - às condições para prorrogação do contrato;

XIII - à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente;

XIV - à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e

XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.

(grifou-se)

No entanto, observa-se o descumprimento da legislação vigente ante a inexistência dos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços concedidos, em desacordo com o inciso III, artigo 23; a ausência de cláusula contratual com previsão da prestação de contas, em contrariedade ao inc. XIII do art. 23; e ausência de critério de avaliação dos bens reversíveis ao final da concessão, desrespeitando o art. 23, X da Lei nº. 8.987/95.

Sobre a violação ao inciso III do artigo 23 justificaram os responsáveis:

A Prefeitura Municipal de Lages afirma em suas justificativas a fl. 201 que o atual contrato de concessão de transporte coletivo do Município tem suporte legal, bem como as condições definidoras do serviço concedido. Divergindo da auditoria, diz que em várias cláusulas contratuais ficaram estabelecidos os critérios, tais como a cláusula primeira, quinta e décima - segunda.

Alega que entre as situações definidoras consta: a área de abrangência da concessão é a zona urbana e de expansão urbana do Município de Lages (cláusula segunda - objeto); prestar serviço adequado, com regularidade, continuidade e qualidade no tratamento dos usuários, executar os serviços com rigoroso cumprimento de horário, freqüência, frota, tarifa, itinerário, pontos de parada e terminais (cláusula quinta).

A empresa Transul alega às fls. 212/214, em breve síntese, que a Municipalidade exige da empresa, desde o ano de 2000, a implantação e manutenção de um programa para controle e aferição da qualidade dos serviços prestados aos usuários e que a empresa concessionária vêm prestando seus serviços com certificação ISO 9001:2000 desde o ano de 2002.

Assevera que a Administração, no exercício do controle e fiscalização dos serviços, tem acesso direto aos relatórios produzidos pelo Sistema da Qualidade adotado.

Afirma que a certificação ISO 9001 é a estrutura de qualidade melhor estabelecida, sendo utilizada atualmente por mais de 750 mil organizações em 161 países e define o padrão não só para sistemas de gestão da qualidade, mas também para sistemas de gestão em geral.

Dessa forma, conclui que é absolutamente incorreto afirmar que a empresa concessionária não dispõe de critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços concedidos, ainda que esta determinação não se encontre expressa no contrato de concessão. Defende que a Municipalidade afere e preserva a qualidade dos serviços, periodicamente, por meio de relatórios que são disponibilizados pela concessionária.

A concessionária junta documentos, que segundo ela, permitem determinar os indicadores, as fórmulas, bem como, os parâmetros utilizados para preservação da prestação de serviços adequados.

Alega, ainda, que com base na documentação anexada aos autos, pode-se comprovar que a maior parte dos munícipes, usuários do transporte coletivo urbano municipal, considera a prestação dos serviços de transporte coletivo em bom conceito de qualidade e que a empresa atualmente apresenta um baixo índice de reclamações, que são registradas, processadas e respondidas ao usuário.

Destaca que em recente pesquisa de mobilidade urbana realizada pelo Instituto Mapa, nas 10 maiores cidades catarinenses, a Transul ficou em 2° lugar em relação à Qualidade do Transporte Urbano e em 1° lugar no Menor Valor de Tarifa, em Maior Número de Veículos Adaptados para Deficiente Físicos, no Menor Tempo de Espera para Integração; ficou em 2° lugar em Rapidez, Conforto, Comodidade e Segurança, o que comprova efetivamente a qualidade do serviço prestado no Município (Anexo D).

Por fim, entende que a questão de encontrar-se ou não determinado expressamente em contrato os critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade trata-se tão somente de uma omissão de ordem material, e interessa saber e/ou comprovar a efetiva qualidade dos serviços, o que é feito pela Municipalidade, conforme os documentos juntados.

O controle de qualidade na execução do serviço nada mais é do que obrigação da empresa que presta serviço para a Administração Pública. No entanto, o fato é que não foram estabelecidos critérios objetivos previamente, caracterizando-se, assim, a irregularidade.

Sobre a ausência de cláusula contratual com previsão da prestação de contas, em desacordo com o inc. XIII do art. 23 da Lei Federal nº 8.987/95, justificaram-se os responsáveis (fls. 399):

As justificativas apresentadas pela concessionária a fl. 14 foram no sentido de que, ainda que não haja previsão contratual expressa, a empresa faz as devidas prestações de contas à Municipalidade por meio de indicadores, parâmetros e critérios gerados e demonstrados por meio de gráficos baseados nas informações geradas através dos procedimentos internos realizados e disponibilizadas ao poder concedente para auditoria e fiscalização.

Afirma que disponibiliza, de forma anual, os dados referentes aos investimentos e outros dados relevantes como demanda e custo do serviço, tendo por base o plano de investimentos e a planilha de custo do serviço, ambos elaborados e autorizados pelo poder concedente.

Ambas as justificativas apresentadas não afastam o apontamento da auditoria quanto à falta de cláusula essencial da prestação de contas da concessionária ao poder concedente, nos termos do artigo 23, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.987/95, porque ainda que exista mínima prestação de contas da concessionária ao poder concedente, é a partir das disposições contidas no contrato, que a Administração deve exercer a fiscalização amplamente, a fim de visitar as instalações da concessionária, verificar todas as demonstrações contábeis inerentes à prestação dos serviços de transporte público, exigir outras informações ou demonstrações específicas relacionadas à concessão; etc.

A ausência de previsão contratual específica quanto à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas pela concessionária, dificulta o exercício da fiscalização do poder concedente.

Limitaram-se os responsáveis a afirmar que a prestação de contas é realizada pela concessionária. No entanto, a prestação de contas é norma constitucional e fazê-la nada mais é do que cumprir a legislação nacional:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (grifou-se)

Observa-se que os responsáveis em nenhum momento justificam a ausência da cláusula essencial de prestação de contas estabelecida no artigo 23, XIII da Lei 8.987/95, não restando sanada a irregularidade por meio das justificativas.

Por fim, sobre a ausência de cláusula relativa ao tratamento dos bens reversíveis, alegaram os responsáveis (fls. 401):

A Prefeitura Municipal de Lages alega que os critérios de avaliação dos bens reversíveis no caso de rescisão contratual estão devidamente estabelecidos no art. 15 da Lei Municipal nº 2.413/98 e na cláusula décima quinta do contrato, ambos com a seguinte redação:

“A reversão no advento do Termo Contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço.”

Já a concessionária justificou a fl. 214 que a ausência dos critérios de avaliação dos bens reversíveis motivou-se pelo fato de não haver bens a serem revertidos à Municipalidade após o termino da Concessão, já que a empresa não recebeu nenhum bem público quando da outorga para execução dos serviços concedidos. Diz que os pontos de parada e o terminal urbano estão sob a posse e propriedade da Municipalidade, sendo que a concessionária utiliza as instalações como usufrutuária.

São bens reversíveis “aqueles bens vinculados "extremamente" necessários à prestação do serviço público e que por força dos princípios da continuidade, regularidade e atualidade da prestação do serviço público deverão reverter (serão transferidos) ao poder concedente para que a prestação do serviço não sofra uma solução de continuidade.[1]

Estabelece o artigo 36 da Lei 8.987/95:

Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

Visto a previsão de reversibilidade na Cláusula Décima-quinta (fls. 36), tal como dispõe o artigo 36 da Lei 8.987/95, acompanho o entendimento técnico em considerar sanada a restrição referente à pretensa inexistência de cláusula sobre bens reversíveis.

No entanto, considero irregulares a inexistência dos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços concedidos; e a ausência de cláusula contratual com previsão da prestação de contas, em contrariedade aos incisos III e XIII, respectivamente, do art. 23 da Lei 8.987/95.

 

4. Adoção de fórmula deficiente para o cálculo da tarifa
                  

Sobre o assunto, manifestou-se o Corpo Técnico (fls. 401/402):

A auditoria ponderou no Relatório nº 67/2011 que, não obstante o contrato de concessão de transporte coletivo de Lages fazer menção ao cálculo da tarifa, não consta o valor específico da tarifa à época da assinatura do ajuste, no ano de 1998.

A partir da análise das planilhas fornecidas in loco (fls. 56 a 92) dos últimos três anos (2007, 2008 e 2009) inferiu-se que a formação da tarifa tem como base a planilha do GEIPOT. Destacou-se que referido modelo é considerado ultrapassado, uma vez que, além de ter sido atualizado pela última vez há mais de uma década, remunera o custo do serviço e o custo do capital sem levar em conta o serviço, os investimentos e o retorno a médio e longo prazo.

Alegou a Prefeitura Municipal de Lages (fls. 402/403):

A forma de calcular o valor tarifário é realizado observando critérios técnicos e legais.

Assim verifica-se primeiramente que existe cláusula contratual específica, consubstanciada na cláusula oitava do contrato onde estabelece que o valor da tarifa será efetuado levando em consideração planilha de custos elaborado pelo próprio município, que nos anos de 2007, 2008 e 2009 teve como parâmetro a planilha de custos criada pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, não fugindo a regra contratual imposta pelas partes.

Cabe ainda ressaltar, que o serviço de transporte público oferecido à população lageana é um dos mais baratos no Estado de Santa Catarina, (...)

Atualmente os valores cobrados seguem coerência aos objetivos do interesse público, não havendo majoração dissociada com a realidade econômica, nem tampouco os reajustes até hoje praticados extrapolaram limites legais e contratuais, onde os valores cobrados constam como os menores praticados em Santa Catarina, esclare a notícia veiculada no Jornal Correio Lageano:

"Lages, 28/12/2010, Correio Lageano Reajuste visa repor perdas de 2010.

Segundo o diretor administrativo da Transul, Humberto Machado Arantes, os principais itens que compõem a planilha de custo são: impostos, diesel, pneus, salários, ónibus, peças e acessórios e o percentual médio de aumento foi de 7,08%.

(...)

 

Já a empresa Transul trouxe na defesa os seguintes apontamentos (fls. 403/404):

 

A concessionária em sua manifestação de fls. 215-216 alega, em síntese, que a tarifa vigente foi estabelecida com base na Lei Municipal nº 2.413/98 e inspirada nos princípios formadores de preços públicos preconizados pelo extinto GEIPOT, que segundo a empresa, ainda tem servido de base para o cálculo do custo do passageiro transportado e respectiva tarifa em muitas cidades brasileiras. Cita estudo que aponta que cerca de 70% dos municípios brasileiros adotam o método GEIPOT para cálculo da tarifa do serviço público de transporte coletivo.

Sustenta que o método GEIPOT prima pela preservação dos pilares “valor módico da tarifa” e “equilíbrio econômico e financeiro da concessão”, razão pela qual a modicidade da tarifa extrai-se do fato de que na planilha de cálculo nada consta além do custeio e da justa remuneração do capital empregado pela empresa concessionária na execução dos serviços. Afirma que o valor das tarifas de serviço público de transporte coletivo em Lages encontra-se entre as mais baixas do Estado, a despeito de operar com uma frota nova.

Por fim, ressalta que a exploração do transporte coletivo de passageiros em Lages é norteada pelo princípio da modicidade tarifária e que a tarifa é fixada tendo por base a demanda de passageiros transportados, computada para as diferentes categorias de usuários, compreendendo os descontos e isenções, na quilometragem total percorrida ao longo das linhas e no custo quilométrico dos serviços. Conclui afirmando que a tarifa nada mais é do que o rateio do custo total do serviço entre os usuários pagantes.

Apesar de considerar o método obsoleto, entendeu o Corpo Técnico que a utilização da planilha GEIPOT estava, à época, apta a realizar o cálculo da tarifa. Hoje, no entanto, o método do fluxo de caixa descontado é considerado o mais eficiente considerando-se o usuário, o operador e o poder público.

Acompanho aqui o entendimento técnico em determinar que na futura licitação para a execução de serviços de transporte coletivo de passageiros, seja adotado o modelo da Taxa Interna de Retorno Determinável pelo modelo do Fluxo de Caixa Descontado.

Os responsáveis não conseguiram justificar a ausência, na planilha, de previsão de receitas alternativas decorrentes de propagandas, assim como a divergência de quantitativo de veículos e sobre o custeio de gratuidade e isenções, por isso, acompanho o entendimento técnico em considerar irregular o cálculo da tarifa do transporte público no Município de Lages.

 

5. Atuação deficiente do órgão regulador, em desacordo com os arts. 29 e 30 da Lei Federal nº 8.987/95

 

Sobre esse ponto, extrai-se do Relatório final (fls. 406):

Apontou-se no Relatório nº 67/2011, em apertada síntese, deficiência do órgão de regulação e fiscalização dos serviços, na medida em que verificou-se in loco que a atividade desenvolvida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Públicos restringia-se à existência de fiscais municipais nos terminais para acompanhamento dos embarques, horários de saída e atendimento aos usuários. Ressaltou-se que quando foram solicitadas informações ao Órgão a respeito do número de veículos em operação, com a especificação do modelo e os itinerários, tal solicitação foi redirecionada à empresa concessionária, o que corrobora a apontada deficiência na fiscalização dos serviços concedidos.

Nas justificativas, apontaram os responsáveis (fls 407/408):

A Prefeitura Municipal de Lages, em suas justificativas a fl. 104, limitou-se a alegar que a responsabilidade do poder público em fiscalizar os serviços foi determinada pelo art. 19 da Lei Municipal nº 2.413/98 e que o Município fiscaliza continuamente o serviço, conforme pode ser constatado pelos relatórios anexados.

De sua vez, a concessionária apresentou as justificativas de fl. 218 e encaminhou os documentos de fls. 219-379. Em suas justificativas alega que anexou relatórios recentes de fiscalização procedidas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Serviços Públicos - SEMMASP com apoio da DIRETRAN Diretoria de Trânsito e Transporte da Secretaria de Planejamento e Coordenação.

Salienta que a Prefeitura mantém um posto permanente de fiscalização e controle operacional junto ao Terminal Urbano de Passageiros e que, além disso, a empresa operadora se submete periodicamente à fiscalização tributária de responsabilidade da Secretaria de Finanças.

Sustenta que, embora não tenha previsão contratual expressa, os procedimentos quanto à fiscalização dos serviços estão sendo realizados normalmente por parte do Órgão Gestor do Poder Concedente, responsável pela fiscalização e determinação de critérios, indicadores fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços.

Analisando-se os autos, verifica-se que a Prefeitura não apresentou documentos e alegações para afastar ou justificar a falha apontada pela auditoria, concernente a inexistência de órgão regulador efetivo do serviço.

De outro lado, a concessionária apresentou documentos onde consta: a) certificação ISO 9001 b) manual de qualidade da Transul c) chek-list de padronização dos processos d) monitoramento de reclamação de usuários, ocorrências no terminal e) modelos de relatórios e atas de melhoria e/ou açãopreventiva f) plano e cronograma de auditoria interna g) ficha de treinamento de funcionários h) pesquisa de satisfação dos usuários do transporte coletivo i) tarifas praticadas no estado de Santa Catarina j) relatórios de fiscalização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente no terminal urbano de Lages.

Sobre o assunto, versa o artigo 30 da Lei 8.987/95:

Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária.

Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

Como se não bastasse a irregularidade na celebração do presente contrato, é flagrante a falta de zelo por parte da Administração Pública uma vez que não acompanha a execução dos serviços pagos com dinheiro público, ficando a fiscalização a cargo somente da concessionária.

Além disso, não há qualquer informação sobre a formação da comissão prevista no artigo 30 da Lei 8.987/95 para o acompanhamento da execução do contrato administrativo em questão.

Resta caracterizado também desrespeito ao artigo 29, I da mesma lei, que confere competência para a Administração Pública a fim de realizar a fiscalização:

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;

Destarte, acompanho o entendimento técnico em considerar irregular a ausência de fiscalização do contrato administrativo pelo órgão regulador, uma vez que não cumpre o disposto nos arts. 29 e 30 da Lei Federal nº 8.987/95.

6. Da sustação/anulação do contrato

 

Diante da gravidade das irregularidades noticiadas no Relatório de Auditoria – ausência de procedimento licitatório para a concessão do serviço de transporte público no Município de Lages e prorrogação irregular do contrato - a concessão ora em análise, portanto, pode estar eivada de vícios que determinem a sua nulidade, contaminando assim os contratos a ela vinculadas.

Nestas circunstâncias, ex vi do art. 71, §§ 1o e 2o da Carta Magna e do art. 59, §§ 1o e 2o da Constituição Estadual[2], não cabe à Corte determinar a sustação do contrato, quanto mais a sua anulação.

Poderá sim a Corte, contudo, recomendá-lo, sendo que o descumprimento desta recomendação produziria efeitos no sentido caracterizar o dolo na manutenção da execução do contrato ilícito. Esta caracterização poderá contribuir com a eventual e futura aferição de responsabilidades cíveis e penais, e inclusive com eventual apuração de danos ao erário. Não se poderia cogitar, neste caso, contudo, das conseqüências sancionadoras previstas no art. 70, III da Lei Complementar no 202/2000.

Imprescindível, contudo, será a comunicação ao Poder Legislativo local, para que aquele Órgão decida, requerendo a comunicação dessa decisão para os fins do art. 59, § 2o da Constituição Estadual.

 

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1)              pelo conhecimento do Relatório de Auditoria realizada Prefeitura Municipal de Lages, referente à concessão do sistema de transporte público urbano do município, para nos termos do art. 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº 202/2000;

2)              em considerar irregulares os seguintes atos praticados:

2.1) a prorrogação do contrato de concessão de transporte coletivo de passageiros no Município de Lages celebrado com a empresa Transul, sem procedimento licitatório, a partir de 1998, contrariando os arts. 175 da CF/88 e os arts. 14 e 42, caput e §2º e da Lei Federal nº. 8.987/95.

2.2) a inexistência dos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade dos serviços concedidos, em contrariedade ao inciso III do art. 23 da Lei 8.987/95;

2.3) a ausência de cláusula contratual com previsão da prestação de contas, em contrariando o inciso XIII do art. 23 da Lei 8.987/95;

2.4) o cálculo da tarifa do transporte público no Município de Lages; e

2.5) a ausência de fiscalização do contrato administrativo pelo órgão regulador, por não cumprir o disposto nos arts. 29 e 30 da Lei Federal nº 8.987/95.

3)              em determinar a realização de licitação para a prestação do serviço de transporte público urbano no Município de Lages, a fim de regularizar a situação na qual se encontra;

4)              pela aplicação de multas ao Sr. Renato Nunes de Oliveira, Prefeito Municipal de Lages, nos termos do art. 70, II da Lei Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, em virtude das irregularidades supracitadas;

5)              em recomendar a sustação da concessão do sistema público de transporte no Município de Lages para a empresa Transul, ante a ausência de processo licitatório, que, caracteriza o malferir do art. 37, XXI da Constituição Federal.

6)              pela comunicação do acórdão, relatório e voto ao Responsável e à Câmara de Vereadores do Município de Lages, para os fins específicos dos parágrafos 1º e 2º do art. 71 da Constituição Federal.

Florianópolis, 07 de agosto de 2012.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1]PESSOA, Leonardo Ribeiro. As diversas origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos e os seus regimes jurídicos. Acesso em jul. 2012.  http://jus.com.br/revista/texto/5988/as-diversas-origens-dos-bens-vinculados-a-prestacao-dos-servicos-publicos-e-os-seus-regimes-juridicos#ixzz208y3Z0WT

[2] Art. 59 (...)

§ lº - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pela Assembléia Legislativa, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§ 2º - Se a Assembléia Legislativa ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.