Parecer no: |
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MPTC/12.362/2012 |
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Processo nº: |
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RPA 08/00533780 |
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Origem: |
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Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina - BADESC |
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Assunto: |
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Participação das OSCIP’s nas atividades e execução do Programa
MICROCRÉDITO. |
A
Diretoria de Controle da Administração Estadual emitiu Relatório de Auditoria (fls. 249-275), sugerindo a conversão
do processo em tomadas de contas especial e que fosse procedida à citação dos Responsáveis para
apresentação de justificativas, face às pretensas irregularidades apontadas, sujeitas à imputação de
débito e
aplicação de multas, com previsão nos art. 68 e 70, da Lei Complementar nº. 202/2000, conforme relacionado
abaixo.
3.1. Converter
o presente processo em tomada de contas especial, nos termos do art. 32, da
Lei Complementar Estadual nº 202/00.
3.2. Que seja procedida a CITAÇÃO nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº.
202/2000, dos Srs. Diretores Presidentes do BADESC no período de 1999 a 2008 a
seguir qualificados, para apresentação de justificativas em observância ao
princípio do contraditório e da ampla defesa, a respeito das irregularidades
constantes no presente relatório, sujeitas à imputação de débito e/ou multas,
com fundamento nos arts. 68 e 70 da Lei Complementar n. 202/2000, conforme
segue:
3.2.1. Srs. Diretores Presidentes do BADESC no período
de 1999 a 2008:
Sr. Arno
Garbe, Diretor Presidente do BADESC
(período de 04/01/1999 a 02/01/2003), CPF 008.244.290-87, domiciliado a Rua
Frederico G. Busch, 10/101, CEP 89.010-360 – Blumenau – SC;
Sr. Renato
de Mello Vianna, Diretor Presidente
do BADESC (período de 03/01/2003 a 31/03/2006), CPF n.º 103.136.489-72,
domiciliado a Av. Rubens de Arruda Ramos, 3286 – apto 901, Florianópolis/SC;
Sr. Sayde
José Miguel - Diretor Presidente do
BADESC (período de 01/04/2006 a 31/05/2007), inscrito no CPF n.º 009.740.647 –
34, domiciliado na Av. Jornalista Rubens de Arruda Ramos, nº 1950 – apto 601 –
CEP 88015-700 – Florianópolis-SC;
Dalírio José
Beber - Diretor Presidente do BADESC
(período de 31/01/2007/atual), inscrito
no CPF n.º 068.797.569-72, domiciliado na Rua Dr. Luis de Freitas Melro, 72/21,
Centro – CEP 89010-310 – Blumenau – SC
Fausto
Schmidt Filho – Contador do BADESC,
CRC n. 14566/O-9.
3.2.2.
Irregularidades Passíveis de Imputação de Débito:
3.2.2.1. De acordo com os empréstimos feitos às OCIP’s pelo
BADESC, Relatório GEMIC, valor de R$ 91.439.076,00
onde ficou caracterizada a ausência de prestação de contas e consequente
liquidação dos valores, conforme exigência constitucional prevista no art. 70,
parágrafo único, da CF e na forma determinada pela Lei n. 9790/99, art. 4º,
VII, itens ‘c’ e ‘d’ e do Decreto n. 3.100/1999, art. 11, 1º e 2º, I a VII e
art. 12, I a IV. (item 2.4 e 2.6);
3.2.3
Irregularidades Passíveis de Aplicação de Multa:
3.2.3.1.
Srs. Gestores do BADESC Sr. Arno Garbe (04/01/1999 a 02/01/2003), Sr. Renato de
Mello Vianna (03/01/2003 a 31/06/2006), Sr. Sayde José Miguel (01/04/2006 a
31/05/2007) e Dalírio José Beber (a partir de 31/01/2007), qualificados no item 6.2.1, em face:
3.2.3.1.1. da falta de embasamento legal para a criação de ONG’s
pelo BADESC com o objetivo de executar atividades inerentes à administração do
Estado de Santa Catarina, em desacordo com o previsto na Lei Estadual n.º
9.831/1995; Lei n. 9.790/99, de 23 de março de 1999, art. 237 da Lei n.
6.404/76, artigo 2º, XIII e normas do Banco Central publicadas pela Diretoria
de Normas e Organização do Sistema Financeiro, atualizadas em 29/05/2008, sobre
as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCM)
(item 2.1);
3.2.3.1.2. da falta de embasamento legal do apoio dado as OCIP’s
em desacordo ao previsto na Lei n. 6.404/1976, art. 154, § 2º, a e b, e no art.
37, caput, da CF. (item 2.2);
3.2.3.1.3. da ausência do termo de parceria e contratos de
empréstimo contrariando o disposto na Lei n. 9.790/99, art. 8º, Parágrafo Único
e Decreto n. 3.100/99, arts. 9º e 10º, §1º e 2§, I a VI. (Item 2.3);
3.2.3.1.4. da ausência de contratação de auditoria independente
em desacordo ao art. 4º, inciso VII, alínea “c”, da Lei n. 9.790 e art. 19 do
Decreto n. 3.100/1999. (item 2.3);
3.2.3.1.5. controvérsias quanto aos valores dos empréstimos
feitos as OCIP’s e a não manutenção de registros contábeis eficientes que
evidenciem a realidade da empresa contrariando aos princípios contábeis
geralmente aceitos, art. 176, §4º e art. 177, da Lei 6.404/1976. (item 2.6).
3.2.3.2. Sr.
Fausto Schmidt Filho, contador do
BADESC, CRC n. 14566/O-9, qualificado no item 3.2.1, em face:
3.2.3.2.1. da não manutenção de registros contábeis eficientes
que evidenciem a realidade da empresa contrariando aos princípios contábeis
geralmente aceitos, art. 176, §4º e art. 177, da Lei 6.404/1976. (item 2.6).
O
Conselheiro Relator emitiu Despacho (fl. 290),
determinando as audiências dos Responsáveis, para que apresentassem
justificativas acerca das restrições apontadas.
A
audiência foi cumprida com
justificativas protocoladas
pelo Sr. Renato Mello Viana (fls.
319/390), Diretor Presidente do BADESC de 03/01/2003 a
31/03/2006; Sr.
Sayde José Miguel (fls. 392/464), Diretor
Presidente do BADESC de 01/04/2006 a 31/05/2007; Sr. Cromácio José da Rosa, representando o BADESC (fls. 466/479); Sr.
Dalírio José Beber (fls. 54/614), Diretor Presidente do
BADESC de 31/01/2007 até a época do
relatório; Sr. Arno Garbe (fls. 616/686) Diretor Presidente do BADESC
de 04/01/1999 a 02/01/2003); e Fausto
Schmidt Filho (fls. 688/701), Contador
do BADESC.
À luz dos esclarecimentos e documentos
apresentados, o Órgão Técnico emitiu Relatório de nº 45/2012 às fls. 704/737, no qual sugeriu o conhecimento do Relatório da Auditoria realizada no
BADESC - Agência
de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A., para, na forma do disposto
no art. 70,
II da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, sugerir o que segue:
“3.1. Conhecer do Relatório da
Auditoria realizada BADESC- Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina
S.A., com abrangência sobre a participação das OSCIP’s nas atividades e
execução do Programa de Micro Crédito.
3.2 Aplicar aos Srs. Arno
Garbe, Diretor Presidente do BADESC
(período de 04/01/1999 a 02/01/2003), CPF 008.244.290-87, domiciliado a Rua
Frederico G. Busch, 10/101, CEP 89.010-360 – Blumenau – SC; Renato de Mello Vianna, Diretor
Presidente do BADESC (período de 03/01/2003 a 31/03/2006), CPF n.º
103.136.489-72, domiciliado a Av. Rubens de Arruda Ramos, 3286 – apto 901,
Florianópolis/SC; Sayde José Miguel
- Diretor Presidente do BADESC (período de 01/04/2006 a 31/05/2007), inscrito
no CPF n.º 009.740.647 – 34, domiciliado na Av. Jornalista Rubens de Arruda
Ramos, nº 1950 – apto 601 – CEP 88015-700 – Florianópolis-SC; e Dalírio José Beber - Diretor Presidente
do BADESC (período de 31/01/2007/atual), inscrito no CPF n.º 068.797.569-72,
domiciliado na Rua Dr. Luis de Freitas Melro, 72/21, Centro – CEP 89010-310 –
Blumenau – SC; multa prevista no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar
202/2000, pelas irregularidades abaixo descritas, fixando-lhes o prazo de 30
(trinta) dias a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico
do Tribunal de Contas do Estado para comprovar ao Tribunal o reconhecimento da
multa aos cofres públicos, sem o que fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observando o disposto nos
arts. 43, II e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:
3.2.1.
Ausência de
prestação de contas no valor de R$ 57.825.076,00 e consequente liquidação
irregular da despesa, conforme exigência constitucional prevista no parágrafo
único do art. 70 da CF/88, e pelo princípio da simetria, no parágrafo único do
art. 58 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como ao inciso V, do §
2º do art. 10 da Lei n. 9.790/99 e art. 12 do Decreto Federal n. 3.100/99
(itens 2.4 e 2.6 do Relatório n. 199/2008, item 2.1.1.1 da conclusão da
Informação n. 74/2009 e item 2.2 do presente Relatório);
3.2.2. Falta de embasamento legal para a criação de ONG’s
pelo BADESC com o objetivo de executar atividades inerentes à administração do
Estado de Santa Catarina, em desacordo com o previsto na Lei Estadual n.º
9.831/1995 (alterada pelas Leis Complementares n. 243/2003, 284/2005 e
381/2007); Lei n. 9.790/99, de 23 de março de 1999, art. 237 da Lei n.
6.404/76, artigo 2º, XIII e normas do Banco Central publicadas pela Diretoria
de Normas e Organização do Sistema Financeiro, atualizadas em 29/05/2008, sobre
as Sociedades de Crédito ao Micro
empreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCM) (item 2.1 do Relatório
n. 199/2008, item 2.1.1.2 da conclusão da Informação n. 074/2009 e item 2.3 do
presente Relatório);
3.2.3. Falta de embasamento legal ao apoio dado as OSCIP’s em
desacordo ao previsto na Lei n. 6.404/1976, art. 154, § 2º, a e b, e no art.
37, caput, da CF (item 2.2 do Relatório n. 199/2008, item 2.1.1.3 da conclusão
da Informação n.074/2009 e item 2.3 do presente Relatório);
3.2.4. Ausência do termo de parceria e contratos de
empréstimo contrariando o disposto na Lei n. 9.790/99, art. 8º, Parágrafo Único
e Decreto n. 3.100/99, arts. 9º e 10º, §1 e 2§, I a VI (item 2.3 do Relatório
n. 199/2008, item 2.1.1.4 da conclusão da Informação n.074/2009 e item 2.4 do
presente Relatório);
3.2.5. Ausência de contratação de auditoria independente em
desacordo ao art. 4º, inciso VII, alínea “c”, da Lei n. 9.790/99 e art. 19 do
Decreto n. 3.100/99 (item 2.4 do Relatório n. 199/2008, item 2.1.1.5 da
conclusão da Informação n.074/2009 e item 2.5 do presente Relatório);
3.2.6. Controvérsias
quanto aos valores dos empréstimos feitos as OSCIP’s e a não manutenção de
registros contábeis eficientes que evidenciem a realidade da empresa
contrariando aos princípios contábeis geralmente aceitos, art. 176, § 4º e art.
177, da Lei, n. 6.404/1976 (item 2.6 do Relatório n. 199/2008, item 2.1.1.6 da
conclusão da Informação n.074/2009 e item 2.6 do presente Relatório)
3.3. Aplicar ao senhor Fausto
Schmidt Filho – Contador do BADESC, CRC n. 14566/O-9, nos termos do art.
29, § 1º, da Lei Complementar n. 202/2000, multa prevista no artigo 70, inciso
II, da Lei Complementar 202/2000, pela não manutenção de registros contábeis
eficientes que evidenciam a realidade da empresa contrariando aos princípios
contábeis geralmente aceitos, art. 176, § 4º e art. 177, da Lei 6.404/1976,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação deste Acórdão no
Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado para comprovar ao
Tribunal o recolhimento da multa aos cofres públicos, sem o que fica desde logo
autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observando o
disposto nos Art. 43, II e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000 (item 2.6 do Relatório
n. 199/2008, item 2.1.2.1 da conclusão da Informação n.074/2009 e item 2.6 do
presente Relatório).
3.4. Determinar ao
BADESC:
3.4.1. Que exija anualmente
das OSCIP’s a prestação de contas do Termo de Parceria, nos termos do inciso V
do §2º do art. 10 da Lei n. 9.790/99 c/c art. 12 do Decreto n. 3.100/99 e
parágrafo único dos arts. 58 da Constituição Estadual e 70 e CF/88 (item 2.2 do
presente Relatório);
3.4.2. Que a liberação de
recursos às OSCIP’s seja regulada e realizada somente após a formalização da
parceria, através do Termo de Parceria, nos termos do que dispõe a Lei 9.790/99
e o Decreto n. 3.100/99 (item 2.4 do presente Relatório);
3.4.3. Que apresente a esta
Corte de Contas, no prazo de 30 dias, os relatórios sobre a execução dos
objetos dos Termos de Parceria apresentados pela OSCIP’s ao BADESC a partir de
2007, termos do inciso V do §2º do art. 10 da Lei n. 9.790/99 c/c art. 12
Decreto n. 3.100/99 (item 2.2 do presente Relatório).
É o relatório.
A
fiscalização contábil,
1.
Preliminar -
competência deste Tribunal de Contas para exercer fiscalização sobre o Badesc
Os responsáveis
arguiram como preliminar a ausência competência desta Corte de Contas para
fiscalizar o Badesc.
Para tanto,
além de alegar que somente o Banco Central do Brasil possui poderes para
exercer fiscalização sobre entidade financeira, excluindo a fiscalização de
qualquer outro órgão, invocaram parte da decisão proferida pelo Tribunal de
Justiça de Goiás relativa ao Mandado de Segurança n. 7569-0/101, de 29/04/1996,
no mesmo sentido.
Alegaram
ainda:
que há conflito de competência
no que diz respeito à operacionalização/participação do Badesc nas OSCIP’s na
execução do Programa de Microcrédito do Estado de Santa Catarina. Disseram que
a delimitação da competência de
fiscalização/controle do assunto dessa natureza está expresso pelo art. 70 e
seguintes, CF/88 (UNIÃO), sendo que a prestação de contas compete ao Ministério
da Justiça, como se dessume da Lei n. 9.790, e Portaria do SNJ n. 23, de
28/12/2006 (...). Concluíram que a Lei n. 9.790 e Portaria Complementar
atraem a competência que fica sob a responsabilidade da União, do Ministério da
Justiça, representados pelo Ministério Público Federal (alínea “a”, do art.
128, da CF/88), cuja competência do MPF está prevista nos incisos I ao IX, do
art. 129, da Lei Maior.
Ante
os apontamentos, requereram a declaração da competência privativa do Banco
Central do Brasil e do Ministério da Justiça para o trato da matéria, e o
arquivamento da tomada de contas especial.
Sobre
o assunto, o Corpo Técnico esclareceu que não foi a primeira vez que tal
preliminar teria sido suscitada.
A despeito da matéria, a
Consultoria Geral desta Casa - COG, em resposta a uma consulta formulada pelo
próprio Badesc, redigiu e emitiu o Parecer de nº 580/99 - de 30/09/1999 -
mostrando com base em fundamentações jurídicas sólidas a plena competência dos
tribunais de contas no acompanhamento e fiscalização das instituições
financeiras. (...)
EMENTA. Instituição Financeira
organizada sob a forma de Sociedade de Economia Mista mantida pelo Estado de
Santa Catarina. Controle do Tribunal de Contas do Estado. Sujeição.
Versa o
parecer invocado que, por tratar-se de instituição financeira, está o Badesc
subordinado às normas do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional.
Ocorre que a
Constituição Federal, traz como dispositivo em seu art. 34, VII, “d”, a
obrigatoriedade da prestação de contas da administração pública direta e
indireta, o que é o caso do Badesc. A fiscalização de tal preceito cabe ao
Tribunal de Contas.
Extrai do
parecer supracitado o Corpo Técnico (fls. 713):
À vista destas assertivas,
conclui-se então que pode o Tribunal de Contas apurar a responsabilidade dos
administradores das sociedades de economia mista pelo cometimento de
irregularidades, ainda que estes tenham suas contas aprovadas pela Assembleia
Geral de acionistas, cabendo advertir ser inaplicável o prazo prescricional (de
02 anos) previsto pela Lei n° 6.404/76 para a sociedade apurar
responsabilidades de seus administradores, eis que de acordo com a Constituição
da República (art.37, § 5°7) tem-se por imprescritível a ação de ressarcimento
perpetrada pelo Estado contra o agente que causou prejuízo ao erário.
Concluiu o
Relatório Técnico, então, pela competência do Tribunal de Contas e pela negação
ao pedido de arquivamento, visto não se tratar de tomada de contas especial,
mas de análise de irregularidades ensejadoras de multa aos administradores,
verificadas em processo de representação.
Acrescenta-se
à explanação trazida pela Instrução Técnica acerca da competência do Tribunal
de Contas para fiscalizar o Badesc, o dispositivo do Regimento Interno dessa
Corte de Contas:
Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de
controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma da
legislação vigente, em especial da sua Lei Orgânica:
X - fiscalizar a aplicação de
quaisquer recursos repassados pelo Estado ou Município a pessoas jurídicas de
direito público ou privado, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro
instrumento congênere, bem como a aplicação das subvenções por eles concedidas
a qualquer entidade de direito privado;
Além disso, versa a Constituição Estadual:
Art. 59 O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:
V - fiscalizar as contas de empresas
de cujo capital social o Estado participe, de forma direta ou indireta, nos
termos do documento constitutivo;
Assim, por
tratar-se de entendimento superado e devidamente demonstrado, manifesto-me no
sentido de acompanhar o entendimento técnico a respeito do não arquivamento do
processo e para conhecer a competência do Tribunal de Contas de Santa Catarina
para fiscalizar o Badesc.
2.
Da ausência de prestação de contas e consequente liquidação regular do
valor de R$ 91.439.076,00
Acerca da prestação de contas pelas OSCIP’s ao BADESC, manifestou-se o
Corpo Técnico às fls. 715/725, na instrução:
Verifica-se da
instrução e da Informação n. 74/2009 que o BADESC repassa um volume de recurso
para as OSCIP’s em forma de empréstimo, para que estas transformem tais
recursos em crédito a microempresários, com respectivo encargo financeiro e
prazo definido.
Ocorre que a equipe de auditoria percebeu que
a prestação de contas apresentada a partir de 2007 pelas OSCIP’s ao BADESC está
constituída de relatório onde consta o nome do cliente, o número do contrato e
valores dos empréstimos, entretanto, sem a fiscalização do BADESC e a análise
dos contratos firmados pelo tomador final.
Além disso, há relato de que não foi
fornecido pelo setor contábil relatório dos empréstimos contratados com as
OSCIP’s, sob alegação de que a escrituração da Agência não contempla a
identificação desses repasses.
Desta forma, as OSCIP’s não prestaram conta
do volume de recursos envolvidos, principalmente em relação à correta aplicação
destes na atividade prevista, mesmo com a apresentação do Termo de Contrato e
do Termo de Parceria entre o BADESC e as OSCIP’s.
Extrai-se da Informação n. 74/2009 que a
prestação de contas por parte das OSCIP’s visa fundamentalmente mostrar que as
mesmas estão concedendo crédito a microempresários e cumprindo com as
diretrizes básicas do Programa de Microcrédito do BADESC.
Consta da instrução, portanto, que a ausência
da prestação de contas e consequente liquidação irregular da despesa não se
mostrou compatível com os preceitos contidos no art. 70, parágrafo único, da
CF/88 e na forma determinada pela Lei n. 9.790/99, art. 4º, VII, itens “c” e
“d”, e do Decreto n. 3.100/199, art. 11, 1º e 2º, I a VII e art. 12, I a IV.
Restou esclarecido,
ainda, que o valor de R$ 91.439.076,00 foi apurado com base em relatório
emitido pelos escritórios regionais do BADESC, no qual foi discriminado o
montante de operações realizadas no período de 1998-2008 pelas OSCIP’s.
Na defesa, alegaram os
Responsáveis, que o valor de R$ 91.439.076,00 estava sendo interpretado erroneamente. Explicaram
que o relatório denominado GEMIC é um “relatório de contratação por período”, e
traz o demonstrativo de dois fundos: 183 e 184. Sobre isso, esclareceram (fls.
717):
0.7.1 – Devido à operação de cessão de crédito realizada com o Banco do Brasil
em dezembro de 2005, 48 contratos que estão como “liquidados” no fundo 183, com
data de liquidação em 27/12/2005, foram transferidos para o fundo 184. Ou seja,
as operações que constam do relatório que acusa R$ 33.614.000,000 em
contratações, referentes ao fundo 184, também constam do relatório que acusa R$
57.825.076,00 em contratações. A situação pode ser facilmente verificada
observando que os contratos têm a mesma numeração (com exceção do dígito 9
final, quando da transferência do fundo 184), mesmo valor e mesma data de
contratação.
0.7.2 – Este relatório traz o valor contratado, e não o saldo devedor no dia da emissão do relatório. Por isso a divergência entre o
valor constante do relatório do fundo 184 e R$ 33.614.000,00 e a operação
realizada com o Banco do Brasil de R$ 27 milhões, pois este se refere ao saldo
das operações na data de 27/12/2005.
Além disso, sobre os preceitos
legais apontados como violados pela auditoria, alegam os responsáveis que não se
aplicam ao caso em questão. Sobre o art. 70[1] da
Constituição Federal, alegam que não se aplica ao BADESC por entender que a
responsabilidade é do Poder Legislativo Federal ou ao sistema de controle
interno de cada Poder Federal e, ainda, por se tratar de norma que se aplica
apenas aos bens e valores públicos da União.
Sobre a Lei 9.790/99, que dispõe
sobre a qualificação de pessoas jurídicas como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, e institui e disciplina o Termo de Parceria, esclareceram, dentre outros pontos,
que (fls. 717/718):
0.7.6 – O art. 4º da Lei 9.790 impõe requisitos aos estatutos
das pessoas jurídicas interessadas em qualificarem-se como OSCIP’s – e por
constar de seus estatutos tornaram-se obrigações a elas próprias – e não uma obrigação ao BADESC como tenta
fazer crer o texto do relatório (...)
0.7.7 – A observância destas exigências são de
responsabilidade do Ministério da Justiça, como prevê os arts. 5º e 6º da Lei
9.790 (...)
E os arts. 1º, 2º, 3º e 32 do Decreto 3.100 (...)
(...)
0.7.10 – Ao BADESC cabe exigir que as OSCIP’s não percam a
qualificação como tal. E assim é feito. As renovações da qualificação são
imprescindíveis às OSCIP’s que atuam no âmbito do Programa BADESC de
Microcrédito de Santa Catarina. A perda da qualificação enseja o vencimento
antecipado do contrato, conforme cláusula contratual pactuada entre o BADESC e
a OSCIP (...)
(...)
0.7.12 – Importante ressaltar que, mesmo não sendo atribuição do BADESC o cumprimento dos dispositivos
citados é solicitado o envio de cópias dos documentos que ensejaram a
renovação da qualificação como OSCIP, para eventual consulta.
No que se refere à inobservância
do art. 12 e incisos do Decreto n. 3.100/1999, os responsáveis apontaram que
(fls. 718):
(...)
0.7.15 – Primeiramente deve-se tecer explicações sobre o Termo de Parceria.
Diante desta inovação trazida pela Lei 9.790 e por ser novidade à época da
instituição do Programa de Crédito de Confiança, houve uma interpretação
equivocada da sua natureza e aplicabilidade.
(...) percebe-se que o intuito do Termo de Parceria é constituir um
instrumento jurídico capaz de promover o fomento e a gestão de projetos entre
OSCIP’s e órgãos das três esferas de governo, de forma mais simples que os
Convênios, até então principal alternativa para se efetuar a transferência de
recursos públicos. Outra alternativa são os contratos, que devem obedecer às
determinações da Lei 8.666, Lei de Licitações. (...)
0.7.19 – Entretanto, o BADESC já dispunha de um instrumento jurídico capaz de
regular as obrigações entre as partes, inclusive e principalmente, a finalidade
dos recursos e sua supervisão: o
contrato de financiamento. Em virtude da natureza creditícia das operações
do BADESC com as OSCIP’s, houve um equívoco quanto à aplicabilidade do Termo de
Parceria, inclusive de seus elementos como programa de trabalho, metas
indicadores de desempenho e previsão de receitas e despesas.
0.7.20 – Após estudos da Gerência de Microcrédito, da Auditoria Interna e da
consultoria jurídica do BADESC restou esclarecido que o contrato de
financiamento é o instrumento
adequado para regular as relações com as OSCIP’s de microcrédito, não
obstante este ter evoluído ao longo do tempo, acompanhando as necessidades
criadas pela intensificação dessas relações.
0.7.21 – Importante ressaltar que tanto o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) opera com contrato de financiamento para seu
programa de microcrédito desde 1996. Não apenas o BNDES como a Caixa Econômica
Federal (CEF) assim também entende na execução do Programa Nacional de
Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO), instituído pela Lei 11.110/05.
0.7.22 – Assim, não há que se falar na incidência do
art. 12 do Decreto 3.100/99 em relação ao BADESC, ou que esta agência de
fomento o tenha contrariado.
Concluíram, então, os
gestores, que não houve contrariedade às normas apontadas.
Após
a análise das justificativas, conclui o Corpo Técnico (fls. 720/725):
a)
Sobre o valor
indicado pela área técnica:
Em verificação aos relatórios GEMIC (fls. 51
a 57) constatou-se que assiste razão aos Responsáveis quando afirmaram que a
quantia de R$ 91.439.076,00 foi erroneamente interpretada pela área técnica
desta Casa. Realmente verificou-se que constam do relatório de fls. 55 a 57 os
mesmos contratos do relatório de fls. 51 a 54, motivo pelo qual as quantias de
R$ 57.825.076,00 e R$ 33.614.000,00 não podem ser somadas.
No entanto, o fato de o relatório GEMIC
indicar o valor contratado e não o saldo devedor no dia de emissão do
relatório, não tem o condão de alterar a conclusão da área técnica, tendo em
vista que o valor contratado é que indica o volume de recursos repassados às
OSCIP’s.
Nesse passo, conclui-se que a quantia
relativa ao volume de crédito contratado entre as OSCIP’s e os Microempresários
no período de 01/01/1999 a 16/09/2008 foi R$ 57.825.076,00.
b)
Sobre a incidência do art. 70 da CF/88
(...) Há de se destacar que o princípio da simetria permite que as
regras estabelecidas na Constituição da República sejam acompanhadas pelos
demais entes políticos.
(...) Ademais, existe norma estadual no mesmo sentido do parágrafo único
do art. 70 da CF/88 disciplinando sobre o assunto, conforme se verifica da
literalidade do parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado de Santa
Catarina (...)
Nesse passo, tem o dever de prestar contas qualquer pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos, sejam valores advindos da União,
dos Estados ou dos Municípios, nos termos do parágrafo único do art. 70 da
CF/88, do parágrafo único do art. 58 da Constituição do Estado de Santa
Catarina e do princípio da simetria.
c)
Sobre a
obrigatoriedade de fiscalização dos recursos repassados pelo BADESC às OSCIP’s
(...) Não se pode confundir a prestação de contas do termo de parceria
com a prestação de contas anual das OSCIP’s, conforme esclarece a Cartilha
elaborada pelo Conselho da Comunidade Solidária, que visa contribuir para que
se compreenda melhor as inovações da Lei n. 9.790/99, senão vejamos:
O inciso V do §2º do art. 10 da Lei n. 9.790/99 determina às OSCIP’s a
obrigatoriedade de prestação de contas do termo de parceria ao término de cada
exercício financeiro diretamente ao órgão estatal parceiro, devendo ser
realizada na forma prevista no art. 12 do Decreto n. 3.100/99. (...)
Uma vez constatado que as alegações de defesa apresentadas pelos
responsáveis não foram suficientes ao saneamento da irregularidade, sugere-se
que seja aplicada multa aos Responsáveis, Srs. Arno Garbe, Sr.
Renato de Mello Vianna, Sr. Sayde José Miguel e Dalírio José Beber, em razão da ausência de prestação de contas do valor de
R$57.825.076,00 e consequente liquidação irregular da despesa, conforme
exigência constitucional prevista no parágrafo único do art. 70 da CF/88, e
pelo princípio da simetria, no parágrafo único do art. 58 da Constituição de
Estado de Santa Catarina, bem como ao inciso V, do §2º do art. 10 da Lei n.
9.790/99 e art. 12 do Decreto Federal n. 3.100/99.
No que tange a prestação de
contas por parte das OSCIP’s, é claro o art. 4º, VII, “d”[2],
da Lei 9.790, no sentido da exigibilidade de tal ato.
Além da existência de norma
estadual no mesmo sentido do art. 70 da Constituição Federal, o fato é que o
dispositivo da Lei que regulamenta as OSCIP’s é taxativo ao fazer tal
exigência.
No caso em questão, por tratar-se
de recurso de origem pública, visto que o montante destinado às OSCIP’s foi
oriundo do BADESC, é imprescindível a prestação de contas da quantia emprestada
nos termos da Lei 9.790.
Como bem apontado na conclusão do
parecer Técnico, a prestação
de contas anual da OSCIP (Lei 9.790/99, inciso VII do art. 4º e Decreto
3.100/99, art. 11) é diferente da prestação de contas do Termo de Parceria
(Decreto 3.100/99, art. 12).
Versa
o art. 10 da Lei 9.790/99:
Art. 10. O Termo de Parceria firmado de comum
acordo entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público discriminará direitos, responsabilidades e obrigações das partes
signatárias.
Pela interpretação do artigo 10
conclui-se que, no caso em voga, o Poder Público figura como parte do Termo de
Parceria através do BADESC.
O parágrafo 2º do artigo supracitado dispõe ainda:
§ 2o São
cláusulas essenciais do Termo de Parceria:
V- a
que estabelece as obrigações da Sociedade Civil de Interesse Público, entre as
quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório
sobre a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo
específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de
prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados, independente
das previsões mencionadas no inciso IV;
Destarte, é de responsabilidade também do parceiro
representante do Poder Público zelar pela aplicação adequada dos recursos
disponibilizados às OSCIP’s.
Ressalte-se que o valor dos recursos oriundos do Poder
Público é mais que relevante para ser fiscalizado em sua aplicação.
Quanto à quantia verificada pelo Corpo Técnico, acata-se a
justificativa do valor apurado ser de R$ 57.825.076,00, já que se
tratam realmente dos mesmos contratos, acrescentando o algarismo 9 ao final do
número do contrato nos lançamentos do fundo 184.
Ocorre
que a aferição dessa quantia se deu apenas pela listagem apresentada referente
aos contratos estabelecidos entre a OSCIP e o micro ou pequeno empresário. Não
se pode certificar; visto a inexistência dos termos de parceria, prestação de
contas e registros contábeis regulares; que tal valor tenha sido o de fato
emprestado pelo Badesc.
Recorda-se
que os auditores questionam (fls. 269) essa quantia apurada por meio do
confronto com as informações constantes no endereço de internet do Badesc.
Segundo o site, à época da auditoria, as OSCIP’s já haviam liberado 203 milhões
de reais para o microcrédito.
A
discrepância entre os valores divulgados ao público e os valores apresentados é
de aproximadamente 150 milhões de Reais! Não há como concluir precisamente,
então, que não houve dano ao erário, como apontam os auditores técnicos às fls.
285 e 286. Os indícios, inclusive, apontam no sentido inverso.
Não
houve, na realidade, comprovação sobre os valores repassados e sobre os
retornos dos empréstimos realizados, uma vez que não se tem registro de
qualquer prestação de contas por parte do Badesc, tornando irregular a liquidação
de R$ 57.825.076,00.
Além
disso, a significativa diferença constatada após o confronto do valor apontado,
com o valor divulgado por meio do site do BADESC, demonstra que a prestação de
contas se faz imprescindível.
Não
há como se admitir também, a ausência de registros contábeis referentes aos
empréstimos do Badesc às OSCIP’s. O registro preciso ou quantum emprestado e das parcelas amortizadas, assim como das
receitas com juros são inerentes à atividade empresarial exercida pelo Badesc,
ainda que seja um Banco de fomento.
O
que se verifica nestes autos seria o equivalente a uma empresa privada afirmar
que não possui registros de suas “contas a receber”!
É
injustificável a falta de controle por parte da gestão do Banco sobre a
circulação das quantias por ele administradas. Flagrante é o descaso dos
gestores para com os recursos públicos, motivo pelo qual se faz necessária a
apuração correta de tais valores.
Sobre
a prestação de contas, ensina Carvalho Filho:
“O dinheiro público, originário em sua maior parte
da contribuição dos administrados, tem de ser vertido para os fins
estabelecidos em lei e por isso mesmo é que constitui crime contra o erário a
malversação dos fundos públicos.
(...)
Registre-se, ainda, que o dever de prestar
contas alcança não só a Administração centralizada, mas também os agentes de
entidades a ela vinculadas e até mesmo outras pessoas que recebam subvenção
governamental.” [3]
Por
esse motivo, invoca-se o art. 9º, II, “a” e “b” do Regimento Interno do
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina c/c o artigo 32 da Lei
Complementar n.º 202/00:
Art. 9º Para efeito
do disposto no artigo anterior, considera-se:
I - tomada de contas especial, a ação
desempenhada pelo órgão competente ou pelo Tribunal
a) para a apuração de fatos, identificação
dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas
ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiros, bens ou valores públicos;
b)quando, em processo de fiscalização a cargo
do Tribunal, ficar caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou
antieconômico de que resulte prejuízo ao erário;
[...]
Art. 32. Configurada
a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade que resulte
dano ao erário, o Tribunal ordenará desde logo, a conversão do processo em
tomada de contas especial se o dano apurado for de valor igual ou superior
àquele previsto no § 2º do art. 10 desta Lei.
Diante
da não comprovação dos valores apontados, sugere-se a conversão do presente
processo em tomada de contas especial nos termos do art. 9º, II, “a” e “b”, do
Regimento Interno desta Corte de Contas.
Além
disso, acompanho também o entendimento técnico, no sentido de sugerir aplicação
de multa aos Responsáveis, Srs. Arno Garbe, Sr. Renato de Mello Vianna, Sr.
Sayde José Miguel e Dalírio José Beber, em razão da ausência de prestação de contas do valor de R$57.825.076,00 e
consequente liquidação irregular da despesa, visto a inobservância ao
parágrafo único do art. 70 da CF/88, e pelo princípio da simetria, ao parágrafo
único do art. 58 da Constituição de Estado de Santa Catarina, bem como ao
inciso V, do §2º do art. 10 da Lei n. 9.790/99 e art. 12 do Decreto Federal n.
3.100/99.
3.
Da falta de embasamento legal
para a criação e apoio das ONG’s pelo BADESC com o objetivo de executar atividades
inerentes à Administração do Estado de Santa Catarina
No
relatório, o Corpo Técnico ressalta que, na instrução processual, a “criação”
das ONG’s e o “apoio” dado às OSCIP’s, foram pontos tratados separadamente.
Ocorre que os responsáveis, em suas justificativas, trataram os assuntos de
forma conjunta, tendo o Relatório Técnico final assumido esta abordagem também.
De
acordo com o Relatório, o Programa de Crédito de Confiança foi criado em 1999
pelo Governo do Estado de Santa Catarina e é coordenado/financiado pelo BADESC
desde maio do mesmo ano. Trata-se de um Programa de Crédito Popular que visa o
desenvolvimento econômico e social, por meio da disponibilização do
microcrédito para empreendedores formais e informais.
No
que se refere à falta de embasamento legal para a criação das ONG’s pelo
BADESC, manifestou-se o Corpo Técnico (fls. 726/730) na instrução:
Segundo a resolução n. 19/1999 cabia ao BADESC estimular a constituição
de ONG’s, bem como disponibilizar os recursos necessários para a operacionalização
do microcrédito em todo o Estado. Relativamente à administração dos recursos a
Resolução previu que seriam realizadas pelas próprias ONG’s, as quais
celebrariam contratos de financiamento com pequenos e micro empreendedores.
Mais adiante a Resolução BADESC n.01/2002, de 23/01/2002, alterou as
normas do Programa de Crédito de Confiança. Com isso, estimulou a criação de
mais de 18 (dezoito) OSCIP’s e criou a obrigação de instalar postos avançados
para facilitar o acesso ao crédito nos Municípios contemplados pela Lei n.
12.120/2002.
No entanto, as ONG’s em operação desde o advento da Resolução n. 19/1999
não estavam legalmente constituídas, pois foram criadas pelo BADESC através da
mesma Resolução e custeadas e criadas dentro da estrutura do próprio BADESC,
onde permaneceram por mais de 7 (sete) anos – 1999 a 2006.
Para início da operacionalização do “crédito de confiança” e criação das
ONG’s, a Instrução utilizou-se de documento intitulado “Relatório Crédito de
Confiança”, redigido pelo próprio BADESC, em resposta à Nota 10/99 do
Governador do Estado.
A auditoria entendeu que não houve respaldo legal na
criação das ONG’s pelos motivos a seguir:
a)
Nas competências originariamente atribuídas ao BADESC
pela Lei Estadual n. 9.831/95 não está contemplando o incentivo e/ou criação de
ONG’s ou OSCIP’s. Além disso, a sua competência estatutária é a execução da
política estadual de desenvolvimento, atuando como intermediador entre a fonte
dos recursos e a fonte de aplicação correta dentro das finalidades. Portanto,
ao transferir suas atribuições estatutárias a outras organizações a Agência
perde o objeto de sua existência.
b)
A Lei n. 9.790/99 dispôs sobre a qualificação das
OSCIP’s no art. 2º, inciso XIII, e estabeleceu que não são passíveis de
qualificação as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de
vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da
CF/88;
c)
O art. 237, §2º, da Lei n. 6.404/76 prevê que as
instituições financeiras de economia mista poderão participar de outras sociedades,
observadas as normas estabelecidas pelo Banco Central do Brasil. Já o Banco
Central do Brasil, através de normas publicadas pela Diretoria de Normas e
Organizações do Sistema Financeiro, atualizadas em 19/05/2008, disciplinou que
é vedada a participação societária do setor público no capital de Sociedade de
Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCM). (...)
Ademais, a citada norma prevê, ainda, que as SCM podem ter seu controle
exercido por OSCIP, mas dependem de autorização do Banco Central do Brasil e
não podem conferir ao setor público qualquer poder de gestão ou de veto na
condução de suas atividades.
Já
sobre a falta de embasamento legal para o apoio dado pelo BADESC às OSCIP’s,
aponta o Corpo Técnico na instrução:
Restou constatado pela equipe de auditoria
que a direção do BADESC assumiu a gestão e a condução das atividades das
OSCIP’s dando total apoio financeiro e institucional para o seu funcionamento,
inclusive cedendo o local de trabalho dentro das próprias agências e colocando
à disposição das mesmas veículos, estagiários e empregados custeados pela
Instituição (alguns empregados ocuparam os cargos de gerência das ONG’s)
(...)
Concluiu que embora não tenham sido
contabilizados os custos na criação das OSCIP’s pelo BADESC, está comprovado
que foram totalmente custeadas pela Instituição e que funcionavam praticamente
como um setor dentro da Agência, tendo uma vida simbionte com o BADESC, em
desacordo ao previsto na Lei n. 6.404/76, art. 154, §2º, alíneas “a” e “b” e no
art. 37 da CF/88.
Os
responsáveis justificaram que o caput art. 179 da CF prevê tratamento jurídico
diferenciado por parte do Estado às microempresas e às pequenas de pequeno
porte. Além disso, trazem o art. 136, VI, “b”,[4] da
Constituição Estadual que possui texto semelhante à Magna Carta, com o objetivo
de incentivar o desenvolvimento econômico por meio do favorecimento no acesso
ao crédito a essa classe de empresas.
E
concluíram que:
(...) há previsão legal para o apoio dado
pelo BADESC às OSCIP’s, pois a Constituição Federal, a Constituição Estadual e
o Estatuto Social do BADESC dispõe sobre tal prática. Ademais, que o BADESC,
através de previsão estatutária, está cumprindo sua missão institucional. Além
disso, que a Lei 6.404/76 é anterior às Constituições Federal/88 e Estadual e,
diante do anacronismo da referida Lei, deve prevalecer a Lei Maior (estadual
e/ou federal).
Após a análise das
justificativas, concluiu o corpo técnico que:
Diante disso, concluiu-se que as alegações de
defesa apresentadas pelos Responsáveis não foram suficientes ao saneamento do
apontamento realizado pela equipe de auditoria, devendo ser responsabilizados
os Srs. Arno Garbe, Renato de Mello Vianna, Sayde José Miguel e Dalírio José
Beber.
Observa-se
que nos documentos que apontam o cronograma de implantação das ONG’s que a
competência do Badesc seria de “esclarecer acerca das condições do ‘Crédito de Confiança’; das características
legais e operacionais das ONG’s; das condições para acesso aos recursos do
BADESC e BNDES e prestar assessoria para a instalação da ONG.” (fls. 86)
(grifo nosso)
Além
disso, cabia à Associação “articular
esforços locais para constituição da ONG, incluindo
captação de recursos privados locais para capitalização da mesma”.
(fls. 86) (grifo nosso)
Ainda
sobre as ONG’s, consta na Resolução 19/99 que os recursos administrados pelas
ONG’s seria para a celebração dos contratos de financiamento previstos pelo
programa.
Dispõe a Lei 9.831/95 em seu artigo 76:
Art. 76. O Banco de Desenvolvimento do Estado
de Santa Catarina S/A BADESC tem por objetivo:
I - fomentar o desenvolvimento econômico e
social do Estado;
II - proporcionar financiamentos a médio e
longo prazos, bem como assistência técnica;
III - participar de todas as operações ativas
e passivas, e exercer outras atividades compreendidas no âmbito de atuação dos
bancos de desenvolvimento,
IV - praticar
outras operações estabelecidas no seu Estatuto Social, especialmente as
destinadas ao apoio dos pequenos e médios produtores rurais e pequenos e
micro-empresários. (grifou-se)
Dessa
forma, ao transferir a competência de gestão do microcrédito para as ONG’s, o
Badesc esvaziou o objetivo de sua constituição, já que fomentar o
desenvolvimento econômico e social do Estado e praticar outras operações
estabelecidas no seu Estatuto Social, especialmente as destinadas ao apoio dos
pequenos e médios produtores rurais e pequenos e microempresários são as
atribuições estabelecidas pela Lei Estadual 9.831/95, que o instituiu.
A
figura do intermediador que deveria ser própria do Badesc acabou por ser
transferida às ONG’s e OSCIP’s, criando uma figura desnecessária e irregular
nos contratos de financiamento.
Cabe
ressaltar que, além disso, como bem apontado pela instrução técnica, organizações creditícias que tenham quaisquer
tipo de vinculação com o Sistema Financeiro Nacional a que se refere o art. 192
da Constituição Federal, não são passíveis de qualificação como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que promovam o desenvolvimento
social e econômico, nos termos do art. 2º, XIII, Lei 9.790/99.
Além disso, o exercício de atividades dessa
natureza, deve ter expressa autorização do Banco Central do Brasil, nos termos
da Lei 4.595/64, que dispõe sobre a Política e as
Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias:
Art. 10. Compete
privativamente ao Banco Central da República do Brasil:
X - Conceder
autorização às instituições financeiras, a fim de que possam:
a) funcionar no País;
b) instalar ou transferir suas sedes, ou
dependências, inclusive no exterior;
c) ser transformadas, fundidas, incorporadas
ou encampadas;
d) praticar
operações de câmbio, crédito real e venda habitual de títulos da dívida
pública federal, estadual ou municipal, ações Debêntures, letras hipotecárias e
outros títulos de crédito ou
mobiliários;
e) ter prorrogados os prazos concedidos para
funcionamento;
g) alienar ou, por qualquer outra forma,
transferir o seu controle acionário. (grifo nosso)
Não
há evidência de qualquer documento que comprove a autorização de tais
transações pelo Banco Central do Brasil, motivo pelo qual lhe cabe imediata
comunicação dos fatos e irregularidades aqui levantados.
Por fim, reporta-se ao conteúdo das atas das
Reuniões da Diretoria do Badesc, em diferentes datas, que confirmam o custeio
das despesas das OSCIP’s pelo Badesc em diferentes datas. (fls. 98,106,112,
122).
Salienta-se o apontamento do Relatório de
Auditoria sobre o total apoio financeiro por parte do Badesc, inclusive
cedendo o local de trabalho dentro das próprias agências e colocando à
disposição das mesmas, veículos, estagiários e empregados custeados pela
Instituição. (fls. 728)
A
conduta pode caracterizar, ainda, ato de improbidade administrativa, nos termos
da Lei 8.429/92:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa
que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que
enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação
dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
I - facilitar ou concorrer
por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa
física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada
utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades
legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou
concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se
utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou
material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor
público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV
– celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de
serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades
previstas na lei;
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar
ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na
regra de competência;
VI - deixar
de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
Segundo
Carvalho Filho (2009), a improbidade administrativa se concretiza,
principalmente, diante da inobservância dos princípios da moralidade e da
honestidade.[5]
Caracterizado
o dano ao erário, cabe ao sujeito do ato de improbidade ressarcir integralmente
o dano.
Sobre
o tema, dispõe a Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O
que se percebe através da auditoria é que o Programa de Microcrédito apresentou
irregularidades consecutivas desde a sua origem e que foram mantidas ao longo
da execução do Programa.
O
Badesc, através de seus responsáveis, negou a essência da sua constituição
transferindo sua competência para as OSCIP’s, além de fazer mau uso do dinheiro
público, assumindo despesas de tais entidades sem qualquer previsão legal.
Ante o exposto acompanho a conclusão do Corpo
Técnico de que, embora não tenham sido contabilizados os
custos na criação das OSCIP’s pelo BADESC, está comprovado que foram totalmente
custeadas pela instituição, tanto na sua criação, quanto na sua manutenção.
Manifesto-me,
então, no sentido sugerir a aplicação de multa e a responsabilização dos Srs.
Arno Garbe, Renato de Mello Vianna, Sayde José Miguel e Dalírio José Beber
pelas irregularidades em relação à criação e ao apoio das ONG’s e OSCIP’s.
4.
Da ausência do termo de parceria
e contratos de empréstimo
De acordo com a instrução
(fls.730), até a data de 27/12/2005 não havia entre o BADESC e as OSCIP’s Termo
de Parceria e de Contrato de Empréstimos liberados para estas sociedades.
Sobre
o assunto, extrai-se do Relatório Técnico:
Tal fato foi constatado e comprovado com a Ata n. 736ª, 36ª Reunião
Ordinária da Diretoria do BADESC, de 27/12/2005, através da qual foi
determinado pela Direção da Companhia que fosse incluída na minuta do contrato
de empréstimo de recursos financeiros (cláusula 6ª, item XIV) que o Termo de
Parceria com o BADESC fosse assinado até 30/04/2006, sob pena de liquidação
antecipada do débito. Foi determinado, ainda, que tal item também fosse
estendido aos contratos de recursos financeiros já existentes à época.
Nesse passo, restou verificado que durante 7 (sete)
anos as Organizações operaram ilegalmente, sem Termo de Parceria, ou seja, sem
compromissos assumidos formalmente e sem a prestação de contas dos recursos
repassados às mesmas, em afronta ao disposto na Lei n. 9.790/99 e Decreto n.
3.100/99.
Após a
instrução, alegaram os Responsáveis que estão amparados por contrato de
financiamento todos os empréstimos firmados entre o BADESC e as OSCIP’s que
participaram do Programa BADESC Microcrédito de Santa Catarina.
Além
disso, apontaram que quando a Lei 9.790/99 foi editada, o BADESC já possuía
instrumento jurídico capaz de regular as obrigações entre as partes.
Afirmaram
também, tendo em vista a natureza creditícia das operações do BADESC com as
OSCIP’s, que houve um equívoco quanto à aplicabilidade do Termo de Parceria e
de seus elementos como: programa de trabalho, metas, indicadores de desempenho
e previsão de receitas e despesas.
Esclareceram,
ainda, que o entendimento de que o contrato de financiamento é o instrumento
adequado para regular as relações com as OSCIP’s de microcrédito, decorreu de
estudos da Gerência de Microcrédito, da Auditoria Interna e da Consultoria Jurídica
do BADESC.
Por
fim, salientaram que o BNDES e a Caixa Econômica Federal operam com contrato de
financiamento para seu programa de microcrédito desde 1996 (Lei n. 11.110/05).
Sobre
as justificativas apresentadas, concluiu o Corpo Técnico (fls. 731):
As alegações de
defesa apresentadas pelos Responsáveis pautam-se, basicamente, na legalidade do
contrato de financiamento como instrumento para regular as relações entre o
BADESC e as OSCIP’s.
Para justificar tal
prática, alegaram que tal conclusão decorreu de estudos realizados pela
Gerência de Microcrédito, pela Auditoria Interna e pela Consultoria Jurídica.
Alegaram, ainda, que é o mesmo instrumento utilizado pelo BNDES e pela Caixa
Federal, na execução do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado
(PNMPO).
Primeiramente,
frise-se que não foi juntado aos presentes autos nenhum documento de estudo que
justifique a utilização do contrato de financiamento como documento hábil à
regular a relação existente entre o Bandesc e as OSCIP’s, relativamente ao
Programa de Microcrédito. Ademais, a Ata n. 736 da Diretoria do BADESC é
expressa quanto à determinação de que tais relações devem ser reguladas através
de Termo de Parceria. Também, a CON n. 04/05685394, realizada pelo BADESC a
este Tribunal demonstra entendimento no mesmo sentido.
Apesar
da gestão do BADESC entender que o contrato de empréstimo seria instrumento
capaz de regulamentar a relação entre órgão público e OSCIP, o fato é que a Lei
9.790/99 instituiu o Termo de Parceria como o instrumento jurídico adequado
para estabelecer a relação jurídica em questão.
Sobre
isso, versa o art. 9º da Lei 9.790/99:
Art. 9º Fica
instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser
firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da
Sociedade Civil de interesse Público destinado à formação de vínculo de
cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de
interesse público previstas no art. 3º desta Lei.
Assim, não havia outro instrumento capaz de
estabelecer as condições do empréstimo de verbas do BADESC às OSCIP’s, senão o
Termo de Parceria.
Além disso, apesar da inovação trazida pela
Lei 9.790/99, não poderiam os gestores recusar-se a cumpri-la, sob o argumento
de equívoco sobre sua natureza e aplicação (fls. 718). Isso porque o art. 3º da
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, n. 4.657, dispõe que ninguém
pode escusar-se a cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Agrava-se o ocorrido, tendo em vista que das
18 OSCIP’s apontadas pelo Corpo Técnico (fls. 726), apresentou-se apenas o
Termo de Parceria da Credivale, datado de 2007. (fls. 190/199).
Sobre as demais não há qualquer documentação
que comprove a celebração dos Termos de Parceira.
Observa-se, também, que apesar de ter sido
apresentado o Termo de Parceira da Credivale, de Blumenau, o mesmo, como já
dito, foi celebrado em maio de 2007 (fls. 190/199). Ocorre que de acordo com a
listagem dos contratos firmados entre OSCIP’s e Microempreendedores, a
Credivale firmava acordos desde 2002 (fls. 53).
Conclui-se, então, que, durante todo o
período, os financiamentos ocorriam de forma ilegal. Sem esquecer que não houve
prestação de contas de tais operações.
A
Credivale é apenas uma das 18 OSCIP’s parceiras do Badesc nessas operações de
crédito. Sobre essas, sequer pode-se fazer a análise ante a não apresentação da
documentação.
Frisa-se,
apenas, que a Lei em questão é março de 1999 e o Programa foi instituído em
maio do mesmo ano. Aponta-se também que houve nova resolução em 2002, três anos
após a publicação da Lei, o que não justifica a ausência dos Termos de Parceria
desde a criação do Programa de Microcrédito até a auditoria realizada em 2008.
Ante
o exposto, restou-se caracterizada a irregularidade pela ausência do Termo de
Parceria com as OSCIP’s. Acompanho, assim, o entendimento técnico persistindo
no apontamento no que tange aos Srs. Arno Garbe, Renato de Mello Vianna, Sayde
José Miguel e Dalírio José Beber, sugerindo aplicação de multa aos
Responsáveis, pela inobservância aos termos da Lei 9.790/99 e do Decreto
3.100/99.
Reitero,
ainda, a conversão do presente processo em tomada de contas especial, ante os
fatos narrados acima.
5. Da ausência de contratação de auditoria independente
Segundo a instrução, não foi
contratada auditoria independente para analisar a aplicação dos recursos pelas
OSCIP’s, o que contraria o art. 4º, VII, “c” da Lei 9.790/99 e art. 19 do
Decreto n. 3.100/99 (fls. 732).
Lei 9.790/99
Art. 4o Atendido
o disposto no art. 3o, exige-se ainda, para qualificarem-se
como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas
jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente
disponham sobre:
VII
- as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que
determinarão, no mínimo:
d)
a realização de auditoria, inclusive por auditores externos
independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do
termo de parceria conforme previsto em regulamento;
Decreto 3.100/99
Art. 19. A
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público deverá realizar auditoria
independente da aplicação dos recursos objeto do Termo de Parceria, de acordo
com a alínea "c", inciso VII, do art. 4o da Lei no 9.790, de 1999,
nos casos em que o montante de recursos for maior ou igual a R$ 600.000,00
(seiscentos mil reais).
No que tange às justificativas dos Responsáveis, consta no
Relatório Técnico (fls. 732):
As alegações de defesa
apresentadas pelos Responsáveis quanto ao apontamento ora analisado
limitaram-se ao seguinte conteúdo:
11 – O que foi apontado no
n. 2.1.1.5 (“ausência de contratação de auditoria independente em desacordo ao
art. 4º, inciso VII, alínea “c”, da Lei n. 9.790 e art. 19 do decreto
3.100/1999”), saliente-se que já foram devidamente explicitados/justificados
nos parágrafos 0.7 usque 0.7.2, das presentes. Além do mais, ressalte-se que as
OSCIP’s são auditadas por auditores externos independentes, como se comprova
pelo doc. anexo.
Em verificação aos itens 0.7
e 0.7.2 das alegações de defesa apresentadas pelos Responsáveis foi possível
perceber que não tratam da ausência de contratação de auditoria independente,
mas de ausência de prestação de contas, assunto que já foi analisado no item
2.2 do presente relatório.
Após a
justificativa dos Responsáveis, concluiu o Corpo Técnico que os mesmos não
comprovaram realização de auditoria independente para analisar a aplicação dos
recursos repassados pelo BADESC às OSCIP’s no período de abrangência da
auditoria, qual seja: 1999 a 2008.
Os
auditores reiteraram, então, o apontamento, responsabilizando pela
irregularidade os Srs. Arno Garbe, Renato de Mello Vianna, Sayde José Miguel e
Dalírio José Beber.
No que
diz respeito aos argumentos levantados pelos Responsáveis, os tópicos
mencionados nada justificam a ausência de contratação de auditoria
independente. Isso porque os pontos 0.7 e 0.7.2 apenas versam sobre a quantia
apurada nos fundos 183 e 184, ponto que já ficou esclarecido, ante a alteração
do valor questionado para R$ 57.825.076,00.
Sobre
a auditoria externa mencionada, observa-se que a mesma foi realizada em 2010
(fls. 388/390), ou seja, em período posterior ao Relatório emitido pelo Corpo
Técnico desta Corte de Contas, que é datado de setembro de 2008 (fls. 275). Tal
fato, não exime a responsabilidade pela ausência de auditoria até então. Logo,
a irregularidade foi mantida desde a origem do Programa de Microcrédito até a
data das auditorias.
Além
disso, apresentaram-se apenas os Pareceres dos Auditores Independentes apenas
das OSCIP’s de Tubarão (fls. 388) e Canoinhas (fls. 389/390). Não há
documentação referente à auditoria das outras dezesseis organizações.
Por se
tratar de flagrante irregularidade, acompanho o entendimento técnico,
persistindo no apontamento no que tange aos Srs. Arno Garbe, Renato de Mello
Vianna, Sayde José Miguel e Dalírio José Beber, sugerindo aplicação de multa
aos Responsáveis, pela inobservância aos termos da Lei 9.790/99 e do Decreto
3.100.
6. Da controvérsia
quanto aos valores dos empréstimos feitos às OSCIP’s e omissão quanto à
manutenção de registros contábeis eficientes que evidenciem a realidade da
empresa
Extrai-se
do relatório que na instrução (fls. 733/734), observou a equipe auditora, em relatório
emitido pela Gerência de Micro Crédito – GEMIC – que, apesar de indicar que os
empréstimos repassados pelo BADESC às OSCIP’s, desde a sua criação em 1999 até
2008 totalizaram R$ 91.439.076,00, informações constantes na internet dão conta
de valores muito superiores (R$203 milhões).
Além
disso, a equipe informou que não foi fornecido pelo setor contábil o relatório
dos empréstimos contratados com as OSCIP’s, sob a alegação de que a
escrituração da Agência não contempla a identificação desses repasses.
Por
fim, apontou que a ausência de tal relatório agrava também a situação da
contabilidade da Empresa, pois não evidencia a realidade da Instituição e
contraria os princípios contábeis geralmente aceitos, §4º do art. 176 e art.
177, ambos da Lei n. 6.404/76.
De acordo com o Relatório, os
responsáveis alegaram somente que:
12 –
Por último, o apontamento efetuado no item 2.1.1.6 também não podem prevalecer,
tendo em vista que os registros contábeis pertinentes espelham a realidade
(passaram pela verificação de auditoria, foram aprovados, sem qualquer
ressalva).
Ante a justificativa, concluiu o Corpo
Técnico:
O
Responsável limitou-se a alegar que os registros contábeis pertinentes espelham
a realidade, não juntou nenhum documento para comprovar o alegado, nem mesmo os
relatórios de auditoria que ele afirma terem sido aprovados.
Diante
disso, persiste o apontamento, devendo ser responsabilizado pela irregularidade
o Sr. Fausto Schmidt Filho.
De acordo com a Lei 6.404/76, sobre as Sociedades por ações:
Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com
base na escrituração mercantil da companhia,
as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia
e as mutações ocorridas no exercício:
I - balanço patrimonial;
II - demonstração dos lucros ou prejuízos
acumulados;
III - demonstração do resultado do exercício;
e
IV – demonstração dos
fluxos de caixa; e
V – se companhia aberta, demonstração do
valor adicionado.
(...)
Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes,
com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos
princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e
registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.
§ 4º As
demonstrações financeiras serão assinadas pelos administradores e por
contabilistas legalmente habilitados.
Sobre a controvérsia em relação aos valores
apurados, tratou sobre o assunto no tópico 2 do presente documento.
Vale relembrar que a aferição dessa
quantia se deu apenas pela listagem apresentada referente aos contratos
estabelecidos entre a OSCIP e o micro ou pequeno empresário. Assim, não se pode
certificar; visto a inexistência dos termos de parceria, prestação de contas e
registros contábeis regulares; que tal valor tenha sido o de fato emprestado
pelo Badesc.
Observa-se,
então, que a discrepância entre os
valores divulgados ao público e os valores apresentados é de aproximadamente
150 milhões de reais!
Destarte,
sugere-se a conversão do presente processo em tomada de contas especial, já que
o fato de se ter aparentemente comprovado o valor de R$ 57.825.076,00 não se faz concluir que não houve dano ao
erário, justamente pela ausência da prestação de contas e dos registros
contábeis referentes aos empréstimos do Badesc às OSCIP’s.
No que diz
respeito aos registros contábeis, observou-se que os mesmos não são eficientes para evidenciar a
realidade da empresa.
Além da previsão legal, versa o Código de Ética
Profissional dos Contabilistas que é dever do profissional da Contabilidade exercer a
profissão com zelo, diligência, honestidade e capacidade técnica, observada
toda a legislação vigente, em especial aos Princípios de Contabilidade e as
Normas Brasileiras de Contabilidade, e resguardados os interesses de seus
clientes e/ou empregadores, sem prejuízo da dignidade e independência
profissionais (art. 2º, I).
Assim,
a não comprovação da existência de tais registros contábeis, demonstram a
inobservância da legislação e do Código de Ética classista por parte do
Profissional da Contabilidade da Instituição.
Dessa
forma, reitero a manifestação no sentido de converter o presente processo em
tomada de contas especial, e acompanho o
Corpo Técnico, sugerindo a aplicação de multa ao Sr. Fausto Schmidt Filho, ante
a irregularidade pela falta de manutenção dos registros contábeis, que
ensejaram a controvérsia quanto aos valores dos empréstimos e à realidade da empresa.
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar
202/2000, manifesta-se:
1)
pelo conhecimento do Relatório de Auditoria
realizada na Agência de Fomento do
Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC,
referentes à participação das
OSCIP’s nas atividades e execução do Programa Microcrédito, para nos termos do art. 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº
202/2000;
2)
pela conversão do presente processo em tomada de contas especial, nos termos do art. 32,
da Lei Complementar Estadual nº 202/00;
3)
por considerar irregulares os seguintes atos
praticados:
3.1)
ausência de prestação de
contas e consequente liquidação regular do valor de R$ 52.825.076,00;
3.2)
criação e apoio das ONG’s pelo
BADESC com o objetivo de executar atividades inerentes à Administração do
Estado de Santa Catarina
3.3)
ausência do termo de parceria
e contratos de empréstimo;
3.4)
ausência de contratação de
auditoria independente;
3.5)
omissão quanto à manutenção de
registros contábeis eficientes que evidenciem a realidade da empresa, e a
controvérsia quanto aos valores dos empréstimos feitos às OSCIP’s.
4)
pela aplicação de
multas Srs. Arno Garbe, Diretor Presidente do BADESC (período de 04/01/1999
a 02/01/2003); Renato de Mello Vianna, Diretor Presidente do BADESC (período de 03/01/2003 a 31/03/2006); Sayde José Miguel - Diretor Presidente
do BADESC (período de 01/04/2006 a 31/05/2007); e Dalírio José Beber - Diretor Presidente do BADESC (período de 31/01/2007/atual), nos termos do art. 70, II
da Lei Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, em
virtude das irregularidades supracitadas;
5)
pela aplicação de multa
ao Sr. Fausto Schmidt Filho nos termos do art. 70, II da Lei
Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, em virtude das
irregularidades apontadas no item 6 do presente documento;
6)
pela comunicação
imediata dos fatos analisados ao Banco Central do Brasil, por trata-se
matéria ligada à instituições financeiras, o que envolve sua competência;
7)
pela comunicação do
acórdão, relatório e voto aos Responsáveis.
Florianópolis, 21 de agosto de 2012.
Diogo
Roberto Ringenberg
[1] Constituição Federal: Art.
70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial
da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e
pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único.
Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária.
[2] Art. 4o Atendido o disposto no art. 3o,
exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por
estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:
VII
- as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que
determinarão, no mínimo:
d) a prestação de contas de
todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo
único do art. 70 da Constituição Federal.
[3] CARVALHO FILHO, José
dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 23 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009. p.71
[4] Constituição do Estado de Santa Catarina:
Art. 136. Para
incrementar o desenvolvimento econômico, o Estado tomará, entre outras, as
seguintes providências:
VI - tratamento
favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte, constituídas sob as
leis brasileiras, que tenham sede e
administração no Estado, aos pescadores
artesanais e aos produtores rurais que trabalhem em regime de economia familiar, assim definidos em lei,
visando a incentivá-los mediante:
b) favorecimento
no acesso ao crédito, com a criação de programas específicos de financiamento;
[5] CARVALHO FILHO, José
dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 23 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009. p.70