PARECER nº:

MPTC/13405/2012

PROCESSO nº:

REP 09/00608226    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Campo Erê

INTERESSADO:

Germano Krause de Freitas

ASSUNTO:

Irregularidades no pagamento de verbas indenizatórias a servidores comissionados exonerados.

 

 

 

Trata-se de representação subscrita pelo Sr. Germano Krause de Freitas, Promotor de Justiça, encaminhada para apreciação desta Corte de Contas em 22-10-2009, sob o protocolo de n. 20.520/2009 (fls. 2-53).

Na peça é relata a ocorrência de supostas irregularidades no pagamento de verbas indenizatórias a servidores públicos municipais ocupantes de cargos comissionados e exonerados em 2004.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 13-15) propondo o conhecimento da representação e a determinação para que sejam adotadas as providências necessárias à apuração dos fatos apontados como irregulares.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer n. 6.973/2009 (fls. 17-18), acompanhando o posicionamento da instrução.

Por meio de novo relatório técnico (fls. 21-25), a Diretoria de Atos de Pessoal sugeriu a realização de audiência, a fim de que o Prefeito Municipal de Campo Erê, Sr. Normelio Daneluz, apresente justificativas acerca da ausência de documentação que comprove o pagamento de verbas rescisórias para os servidores comissionados, exonerados em 2004, em afronta ao Princípio da Legalidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Todavia, encaminhados os autos ao Relator, foi determinada por este a realização de diligência à Prefeitura de Campo Erê (fl. 27). Em resposta, foram apresentadas justificativas e documentos às folhas 34-212.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal encaminhou relatório de instrução (fls. 214-220), no qual reproduziu seu posicionamento manifestado às folhas 21-25.

Determinada a realização de audiência pelo Relator (fl. 222), foram encaminhados documentos e justificativas às folhas 225-472.

Através do Relatório Conclusivo n. 4.363/2012 (fls. 474-476), a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal opinou por

3.1 – CONSIDERAR IRREGULAR, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar nº 202/2000, o fato a seguir relacionado:

3.1.1 – Escolha subjetiva e imotivada dos servidores comissionados que receberam verbas rescisórias no final do ano de 2004, com consequente pagamento parcial das parcelas devidas, em afronta ao § 3º do art. 39 e ao caput do art. 37 (princípio da impessoalidade) da Constituição Federal.

3.2. APLICAR MULTA ao Prefeito Municipal de Campo Erê, Sr. Normelio Daneluz (CPF 137.410.209-15), na forma do disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, e art. 109, II e VII, do Regimento Interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000, pela irregularidade descrita no item 3.1.1 do presente relatório.

É o relatório.

Passo à análise da restrição apontada pela auditoria.

Conforme informações apresentadas pela instrução, constata-se a ausência de pagamento, pela Administração Municipal, das verbas rescisórias referentes às férias e décimo terceiro salário proporcionais aos servidores ocupantes de cargos comissionados.

Sabe-se que os cargos de provimento em comissão são de livre nomeação e exoneração, como bem estabelece o art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Nesse sentido, traz-se os ensinamentos da doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

Os cargos em comissão, ao contrário dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de confiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante. Por essa razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF) (Manual de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 516 – Grifou-se).

Muito embora não possuam a estabilidade dos demais servidores ocupantes de cargos públicos efetivos, detêm os mesmos direitos decorrentes da interpretação da norma constitucional prevista no art. 39, § 3º, da Constituição Federal, que disciplina o recebimento dos benefícios referentes ao décimo terceiro salário e gozo de férias anuais remuneradas, entre outros.

Nesse sentido, traz-se à colação o entendimento desta Corte de Contas, registrado no Prejulgado n. 0554:

Os servidores ocupantes de cargo comissionado da Administração Pública do Município de Agronômica que com ela não detenham vínculo efetivo, farão jus aos direitos e vantagens aplicáveis aos detentores de cargos efetivos, consoante dispõem os artigos 39, § 2º, da Constituição Federal, 52 e 62 da Lei Complementar nº 01/90 do referido Município, exceto as que requeiram a estabilidade para sua fruição.

Dentre as vantagens concedidas aos detentores de cargos efetivos, é reconhecido, consoante dispositivos supramencionados, o direito, aos ocupantes de cargos de provimento em comissão, da percepção do décimo terceiro salário, do salário família e do gozo de férias remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal.

E no Prejulgado n. 1773:

1.      O pagamento de salário, férias e décimo-terceiro proporcionais ou integrais, quando da rescisão de contrato dos servidores temporários e da exoneração dos ocupantes de cargos em comissão, não está contemplado na exceção prevista pelo art. 19, § 1º, inciso I, da Lei de Responsabilidade Fiscal, integrando, assim, o cálculo das despesas com pessoal.

Ainda, colaciona-se decisão de relatoria de Exma. Sra. Desa. Sônia Maria Schmitz:

Servidos público municipal. Cargo de provimento em comissão. Exoneração. Verbas rescisórias. Base de cálculo.

Rescindido o contrato do servidor público municipal, ocupante de cargo de provimento em comissão assiste-lhe o direito de perceber o décimo terceiro salário e férias proporcionais, acrescidas de 1/3 (um terço), bem como horas extras, as quais deverão ser calculadas sobre a efetiva remuneração percebida (TJSC. Ap. Cív. n. 2003.012787-9, de Araranguá, j. 10-2-2004).

Todavia, de acordo com as informações prestadas nos autos, não se observa a realização do pagamento dos valores referentes a estas verbas rescisórias quando do ato de exoneração dos servidores comissionados, em flagrante afronta ao instituto acima mencionado.

Além do mais, percebe-se a utilização de critérios subjetivos para escolha dos servidores que receberiam verbas rescisórias no final do ano de 2004, em desrespeito ao princípio da impessoalidade, instituído entre os princípios que regem a administração pública (art. 39, CF).

Nesse viés, trago um comentário da doutrina de Alexandre de Moraes sobre o princípio da igualdade, no qual o autor salienta a proibição de tratamento diferenciado entre indivíduos que se encontram na mesma situação:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.

[...]

O princípio a igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social (Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 31-32).

 Assim, evidente a transgressão ao dispositivo 39 da Constituição Federal, em face do não pagamento das verbas rescisórias devidas aos servidores ocupantes de cargo comissionado em virtude de sua exoneração, acrescido da violação ao princípio da impessoalidade na escolha de quais servidores receberiam referidas verbas, motivo pelo qual se conclui pela aplicação de multa ao responsável.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE do ato de gestão descrito no item 3.1.1 da conclusão do relatório de instrução;

2. pela APLICAÇÃO DE MULTA ao Sr. Normelio Daneluz, Prefeito Municipal de Campo Erê, em face da referida irregularidade.

Florianópolis, 2 de outubro de 2012.

 

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora