Parecer no:

 

MPTC/14.481/2012

                       

 

 

Processo nº:

 

DEN 10/00747740

 

 

 

Origem:

 

Município de Gaspar

 

 

 

Assunto:

 

Denúncia – Irregularidades atinentes à criação e provimento de cargos em comissão.

 

Trata-se de denúncia formulada pelo Sr. Aurélio Marcos de Souza às fls. 02-25, em razão de supostas irregularidades na criação e provimento de cargos comissionados no Município de Gaspar.

Foram juntados documentos de suporte às fls. 26-69.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal emitiu Relatório Técnico às fls. 70-76 e manifestou-se pelo conhecimento da Representação, entendendo presentes os requisitos de admissibilidade e o amparo legal necessário. Ao final, sugeriu:

4.1 Em preliminar conhecer da Denúncia formulada pelo Sr. Aurélio Marcos de Souza, nos termos dos arts. 95 e 96 do Regimento Interno desta Casa (Resolução n° TC-06/2001), com nova redação dada pelo art. 5º, da Resolução n° TC-05/2005, c/c o artigo 65 da Lei Complementar n. 202/2000 – Lei Orgânica do TCE;

4.2 Promover DILIGÊNCIA, com fulcro no artigo 3º da Lei Complementar nº 202/2000, com ofício à Prefeitura Municipal de Gaspar, para que encaminhe documentos e esclarecimentos necessários à instrução dos autos, no prazo de 30 (trinta) dias, conforme segue:

- Edital de Concurso Público n. 01/2008, com a respectiva Homologação do resultado final;

- Cópia do Decreto n. 3935, de 20/05/2010, que prorrogou a validade do resultado final do Concurso Público de Edital n. 01/2008;

- Atribuições do Cargo Comissionado de Assessor Administrativo, criado pela Lei Municipal n. 3224, de 09/06/2010;

- Relação dos servidores ocupantes do Cargo Comissionado de Assessor Administrativo, com as respectivas cópias dos atos de nomeação;

- Remuneração do Cargo de Assessor Administrativo supracitado;

- Controle de freqüência dos respectivos ocupantes do Cargo de Assessor Administrativo supracitado, referente ao mês de outubro de 2010.

4.3 Determinar à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP deste Tribunal, que sejam adotadas demais providências, inclusive diligências, inspeções e auditorias que se fizerem necessárias junto à Prefeitura Municipal de Gaspar, com vistas à apuração do fato apontado como irregular nos presente autos.

O Ministério Público de Contas manifestou-se às fls. 78 a 87 pelo acolhimento integral da denúncia, pela determinação cautelar de suspensão das nomeações feitas em razão da Lei Municipal 3.224/2010, pela determinação das diligências sugeridas pela Diretoria e pela comunicação ao Ministério Público Estadual a fim de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de ato de improbidade administrativa (art. 11, I e II da Lei nº 8.429/92) e do crime previsto no art. 1º, XIII do Decreto-Lei nº 201/67.

 O Conselheiro Relator emitiu decisão (fls. 88 a 90) no sentido de conhecer a denúncia e determinar a adoção de providências pela Diretoria de Controle de Atos de Pessoal para a apuração das irregularidades apontadas na denúncia.

As informações solicitadas pela Diretoria foram prestadas pelo Sr. Pedro Celso Zuchi às fls. 98 a 102, tendo sido acostados documentos às fls. 103 a 142.

Prestados os esclarecimentos, a Diretoria Técnica emitiu o relatório n. 02214/2011 (fls. 144-150) ao final do qual sugeriu:

Ante o exposto, sugere-se que seja procedida AUDIÊNCIA, nos termos do art. 29, § 1º, combinado com o art. 35 da Lei Complementar nº 202/00, do responsável PEDRO CELSO ZUCHI – Prefeito Municipal de Gaspar desde 01/01/2009 - para apresentação das justificativas a este Tribunal de Contas, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta, a respeito das irregularidades constantes do presente relatório, conforme segue:

3.1 – Nomeações dos Srs. João David de Borba, Peterson Correa, Dayro José Bornhausen e Fernando Stroisch para o cargo de Assessor Administrativo na Prefeitura Municipal de Gaspar, sem que o referido cargo tenha as suas atribuições estabelecidas por lei, em infração ao art. 37, inciso V, da Constituição Federal, além de nomear os referidos servidores para exercer função de caráter operacional e administrativo (engenharia e advocacia), conforme vislumbrado no documento acostado às fls. 48, em desrespeito ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

Em atenção a mesma, o prefeito Pedro Celso Zuchi apresentou suas justificativas às fls. 154 a 160 e juntou cópia do Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2010.048695-7 como subsídio de fundamentação.

O interessado Aurélio Marcos de Souza solicitou à fl. 175 a análise do requerimento de medida liminar constante na denúncia, referente à suspensão dos efeitos do art. 3º da Lei Municipal nº 3.224/2010.

Em despacho de fl. 177 o Conselheiro Relator indeferiu o requerimento formulado.

Após as justificativas, a DAP emitiu Relatório Final às fls.181 a 184 (não numeradas) onde conclui por:

3.1 - APLICAR MULTA ao Prefeito Municipal de aspar, Sr. Pedro Celso Zuchi (CPF 181.649.359-72), na forma do disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, e art. 109, II, do Regimento interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar a este Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000, face à seguinte irregularidade:

3.3.1 – Nomeações dos Srs. João David de Borba, Peterson Correa, Dayro José Bornhausen e Fernando Stroisch para o cargo de Assessor Administrativo na Prefeitura Municipal de Gaspar, sem que o referido cargo tenha as suas atribuições estabelecidas por lei, em infração ao art. 37, inciso V, da Constituição Federal, além de nomear os referidos servidores para exercer função de caráter operacional e administrativo (engenharia e advocacia), conforme vislumbrado no documento acostado às fls. 48, acarretando burla ao concurso público, art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

3.2 RECOMENDAR À Prefeitura Municipal de Gaspar que:

3.2.1 Nas adminissões de servidores observe o disposto no art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal, ou seja, somente nomeie servidores comissionados para exercerem as funções de direção, chefia e assessoramento.

3.3 DAR CIÊNCIA da decisão, com remessa de cópia do presente Relatório e Voto que a fundamentam ao Reponsável.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1.              Preliminar – apreciação da constitucionalidade de Lei Municipal nº 3.224/2010

Antes de adentrar no mérito, é necessário que a Corte estabeleça preliminarmente o incidente de inconstitucionalidade previsto na Resolução TCE/SC nº 06/2001, em razão da matéria discutida nos autos.  

Em manifestações de fls. 98 a 102, o então Prefeito de Gaspar Pedro Celso Zuchi sustentou, preliminarmente, a incompetência do Tribunal de Contas para apreciação da constitucionalidade de normas e atos municipais, alegando ser esta atribuição exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Afirmou que a Lei nº 3.224/2010, ao dispor sobre a estrutura administrativa do poder municipal, regulou a matéria dentro dos limites impostos pela Constituição Federal.

Requereu, ao final, a suspensão da presente denúncia, em vista de pendência perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina de julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei nº 3.224/2010, autuada sob o nº 2010.068061-0.

O Corpo Técnico manifestou-se pelo afastamento das preliminares arguidas, sob o argumento de que o Tribunal de Contas é competente para apreciar o presente caso, o qual não possui a mesma causa de pedir da ADI supracitada.

Razão não cabe ao Prefeito, visto ser competência da Corte de Contas a apreciação da validade da lei que deu suporte à criação de cargos em comissão no Município de Gaspar.

O Supremo Tribunal Federal editou o Enunciado nº 347 da sua súmula de jurisprudência, a qual dispõe que “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”.

A referida competência encontra-se expressamente prevista no Regimento Interno do Tribunal de Contas, em seu art. 149, o qual estabelece que este “no exercício de suas atribuições, poderá pronunciar-se sobre inconstitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.

Ademais, a análise acerca da constitucionalidade da lei municipal que autorizou a criação de cargos em comissão no Município de Gaspar somente terá efeitos para fins de julgamento do caso em comento. Este é o posicionamento firmado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, conforme entendimento esposado pelo Prejulgado 1783.

A inconstitucionalidade da lei em comento reside no fato de esta ser responsável pela criação de treze cargos comissionados sem, no entanto, fixar suas respectivas atribuições, desrespeitando exigência constitucional reconhecida pela jurisprudência pátria:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEIS MUNICIPAIS N.ºs 332 E 338/03, QUE CRIAM CARGOS EM COMISSÃO SEM, NO ENTANTO, DETERMINAR AS SUA ATRIBUIÇÕES EM CLARA INFRINGÊNCIA AO ART. 37, CAPUT, II, DA CF E ART. 3.º, DA LEI N.º 12/91 - ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. VÍCIO CONSTATADO. INVALIDADE QUE SE DECLARA. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA CONFIRMADA.

(...)

3. Mérito. Consoante o art. 3.º, da Lei municipal n.º 12/91, cargo público é aquele criado por lei, em número certo, com denominação própria, remunerado pelos cofres municipais, ao qual corresponde um conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a funcionários públicos. De outra banda, a criação de cargos em comissão, nos termos do art. 37, II, da CF, só é possível para fins de direção, assessoramento e chefia.

4. Dessa feita, são nulos os referidos diplomas legais que criam cargos em comissão sem, no entanto, definir suas atribuições, vez que proporcionam desvio de função e impossibilitam a fiscalização para verificar se criados, exclusivamente, para os casos permitidos em lei. Não provimento.[1]

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. CARGOS EM COMISSÃO. Mostram-se inconstitucionais disposições de Leis Municipais que criam e elevam o número de cargos em comissão, sem definir as respectivas atribuições e sem que constituam, apesar da denominação, cargos de direção, chefia ou assessoramento, para atividades burocráticas e de caráter permanente. Afronta ao art. 32, da Constituição Estadual. Ação julgada procedente.[2]

 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis municipais. Cargos de provimento em comissão. Violação dos artigos 115, II e V, e 144 da CE. 1. Compete exclusivamente ao Tribunal de Justiça Estadual julgar ação declaratória de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Estadual. 2. É inconstitucional a lei municipal que cria cargos a serem providos em comissão sem descrever-lhes as atribuições de forma a caracterizar os requisitos justificadores da confiança do nomeante para o bom andamento da Administração. Ação julgada procedente.[3]

 

Ao contrário do sustentado pelo responsável, a mera denominação do cargo não supre a exigência de especificação das funções a serem exercidas pelos seus titulares. Da mesma forma, a previsão das habilitações necessárias para a ascensão aos postos discriminados não sana a lacuna verificada na lei.

As atribuições específicas de direção, chefia ou assessoramento – caso fosse realmente esta a natureza dos cargos comissionados criados pela norma em análise – deveriam estar explicitadas de forma clara pela lei que os instituiu, visto que estas é que se constituem em elemento nuclear dos cargos. Delas decorrem os requisitos para admissão do servidor, as responsabilidades a serem confiadas a este, o limite de sua atuação e a adequada remuneração a ser percebida, sendo a responsável por conferir a verdadeira natureza do cargo.

Por tal motivo não é suficiente, para a adequação constitucional da norma, que esta preveja o nome legal do cargo, sendo essencial especificar sua atribuição, de forma a possibilitar a análise da compatibilidade deste com os pressupostos exigidos pela Constituição para essa forma excepcional de provimento.

Diante do não atendimento da exigência constitucional implícita no art. 37, V, da Magna Carta, resulta a inconstitucionalidade da Lei Municipal de Gaspar nº 3.224/2010, responsável pela criação, dentre outras providências, de treze cargos de Assessoria Administrativa.

 

2.              Contratação de servidores ocupantes de cargos comissionados sem as características de direção, chefia ou assessoramento exigidas pela Constituição Federal, artigo 37, inciso V

 

A Constituição Federal prevê claramente os requisitos necessários para a investidura em cargos públicos, estando estes expressos em seu art. 37, incisos II e V:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração

[...]

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento

O comando constitucional, ao excepcionar a regra de realização de concurso público em seu inciso V, dispõe que os referidos cargos destinam-se somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, circunstâncias nas quais se exige uma especial relação de confiança a justificar a forma diferenciada de ingresso em tal cargo. Em caso de provimento que não atenda a estes requisitos, estará caracterizado o descumprindo do preceito constitucional.

Em suas justificações de fls. 154-160, o Prefeito Celso Zuchi sustentou que não houve burla ao instituto do concurso público, uma vez que os cargos em comissão faziam-se necessários diante da exigência de relação de confiança.

Cabe analisar se as nomeações aos cargos comissionados criados pela Lei Municipal 3.224/2010 se deram, de fato, em atendimento a tais requisitos.

Verifica-se que no Município de Gaspar foram nomeados, à época da denúncia, os seguintes servidores (cópia do diário oficial municipal, às fls. 57 a 63):

Nome do Servidor

Decretos de nomeação

Cargo

Lotação

João David

de Borba

Decreto n. 3981, de 09/07/2010

Assessor Administrativo

Procuradoria

Geral do Município

Peterson

Correa

Decreto n. 4056, de 04/10/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Administração e Finanças

Dayro José

Bornhausen

Decreto n. 4043, de 21/09/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Educação

Fernando

Stroisch (exonerado)

Decreto n. 4022, de 08/09/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Planejamento e

Conforme já salientado no item 1, a Lei em comento não especificou as atribuições que viriam a ser desempenhadas pelos servidores nomeados, sendo portanto desconhecidas as finalidades das contratações realizadas.

Instado a se manifestar a respeito das reais atribuições dos cargos comissionados criados pela Lei nº. 3.224/2010, o prefeito se limitou a informar que as mesmas encontravam-se implícitas na denominação do cargo. Em virtude da ausência de maiores informações a respeito das funções a serem desempenhadas pelos contratados, foi necessária a análise das declarações prestadas pelo chefe do poder executivo municipal à imprensa local, de forma a se extrair destas o objetivo das contratações.

Em entrevista à Rádio Sentinela do Vale AM (transcrição às fls. 52- 54), realizada na data de 25/03/2010, o Sr. Pedro Celso Zuchi informou que o Município de Gaspar precisava contratar engenheiros para elaboração de projetos de reurbanização na cidade e advogados para a análise da documentação necessária à execução dos mesmos. O prefeito esclareceu, ainda, que haveria uma alternativa à forma de contratação em análise, a qual seria a terceirização de engenheiros e advogados, de forma a possibilitar a continuidade dos projetos em andamento.

Em entrevista à Rádio Nativa FM (transcrição às fl. 55), na data de 1º/06/2010 o prefeito reiterou que o projeto de Lei – que ensejou a promulgação da Lei Municipal nº. 3224/2010 – foi elaborado com o intuito de contratar engenheiros e advogados para assessorar os secretários municipais. Informou ainda que a prefeitura carecia deste tipo de profissional.

Por fim, consta em cópia da ata de reunião realizada em fevereiro de 2010 no Plenário da Câmara de Vereadores de Gaspar (fl. 48), que os futuros cargos de assessores administrativos deveriam ser preenchidos por profissionais com conhecimentos técnicos na área de direito e engenharia. Na mesma reunião, afastou-se a hipótese de terceirização de funcionários em decorrência do maior custo envolvido nesta forma de contratação do que o dispendido com a simples criação de cargos.

Caso houvesse necessidade de criação de cargos a demandar um especial vínculo de confiança, não se cogitaria da possibilidade de contratação de terceirizados para a realização das mesmas atribuições, não podendo suposto vínculo ser utilizado como fundamento para a criação dos cargos em análise.

As atribuições alardeadas pelo prefeito, quais sejam, a elaboração de pareceres jurídicos e a atuação profissional em torno de projetos de engenharia, afeiçoam-se aos vínculos normais de confiança que se estabelecem entre a administração pública e seus servidores.

O responsável não comprovou nos autos que as nomeações para os cargos acima especificados destinavam-se ao exercício de atividades relacionadas às funções de direção, chefia ou assessoramento, para as quais se necessita de agente de confiança da autoridade nomeante. Natural, visto que os cargos desempenhados pelos servidores no presente caso não possuem esta configuração, estando as funções desenvolvidas inseridas na categoria de atividades técnicas, de natureza permanente e contínua, não demandantes de vínculos especiais de confiança a justificar a contratação com amparo no art. 37, V, da Carta Magna.

A esse respeito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO POPULAR. Pirassununga. Assessor jurídico. Emprego público em comissão. Contrata­ção sem concurso. LM n"1.695/86 e 3.245/04. Advogados concursados à espera de contra­tação. Despedida determinada pela juíza. - 1. Litisconsórcio. Não se forma litisconsórcio necessário entre os réus e outras autoridades e advogados que, em ocasião anterior, te­nham sido contratados para o mesmo cargo em comissão. Situações individuais que devem ser analisadas individualmente. - 2. Gratuidade de justiça. A gratuidade de Justiça não podia mesmo ser concedida aos réus Octávio e Viviane. Não devia ter sido concedida à ré Carmem Karine, advogada, sócia em escritório de renomado advogado, Procurador Geral do Município e com relevante prática na cidade; causa espécie que o pedido tenha sido fei­to. Fica revogado. - 3. Cargo em comissão. O art. 37 V da Constituição Federal permite a nomeação em comissão para cargos de direção, chefia e assessoramento, em que não se enquadram os cargos técnicos de advogado; e o art. 66 a 68 da Lei Orgânica do Município atribuem a assessoria do Executivo à Procuradoria do Município, com admissão mediante concurso público. A LM n" 3.245/04, que procurou reviver os cargos em comissão de asses­sor jurídico, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. Inconstitucionalidade e ilegalidade da contratação dos réus, sem prévio concurso público. - 4. Ressarcimento. Não se põe em dúvida que os serviços tenham sido prestados, apesar da nulidade da con­tratação. Inclinou-se a jurisprudência em, nesses casos, não determinar a devolução dos salários ou a restituição ao erário, para evitar o enriquecimento ilícito da administração.

-Procedência parcial. Apelo do autor popular provido em parte para revogar a gratuidade de justiça concedida a Carmem Karine. Apelo dos réus provido em parte para julgar impro­cedente o pedido de devolução dos salários e honorários advocatícios, com alteração na sucumbência. (grifo nosso)[4]

Não bastasse a contratação irregular, à época dos fatos já havia candidatos aprovados em concurso público (edital n. 01/2008) aptos a preencher os cargos de engenheiro agrimensor e civil (resultado disponível no endereço http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_249.pdf e  http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_251.pdf) e o cargo de advogado (http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_267.pdf), tendo inclusive a validade do certame sido prorrogada por mais dois anos, por meio do Decreto nº. 3935/2010 (fls. 65).

Segundo o memorando nº. 009/2011 (fls. 113) emitido pela Secretaria Municipal de Administração e Finanças do Município de Gaspar na data de 19/04/2011, das 13 (treze) vagas para o cargo de Assessor Administrativo, criadas pela Lei nº. 3224/2010, seis estão atualmente ocupadas (fls. 114), sendo que destas apenas uma é ocupada por um servidor efetivo.

 

3.              Da possível caracterização de crime e/ou ato de improbidade

A contratação ao arrepio da regra constitucional, é importante que se ressalte, pode tipificar, pelo menos em tese, o crime previsto no art. 1º, XIII do Decreto- Lei nº 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(...)

XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;

(...)

§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

 

Há a possibilidade também de que se caracterize ato de improbidade administrativa nos termos do que prevê o art. 11, I e II da Lei 8.429/92:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

 

Por esta razão, deve a Corte comunicar o fato ao Ministério Público Estadual para que aquele órgão, titular de prerrogativas específicas previstas da Constituição Federal, atue como melhor entender.

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

preliminarmente,

1)              nos termos do art. 150 da Resolução nº TC 06/2001, pela deliberação plenária sobre a constitucionalidade da norma municipal n. 3.224/2010, responsável pela criação de cargos comissionados no Município de Gaspar sem a previsão de suas respectivas atribuições, em afronta ao disposto no art. 37, inciso V, da Constituição Federal;

no mérito,

2)              Pela aplicação de multa ao Sr. Pedro Celso Zuchi, Prefeito Municipal de Gaspar. Julio Cesar Ribeiro, nos termos do art. 70, II da Lei Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, em virtude da seguinte irregularidade:

2.1)     Nomeação dos Srs. João David de Borba, Peterson Correa, Dayro José Bornhausen e Fernando Stroich para o cargo de Assessor Administrativo na Prefeitura Municipal de Gaspar, possuindo este caráter operacional e administrativo, caracterizando burla ao concurso público, em descumprimento ao estabelecido no art. 37, II e VI, da Constituição Federal;

3)              Pela determinação ao Município de Gaspar:

3.1)     Para que adote as providências necessárias para a criação de cargos em provimento efetivo, atualmente ocupados por servidores em caráter comissionado;

3.2)     Pela comprovação à Corte da adoção das providências acima estipuladas, dentro do prazo de 90 dias, contados da data da publicação da decisão exarada pelo Tribunal no Diário Oficial;

4)              Com fundamento no art. 71, XI da Constituição Federal; art. 59, XI da Constituição Estadual; art. 1º XIV e art. 18, § 3º e/ou 65, § 5º da Lei Complementar nº 202/2000; art. 7º da Lei Federal nº 7.347/85; nos arts. 14 c/c 22 da Lei Federal nº 8.429/92; art. 43, VIII da Lei Federal nº 8.625/93 (LONMP); art. 35, I c/c 49, II da Lei Complementar nº 35/79 (LOMAN) e no art. 24, § 2º c/c art. 40 do Decreto-Lei n° 3.689/41, pela comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de ato de improbidade administrativa, capitulado no art. 11, I e II da Lei 8.429/92 e do crime previsto no art. 1º, XIII do Decreto-Lei nº 201/67.

5)              Pela comunicação do acórdão, relatório e voto ao Responsável.

Florianópolis, 9 de novembro de 2012.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 



[1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70013063201. Quarta Câmara Cível. Comarca de São José do Norte. Relator: Desembargador Wellington Pacheco Barros. Julgado em 28/12/2005

[2] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Tribunal Pleno.  ADI n. 70008013906. Relator: Leo Lima. Julgado em 13/09/2004

[3] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Órgão Especial. ADI 994092308314. Relator: Laerte Sampaio.  Julgado em 14/07/2010

[4] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação n. 994090035259 (9006635500). 10ª Câmara de Direito Público Relator: Torres de Carvalho. Relator: Torres de Carvalho. Julgado em 03/05/2010