PARECER nº:

MPTC/15021/2012

PROCESSO nº:

REP 12/00174744    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Cunha Porã

INTERESSADO:

Eduardo Munhoz Lino de Almeida

ASSUNTO:

Irregularidades no edital de Pregão Presencial n. 10/2012, para aquisição de uma retroescavadeira.

 

 

 

 

 

Trata-se de representação subscrita pelo Sr. Marco Antônio Ribeiro Feitosa – Procurador do Sr. Eduardo Munhoz Lino de Almeida, representante da Empresa MAKBRASIL – Importação de Máquinas e Equipamentos Ltda., recebida sob o número 7.528/2012 (fls. 2-5).

É relatada a ocorrência de supostas irregularidades no Edital do Pregão Presencial n. 10/2012 da Prefeitura Municipal de Cunha Porão, referente à aquisição de uma retroescavadeira.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico (fls. 29-47), opinando pelo conhecimento da representação, pela não suspensão do Edital e pela promoção de audiência da Sra. Luzia Iliane Vacarin, Prefeita Municipal, para que apresente alegações de defesa em face da irregularidade abaixo:

- Exigência da comprovação de que a marca tenha fábrica em território brasileiro, conforme previsto no item 5.1.7 do Edital do Pregão Presencial nº 34/12 da Prefeitura Municipal de Cunha Porã, o que restringe, o que restringe a participação de licitantes, contrariando o disposto §5º do artigo 7º da Lei Federal nº 8.666/93 c/c inciso I do parágrafo 1º do artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93.

Na mesma linha, este órgão ministerial emitiu o Parecer n. 10.219/2012 (fls. 48-49), posição esta seguida também pelo Relator por meio do despacho de folhas 50-52.

Efetuada a citação (fls. 53-57), foram encaminhadas alegações de defesa às folhas 58-61.

Consoante o Relatório de Reinstrução n. 773/2012 (fls. 73-81), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugeriu a procedência da representação e a aplicação de multa à responsável, Sra. Luzia Iliane Vacarin, Prefeita Municipal, em face da irregularidade elencada no item 3.1.1.

É o relatório.

Passo à análise da irregularidade apontada pela reinstrução.

Exigência de fabricação nacional no Edital do Pregão Presencial n. 10/2012 da Prefeitura Municipal de Cunha Porã.

A exigência do Edital do Pregão Presencial n. 10/2012 (fls. 12-21) da Prefeitura Municipal de Cunha Porã, no item 1.1, de que o bem a ser adquirido seja de fabricação nacional, mostra-se impertinente e com alto potencial de restringir e frustrar o caráter competitivo da licitação.

O responsável alegou, em sede de defesa, que a licitação se compatibilizou com a promoção do desenvolvimento nacional, introduzida em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei n. 12.349/2010, e com a preservação do interesse público, a medida que dá preferência a máquinas de fabricação nacional que disponham de baixo custo de manutenção.

Primeiramente, cabe refutar a alegação de preclusão do direito de impugnar, posto que, em conformidade com o art. 41, § 1º, da Lei Federal n. 8.666/1993:

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

§ 1º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1º do art. 113.

E, assim, complementando referido regramento, o art. 113, § 1º, dispõe que “qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei”.

Portanto, refuta-se tal tese, em virtude da independência do direito de representar frente à impugnação do ato administrativo.

Assim, conforme o art. 3º, § 1º, I, da Lei n. 8.666/2010, cuja redação foi alterada pelo normativo supramencionado, é vedado aos agentes públicos admitirem cláusulas que restrinjam o caráter competitivo da licitação.

Está consagrado em nossa Carta Magna o princípio da isonomia, diante do qual deverá a administração assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes, impedindo a utilização de exigências prescindíveis ao bom cumprimento do objeto (art. 37, XXI, CF).

Em igual sentido, dispõe a Lei n. 8.666/1993:

Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1º - [...]

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Dos ensinamentos do ilustre CARVALHO FILHO[1], extraímos que a

igualdade na licitação significa que todos os interessados em contratar com a Administração devem competir em igualdade de condições, sem que a nenhum se ofereça vantagem não extensiva a outro. O princípio, sem dúvida alguma, está intimamente ligado ao da impessoalidade: de fato, oferecendo igual oportunidade a todos os interessados, a Administração lhes estará oferecendo também tratamento impessoal.

Isso porque, conquanto se esteja a buscar em discutido edital a garantia de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF), não se pode perder de vista, na elaboração do edital de licitação, os princípios que norteiam a administração pública.

Não se quer aqui, frise-se, garantir a plena igualdade entre os candidatos, posto que a própria escolha da proposta mais vantajosa para a administração acaba por diferenciá-los. Quer-se, ao contrário, impedir a inserção de cláusulas que, arbitrariamente, sejam formuladas em proveito ou detrimento de alguém.

A finalidade de tal princípio é assegurar a igualdade de oportunidade a todos os interessados, para que possam enviar suas propostas em conformidade com as especificações técnicas do edital, e garantir a competição entre os concorrentes, sem que haja favorecimentos pessoais em benefício de terceiros. Tal garantia se dá, também, em observância ao consagrado princípio da moralidade e da probidade administrativa.

Sobre o tema, traz-se à colação os comentários de JUSTEN FILHO[2] em sua obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”:

Há equívocos em supor que a isonomia veda diferenciação entre os particulares para contratação com a Administração. A Administração necessita contratar terceiros para realizar seus fins. Logo, deve escolher o contratante e a proposta. Isso acarreta inafastável diferenciação entre os particulares. Quando a Administração escolhe alguém para contratar, está efetivando uma diferenciação entre os interessados. Em termos rigorosos, está introduzindo um tratamento diferenciado para os terceiros.

A diferenciação e o tratamento discriminatório são insuprimíveis, sob esse ângulo. Não se admite, porém, a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em um instrumento jurídico para afastar a arbitrariedade na seleção do contratante. Portanto, o ato convocatório deverá definir, de modo objetivo, as diferenças que são reputadas relevantes para a Administração.

Ainda, acerca do dever de isonomia, presente no princípio da impessoalidade, elucida Lucas Rocha Furtado[3]:

A partir dessa perspectiva, o princípio da impessoalidade requer que a lei e a Administração Pública confiram aos licitantes tratamento isonômico, vale dizer, não discriminatório. Todos são iguais perante a lei e o Estado. Este é o preceito que se extrai da impessoalidade quando examinado sob a ótica da isonomia.

A isonomia, ou o dever que a Constituição impõe à Administração Pública de conferir tratamento não diferenciado entre os particulares, é que justifica a adoção de procedimentos como o concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos ou a licitação para a contratação de obras, serviços, fornecimentos ou alienações. Esta é a razão pela qual a própria Lei nº 8.666/93 indica a isonomia como uma das finalidades da licitação.

E, da preleção de BANDEIRA DE MELLO[4], extrai-se que referido princípio

implica o dever não apenas de tratar isonomicamente todos os que afluírem ao certame, mas também o de ensejar oportunidade de disputa-lo a quaisquer interessados que, desejando dele participar, podem oferecer as indispensáveis condições de garantia. É o que prevê o já referido art. 37, XXI, do Texto Constitucional. Aliás, o § 1º do art. 3º da Lei n. 8.666 proíbe que o ato convocatório do certame admita, preveja, inclua ou tolere cláusulas ou condições capazes de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório e veda o estabelecimento de preferências ou distinções em razão da naturalidade, sede ou domicílio dos licitantes, bem como entre empresas brasileiras ou estrangeiras, ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o objeto do contrato.

Deste modo, não há como concluir por legítima a exigência para que os produtos licitados sejam de fabricação nacional, visto que em momento algum a lei permite a exclusão de produtos estrangeiros do certame licitatório ou o estabelecimento de diferenças em razão da nacionalidade dos licitantes. Ao contrário, a Lei de Licitações é expressa ao determinar que a qualidade de produção nacional será exigida para fins de critérios de desempate (art. 3º, § 2º, II, da Lei n. 8.666/1993), e não para limitação do caráter competitivo da licitação.

Ademais, deve-se levar em conta que tais exigências deveriam guardar pertinência com o objeto da licitação, o que não ocorreu no presente caso, pois o fato de o produto ser produzido fora do território nacional não o torna inapto ou menos apto à satisfação das necessidades da administração.

Ao apreciar hipótese semelhante (aquisição de maquinário), o Tribunal de Contas de Rondônia[5] assim decidiu:

Edital de licitação. Pregão. Fiscalização de atos e contratos. Preliminar. Deslocamento da competência para o Pleno. Relevância e controvérsia da matéria. Exigência de procedência nacional do produto licitado. Característica não intrínseca do produto. Ausência de motivação concreta. Restrição indevida à livre concorrência. Violação ao princípio da ampla competitividade. Irregularidade insanável. Procedência parcial.

Pelo exposto, em discordância parcial com o parecer do Ministério Público de Contas, e dissentindo do entendimento Técnico, e nos termos do art. 38, I, “b” c/c art. 42 da Lei n. 154/96 e art. 61, inciso I, alínea “b” do RITC/RO, apresento a este Egrégio Tribunal o seguinte voto:

[...]

II – Considerar ilegal a exigência de que o maquinário (escavadeira hidráulica e veículos) seja de fabricação nacional prevista no Edital de Pregão Presencial n. 378/2012/SUPEL, pois violadora do caráter competitivo do certame, em afronta ao art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93 e ao art. 3º, inciso II, da Lei n. 10.520/02, e:

a) Fixar o prazo de 15 (quinze) dias para que os responsáveis pela SUPEL/RO adote as medidas necessárias para o exato cumprimento da lei, no sentido de promover a anulação do Edital do Pregão Presencial 378/2012/SUPEL;

b) Determinar a abstenção de incluir em editais no âmbito estadual qualquer cláusula que exija que o bem seja ofertado obrigatoriamente de fabricação nacional;

c) Determinar a abstenção de incluir em editais de licitação, especificações técnicas de bens que possam caracterizar direcionamento a um dado fabricante, a não ser que presentes nos autos do procedimento licitatório justificativa consistente e objetiva que apontem a necessidade e o benefício a ser gerado ao ente contratante.

Também a Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais já se posicionou, em juízo preliminar, no sentido de que a exigência para que o produto licitado seja de fabricação nacional configura restrição indevida ao caráter competitivo do certame, a saber[6]:

Considerados os fundamentos acima transcritos, vislumbra-se o caráter restritivo do procedimento ao reduzir o universo de possíveis interessados em participar do certame, a exemplo das empresas que adquirem os bens de fornecedores internacionais.

[...]

Diante do exposto, é possível averiguar, neste primeiro momento, a existência de vício no procedimento ora focado, que compromete a sua legalidade, o que justifica a adoção de medida acautelatória de suspensão do certame.

Assim, encontrando-se preenchidos os requisitos legais do periculum in mora e do fumus boni iuris, determino, liminarmente, a suspensão do procedimento licitatório, com fulcro no art. 76, XIV e XVI da Constituição Estadual e art. 60 da Lei Complementar 102/2008, procedendo-se, COM URGÊNCIA, a intimação, por e-mail e fac-símile do Prefeito Municipal de Piranga e do Pregoeiro, para que suspendam o certame na fase em que se encontra, encaminhando, no prazo de 05 (cinco) dias, cópia da publicação da referida suspensão, devendo o ofício conter advertência de que o descumprimento destas imposições poderá importar na aplicação de multa pessoal, nos termos do art. 85, inciso III, da Lei Complementar n. 102/2008.

Em face de todo o exposto, não verifico razões para a manutenção da referida exigência editalícia, e concluo que se trata de restrição indevida ao caráter competitivo do certame licitatório.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1.     pela IRREGULARIDADE, com fulcro no art. 36, § 2º, a da Lei Complementar n. 202/2000, do ato de gestão descrito no item 3.1.1 da conclusão do relatório de instrução;

2.     pela APLICAÇÃO DE MULTA à responsável, Sra. Luzia Iliane Vacarin, já qualificada, na forma do disposto no art. 70, incisos II, da Lei Complementar n. 202/2000, em face da exigência de critérios restritivos à participação de empresas no Edital do Pregão Presencial n. 10/2012.

Florianópolis, 11 de dezembro de 2012.

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 

 

 



[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 208.

 

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 44.

 

[3] Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 37.

 

[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 500-501.

 

[5] TCE/RO. Processo n. 3.414/2012. Rel. Conselheiro Adílson de Souza Silva, j. 25-10-2012.

 

[6] TCE/MG. Processo n. 863.231/2012. Segunda Câmara, julgado em 8-3-2012.