PARECER nº:

MPTC/15794/2013

PROCESSO nº:

REP 11/00652474    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Cunhataí

INTERESSADO:

Adair Werlang

ASSUNTO:

Irregularidade concernente à alteração de carga horária de servidores.

 

 

 

Trata-se de representação subscrita pelos Srs. Adair Werlang, Adelar P. Schmitz, Léo A. Klauck, Jaime L. Warken e Leandro Weberich, Vereadores da Câmara Municipal de Cunhataí, recebida sob o número 23.015/2011 (fls. 2-5), para análise deste Tribunal de Contas.

É relata a ocorrência de supostas irregularidades na alteração, mediante portaria, da carga horária de dois servidores titulares de cargos efetivos aprovados no certame público n. 1/2011 para os cargos de enfermeiro padrão e médico veterinário, de 20 (vinte) horas para 40 (quarenta) horas semanais.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 16-23), propondo o conhecimento da representação e a promoção de diligência para que a Prefeitura Municipal de Cunhataí encaminhe os documentos apontados às folha 21-22.

Na mesma trilha seguiu o parecer ministerial (fls. 25-26).

O Relator exarou despacho (fls. 27-29), determinando a promoção das referidas diligências junto à Prefeitura Municipal de Cunhataí.

Efetuada a diligência (fl. 37), foram encaminhados documentos às folhas 38-198.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório técnico (fls. 201-204), opinando pela realização de audiência do Sr. Erno Menzel, Prefeito Municipal, para apresentação de justificativas acerca da seguinte restrição:

3.1 – Majoração da carga horária semanal de titulares de cargo público efetivo da Prefeitura de Cunhataí (enfermeiro padrão e médico veterinário) com carga de 20 horas passando para 40 horas horas semanais, sem autorização em lei específica que tenha alterado a carga horaria dos referidos cargos no Plano de Cargos e Salários da Unidade Gestora.

Realizada a citação (fls. 205-206), foram encaminhadas justificativas às folhas 207-212.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal apresentou relatório conclusivo (fls. 214-217), sugerindo o julgamento irregular, a aplicação de multa ao Sr. Erno Menzel, Prefeito Municipal, em face da restrição apontada no item 3.1 da conclusão do relatório de instrução.

É o relatório.

Em sua defesa, o Sr. Erno Menzel, já qualificado, justificou seus atos com base na autorização contida no art. 225 da Lei Complementar Municipal n. 2/2007 e na necessidade de ampliação da carga horária para atendimento à demanda de serviços municipais.

Conforme se extrai do art. 92, § 2º, da Lei Orgânica do Município de Cunhataí, a jornada de trabalo dos servidores municipais é limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, em conformidade com os ditames do art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal. Entretanto, a Lei Municipal n. 455/2005 fixou a carga horária de 20 (vinte) horas semanais para os cargos de enfermeiro padrão e médico veterinário.

Desta forma, ao fixar um horário especial de trabalho especialmente voltado a duas únicas servidoras ocupantes desses cargos, sem lei específica sobre o tema e sem nenhuma justificativa concreta, creio que resta violado, além do princípio da legalidade, também o princípio da impessoalidade, previstos no caput do artigo 37 da Constituição.

Verifica-se de forma mais clara o desrespeito a este princípio basilar da administração pública nas palavras de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, os quais explicam que: “[...] o princípio da impessoalidade consubstancia a ideia de que a Administração Pública, enquanto estrutura composta de órgãos e de pessoas incumbidos de gerir a coisa pública, tem de desempenhar esse múnus sem levar em conta interesses pessoais, próprios ou de terceiros, a não ser quando o atendimento de pretensões parciais constitua concretização do interesse geral. [...] O princípio da impessoalidade, por outro lado, convoca o da igualdade, na medida em que este último postulado impõe aos agentes públicos, em geral, e não apenas ao administrador, medir a todos com o mesmo metro [1][1] [grifei].

José dos Santos Carvalho Filho, na mesma linha, entende que “[...] para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros” [2][2].

Para a alteração da carga horária de referidos cargos, em observância às diretrizes insculpidas na Carta Magna, deveria o ato estar amparado em ato legislativo municipal específico, e não apenas sob a forma de portaria.

Nesse sentido, inclusive, já se manifestou este Tribunal de Contas no seguinte prejulgado:

Prejulgado 1449

A alteração da carga horária de servidor público é assunto de interesse local, sendo de competência dos municípios disciplinar acerca da matéria, conforme determina o inciso I do art. 30 da Constituição Federal.

No regime estatutário, o Município detém poder discricionário para unilateralmente, mediante lei formal, modificar as condições do serviço e a remuneração dos ocupantes de cargos públicos, inclusive a carga horária de trabalho, a cujo cumprimento estão eles obrigados, haja vista não terem direito adquirido em relação a ela, salvo se a lei que regulamentar sua alteração dispuser de modo diverso.

O aumento da carga horária de um determinado cargo público não exige a realização de novo concurso público para seu provimento, desde que sejam mantidas as atribuições e responsabilidades cometidas ao servidor público nele lotado.

O acréscimo de horas laboradas gera um incremento na despesa de pessoal, devendo o Município observar as condições, exigências e limitações impostas pelo art. 169 da Constituição Federal e arts. 17, 19, 20, 22 e 23 da Lei Complementar n. 101/00, sob pena de nulidade dos atos, conforme preceitua o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No que tange ao recolhimento para o instituto de previdência, a alíquota definida no estatuto dos servidores deve incidir sobre o acréscimo, uma vez que aquele valor irá compor a nova remuneração mensal do servidor.

Assim sendo, percebe-se que a alteração da carga horária das servidoras Lidiane Magali Klauck e Fabiane Luisa Kunzler Hoss para um horário incompatível com o disposto na legislação específica e sem nenhuma justificativa plausível afronta o princípio da impessoalidade, um dos pilares do correto funcionamento da Administração Pública.

Deste modo, inevitável que permaneça a restrição apontada pela instrução, com a devida aplicação de multa.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1.     pela IRREGULARIDADE, com fulcro no art. 36, § 2º, a, da Lei Complementar n. 202/2000, do ato de gestão descrito no item 3.1 da conclusão do relatório de instrução;

2.     pela APLICAÇÃO DE MULTA ao responsável, Sr. Erno Menzel, já qualificado, na forma do disposto no art. 70, incisos II, da Lei Complementar n. 202/2000, em face de citada irregularidade.

Florianópolis, 6 de março de 2013.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1][1] MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 2. ed.– São Paulo : Saraiva, 2008. 883 p.

[2][2] FILHO, J. S. C. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006. 17 p.