PARECER nº:

MPTC/15796/2013

PROCESSO nº:

REP 12/00152260    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Concórdia

INTERESSADO:

César Smielevski

ASSUNTO:

Irregularidades no edital de Concorrência Pública n. 09/2010 e contrato decorrente, para fornecimento de sistemas, incluindo customização, implantação, treinamento, suporte técnico e manutenção.

 

 

 

Trata-se de representação subscrita pelo Sr. Ernesto Muniz de Souza Jr. – Procurador do da Empresa Betha Sistemas LTDA. - recebida sob o número 6.330/2012 (fls. 2-114).

É relatada a ocorrência de supostas irregularidades no Edital de Concorrência n. 09/2010, o qual tinha como objeto a contratação de sistemas, incluindo customização, implantação, treinamento, suporte técnico e manutenção, para o município de Concórdia.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico (fls. 115-121), opinando pelo conhecimento da representação e pela promoção de audiência dos Srs. João Girardi, Prefeito Municipal de Concórdia, e Beatriz Fátima Cordeiro da Silva Rosa, Secretária de Administração, para que apresentassem alegações de defesa em face das irregularidades abaixo:

4.2.1. Ausência de cumprimento ao prazo definido no item 6.3.4 do Edital de Concorrência 09/2010, em desacordo com o artigo 66 da Lei 8.666/93;

4.2.2. Edital de Concorrência nº 09/2010, para aquisição de sistemas para toda a administração pública municipal, com prazo reduzido para implantação, restringindo a participação dos interessados, em desacordo com o princípio da igualdade previsto no artigo 3º, caput, da Lei 8.666/93, admitindo cláusulas que frustram o caráter competitivo do certame, em afronta ao § 1º, inciso I do mesmo artigo.

Na mesma linha, este órgão ministerial emitiu o Parecer n. 11.549/2012 (fls. 122-123), posição esta seguida também pelo Relator por meio do despacho de folhas 124-126.

Efetuada a citação (fls. 130-134), foram encaminhadas alegações de defesa às folhas 135-1019.

Consoante o Relatório de Reinstrução n. 809/2012 (fls. 1026-1028), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugeriu a procedência da representação e a aplicação de multa ao responsável, Sr. João Girardi, Prefeito Municipal, em face das irregularidades elencadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2.

É o relatório.

Apesar de haver a possibilidade de se perquirir acerca da responsabilidade dos servidores vinculados à Secretaria Municipal de Administração, não se pode olvidar de que o gestor assinou os contratos firmados com as empresas vencedora dos certames licitatórios e os termos aditivo.

E ainda, que houvesse a plena delegação de competências, entendo que cabe também ao gestor a responsabilização em face da sua culpa in eligendo e culpa in vigilando.

Por "culpa in eligendo" entende-se ser a responsabilidade atribuída àquele que deu causa à má escolha do representante ou preposto e a "culpa in vigilando" refere-se à ausência de fiscalização das atividades dos subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes.

Esse Tribunal de Contas, mediante o inciso III do art. 1º de sua Lei Orgânica n. 202/2000, descreve como uma de suas competências julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município.

Em função do cargo ocupado, o então Prefeito Municipal se amoldava exatamente ao conceito de responsável pela administração de dinheiro, bens e valores públicos, em consonância com a definição de responsável do art. 133, § 1º, letra a, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, litteris:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º. Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário [grifei].

Além disso, cumpre registrar que a execução de tarefas ordinárias da entidade configura delegação interna de competência e reflete, tão-somente, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito da Prefeitura, pois não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo de chefia máxima executasse diretamente todas as atividades cotidianas.

Ou seja, ainda que houvesse uma delegação interna para a execução de serviços técnicos e/ou burocráticos, o titular da Unidade Gestora não se exime da condição de responsável pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e controle que lhe são afetas.

Ainda na seara da responsabilização do gestor, trago da jurisprudência do Tribunal de Contas da União alguns julgados, que refletem o entendimento ainda mais restritivo daquela Corte de Contas, pois nem mesmo a delegação formal de competência afastaria a responsabilização do gestor em face da sua culpa in elegendo e in vigilando. Veja-se :

1.      Acórdão 1.247/2006-TCU-1ª Câmara:

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO.

1. A delegação de competência não transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados.

O Prefeito é responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando [grifei]

2.      Acórdão 1.843/2005-TCU-Plenário:

LICITAÇÃO. PEDIDO DE REEXAME. AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DE ATOS DELEGADOS. (...)

A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato [ grifei].

Suas argumentações não obtiveram êxito na pretensão de afastar sua responsabilidade. A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato. É obrigação do ordenador de despesas supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre (naquilo que estiver a seu alcance) o responsável inafastável.

3.      Acórdão 1.619/2004-TCU-Plenário:

É entendimento pacífico no Tribunal que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão 54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001 - Segunda Câmara, in Ata 10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização subordinados, diante da culpa in eligendo e da culpa in vigilando [grifei].

4.      Acórdão 1.432/2006-TCU-PLENÁRIO:

(...) RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PELAS ATRIBUIÇÕES DELEGADAS. FISCALIZAÇÃO DEVIDA. (…)

(...) 2. Atribui-se a culpa in vigilando do Ordenador de Despesas quando o mesmo delega funções que lhe são exclusivas sem exercer a devida fiscalização sobre a atuação do seu delegado [grifei].

Portanto, entendo que não se pode atribuir exclusivamente ao(s) servidor(es) que executou(aram) determinada tarefa a responsabilidade pelas falhas praticadas.

Pode-se até cogitar a possibilidade de aferir a responsabilização dos agentes executores de determinado ato administrativo, o que não afasta a do administrador, que deve ser imputada ao menos de forma solidária com o seu executor. Trata-se do ônus inerente ao exercício do cargo que ocupa.

Entendo que remanesce a responsabilidade – repiso, ao menos solidária – do ora recorrente em virtude dos atos praticados sob a sua gestão, o que impede a sua exclusão do pólo passivo dessa demanda.

Passo à análise das irregularidades apontadas pela reinstrução.

1. Edital de Concorrência n. 9/2010, para aquisição de sistemas para toda a administração pública municipal, com prazo reduzido para implantação, restringindo a participação dos interessados, em desacordo com o princípio da igualdade previsto no art. 3º, caput, da Lei n. 8.666/1993, admitindo cláusulas que frustram o caráter competitivo do certame, em afronta ao § 1º, inciso I, do mesmo artigo.

A exigência do Edital de Concorrência n. 9/2010 (fls. 25-40) da Prefeitura Municipal de Concórdia, no item 6.3.4, de que a licitante “disponibilizará e implantará, até o prazo máximo de 31 de dezembro de 2011, todos os sistemas a serem contratados através de plataforma web browser”, mostrou-se impertinente e com alto potencial de restringir e frustrar o caráter competitivo da licitação.

O responsável alegou, em sede de defesa, que o prazo mínimo de 1 (um) ano não pode ser considerado exíguo, visto que a linguagem de programação PHP para web browser é um programa já disponível gratuitamente desde o final da década de 90.

Conforme o art. 3º, § 1º, I, da Lei n. 8.666/2010, cuja redação foi alterada pelo normativo supramencionado, é vedado aos agentes públicos admitirem cláusulas que restrinjam o caráter competitivo da licitação.

Está consagrado em nossa Carta Magna o princípio da isonomia, diante do qual deverá a administração assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes, impedindo a utilização de exigências prescindíveis ao bom cumprimento do objeto (art. 37, XXI, CF).

Em igual sentido, dispõe a Lei n. 8.666/1993:

Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1º - [...]

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Dos ensinamentos do ilustre CARVALHO FILHO[1], extraímos que a

igualdade na licitação significa que todos os interessados em contratar com a Administração devem competir em igualdade de condições, sem que a nenhum se ofereça vantagem não extensiva a outro. O princípio, sem dúvida alguma, está intimamente ligado ao da impessoalidade: de fato, oferecendo igual oportunidade a todos os interessados, a Administração lhes estará oferecendo também tratamento impessoal.

Não se quer aqui, frise-se, garantir a plena igualdade entre os candidatos, posto que a própria escolha da proposta mais vantajosa para a administração acaba por diferenciá-los. Quer-se, ao contrário, impedir a inserção de cláusulas que, arbitrariamente, sejam formuladas em proveito ou detrimento de alguém.

A finalidade de tal princípio é assegurar a igualdade de oportunidade a todos os interessados, para que possam enviar suas propostas em conformidade com as especificações técnicas do edital, e garantir a competição entre os concorrentes, sem que haja favorecimentos pessoais em benefício de terceiros. Tal garantia se dá, também, em observância ao consagrado princípio da moralidade e da probidade administrativa.

Sobre o tema, traz-se à colação os comentários de JUSTEN FILHO[2] em sua obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”:

Há equívocos em supor que a isonomia veda diferenciação entre os particulares para contratação com a Administração. A Administração necessita contratar terceiros para realizar seus fins. Logo, deve escolher o contratante e a proposta. Isso acarreta inafastável diferenciação entre os particulares. Quando a Administração escolhe alguém para contratar, está efetivando uma diferenciação entre os interessados. Em termos rigorosos, está introduzindo um tratamento diferenciado para os terceiros.

A diferenciação e o tratamento discriminatório são insuprimíveis, sob esse ângulo. Não se admite, porém, a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em um instrumento jurídico para afastar a arbitrariedade na seleção do contratante. Portanto, o ato convocatório deverá definir, de modo objetivo, as diferenças que são reputadas relevantes para a Administração.

Ainda, acerca do dever de isonomia, presente no princípio da impessoalidade, elucida Lucas Rocha Furtado[3]:

A partir dessa perspectiva, o princípio da impessoalidade requer que a lei e a Administração Pública confiram aos licitantes tratamento isonômico, vale dizer, não discriminatório. Todos são iguais perante a lei e o Estado. Este é o preceito que se extrai da impessoalidade quando examinado sob a ótica da isonomia.

A isonomia, ou o dever que a Constituição impõe à Administração Pública de conferir tratamento não diferenciado entre os particulares, é que justifica a adoção de procedimentos como o concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos ou a licitação para a contratação de obras, serviços, fornecimentos ou alienações. Esta é a razão pela qual a própria Lei nº 8.666/93 indica a isonomia como uma das finalidades da licitação.

E, da preleção de BANDEIRA DE MELLO[4], extrai-se que referido princípio

implica o dever não apenas de tratar isonomicamente todos os que afluírem ao certame, mas também o de ensejar oportunidade de disputa-lo a quaisquer interessados que, desejando dele participar, podem oferecer as indispensáveis condições de garantia. É o que prevê o já referido art. 37, XXI, do Texto Constitucional. Aliás, o § 1º do art. 3º da Lei n. 8.666 proíbe que o ato convocatório do certame admita, preveja, inclua ou tolere cláusulas ou condições capazes de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório e veda o estabelecimento de preferências ou distinções em razão da naturalidade, sede ou domicílio dos licitantes, bem como entre empresas brasileiras ou estrangeiras, ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o objeto do contrato.

Deste modo, não há como concluir por legítima a exigência para que fossem disponibilizados e implantados, pela licitante, todos os sistemas contratados através de plataforma web browser até o prazo máximo de 31 de dezembro de 2011, quando havia outras empresas concorrentes que afirmaram não ser possível o atendimento ao prazo estabelecido no edital, através de Recurso Administrativo junto à Comissão de Licitação (fls. 16-17). A impropriedade do prazo restou confirmada, ainda, em face do não cumprimento do prazo pela empresa contratada, conforme informação da Secretaria de Administração de Concórdia (fl. 18), em violação ao art. 66 da Lei de Licitações.

Em face de todo o exposto, concluo que se trata de restrição indevida ao caráter competitivo do certame licitatório.

Portanto, entendo que a restrição deve permanecer, com a conseqüente aplicação de sanção pecuniária ao responsável.

2. Ausência de cumprimento ao prazo definido no item 6.3.4 do Edital de Concorrência 9/2010, em desacordo com o art. 66 da Lei n. 8.666/1993.

Conforme anteriormente já explanado, verifica-se que a empresa contratada, IPM – Informática Pública Municipal Ltda., não cumpriu o prazo para execução do contrato, conforme informações postas à folha 18, em violação ao disposto no art. 66 da Lei de Licitações, a saber:

Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.

O responsável, em suas justificativas, informou que a empresa contratada já havia disponibilizado o software de gestão via internet e solicitado, inclusive, sua implantação. Todavia, em razão da baixa capacidade de memória, armazenamento e processamento nos servidores do Centro de Processamento de Dados do município, foi necessária a atualização da memória nos servidores de rede para possibilitar a implantação do sistema.

Tais justificativas são incabíveis, haja vista que, conforme ressaltou a instrução, competia à Administração Pública, antes de lançar o edital, verificar a necessidade de ampliação da capacidade do seu banco de dados.

Deste modo, entendo pertinente a manutenção da restrição, em virtude da afronta ao art. 66 da Lei n. 8.666/1993.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1.     pela IRREGULARIDADE, com fulcro no art. 36, § 2º, a, da Lei Complementar n. 202/2000, dos atos de gestão descritos nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório de instrução;

2.     pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao responsável, Sr. João Girardi, Prefeito Municipal, na forma do disposto nos arts. 69 e 70, incisos II, da Lei Complementar n. 202/2000, em face das referidas irregularidades.

Florianópolis, 5 de março de 2013.

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 208.

 

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 44.

 

[3] Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 37.

 

[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 500-501.