PARECER nº:

MPTC/15977/2013

PROCESSO nº:

LCC 12/00219438    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Itá

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Inexigibilidades de Licitação n. 13/2011 e 14/2011 e respectivos contratos, cujo objeto è a prestação de serviços juridicos para a Prefeitura Municipal de Itá.

 

 

 

Trata-se de análise das Inexigibilidades de Licitação n. 13/2011 e 14/2011, lançadas pela Prefeitura de Itá, em face de comunicação feita à Ouvidoria dessa Corte de Contas, cujos relatos informam que o objeto de uma inexigibilidade estaria inserido no da outra.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações emitiu relatório de instrução (fls. 153-157) sugerindo a audiência dos Srs(a). Egídio Luiz Gritti, Prefeito Municipal, Marcos Antônio Hall, Assessor Jurídico do Município, e Solange Cordeiro dos Santos Bach, Presidente da Comissão de Licitações, para que apresentassem justificativas a respeito das seguintes restrições:

3.1.1. Contratação da empresa Escritório de Advocacia Paulo Ernani Tatim & Advogados Associados S/S, pelo valor de R$ 73.000,00 (setenta e três mil reais), através do Processo de Inexigibilidade de Licitação nº 13/2011, sem a comprovação dos requisitos exigidos pela Lei 8666/93, artigo 25, inciso II, § 1º. (item 2.1 desse relatório).

3.1.2 Contratação da empresa Escritório de Advocacia José Patrício Neves da Fontoura, pelo valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), através do Processo de Inexigibilidade de Licitação nº 14/2011, sem a comprovação dos requisitos exigidos pela Lei 8666/93, artigo 25, inciso II, § 1º. (item 2.2).

Realizada a audiência, foram encaminhadas justificativas e documentos às folhas 164-219.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório de reinstrução (fls. 221-226) opinando pela irregularidade dos processos de Inexigibilidade n. 13/2011 e 14/2011 e pela aplicação de multas aos responsáveis, já qualificados, em face das irregularidades apontadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório de reinstrução.

É o relatório.

Passa-se à análise das restrições apontadas pela instrução.

1. Contratação da empresa Escritório de Advocacia Paulo Ernani Tatim & Advogados Associados S/S, pelo valor de R$ 73.000,00 (setenta e três mil reais), através do Processo de Inexigibilidade de Licitação n. 13/2011, sem a comprovação dos requisitos exigidos pela Lei n. 8.666/1993, art. 25, inciso II, § 1º.

2. Contratação da empresa Escritório de Advocacia José Patrício Neves da Fontoura, pelo valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), através do Processo de Inexigibilidade de Licitação n. 14/2011, sem a comprovação dos requisitos exigidos pela Lei n. 8.666/1993, art. 25, inciso II, § 1º.

A área técnica verificou a contratação de serviços de advocacia pelas empresas Escritório de Advocacia Paulo Ernani Tatim & Advogados Associados S/S e Escritório de Advocacia José Patrício Neves da Fontoura, perfazendo os valores de R$ 73.000,00 (setenta e três mil reais) e R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), mediante Inexigibilidades de Licitação n. 13/2011 e 14/2011, respectivamente.

O responsável alegou que, em razão do abandono de processos pelo advogado Dr. Flávio Almeida da Silva Júnior, ficou a Administração Municipal obrigada a contratar os serviços de outro profissional com capacidade para atuar urgentemente nos processos de titularidade do município, os quais tinham por base a disputa judicial pela arrecadação tributária incidente sobre a energia produzida e distribuída pela Usina Hidrelétrica de Itá. Justificaram, pois, a contratação dos profissionais em razão de sua especialização e do fator confiança neles depositados.

De plano, a origem da contratação aponta para a ofensa ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal que impõe, como regra geral, a obrigatoriedade de licitar.

Consoante conceito corrente na doutrina administrativista, é cediço que a inexigibilidade pressupõe impossibilidade de competição. Essa é a regra fundamental, que vem disposta expressamente no caput do art. 25 da Lei n. 8.666/93. 

Então, neste contexto, seria imprescindível a configuração de uma situação em que a natureza singular do serviço e a notória especialização da empresa contratada justificassem a tal inexigibilidade.

Sobre o tema, trago alguns comentários de Marçal Justen Filho[1], os quais se revelam esclarecedores:

[...]

Ou seja, a fórmula “natureza singular” destina-se a evitar a generalização da contratação direta para todos os casos enquadráveis no art. 13. É imperioso verificar se a atividade necessária à satisfação do interesse sob tutela estatal é complexa ou simples, se pode ser reputada como atuação padrão e comum ou não. A natureza singular caracteriza-se como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional “especializado”. Envolve os casos que demandam mais do que simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado) [grifei].

[...]

Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de seu atendimento por parte de um profissional especializado padrão. Portanto, a viabilidade de competição não pode ser avaliada apenas em face da necessidade estatal, mas também depende da verificação de mercado. É perfeitamente imaginável que uma necessidade estatal excepcional e anômala possa ser atendida sem maior dificuldade por qualquer profissional especializado [grifei].

Portanto, o conceito de “natureza singular” é relativo. Depende das circunstâncias históricas e geográficas. Sua identificação, no caso concreto, depende das condições generalizadas de conhecimento e de técnica. Algo que, em um certo momento, caracteriza-se como tendo natureza singular pode deixar de ser assim considerado no futuro. Um certo serviço pode ser reputado como de natureza singular em certas regiões do Brasil e não ser assim qualificável em outras. A maior dificuldade para entender o conceito reside na tentativa de transformá-la em absoluto, reconduzindo-o a padrões numéricos ou a modelos predeterminados.

[...]

Sempre que não se configurar um serviço singular e que qualquer profissional em condições normais puder atender satisfatoriamente à necessidade estatal, é incabível a contratação direta por inexigibilidade. Não é possível que atividades relativamente indiferentes para a Administração conduzam a contratação direta e envolvam a atuação de um (ou mais) profissional(is) sem especialização, escolhido(s) segundo critérios puramente subjetivos. O próprio princípio da isonomia impede alternativas dessa ordem. Se qualidades profissionais do sujeito fossem irrelevantes para a Administração, a solução seria o sorteio. Nesse caso, convocar-se-iam todos os possíveis interessados e far-se-ia um sorteio para escolher os vencedores. Essa alternativa é despropositada, pois colocaria em grande risco a realização dos fins buscados pelo Estado. É necessário examinar se os particulares encontram-se em situação de atender adequadamente às necessidades jurídicas da Administração. Portanto, deveria fazer-se licitação.

Essa, aliás, é a orientação do próprio STJ, que versou o tema, ainda que a discussão envolvesse outro ângulo da questão. O julgado foi ementado nos termos abaixo transcritos:

"Administrativo. Sociedade de Economia Mista. Serviços advocatícios não singulares. Ati­vidade meio. Licitação. Obrigatoriedade.

1. O disposto no art. 121 da Lei 8.666/93 não exclui os contratos firmados antes da sua vigência por sociedades de economia mista, da obrigatoriedade de serem precedidos de procedimento licitatório, o que já ocorria na vigência do Decreto-Lei n° 2.300/86.

2. A obrigatoriedade de observar o regime de licitações decorre do disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, e, antes mesmo do advento da Lei 8.666/93, as sociedades de economia mista já estavam subordinadas ao dever de licitar.

3. Malgrado sejam regidas pelo direito privado, as sociedades de economia mista, ainda que explorem atividade econômica, integram a administração pública estando jungidas aos princípios norteadores da atuação do Poder Público, notadamente a impessoalidade e a moralidade.

4. Recurso especial provido." (REsp n° 80.061, DJU de 28.2.2005, reI. Min. CASTRO MEI­RA).

Trazendo os pertinentes comentários ao caso concreto, não verifico, prima facie, singularidade no objeto contratado.

A prestação de serviços de advocacia, atualmente, não pode ser encarada como algo inusitado a ponto de justificar o procedimento adotado.

É sabido que a Administração Pública possui (ou contrata) permanentemente profissionais para suprir as demandas administrativas e judiciais, pois é inerente, ínsito e corrente nesse ramo de atividade a existência de dúvidas e litígios em matéria jurídica. Não se justificaria, por conseguinte, uma contratação de “empresa notoriamente especializada”, pois o objeto não lhe dá causa.

Ainda, quanto à existência de dita “notória especialização”, observa-se que os responsáveis não lograram êxito em comprová-la, em atendimento ao art. 25, § 1º, da Lei n. 8.666/1993.

Ressalto que essa Corte de Contas já acenou acerca dos requisitos (e também da impossibilidade) da contratação de profissionais para prestação de serviços de advocacia por inexigibilidade de licitação. Veja-se:

1. Prejulgado 1250:

Pretendendo a Câmara Municipal contratar empresa que presta serviços jurídicos e contábeis, para ser acolhida a norma do inciso II do art. 25 da Lei Federal nº 8.666/93, o Administrador só poderá justificar a inexigibilidade de licitação com a comprovação da notória capacidade do contratado e a necessidade dessa especialização. Não ocorrendo tais requisitos, o certame é imperativo [grifei].

Considerando que, no meu entender, o responsável não logou êxito em justificar devidamente a inexigibilidade de licitação, entendo por devida a manutenção da irregularidade, com a consequente aplicação de multa aos responsáveis.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE das Inexigibilidades de Licitação n. 13/2011 e 14/2011, com fundamento no art. 36, § 2°, alínea a, da Lei Complementar n. 202/2000;

2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos responsáveis, Srs(a). Egídio Luiz Gritti, Marcos Antônio Hall e Solange Cordeiro dos Santos Bach, já qualificados, na forma prevista nos arts. 69 e 70, inciso II, Lei Complementar n. 202/2000, em face das irregularidades citadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório de reinstrução.

Florianópolis, 21 de março de 2013.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 282-286.