PARECER nº:

MPTC/16428/2013

PROCESSO nº:

REC 12/00410308    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de São José

INTERESSADO:

William Ramos Moreira

ASSUNTO:

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo REP-11/00683949  - Representação acerca de irregularidades no Pregão Eletrônico nº 155/2011

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reexame (fls. 3-64) interposto pelo Sr. William Ramos Moreira, Procurador Geral do Município de São José, em face do Acórdão 736/2012, no qual aplicou multa ao recorrente em face da seguinte irregularidade:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer da Representação formulada nos termos do art. 113, §1°, da Lei n. 8.666/93, para, no mérito, considerá-la procedente, em razão da irregularidade descrita no item 6.2 desta deliberação.

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, decorrentes do prazo exíguo para a apresentação das amostras, em contrariedade ao princípio da isonomia e da competitividade do certame, previstos no art. 3º, caput, I, da Lei n. 8.666/93 e ao princípio da razoabilidade – princípio implícito na Constituição Federal (item 2.1 do Relatório DLC), fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. ao Sr. WILLIAM RAMOS MOREIRA - Procurador-Geral do Município de São José (por ter aprovado o edital), CPF n. 572.946.589-00, a multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais);

6.2.2. ao Sr. DJALMA VANDO BERGER – Prefeito Municipal de São José (por ter aprovado o edital), CPF n. 436.678.729-68, a multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais);

6.2.3. ao Sr. HUMBERTO ALCINO DA SILVA – Pregoeiro (por ter assinado o edital), CPF n. 021.050.379-33, a multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais);

6.2.4. ao Sr. ÉRICO RODRIGUES DA SILVA KOENIG – Secretário Interino de Administração (por ter assinado o edital), CPF n. 785.132.279-00, a multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais).

6.3. Determinar que a Prefeitura Municipal de São José não reitere a irregularidade descrita no item 6.2 desta deliberação em futuros procedimentos.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, à Prefeitura Municipal de São José e ao Controle Interno daquele Município e ao procurador constituído nos autos.

[...]

 

A Consultoria Geral dessa Corte de Contas emitiu parecer (fls. 65-74), opinando pelo conhecimento do Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo-se hígido o teor do acórdão atacado.

É o relatório.

O Recurso de Reexame, com amparo nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar nº. 202/2000 é o adequado em face de decisão que abrange fiscalização em licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, sendo a parte apontada legítima para a sua interposição, uma vez que foi apontada como responsável pelas irregularidades.

O acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial no dia 1º.8.2012 e a peça recursal protocolizada nessa Corte de Contas no dia 31.8.2012, portanto, tempestiva.

Logo, encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade deste recurso.

1. Preliminares suscitadas.

1.1. Ilegitimidade passiva.

Preliminarmente, o responsável procura firmar sua ilegitimidade passiva, alegando que, ocupante do cargo de Procurador Geral do Município, não tem responsabilidade administrativa, como ocorre com o gestor público, e que a sua função se limita à elaboração de pareceres técnicos não vinculantes, como se fossem meros expedientes de opinião.

As alegações do responsável, todavia, não merecem prosperar.

A atividade do advogado público na emissão de seus pareceres, mais precisamente no tocante aos procedimentos licitatórios, como é o caso em tela – realização de edital de licitação – representa um controle preventivo de legalidade sobre a forma e o conteúdo dos atos praticados na esfera administrativa. Em contrariedade ao alegado pelo procurador, sua função tem estrita responsabilidade, pois é baseado no seu “parecer opinativo” que se dará prosseguimento aos procedimentos legais.

Presume-se que ao exercer a função de um procurador, o responsável tenha total conhecimento acerca dos temas legais abordados pelas situações fáticas, por isso se faz indispensável o seu parecer.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal[1] possui entendimento consolidado acerca da responsabilidade solidária do procurador, nos casos de pareceres lavrados na hipótese prevista no art. 38, parágrafo único da Lei 8.666/93, in verbis:

Art. 38.  O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.

E a decisão do STF no MS 24.584/DF dispõe acerca do condicionamento de atuação do administrador ao exame do órgão jurídico, o que atrai a responsabilização solidária, como se vê no trecho abaixo:

“Entendeu-se que a aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente. (MS n. 24.584/DF, Relator: Min. Marco Aurélio, 09/08/2007)”

Por fim, reitero que em hipóteses semelhantes, tenho me manifestado pela responsabilização do procurador municipal, conforme o teor do parecer ministerial elaborado nos autos do processo ALC 06/00530620, nos seguintes termos:

E quanto à exclusão da responsabilidade do Sr. Fernando Fiúza, Consultor-Jurídico, discordo da manifestação da Unidade Técnica, pelas razões que passo a expor.

A instrução acolheu as justificativas apresentadas pelo referido Consultor, afirmando que a responsabilidade seria unicamente do ex-Secretário Regional, haja vista que não emitiu nenhuma opinião no Parecer de fls. 50-53.

Não é o que se extrai da leitura do citado documento, por meio do qual a Administração “decide dispensar processo licitatório para contratação da FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO-ECONÔMICOS “FEPESE””.

Verifica-se que, à margem direita, abaixo, em cada folha do documento consta a assinatura do Sr. Fernando Fiúza ao lado do seu “Visto”.

Ora, essa informação revela por si só que ocorreu a anuência do signatário, na qualidade de Consultor-Jurídico da Secretaria, quanto ao seu conteúdo, em cumprimento ao que dispõe o parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666/93.

Ou seja, a partir do momento em que concedeu o seu “visto”, houve, no mínimo, a concordância do Sr. Fernando Fiúza com o ato assinado pelo então Secretário de Estado, que levou à dispensa irregular da licitação.

No meu entender não há dúvida de que a responsabilidade deve recair também sobre aquele que, no desempenho de suas funções administrativas, na qualidade de Consultor, Assessor Jurídico ou Procurador, contribuiu ou corroborou a prática do ato irregular.

E quanto à decisão citada pela instrução (MS n. 24.073/DF, julgado em 6.11.2002), ressalto que o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento sobre a matéria, assinalando que a emissão de parecer, conforme previsto no art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/99 (hipótese que se amolda ao presente caso), induz a responsabilidade solidária do seu subscritor, conforme se extrai do recente julgado a seguir transcrito:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que determinara a audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização de convênio firmado pelo INSS, em virtude da emissão de pareceres técnico-jurídicos no exercício profissional — v. Informativos 328, 343, 376 e 428. Entendeu-se que a aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente (Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”). Considerou-se, ainda, a impossibilidade do afastamento da responsabilidade dos impetrantes em sede de mandado de segurança, ficando ressalvado, contudo, o direito de acionar o Poder Judiciário, na hipótese de virem a ser declarados responsáveis quando do encerramento do processo administrativo em curso no TCU. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que deferiam a ordem. MS 24584/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.8.2007. (MS-24584) [grifei].

Por tais razões, entendo que não cabe a exclusão da responsabilidade do Sr. Fernando Fiúza, o qual é solidariamente responsável pelos atos irregulares constatados nestes autos.

Ressalto que hipótese semelhante foi constatada nos autos do Processo DIL 06/00023958, no qual esse Ministério Público também propôs a realização de audiência do Diretor-Jurídico da CASAN, por entender que seria cabível a responsabilização em face de parecer emitido, consoante o comando do art. 38, parágrafo único, da Lei de Licitações.

O mesmo entendimento é explanado no MS n. 24631-6/DF, julgado em 9.8.2007, por isso extraio do voto do Relator, Ministro Joaquim Barbosa, os seguintes trechos:

Como já sustentei no voto-vista no MS 24.584, calcado em respeitável doutrina, a obrigatoriedade ou não da consulta tem influência decisiva na fixação da natureza do parecer.

Assim, poder-se-ia dizer que:

[...]

(ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir tal ato como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submete-lo a novo parecer;

(iii) mas quando a lei estabelece a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante” (décider sura vis conforme), o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.

[...]

O que é relevante nessa classificação é que, no caso do parecer vinculante, há efetiva partilha do poder decisório. É nessa linha de entendimento que o professor CHAPUS sustenta haver maculação, por vício de competência, do ato administrativo expedido sem a observância do “avis conforme” nos casos em que a lei o exige.

Isto porque nesses casos em que o parecer favorável de órgão consultivo é, por força de lei, pressuposto de perfeição do ato, há efetiva “partilha do poder de decisão” entre a autoridade executiva e o órgão consultivo.

Com essas considerações, no atual momento da jurisprudência do STF, eu acredito que seja possível formular as seguintes premissas para o exame de questões como a presente:

[...]

B) Nos casos de definição, pela lei, de vinculação do ato administrativo à manifestação favorável no parecer técnico jurídico, a lei estabelece efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, e assim, em princípio, o parecerista pode vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso [grifei].

 

Desta forma, concluo que a preliminar suscitada é improcedente.

1.2. Ausência de base legal para multar.

O Procurador Geral do Município, manifestou-se também  preliminarmente acerca da ausência de base legal para multar por parte deste Tribunal de Contas, afirmando que não possui competência jurídica para aplicar sanções pecuniárias no caso do descumprimento da Lei Federal 8.666/93.

Contudo, a preliminar aventada não deve prosperar.

A competência prevista constitucionalmente aos Tribunais de Contas possibilita a estes além da função de apreciar as contas dos gestores, a de aplicar sanções pecuniárias aos responsáveis em casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, conforme inciso VIII do art. 71 da CRFB, como no caso em questão, em que se analisa um processo licitatório na modalidade “pregão”, no qual envolve despesas públicas.

No que concerne à suscitada inaplicabilidade do art. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, na análise de hipóteses semelhantes, esta representante ministerial tem se manifestado em concordância com os argumentos ora apresentados pela Consultoria-Geral, ressaltando que tal tese não é inovadora, ao contrário, já foi refutada em diversas oportunidades quando da análise e julgamento de outros recursos, no sentido de que tal dispositivo legal não carece de regulamentação e que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir a gravidade da infração constatada e aplicar a sanção pecuniária pertinente.

Apenas para complementar as informações coligidas pela Consultoria-Geral, registro que, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 190.985[2], o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade das disposições contidas nos arts. 76 e 77 da Lei Complementar n. 31/1990 (cujos dispositivos são em tudo similares aos contidos nos arts. 69 e 70 da atual Lei Complementar n. 202/2000), asseverando que não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade”, espancando, dessa forma, qualquer dúvida acerca do tema.

E com relação à natureza das infrações cometidas e passíveis de aplicação de multas com fundamento no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n 202/2000, é evidente que se encontram no âmbito de fiscalização e atuação desse Tribunal de Contas, pois tratam de violações explícitas à Lei de Licitações.

Ademais, a Lei 10.520/2002, que institui e oferece diretrizes para a realização de certames licitatórios na modalidade “Pregão”, determina em seu art. 113 que o Tribunal de Contas é o órgão competente para efetuar o controle externo das despesas realizadas por meio desta modalidade licitatória, sendo assim, perfeitamente cabível a análise efetuada pelo Tribunal de Contas no caso em tela.

Considerando-se, portanto, impertinente a preliminar suscitada, passo à análise de mérito.

2. Mérito.

O recorrente alega que não há previsão legal que estabeleça prazo máximo ou mínimo para a apresentação de amostras dos produtos, e que só com as amostras é possível verificar a compatibilidade dos mesmos com as especificações do edital.

Informou ainda que ao encerramento das propostas, o licitante deveria apresentar amostras no intervalo de dois dias úteis, mas como se encerrava em 21 de dezembro de 2011, a apresentação seria marcada para o dia 24 de dezembro. No entanto, tendo em vista ser “ponto facultativo” e, ainda, o feriado do dia de natal, ficou marcada então para o dia 26 de dezembro a apresentação da amostra.

No entanto, vê-se que a exigência contida no item 14 o edital de licitação em análise se mostra descabida, conforme já analisado por esta Procuradora nos autos em apenso, por meio do parecer MPTC 10282/2012 (fls. 134-137 do processo 11-00683949).

Destaco, daquela manifestação, por esclarecedoras, as conclusões de que “o exíguo prazo estipulado, aliado ao fato de que o material licitado (uniformes escolares com padronização específica) ser especialmente produzido para essa licitação, exclui outros potenciais licitantes da participação do certame” e, ainda, “apesar de os responsáveis alegarem que a determinação do prazo para a apresentação a amostra é ato discricionário da Administração Pública, deveria esta requisição atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, imersos em nosso ordenamento jurídico”.

Considerando esses argumentos, conlui-se que o prazo estipulado no edital de 48 horas para a apresentação de amostras fere o princípio da isonomia, restringindo injustificadamente a participação dos concorrentes no certame, razão pela qual entendo pertinente a manutenção da multa aplicada.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reexame, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se hígido o teor do Acórdão 736/2012.

Florianópolis, 28 de março de 2013.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] Mandado de Segurança nº 24.073/DF, publicado em 06/11/2002, Relator: Ministro Carlos Veloso.

[2] Relator Min. Néri da Silveira, julgado em 14.2.1996, publicado em 24.8.2001.