Parecer no:

 

MPTC/17.240/2013

                       

 

 

Processo nº:

 

REP 08/00361121

 

 

 

Interessado:

 

Leonel José Martins

 

 

 

Assunto:

 

Instauração de Processo Administrativo Disciplinar para apurar supostas irregularidades no Concurso Público n.º 001/2002.

 

Trata-se de Representação movida pelo então Prefeito Municipal de Balneário Piçarras (Gestão 2005/2008), Sr. Leonel José Martins, o qual encaminhou por meio do Ofício n.º 147/2008-gbp (fl. 02) e documentos em anexo (fls. 02/71) cópia do Processo Administrativo Disciplinar n.º 003/2006, instaurado para denunciar suposta fraude na divulgação do resultado final do Concurso Público n.º 001/2002, destinado ao provimento de cargos do quadro de pessoal daquele Município.

O certame em análise fora objeto de apuração em vista da divergência entre a publicação do resultado fornecido pela empresa responsável pelo concurso, a UNIVALI, e o divulgado pelo Município por meio do Jornal do Comércio (Cópia da Publicação do Edital n.º 005/2002 anexa às fls. fls. 338/341), em 04/05/2002.

A Diretoria de Controle dos Municípios, por meio do Relatório n.º 2.471/2008 (fls. 72/74), manifestou-se pelo conhecimento da Representação, entendendo presentes os requisitos de admissibilidade e o amparo legal necessário. Determinou, ainda, a adoção das providências necessárias junto ao Município de Balneário Piçarras, com vistas a apurar os fatos apontados como irregulares.

O Ministério Público de Contas, instado a se manifestar, emitiu Parecer às fls. 76/77 e acolheu as conclusões do Relatório n.º 2.471/2008, pugnando pelo conhecimento integral da representação.

O Conselheiro Relator manifestou sua concordância com a realização da diligência às fls. 78/79.

Em atendimento a esta, foram apresentados os documentos de suporte às fls. 81/142.

Após a análise da documentação, a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu Relatório n.º 3.941/2008 às fls. 143/150, onde sugeriu:

1 – DETERMINAR à Diretoria de Controle dos Municípios – DMU que proceda, nos termos do artigo 29, §1º da lei Complementar n.º 202/2000, à Audiência do Sr. Umberto Luiz Teixeira – Prefeito Municipal no exercício de 2002, CPF 309.417.929-00, residente à rua Antônio Agnelo Santana, nº 203, Centro – Balneário piçarras, para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta:

1.1 – Apresentar justificativas relativamente às restrições abaixo especificadas, passíveis de cominação de multa(s) capitulada(s) no art. 70, inciso II da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.1.1 – Divulgação do resultado final do Concurso Público 001/2002, com alteração de notas, em benefício de candidatos, atualmente servidores, em afronta ao art. 37, caput, inciso II da Constituição Federal, art. 21, inciso I da CE, art. 28 da Lei Orgânica do Município (item 2.1, deste Relatório);

1.1.2 – Nomeação de 17 servidores que segundo resultado do concurso público 001/2002 fornecido pela Fundação Universidade do vale do Itajaí (UNIVALI), não atingiram a nota mínima para aprovação e em razão de alteração de notas foram classificados, caracterizando afronta ao art. 37 caput, inciso II da Constituição Federal, art. 21, Inciso I da Constituição Estadual, art. 28 da Lei Orgânica Municipal e Edital 001/2002 (item 2.2);

2 - DETERMINAR à Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, que dê ciência deste despacho, com remessa de cópia do Relatório n.º 3.941/2008 ao responsável Sr. Umberto Luiz Teixeira – Prefeito Municipal de Balneário Piçarras à época.

O Conselheiro Relator emitiu Despacho (fl. 152), determinando a audiência do Responsável para que apresentasse justificativas acerca das restrições apontadas.

A audiência foi cumprida, conforme se constata às fls. 155/177, com justificativas protocoladas pelo Sr. Umberto Luiz Teixeira – Prefeito Municipal durante a Gestão 2009/2012 – e documentos de suporte anexos às fls. 180/209, às fls. 211/216 e à fl. 218.

Após as justificativas, a DAP emitiu Relatório de n.º 1.161/2012 (fls. 223/234), por meio do qual sustentou:

Ante o exposto, sugere-se promover Diligência, com fulcro no artigo 123, § 3º da Resolução TC nº 06/2001, com ofício à Prefeitura Municipal de Balneário Piçarras, para que encaminhe documentos e esclarecimentos necessários á instrução dos autos, no prazo de 30 (trinta) dias, conforme segue:

4.1. Cópia de todos os Editais referentes ao Concurso Público realizado no exercício de 2002, em especial os de números 03/2002, 04/2002, 05/2002, 06/2002, 06/2002-A e 007/2002, com rubrica de servidor da Prefeitura atestando conferir com o original;

4.2. Cópia de todos o(s) Edital(is) de homologação de resultado(s) do Concurso Público realizado no exercício de 2002, com rubrica de servidor da Prefeitura atestando conferir com o original;

4.3. Datas das publicações e os meios (jornal, mural, etc) onde foram publicados os Editais, com comprovação;

4.4. Data da realização da prova objetiva, com remessa do Edital conforme item 4.2 do Edital de Concurso Público nº 01/2002;

4.5. Cópia de todas as manifestações da UNIVALI integrantes do processo de Sindicância e do Processo Disciplinar e outros que tratam do Concurso e;

4.6. Cópia do ato que nomeou a Comissão de Avaliação para as provas práticas para os cargos de Motorista I, II e III; Operador de Máquina II; Agente Sanitário; Auxiliar de Manutenção e Conservação e Auxiliar de Serviços Gerais.

Em atendimento a esta, o responsável apresentou justificativas às fls. 239/263 e documentos às fls. 264/554.

Após o cumprimento da diligência, a DAP emitiu Relatório Conclusivo n.º 6.981/2012 (fls. 560/566), onde concluiu:

À vista das razões expostas, submete-se o presente Relatório à consideração do Relator do processo, sugerindo-se a seguinte decisão:

4.1. CONHECER o presente Relatório, para considerar improcedente a Representação, em face da não confirmação das supostas irregularidades no Concurso Público nº. 001/2002, da Prefeitura Municipal de Balneário Piçarras, considerando os documentos e informações juntados aos autos.

4.2. RECOMENDAR à Prefeitura Municipal de Balneário Piçarras que:

4.2.1. avalie previamente a melhor maneira de selecionar os candidatos mais qualificados ao exercício dos cargos, de forma a produzir editais de concurso público com regras claras e obejtivas, propiciando a lisura do certame e o atendimento aos princípios constitucionais de ampla acessibilidade aos cargos públicos - impessoalidade e moralidade - evitando situações como a relatada nos autos;

4.2.2. atente para o disposto no artigo 9º, parágrafo único e Anexo VII da Instrução Normativa nº. TC - 11/2011;

4.2.3. quando da realização de concurso público ou processo seletivo para contratação temporária, abstenha-se de incluir prova de mérito, ou seja, adotar como pontuação ou mesmo critério de desempate, tempo de serviço no município e consequente assiduidade e capacidade, por ferir o princípio da impessoalidade, esculpido no artigo 37, caput da Constituição Federal.

4.3. ENCAMINHAR à Prefeitura Municipal de Balneário Piçarras cópia da Instrução Normativa nº. TC – 11/2011.

4.4. DETERMINAR o arquivamento dos autos.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001.

 

1.              Divulgação do resultado final do Concurso Público n.º 001/2002 com alteração de notas, em benefício de candidatos atualmente servidores do Município

A representação instaurada contra o ex-Chefe do Poder Executivo de Balneário Piçarras – Sr. Umberto Luiz Teixeira, prefeito à época dos fatos – relata possível ato fraudulento cometido durante a realização do citado certame público.

A suspeita advém da discrepância entre o resultado oficial, publicado pela Administração Municipal no Jornal do Comércio em 04/05/2002 – por meio do edital n.º 005/2002 – e a divulgação extraoficial fornecida pela empresa responsável pelo concurso, a UNIVALI.

Dos autos (fls. 109/121), consta a relação elaborada pela Fundação Universidade do Vale do Itajaí, contendo o nome e a pontuação dos candidatos aprovados e não aprovados segundo os critérios eliminatórios e classificatórios estabelecidos pelo Edital n.º 001/2002.

Na sequência (fls. 122/142) constam as portarias emitidas pelo então Prefeito Umberto Luiz Teixeira, nomeando para o provimento do cargo servidores que não obtiveram (segundo relação fornecida pela UNIVALI) a nota mínima prevista no Edital n.º 001/2002. 

Em suas justificativas, o responsável transcreveu a defesa realizada pelos supostos beneficiados no Processo Administrativo Disciplinar n.º 004/06, colacionando, dentre outros, os seguintes argumentos: a) nulidade da Portaria n.º 004/2006-SAD; b) inexistência de prova material sobre a irregularidade nos resultados do Concurso; c) não atendimento à solicitação de produção de provas, requeridas pelos indiciados em suas defesas prévias; d) desconhecimento, por parte deste, de qualquer fraude concernente à divulgação do resultado do certame; e) ausência de materialidade da infração;

Por fim, sustentou que o certame foi realizado em conformidade com as disposições contidas no Edital n.º 001/2002 e nos Editais seguintes, modificadores do primeiro. 

Juntou aos autos cópia do Edital n.º 001/2002, datado de 26/02/2002 (fls. 287/295), do Edital n.º 001/2002-A, datado de 04/03/2002 (fls. 299/300), do Edital n.º 002/2002, datado de 04/03/2002 (fl. 302), do Edital n.º 003/2002, datado de 21/03/2002 (fls. 304/305) e sua respectiva publicação no Jornal do Comércio (fl. 337), do Edital n.º 005/2002, datado de 03/05/2002 (fls. 307/318) e sua respectiva publicação (fls. 338/341), o Edital n.º 007/2002, datado de 19/10/2002 (fl. 343-v), o Demonstrativo de Resumo da Prova Escrita, de Mérito e Prática – Edital n.º 001/2002-A (fls. 319/325), Demonstrativo de Resumo da Prova de Mérito e Prática – Edital n.º 001/2002-A (fls. 330/334), e a Relação de Servidores que trabalhavam antes da realização do certame (fls. 326/329).

O Corpo Técnico, em seu relatório conclusivo (fls. 560/566) acolheu as justificativas e afastou o apontamento restritivo inicialmente sustentado.

Não compartilho do mesmo entendimento.

A análise da legalidade do certame feita exclusivamente com base no primeiro Edital publicado pela Municipalidade já deixa entrever uma provável fraude na realização das provas e na divulgação dos respectivos resultados.

Em que pese a posterior anexação aos autos dos demais editais reguladores do Concurso Público n.º 001/2002, a qual possibilitou o entendimento do porquê da discrepância entre o resultado fornecido pela UNIVALI e o divulgado oficialmente, tal não afasta a irregularidade constatada ao longo da instrução deste feito.

O Edital n.º 001/2002 (fls. 287/289) previa em seu item 5.1 – “Do processo de seleção” – a realização de uma prova objetiva, a qual se constituiria, até aquele momento, na única forma de avaliação dos participantes do certame. 

Consoante disposto no seu item 6.1 – “Da classificação final” – seriam considerados aprovados os candidatos que obtivessem nota igual ou superior a 5 (cinco) na prova escrita.

Por fim, em seu item 10 – “Da delegação de competência” – foi designada à Universidade do Vale do Itajaí a responsabilidade pela elaboração, aplicação, julgamento e correção das provas (item 10.1, letra c).

Tal como previsto inicialmente, a UNIVALI procedeu à avaliação dos exames, consubstanciada na listagem anexa às fls. 109/121, contendo as notas de todos os candidatos e sua classificação dentro do índice geral.

A controvérsia surgiu quando da divulgação do Edital n.º 005/2002, contendo a relação final dos candidatos aprovados com a alteração de notas que possibilitou a classificação de concorrentes antes inaptos à ocupação das vagas.

A discrepância deveu-se à publicação sucessiva do Edital n.º 001/2002-A, posteriormente anexo às fls. 299/300, por meio qual se estabeleceram novas diretrizes para a realização do Concurso.

Foram acrescidas duas modalidades de avaliação – prova de mérito e prova de títulos – cujo exame e atribuição de notas ficariam fora do âmbito de competência conferido anteriormente à Universidade do Vale do Itajaí (Item III do Edital n.º 001/2002 – A). A avaliação, neste caso, seria delegada à Secretaria Municipal de Administração e Fazenda (Item IV do Edital n.º 001/2002-A).

Ademais, para os cargos de Motorista I, II e III, Operador de Máquinas II, fora acrescido o critério de capacitação profissional para o exercício do cargo, consistindo este em uma prova prática, cuja avaliação ficaria a cargo de uma Comissão Técnica composta por três integrantes indicados, respectivamente, pela Associação dos Servidores Públicos do Município de Piçarras, pela Secretaria Municipal de Obras, Serviços Urbanos e Serviços Rurais, e pela Câmara Municipal de Piçarras (Item V, letra c do Adendo n.º 001/2002 – A).

Pois bem. Segundo disposição expressa contida no edital n. 005/2002 (responsável pela divulgação do resultado final do concurso, exceto para os cargos que exigiam a realização da prova prática), a classificação dos aprovados fora feita nos termos do item 6.1 do Edital n.º 001/2002.

Ora, se assim de fato fosse, não deveria neste constar como classificado o candidato que não alcançara a pontuação mínima estipulada pelo edital de abertura.

Pelo comparativo realizado entre o resultado fornecido pela UNIVALI e o publicado por meio do Edital n.º 005/2002, houve alteração na ordem inicial de classificação, com candidatos alçando patamares superiores na ordem de pontuação mediante o acréscimo de alguns décimos, e, em outros casos, de mais de dois pontos.

Igual problema apresentou o Edital n.º 008/2002 (fls. 105/106) o qual expôs a classificação final dos cargos de Motorista I, II e III e Operador de Máquina I. Constam como aprovados candidatos que não lograram êxito na prova escrita, mas que na classificação final (e com os acréscimos provenientes das modalidades de avaliação estatuídas pelos editais complementares) não somente alçaram a nota exigida, como ultrapassaram candidatos anteriormente melhor colocados.

A seguir, a tabela comparativa das notas auferidas na prova objetiva, elaborada pela UNIVALI, e as notas finais divulgadas pelo Município:

NOME

UNIVALI

Município

Cargo: Especialista em Administração

Adelina Poleza

7,25

8,50

Moises Alcelino Constâncio

7,25

8,25

Rosani Cesário Pereira

7,00

8,25

Cargo: Especialista em Finanças

Josué Dorval Vieira

4,75

7,25

Cargo: Fiscal Fazendário

Carla Damas Grilli

4,75

6,75

Cargo: Motorista II

Antônio João Santana

3,75

5,75

Cargo: Motorista III

Jair Valmor de Farias

3,75

6,75

Claudinei Antônio Santana

3,75

7,50

Cargo: Operador de Máquinas II

Antônio João Brick

2,50

5,25

Loir Borges da Silva

1,75

5,00

Aurino João da Rosa

0,50

5,00

Valmor Tomazoni

2,00

5,25

Cargo: Professor de Educação Infantil

Cleusa Aparecida Grenemann Santana

6,00

6,75

Edna da Rocha Francisco

4,50

6,50

Cargo: Agente Sanitário II

Carlos Alberto de Souza

7,25

7,50

André Luiz Ladewig

5,75

7,50

Cargo: Auxiliar de Manutenção e Conservação I

Luciano Carlito de Borba

3,25

5,25

Jorge Júlio de Carvalho

3,25

5,25

Almerindo José dos Santos

1,50

5,25

Wilson Elizário da Trindade

2,50

5,25

Pedro Paulo dos Santos

4,50

5,25

João Carlos da Trindade

2,50

5,00

Cargo: Auxiliar de Serviços Gerais

Vera Lúcia Macedo

4,50

6,50

 

Os editais divulgadores dos resultados finais (n.º 005/2002 e n.º 008/2002) são claros ao prever que a classificação levará em conta a regra insculpida no edital de abertura. Diante dessa disposição, os acréscimos feitos mediante a prova de títulos, de mérito e de capacitação final não deveriam beneficiar os candidatos considerados inaptos na prova objetiva, a qual não era apenas classificatória, mas eliminatória.

Desta feita, o acréscimo proveniente das demais modalidades de avaliação, bem como a realização posterior de prova prática, não afasta a obrigatoriedade de atendimento a este primeiro requisito. Somente em o candidato alcançando o mínimo previsto para a prova teórico-objetiva é que estaria apto a participar das demais avaliações, preceito este que não foi observado.

A Administração resta vinculada aos termos do edital de abertura, não podendo o requisito da pontuação mínima no exame objetivo ser modificado pelas disposições complementares posteriores.

Nem se diga que a relação de notas informalmente apresentada por funcionário da UNIVALI não possui o condão de atestar a irregularidade constatada nestes autos: a classificação inicial elaborada pela UNIVALI (sem a pontuação decorrente dos acréscimos posteriores) fora reconhecida por meio da relação trazida pelo responsável às fls. 175/176, bem como às fls. 319/325, nas quais este faz constar a pontuação concernente à prova objetiva e à prova de mérito e prática, ratificando as pontuações apuradas inicialmente pela UNIVALI.

Para agravar a irregularidade, a prova de mérito – cuja realização fora atribuída à Secretaria Municipal de Administração e Fazenda – fere o princípio da impessoalidade insculpido no art. 37, caput, da CRFB/88, bem como a regra do concurso público, estatuída em seu inciso II:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (grifei).

A Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 21, inciso I, bem como a Lei Orgânica do Município de Balneário Piçarras, em seu art. 28, espelham os ditames da norma constitucional supracitada, discorrendo nos mesmos moldes que esta.

Consoante disposto no item III do Edital n.º 001/2002-A, a avaliação de mérito consistiria na “apresentação de documentos relacionados ao exercício do cargo em que fora inscrito, ao tempo de serviço efetivamente prestado ao Município, em cargos de provimento efetivo ou em cargos de provimento em comissão, somando-se aos mesmos a assiduidade, a capacidade e a relevância do cargo para a Administração Municipal”.

O critério do tempo de serviço acresceria aos candidatos beneficiados 0,5 ponto (se superior a 3 anos e inferior a 10 anos) ou 1 ponto (se igual ou superior a 10 anos). A assiduidade e a capacidade acresceriam, cada uma, entre 0,25 e 0,5 ponto.

Por fim, a relevância (aferida por meio da análise de títulos) acresceria 0,5 ponto ao candidato que cursou nível superior, e 0,25 ponto ao candidato que cursou nível médio ou outros (técnico).

O objetivo da realização de um concurso para provimento de cargos efetivos é garantir a melhor seleção – dentre os concorrentes – dos profissionais que atuarão no âmbito da administração pública, sendo vedada qualquer distinção injustificada que fruste esse desígnio.

Não é lícito, portanto, admitir como critério classificatório o exercício anterior de cargo, função ou emprego público. A diferenciação, feita sem embasamento fático apta a sustentá-la, fere ainda o princípio da isonomia expresso no art. 5º, caput, da CRFB/88.

Ademais, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, a distinção contraria o princípio da razoabilidade:

PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. CONCURSO PÚBLICO - PONTUAÇÃO - EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO SETOR ENVOLVIDO NO CERTAME - IMPROPRIEDADE. Surge a conflitar com a igualdade almejada pelo concurso público o empréstimo de pontos a desempenho profissional anterior em atividade relacionada com o concurso público. CONCURSO PÚBLICO - CRITÉRIOS DE DESEMPATE - ATUAÇÃO ANTERIOR NA ATIVIDADE - AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. Mostra-se conflitante com o princípio da razoabilidade eleger como critério de desempate tempo anterior na titularidade do serviço para o qual se realiza o concurso público.[1]

As disposições editalícias posteriores não afastam, portante, a irregularidade constatada no certame, como sustentado pelo responsável e acolhido pela Instrução. Pelo contrário, agravam-na.

Cabe ressaltar que o arquivamento do Inquérito Policial n.º 048.08.003888-0, responsável pela apuração da suposta fraude e participação dos beneficiados pela alteração dos resultados, deu-se em razão do reconhecimento antecipado da prescrição punitiva dos aprovados no certame, análise que difere da ora realizada nestes autos.

Da mesma forma, a ação n.º 2009.011234-0 – originada do Processo Administrativo Disciplinar n.º 003/2006, instaurado por meio da Portaria n.º 004/06-SAD, anexa à fl. 68/69 – fora arquivada ante a ausência de provas de que o responsável tenha procedido de modo fraudulento na divulgação do resultado.

Tal ocorrência não afasta a constatação fática de que o resultado oficial do Concurso Público n.º 001/2002, publicado pela municipalidade, violou o regramento previsto em seu Edital de abertura – pela aprovação de candidatos desclassificados na prova teórica – bem como os princípios constitucionais da impessoalidade, razoabilidade e isonomia.

Por tal razão impõe-se a nulidade dos itens III e IV do Edital n.º 001/2002-A e, em consequência, a nulidade das nomeações dos servidores beneficiados pelas disposições editalícias citadas, nos casos em que estas se mostraram imprescindíveis à obtenção da pontuação mínima e/ou nos casos em que, sem o referido acréscimo, não teriam alcançado a classificação que possibilitou a posse no cargo.

Quanto ao tempo de prescrição, resta este afastado em razão da nulidade do vício apurado no edital citado, não estando o mesmo sujeito à convalidação temporal:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Concurso público. Edital que, na fase de contagem de pontos por títulos, previa pontuação diferenciada para os candidatos que trabalharam na administração municipal, federal e estadual em detrimento daqueles que tinham experiência apenas na iniciativa privada. Nulidade. Afronta direta aos princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e moralidade. Prescrição. Inocorrência, porque ato nulo não se submete aos prazos prescricionais. Declaração de nulidade parcial do edital, especificamente do item 7 que previa a contagem diferenciada. Recurso parcialmente procedente.[2]

Extrai-se do corpo do acórdão:

 [...] não há que se falar em prescrição, porque o pedido, na inicial, não é de anulação de parte do edital, mas de declaração da nulidade do edital e das nomeações dos candidatos, dentre eles, os favorecidos com os pontos indevidamente contados, por conta do serviço anteriormente prestado a Prefeitura. Portanto, esses pedidos não se submetem ao prazo prescricional previsto em lei para os pleitos de anulação dos atos administrativos. Ato anulável difere de ato nulo. O anulável pode ser convalidado, mas o nulo não o pode. Assim, por exemplo, a nomeação de funcionário sem concurso não se convalida, como não se convalida o concurso e a nomeação de funcionário privilegiado, em afronta aos princípios constitucionais da moralidade administrativa, da isonomia etc. É e será sempre nulo o ato assim praticado, e pode assim ser declarado a qualquer tempo, não havendo possibilidade de se reconhecer prescrição para o desfazimento.

E mais:

A necessidade de estabilização das situações jurídicas, tão defendida pelos doutrinadores contrários à imprescritibilidade dos atos nulos, não pode sobrepor-se à Constituição, que impõe o princípio da impessoalidade nos concursos públicos (art. 37, caput e § 2º), impedindo a convalidação do ato.

Deve-se, portanto, proceder à nova classificação, caso tenha havido preterição de candidato a outro, desconsiderando-se a pontuação dos títulos relativos ao tempo de serviço na administração pública.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1)              pela irregularidade na divulgação do resultado final do Concurso Público n.º 001/2002, com alteração de notas em benefício de candidatos atualmente servidores do Município, em violação ao disposto no artigo 37, caput e inciso II, da CRFB/88, bem como ao disposto no art. 21, inciso I da Constituição do Estado de Santa Catarina e no art. 28 da Lei orgânica do Município de Balneário Piçarras;

2)              pela irregularidade na nomeação de 17 (dezessete) servidores que não atingiram a pontuação mínima estabelecida no Edital n.º 001/2002, em violação ao disposto no artigo 37, caput e inciso II, da CRFB/88, bem como ao disposto no art. 21, inciso I da Constituição do Estado de Santa Catarina e no art. 28 da Lei orgânica do Município de Balneário Piçarras;

3)              pela aplicação de multa, com fundamento no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000 c/c art. 19, inciso II do Regimento Interno, ao Sr. ao Sr. Umberto Luiz Teixeira, prefeito à época dos fatos, em virtude da irregularidade apontada no item supra;

4)              pela determinação à Prefeitura Municipal de Balneário Piçarras:

4.1)     para que proceda à reclassificação dos servidores beneficiados pelas disposições edilícias analisadas nestes autos, devendo corrigir as situações que se encontrarem irregulares e proceder à exoneração dos que não atingiram a nota mínima estipulada no Edital n.º 001/2002;

4.2)     pela comprovação à Corte da adoção das providências acima estipuladas, dentro do prazo de 90 dias, contados da data da publicação da decisão exarada pelo Tribunal no Diário Oficial;

5)              pela comunicação do acórdão, relatório e voto ao Sr. Responsável e ao Sr. Prefeito Municipal de Balneário Piçarras.

 

Florianópolis, 16 de maio de 2013.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 



[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3522. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgado em 24/11/2005. Publicado no Diário de Justiça em 12/05/2006. EMENT VOL-02232-02 PP-00189.

[2] TJ/SP. Apelação Cível n. 9146742-94.2007.8.26.0000, Origem: São Paulo, 8ª Câmara de Direito Público, Relator: Carvalho Viana, Julgado em: 18/01/2012.