PARECER nº:

MPTC/17056/2013

PROCESSO nº:

TCE 05/04272969    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Ilhota

INTERESSADO:

Ademar Felisky

ASSUNTO:

SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA PREFEITURA

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada em cumprimento à Decisão n. 937/2011 (fls. 508-512), vazada nos seguintes termos:

1.      Determino com fulcro no art. 13 c/c os art. 15, inc, II, e no art. 66, parágrafo único, c/c o art. 65, §4°, todos da lei Complementar n. 202/00, o encaminhamento do presente processo à divisão de Protocolo, da Secretaria Geral, para Conversão do processo em Tomada de Contas Especial, e posterior remessa à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC), tendo em vista o que segue:

2.      Determino a Citação do Sr. Roberto da Silva – ex-Prefeito Municipal de Ilhota, CPF n. 545.484.389-04, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento do expediente citatório, apresentar alegações de defesa acerca:

2.1   Pagamento indevido de valores à Empresa Pacopedra           Pavimentadora e Comércio de Pedras Ltda., na quantia de R$ 2.958,00 (dois mil novecentos e cinquenta e oito reais), uma vez que a empresa não realizou o trabalho de instalação dos kits domiciliares, conforme constava no contrato firmado, infringindo o art. 62 da Lei n. 4.320/64, irregularidade ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/200 (item 2.1 do Relatório n. 724/2010);

2.2   Pagamento indevido de valores à Empresa Pacopedra           Pavimentadora e Comércio de Pedras Ltda., na quantia de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), referente à execução de projetos da obra de Rede de Esgoto, quando o referido projeto foi disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Ilhota, infringindo o art. 62 da Lei n. 4.320/64, irregularidade ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/200 (item 2.2 do Relatório n. 724/2010);

2.3   Pagamento indevido de R$ 6.000,00 (seis mil reais) à Empresa Pacopedra Pavimentadora e Comércio de Pedras Ltda., contratada para efetuar ligações domiciliares na rede de esgoto, sendo R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais), referente a sete residências anotadas no cadastro em duplicidade e R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais) referente a dezesseis residências nas quais não houve a instalação do kit domiciliar, com infração ao art. 62 da Lei n. 4.320/64, irregularidade ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/200 (item 2.3 do Relatório n. 724/2010);

3.      Determino a Citação do Sr. Roberto da Silva – ex-Prefeito Municipal, inscrito no CPF sob n.° 545.484.389-04, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n°202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Recebimento Interno (Resolução n° TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação de multa prevista no art. 70 da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000:

3.1   Por não ter tomado as providências cabíveis, de acordo com o oque prevê o artigo 618 do Código Civil Brasileiro, no sentido de responsabilizar o Contratado pelos problemas detectados na obra, fato que sujeita o responsável às multas cabíveis, de acordo com o artigo 70, I, da Lei Complementar 202/2000 (item 2.4 do Relatório n° 724/2010);

3.2   Pelo funcionamento da Estação de Tratamento de Esgoto do Município, sem o devido licenciamento Ambiental de Operação – LAO, não atendendo, assim, ao artigo 3°, II da Resolução do Conama n° 005/88 (item 2.5 do Relatório n° 724/2010);

3.3   Pela inclusão de cláusula editalícia irregular no edital de Tomada de Preços n° 01/2001, cujo objeto era a contratação de empresa para construção de rede coletora de esgoto, sendo exigido capital social superior a 10% do valor da obra, em desacordo com o disposto no § 3° do art. 31 da Lei n. 8.666/93 (item 2.1.1 do Relatório n. 623/2011);

3.4   Exigência no edital que condicionava realização de vistoria em data específica sem justificativa, limitando a  competição, em descumprimento ao disposto no inciso I do § 1° do art. 3° da Lei n. 8.666/93 (item 2.1.2 do Relatório n. 623/2001).

4.      Determinar a Citação do Sr. Márcio Venício Bernardino – ex-Presidente da Comissão de Licitações, inscrito no CPF sob n.° 699.312.919-15, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento do expediente citatório, apresentar alegações de defesa acerca da seguinte irregularidade, ensejadora de aplicação de multa prevista no art.70 da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000:

4.1   Inexistência de fundamentação em decisão administrativa denegatória de recursos interpostos por dois licitantes, em desacordo com os princípios da legalidade e publicidade constantes no art. 3°, caput, da Lei n°8.666/93 (item 2.1.3 do Relatório n. 623/2011).

Realizadas as citações, o Sr. Márcio Venício Bernardino apresentou sua defesa às fls. 520-528 e o Sr. Roberto da Silva, depois de acolhida sua solicitação de prorrogação (fl. 533); às fls. 544-559.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico de reanálise dos aspectos jurídicos (fls. 561-574) propondo julgar irregular, com imputação de débito, a presente tomada de contas especial, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da lei complementar nº 202/2000, assim como a Tomada de Preços nº 01/2001, os Contratos nº 43/2002 de 14/06/2002, decorrentes do Convite nº 48/2002. Além disso, propôs a instrução a abstenção da aplicação da penalidade frente às irregularidades descritas nos itens 3.3.1, 3.3.2 e 3.3.3, em face da prescrição da pretensão punitiva; aplicar ao Sr. Roberto da Silva, ex-Prefeito Municipal de Ilhota, multas referente às irregularidades descritas nos itens 3.5.1 e 3.5.2 do referido relatório e condená-lo ao pagamento de débitos nos termos dos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 da conclusão do mesmo relatório técnico.

É o relatório.

Da leitura das informações trazidas pela defesa, assim como no relatório técnico, verifico que todas as alegações apresentadas pelo responsável cingem-se a aspectos preliminares, como a) prescrição da pretensão punitiva; b) a ausência de dolo ou de má-fé; c) a ilegitimidade passiva; d) o fato de os mesmos fatos estarem sob apreciação do Poder Judiciário.

Passo à análise de cada preliminar suscitada.

1.       Da prescrição

Inicialmente, em suas razões de defesa, o Sr. Roberto da Silva, gestor responsável, alega a prescrição administrativa fixada em cinco anos.

A instrução, com amparo em entendimento firmado outrora nesse Tribunal de Contas, de que a prescrição ocorreria no prazo de 10 (dez) anos, concluiu que, quanto às infrações passíveis de aplicação de multas, o marco prescricional seria 7.11.2001 (data do julgamento da Tomada de Preços n° 01/2001), verificando, dessa forma, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, com ressalva à irregularidade referida no item 2.3 da instrução, haja vista que seu prazo prescricional teria iniciado em 2005.

Entretanto, em que pese o entendimento já firmado diversas vezes no âmbito desse Tribunal de Contas – com o qual se filiou esta Procuradora em diversas oportunidades –, o fato é que, a partir de janeiro de 2013, as regras referentes à prescrição para análise e julgamento de processos em trâmite nessa Corte de Contas estão disciplinadas pela Lei Complementar Estadual n. 588, que estabeleceu, no seu art. 1º, o prazo de 5 (cinco) anos para que o TCE julgue tais processos, “a partir da data da citação do administrador ou responsável ou da data de exoneração do cargo ou extinção do mandato, considerando preferencial a data mais recente”.

Ou seja, a norma atualmente em vigor leva tão somente em consideração a data da citação ou da exoneração do administrador ou responsável.

Assim, mesmo sem saber a data em que ex-Prefeito se afastou do cargo, somente pela data de citação (considerando-se que o marco seria sempre a data mais recente), já se pode verificar que não houve a prescrição, uma vez que ocorreu em 13.2.2012.

Além disso, a mesma norma previu, no seu art. 2º, outra regra prescricional, que leva em consideração a data de instauração do processo no Tribunal de Contas.

Compulsando os autos, verifica-se que a representação que originou esta tomada de contas especial foi protocolizada em 2.12.2005, portanto, há mais de cinco anos.

Dessa forma, considerando o disposto no inciso I do art. 2º da LC n. 588/2013, o prazo para o Tribunal analisar e julgar este processo é de 2 anos a partir de janeiro de 2013.

Assim, tendo em vista as duas regras sobre prescrição atualmente vigentes para análise e julgamento dos processos em tramitação no Tribunal de Contas de Santa Catarina, não se verifica nenhum óbice ao julgamento de mérito e à eventual aplicação de multas decorrentes de atos irregulares praticados pelo responsável.

Convém ressaltar que as irregularidades correspondentes aos itens 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 da conclusão do relatório de instrução são abarcadas pela imprescritibilidade, haja vista que o § 5° do art. 37 da Constituição Federal de 1988 considera imprescritíveis os danos causados ao erário.

Nessa linha de orientação, trago, por pertinente, a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que trata de ressarcimento ao erário determinado por decisão do Tribunal de Contas da União:

Tribunal de Contas da União. Bolsista do CNPq. Descumprimento da obrigação de retornar ao país após término da concessão de bolsa para estudo no exterior. Ressarcimento ao erário. Inocorrência de prescrição. Denegação da segurança. O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo poder público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da CF, no tocante à alegada prescrição." (MS 26.210, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-9-2008, Plenário, DJE de 10-10-2008.)

No voto condutor, o Relator traz o devido esclarecimento acerca da exceção prevista no final do § 5º do art. 37 da CF ao transcrever a doutrina de José Afonso da Silva, na qual o autor assinala que prescrevem apenas a apuração e a punição do ilícito, não o direito da Administração de reaver os valores atinentes ao prejuízo causado ao erário. Veja-se um trecho do referido voto:

2.       Da ilegitimidade passiva

A defesa sustentou a tese de ilegitimidade passiva, em função das irregularidades excederem à sua esfera de atuação, e ante a ausência de dolo ou má-fé.

Seguindo em consonância ao relatório de instrução, considerando que as irregularidades em questão recaíram sobre o Edital da Tomada de Preços n° 01/2001, o argumento de ilegitimidade passiva não procede, haja vista que por meio de subscrição ao edital, o Sr. Roberto da Silva, avalizou a licitação, mesmo que o Secretário da Administração, Sr. Márcio Venício Bernardino, tenha subscrito também.

Além disso, como aponta a instrução, há, mediante risco administrativo, a responsabilização solidária do gestor, atribuindo-lhe a culpa “in eligendo” e “in vigilando”, visto que sua autorização, embora alegada por pró-forma, não o redime da culpa por má vigília ou mesmo por má delegação de cargo.

Por "culpa in eligendo" entende-se ser a responsabilidade atribuída àquele que deu causa à má escolha do representante ou preposto e a "culpa in vigilando" refere-se à ausência de fiscalização das atividades dos subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes.

Esse Tribunal de Contas, mediante o inciso III do art. 1º de sua Lei Orgânica nº. 202/2000, descreve como uma de suas competências julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município.

Em função do cargo ocupado, o então Prefeito se amoldava exatamente ao conceito de responsável pela administração de dinheiro, bens e valores públicos, em consonância com a definição de responsável do art. 133, § 1º, letra “a”, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, litteris:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

 

§ 1º. Para efeito do disposto no caput, considera-se:

 

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário. [grifei].

 

 

Além disso, cumpre registrar que a execução de tarefas ordinárias da entidade configura delegação interna de competência e reflete, tão-somente, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito da Prefeitura, pois não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo de chefia máxima executasse diretamente todas as atividades cotidianas.

Ou seja, ainda que houvesse uma delegação interna para a execução de serviços técnicos e/ou burocráticos, o titular da Unidade Gestora não se exime da condição de responsável pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e controle que lhe são afetas.

Ainda na seara da responsabilização do gestor, trago da jurisprudência do Tribunal de Contas da União alguns julgados, que refletem o entendimento ainda mais restritivo daquela Corte de Contas, pois nem mesmo a delegação formal de competência afastaria a responsabilização do gestor em face da sua culpa in elegendo e in vigilando. Veja-se:

1.    Acórdão 1.247/2006-TCU-1ª Câmara:

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO.

1. A delegação de competência não transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados.

O Prefeito é responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando [grifei]

2.    Acórdão 1.843/2005-TCU-Plenário:

LICITAÇÃO. PEDIDO DE REEXAME. AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DE ATOS DELEGADOS. (...)

A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato [ grifei].

Suas argumentações não obtiveram êxito na pretensão de afastar sua responsabilidade. A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato. É obrigação do ordenador de despesas supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre (naquilo que estiver a seu alcance) o responsável inafastável.

3.    Acórdão 1.619/2004-TCU-Plenário:

É entendimento pacífico no Tribunal que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão 54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001 - Segunda Câmara, in Ata 10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização subordinados, diante da culpa in eligendo e da culpa in vigilando [grifei].

4.    Acórdão 1.432/2006-TCU-PLENÁRIO:

(...) RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PELAS ATRIBUIÇÕES DELEGADAS. FISCALIZAÇÃO DEVIDA. (…)

(...) 2. Atribui-se a culpa in vigilando do Ordenador de Despesas quando o mesmo delega funções que lhe são exclusivas sem exercer a devida fiscalização sobre a atuação do seu delegado [grifei].

 

Portanto, entendo que não se pode atribuir exclusivamente ao servidor que executou determinada tarefa a responsabilidade pelas falhas praticadas.

Pode-se até cogitar a possibilidade de aferir a responsabilização dos agentes executores de determinado ato administrativo, o que não afasta a do administrador, que deve ser imputada ao menos de forma solidária com o seu executor. Trata-se do ônus inerente ao exercício do cargo que ocupa.

Entendo que remanesce a responsabilidade – repiso, ao menos solidária – do ora recorrente em virtude dos atos praticados sob a sua gestão, o que impede a sua exclusão do pólo passivo dessa demanda.

3.    Ausência de dolo e de má-fé

Quanto à alegação de ausência de dolo ou má-fé, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer dispositivo na Lei Complementar n. 202/2000, que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, como bem registrou a instrução, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, o qual se constata nesses autos.

Sobre o tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[1], que bem sintetiza esse entendimento:

11. (d) Princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.

 

4.       Apreciação do Poder Judiciário sobre os mesmo fatos

Prosseguindo, a defesa aborda a impossibilidade de aplicação de qualquer sanção por essa Corte de Conta pelas irregularidades estarem em trâmite na via judicial, o que ocasionaria insegurança jurídica.

Contudo, sem o devido trânsito em julgado das ações, como aponta o relatório de instrução, a tramitação na via judicial não impede esse Tribunal de exercer suas funções quanto à sua competência. Assim, pelos fatos adentrarem nessas condições, nos termos do art. 1º da Lei Complementar n° 202/00, esse argumento também não deve ser acolhido.

Passo a análise individual das irregularidades apontadas pela instrução.

5. Pagamentos Indevidos à empresa contratada, haja vista que não houve prestação de serviço acordado, estabelecendo dano ao erário.

A instrução aponta irregularidades demonstradas pela Inspetoria 1 dessa Corte de Contas quanto aos pagamentos efetivados à empresa contratada Pacopedra Pavimentadora e Comércio de Pedras Ltda.,  redigidas nos itens 2.6.1, 2.6.2 e 2.6.3 do relatório de instrução.

Verificou-se os pagamentos nas quantias de R$ 2.958,00, pelo trabalho de instalação dos kits domiciliares conforme constava no contrato firmado, contudo não houve a contraprestação; R$ 5.500,00, pela execução de projeto de obra de Rede de Esgoto, porém o projeto foi realizado pela Prefeitura Municipal de Ilhota e, ainda, R$ 6.000,00, referente a ligações domiciliares na rede de esgoto, as quais também não foram realizadas.

As alegações do responsável limitam-se às teses preliminares já relatadas nos itens 1 a 4 deste parecer, todas refutadas por esse órgão ministerial. 

Assim, também opino por julgar irregulares as presentes contas, como também por imputar ao Sr. Roberto da Silva, ex-Prefeito Municipal de Ilhota, o pagamento dos débitos especificados nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 da conclusão do relatório de instrução.

6.  Irregularidades na Tomada de Preços n° 01/2001.

A instrução constatou cláusula editalícia irregular em face da exigência de capital social superior a 10% do valor da obra, infringindo o disposto no § 3° do art. 31 da lei n. 8.666/93; como também a limitação da competição em virtude da exigência de vistoria em data específica sem justificativa, infringindo o inciso I do § 1° do art. 3° da Lei n. 8.666/93, e, ainda, ausência de justificativas claras pelo responsável, Sr. Márcio Venício Bernardino, para a desclassificação de dois licitantes, as empresas Arruda Construtora de Obras Ltda. e Construtora Gomes, infringindo os princípios da legalidade e publicidade do art. 3°, caput, da Lei n° 8.666/93.

O gestor, em sua defesa, alegou violação do contraditório e à ampla defesa; sustentou que transcorridos 10 anos após os fatos, não haveria como justificar a desclassificação referente aos recursos dos licitantes; transcorreu sobre controvérsias licitatórias, sustentando a fragilidade administrativa do município de Ilhota por este ser de porte pequeno; também emitiu razões referentes à ausência de dolo ou má fé, asseverando que pelos procedimentos da comissão de licitação, tudo transcorreu como deveria, haja vista que a Caixa Econômica Federal também não se opôs, e concluiu afirmando que agiram a fim de atender aos interesses públicos da melhor forma possível.

É cediço que os atos administrativos relacionados com licitações devem ser regrados pelas orientações contidas na Lei n° 8.666/93, atendendo-se aos princípios da legalidade e do julgamento objetivo, resguardados no art. 3° dessa norma, condicionando o administrador a proceder nos limites da lei.

O argumento de desclassificação das empresas à época, fundamentado apenas no interesse público, sem regras claras que apontassem as razões da exclusão desses licitantes, não deve ser acolhido.

Cabe examinar, nesse contexto também, que o capital social exigido dos licitantes superava o proposto pelo art. 31, §§ 2° e 3° da Lei n° 8.666/93, que impõem exigência de capital social não superior a 10% do valor estimado da contratação, configurando, assim, a irregularidade, haja vista que o valor exigido era equivalente ao valor estimado da obra.

Quanto à suposta violação ao contraditório e à ampla defesa, o Sr. Márcio Venício Bernardino sustenta que não houve qualquer notificação por parte da Controladoria Geral da União, ou mesmo pelo autor da representação, para apresentar justificativas quando se verificou as irregularidades. Contudo, isso nada afeta as constatações nestes autos, haja vista que a ausência de notificação na época não afasta a atribuição de responsabilidade por esse tribunal. Além do mais, todos os procedimentos a fim de garantir o direito do responsável ao contraditório foram efetivados por parte desse Tribunal, como se comprova pelos comprovantes de citação inseridos nos autos e por essas alegações de defesa.

Referente à ausência de dolo ou má fé, esse argumento já foi refutado neste parecer, em consonância ao relatório de instrução.

E com relação à prescrição, não houve sua ocorrência, com base nas novas regras vigentes acerca sobre prescrição atinentes a processos em trâmite nesse Tribunal de Contas, conforme relatado no item 1 deste parecer.

Assim, opino pela manutenção das irregularidades e pela aplicação das penalidades cabíveis, na forma do art. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000.

7. Irregularidades dos atos do gestor com relação ao Contrato n° 43/2002 de 14/06/2002, decorrente do Convite n° 48/2002, constados nos próximos subitens.

7.1. Omissão quanto a responsabilizar, de acordo com o que prevê o art. 618 do Código Civil Brasileiro, o contratado pelos problemas detectados em obra, conforme item 2.4 do Relatório n° 724/2010.

A Diretoria Técnica apurou omissão do Sr. Roberto da Silva pela não responsabilização do contratado para a solução dos problemas constatados e relatados nos itens 2.4 do Relatório n° 724/2010, com base no art. 618 do Código Civil Brasileiro.

Considerando que o responsável não apresentou nenhum argumento que pudesse afastar, no mérito, os apontamentos feitos pela instrução e que todas as alegações de natureza preliminar já foram devidamente refutadas nos itens 1 a 4 deste parecer, opino por manter a presente restrição, bem como aplicar a multa prevista no inciso II, do art. 70 da Lei Complementar n° 202/2000.

7.2. Funcionamento de Estação de Tratamento de Esgoto do Município, sem o devido licenciamento Ambiental de Operação – LAO, não atendendo ao art. 3°, II da Resolução do Conama n° 005/88.

A instrução apurou irregularidade no funcionamento da Estação de Tratamento de Esgoto - ETE, ao constatar que não houve solicitação da Licença Ambiental de Operação - LAO, conforme determinado pela Fundação do Meio Ambiente – Fatma.

Também quanto a este tópico, não há argumentos relacionados ao mérito, portanto, todas as justificativas apontadas pela defesa não devem ser acolhidas, como já exposto inicialmente neste parecer.

Assim, opino por manter a presente restrição, bem como aplicar a multa prevista no inciso II, do art. 70 da Lei Complementar n° 202/2000.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, e nos incisos I e II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. Pela IRREGULARIDADE das presentes contas, com fulcro no artigo 18, inciso III, alínea “c” c/c art. 21, caput, da Lei Complementar n.º 202/2000, em face das irregularidades apontadas nos itens 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 da conclusão do relatório de instrução;

2. pela IRREGULARIDADE da Tomada de Preços n° 01/2001, em função das constatações nos itens 3.3.1, 3.3.2 e 3.3.3 da conclusão do relatório de instrução;

3. pela IRREGULARIDADE o Contrato nº 43/2002 de 14/06/2002, decorrente do Convite nº 48/2002, em função das irregularidades mencionadas nos itens 3.5.1 e 3.5.2 da conclusão do relatório de instrução;

4. Pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO ao Sr. Roberto da Silva, ex-Prefeito Municipal de Ilhota, em face das restrições descritas nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 do relatório de instrução;

5. Pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao Sr. Roberto da Silva, nos termos do art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000, em função das irregularidades descritas nos itens 3.3.1, 3.3.2, 3.5.1 e 3.5.2 da conclusão do relatório de instrução;

6. Pela APLICAÇÃO DE MULTA ao Sr. Márcio Venício Bernardino, nos termos do art. 70, inciso II, da Lei Complementar n° 202/2000, em função da irregularidade descrita no item 3.3.3 da conclusão do relatório de instrução.

Florianópolis, 20 de maio de 2013.

 

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 20ª ed., p. 805