PARECER nº:

MPTC/17531/2013

PROCESSO nº:

PCA 09/00284307    

ORIGEM:

Sapiens Parque S.A.

INTERESSADO:

Saulo Vieira

ASSUNTO:

Prestação de contas do exercício de 2008.

 

1. DO RELATÓRIO

 

            Tramita nesta Procuradoria para análise e emissão de parecer, a prestação de contas do exercício de 2008 do empreendimento denominado Sapiens Parque, situado no município de Florianópolis.

            Segundo depreende-se da leitura de fl. 18 dos autos (Relatório de Instrução n. 127/2009 da Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE) a empresa é controlada pela CODESC, extraindo-se do documento de fl. 15 que o total do capital social em 2008 era de R$ 232.817.616,00, distribuído na forma das ações integralizadas descrita à fl. 15, sendo a CODESC a entidade detentora da maioria das ações (61%).

            Na definição das Notas Explicativas às Demonstrações Contábeis, de fl. 10 está anotado que o objeto

 

... consiste em promover o desenvolvimento econômico, social, ambiental, tecnológico e urbano sustentável, visando constituir-se em uma referência nacional e internacional de inovação, inteligência, qualidade de vida e bem estar.

 

A Companhia encontra-se em fase pré-operacional, sendo que em abril de 2006 foi inaugurado o marco zero do projeto, consistindo na implantação da sede do Sapiens Parque, onde irá funcionar a incubadora e o auditório para reuniões. As obras de infra-estrutura estão sendo executadas.

 

As projeções realizadas pela administração do Sapiens Parque indicam que o projeto atrairá investimentos de aproximadamente R$ 2,5 bilhões para o estado de Santa Catarina, nos próximos 15 anos.

 

                                                                                              (grifamos)

 

            Após tramitação da matéria, com a devida instrução processual, a Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE, emitiu o Relatório n. 0266/2011, de fls. 366-380, observando a necessidade de esclarecimentos adicionais do Sapiens Parque, por seu Diretor Presidente à época, sr. Saulo Vieira, quanto às restrições de pagamento de refeições a terceiros não vinculados à empresa no montante de R$ 905,99 e R$ 78.500,00 referente ao pagamento com indenizações para desocupação de edificações irregulares na área territorial da Sapiens Parque, sem o oferecimento das devidas ações no campo do direito possessório. Complementou a análise a necessidade de esclarecimento, sob pena de aplicação de multa, sobre a ausência do Certificado de Auditoria Interna  com o parecer do dirigente do órgão de controle interno quanto as restrições apontadas e ausência de lançamento de dados atualizados no sistema e-Sfinge relativos ao último bimestre de 2007. As alegações de defesa quanto aos fatos acima narrados estão juntadas aos autos às fls. 387-354.

            O Órgão Técnico de Instrução manifestou-se em relação à defesa na forma inscrita no Relatório n. 0813/2011, de fls 397-413, propondo o julgamento irregular de R$ 905,99, valor relativo a despesas com alimentação de terceiros (item 3.1.1 de fl. 412), R$ 78.500,00 pelo pagamento de indenizações para desocupação de áreas, em que houve edificações no terreno do Sapiens Parque; com sugestão de aplicação de multa pelos motivos já expostos acima.

            Este Órgão Ministerial manifestou-se na ocasião, em parecer da lavra do eminente Procurador Geral Mauro André Flores Pedrozo, de fls. 414-420, acompanhando os termos do parecer da Instrução, acima relatado - Relatório n. 0813/2011, de fls. 397-413.

            Nos autos consta ainda a informação de fls. 421-427, da DCE, sugerindo citação do sr. Saulo Vieira sobre o pagamento adicionais de valores efetuados pela empresa Sapiens Parque, no montante de R$ 35.000,00, conforme leitura de fl. 427, proposição aprovada pelo Conselheiro Relator.

            Aos autos foram juntadas as alegações de defesa de fls. 429-440, sendo apreciadas pela Diretoria Geral de Controle da Administração Estadual/Inspetoria 3/Divisão 8, na forma do Relatório n. 0668/2012.

 

 

2. DA INSTRUÇÃO

 

                        O conclusivo parecer da Diretoria de Controle da Administração Estadual, integrante do  Relatório n.º 0668/2012, de fls. 443-447  a 95, aponta para o não equacionamento das restrição destacadas ao longo da instrução processual.

            Consta da fl. 446-verso e 447 o posicionamento final no parecer retro citado, assim registrando a DCE seu entendimento:

 

a)   Julgar irregulares com imputação de débito, a prestação de contas do administrador do Sapiens Parque, referente ao exercício de 2008 e condenar o responsável, sr. Saulo Vieira nos seguintes valores:

 

a.1 – R$ 905,99 pela realização de despesa com pagamento de alimentação de terceiros, cuja presença junto à Sapiens Parque precedia a condição de integrarem a entidade, a qual estavam vinculados e nessa condição foram designados para o exercício de determinado fim/representação;

 

a.2. – R$ 113.500,00, decorrente da realização de despesas relativas ao pagamento de indenizações para desocupação de áreas com edificações irregulares em terreno de sua propriedade, sem promoção de ações judiciais específicas inerentes à discussão da posse ou propriedade;

 

b)   Aplicar multa ao responsável acima identificado:

 

      b.1. por ausência de remessa, como parte integrante da prestação de contas, o respectivo Certificado de Auditoria Interna com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, quanto a restrições constatadas;

 

      b.2. pelo não envio de dados do Sistema e-Sfinge relativos ao último bimestre de 2007 e aos cinco primeiros bimestres de 2008.

 

 

3. DA PROCURADORIA

 

            Ao proceder o exame dos autos, verifico nos dados pertinentes à prestação de contas da gestão de 2008 do Sapiens Parque, determinados aspectos que entendo serem necessários de comentários, para após, emitir juízo de valores sobre os mesmos.

            Inicio observando preliminarmente, que não há reparo algum à manifestação anterior deste órgão, da lavra do então Procurador Geral Mauro André Flores Pedroso, eis que fundada sua conclusão na análise técnica desenvolvida pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, contida no Relatório DCE 0813/2011 e com base nas informações então presentes nos autos.

            Contudo, após a manifestação citada, ingressaram nos autos as justificativas encaminhadas pelo escritório de advocacia Guimarães e Santiago, de fls. 429-440, representando tanto a entidade Sapiens Parque como também o seu ex-gestor no exercício de 2008, que entendo acolhê-las para análise.

            Como matéria preliminar a ser analisada consta das justificativas o histórico do empreendimento administrado pelo Sapiens Parque (fl. 430), necessário de ser analisado como elemento de informação para que se tenha o ajustado entendimento do empreendimento planejado, a forma como viabilizou-se sua implantação, as etapas a serem seguidas no projeto de implantação e o fim visado a médio e longo prazo. Entendo o exame sobre estes aspectos iniciais que caracterizam o empreendimento é que permitirão formar a adequada compreensão e poder avaliar seu plano de execução e etapas a serem executadas e implantadas ao longo do projeto definido.

            Assim, por pertinente, a contextualização histórica do empreendimento é que poderá ensejar a correta compreensão dos fatos e as motivações vinculadas a cada ato de gestão praticado. Nesse contexto, transcrevemos de fl. 430 a seguinte informação da empresa Sapiens Parque, por seus advogados já citados:

 

A Sapiens Parque S.A. foi constituída em 13 de dezembro de 2002, sob a forma de sociedade anônima de capital fechado, portanto de natureza jurídica de direito privado, pela parceria formada entre a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras – CERTI e o Instituto Sapientia, e cujo propósito específico, conforme consta de seu Estatuto Social, é desenvolver, implantar e executar o projeto denominado Sapiens Parque. Posteriormente, através de lei autorizativa, adquiriram participação na  Sapiens Parque S.A. a Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – CODESC, em maio de 2003, com aproximadamente 60% das ações da companhia, figurando assim como acionista majoritária, e a SC Parcerias (hoje SC Par) em junho de 2006, com aproximadamente 30% das ações da empresa.

 

            Tem-se assim, a partir desta informação preliminar a exata noção de como se iniciou o projeto, hoje denominado Sapiens Parque, a partir da parceria Sapiens Parque S.A. (capital privado/natureza jurídica de direito privado) com a CERTI e o Instituto Sapientia.

            Quanto a ideologia que orientou a formação do projeto e da empresa gestora deste, há informação de fl. 430 no sentido de esclarecer tais circunstâncias na seguinte forma:

 

Desde sua concepção ideológica, uma equipe de especialistas envidou esforços para delimitar conceitos, idealizar o Projeto Sapiens Parque, e, com a definição da área, construir o Master Plan do Parque, projeto urbanístico que definiu a ocupação da área destinada ao referido, com padrões a serem seguidos e fases de implantação, citadas detalhadamente adiante, que compõe e atendem às determinações do licenciamento ambiental e legislação pertinente. 

 

Tal definição do projeto e sua viabilidade decorrem da Lei estadual n. 13.436/05, que no Parágrafo único do art. 2.º definiu, juridicamente um Parque Tecnológico e de Inovação, com propósito específico de executar projeto de desenvolvimento regional denominado “SAPIENS PARQUE” a ser instalado em terras de propriedade, então da CODESC e SC Par, incorporadas ao patrimônio da empresa Sapiens Parque via integralização de seus acionistas. O Parágrafo único do art. 2. º da Lei n. 13.436/05 contemplou a seguinte redação:

 

Parágrafo único. Fica a SAPIENS PARQUE S.A. obrigada a utilizar o imóvel descrito no inciso III para fazer cumprir o propósito específico da companhia, comercializando, desmembrando e, em casos especiais, doando, assegurado sempre o interesse público.

 

            Nesse contexto, ficou clara a obrigatoriedade da utilização do imóvel, nos termos do inciso III do art. 2.º da Lei 13.436/05,

 

um bem imóvel constituído por um terreno com a área de 3.403.509,92 m² (três milhões, quatrocentos e três mil, quinhentos e nove metros e noventa e dois decímetros quadrados), com benfeitorias, situado em Canasvieiras, nesta Capital, na Estrada Geral de Cachoeira do Bom Jesus, tendo suas confrontações descritas em Escritura Pública, devidamente registrado no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca da Capital sob a matrícula nº 36.644.

 

Pela regra do Parágrafo único do art. 2.º, ficou autorizado o Sapiens Parque a praticar, em relação ao projeto, atos de comercialização, desmembramento e até doação, desde que presente o interesse público.

       É de ser observado ainda que todo o procedimento legislativo resguardou o mandamento do § 2.º do art. 13 da Constituição de Santa Catarina.

      

Ainda a título de ilustração para o entendimento da questão a ser discutida nestes autos, transcreve-se da legislação municipal de Florianópolis, especificamente da Lei Complementar n. 134/2004, a disciplina sobre a área objeto de implantação do Sapiens Parque:

 

Art. 1º Esta Lei Complementar aplica-se à região situada nas UEPs 92 (Cachoeira do Bom Jesus Oeste) e 93 (Canasvieiras) definida no mapa do Anexo I, escala: 1:15:000, parte integrante desta Lei, visando a implantação do "Projeto Sapiens Parque".

Parágrafo Único - O Sapiens Parque é um Projeto de Desenvolvimento Urbano, Econômico, Tecnológico e Social que reunirá empreendimentos na área de ciência e tecnologia, educação e cultura, saúde e biotecnologia, esporte e lazer, turismo, comércio e entretenimento
.

 

O art. 3.º da Lei acima disciplinou o zoneamento, adequação de usos e atividades às áreas, os limites de ocupação, o sistema viário e outros, estabelecendo de modo claro no § 3.º:

 

§ 3º - Para o território desta Lei Complementar só será admitido o recebimento do potencial construtivo originário da transferência do direito de construir da própria área objeto específico de urbanização.

 

Ficou assim estabelecido de modo claro e indiscutível que a ocupação da área apenas ocorreria dentro da modalidade definida para a implantação do projeto Sapiens Parque, afastando assim qualquer forma de ocupação diferenciada do regramento adotado.  O art. 13 foi mais específico ao fixar a possibilidade de ocupação de área de lote, desde que existente sistema completo de infra-estrutura de saneamento básico:

 

Art. 13 A ocupação da área dos lotes, independentemente dos limites de ocupação fixados nesta Lei Complementar fica condicionada à existência de sistema completo de infra-estrutura de saneamento básico - coleta e tratamento, aprovado pelos órgãos competentes, podendo ser implantado por etapas, conforme cronograma físico aprovado pelo Poder Executivo.

 

Portanto, desta analise inicial, ficaram totalmente excluídas as ocupações porventura existentes no terreno destinado ao Sapiens Parque.

 

A partir desta compreensão inicial do tema, necessário ainda verificação  do planejamento de implantação do projeto Sapiens Parque, as etapas definidas, prazos estipulados para cada etapa e estratégias de preparação da área objeto do projeto.

Outro aspecto inserido no inciso III do art. 2.º da Lei 13.436/05 é a constatação de que no terreno disponibilizado ao projeto Sapiens Parque havia benfeitorias, realidade que se extrai do texto da lei quando essa assim se refere ao fato:

 

um bem imóvel constituído por um terreno com a área de 3.403.509,92 m² (três milhões, quatrocentos e três mil, quinhentos e nove metros e noventa e dois decímetros quadrados), com benfeitorias, situado em Canasvieiras, nesta Capital

                                                                                              (grifamos)

 

            E o que seriam as benfeitorias a que se refere a lei, as que se originaram da antiga destinação do terreno ou outras que surgiram ao longo de anos em que o terreno ficou sem o devido controle de quem era possuidor, ou ainda pela considerável extensão da área cuja região circunvizinha foi paulatinamente ocupada.

            Os autos trazem informações que devem ser apreciadas com ponderação e transportadas para o contexto da época para que se tenha ajustada noção das condições fáticas existentes no terreno objeto do projeto Sapiens Parque.

            Com muita clareza o tema é abordado na apresentação das justificativas do Sapiens Parque às fls. 432, na implantação de uma das etapas, a inicial denominada  Marco Zero, as quais, por pertinência se transcreve:

 

Quando começaram as movimentações para a reforma do Casarão e Escola Sapiens foi que a Companhia passou a ter ciência da ocupação dos posseiros e da dimensão do problema social que estava instalado ao lado do Marco Zero.

 

Até a implantação do Marco Zero devido à dimensão da área destinada ao Parque, era sabido da existência de um posseiro, remanescente da Colônia Penal Agrícola  que existia no local e cuja ocupação irregular foi objeto de Ação Judicial movida no ano de 1999 pela então proprietária CODESC. Este fato será tratado de forma mais detalhada posteriormente.

 

Com as obras já em andamento é que veio a tona a verdadeira “favelização” que estava ocorrendo no interior da área do Sapiens Parque, com a ocupação não mais de um único posseiro, mas sim de 6 (seis) famílias que estavam ali consolidadas há mais de 7 anos.

 

Como já exposto em petições anteriores e documentado fotograficamente nos autos, as edificações, embora precárias, eram a moradia de famílias e os posseiros utilizavam extensa área de pasto para criação de animais e plantação de algumas culturas, evidenciando que a posse estava estabelecida há algum tempo.

 

            Observa-se assim, da narrativa dos fatos e das fotos (fls. 320-323), que quando o terreno foi efetivamente avaliado após ingressar na posse do Sapiens Parque, deparou-se com ocupações de terreno, de forma pacífica e mansa em situações não identificadas até então que remontavam a alguns anos, porém com uma exceção, em ação judicial movida em 1999 pelo antigo proprietário,  que discutia a posse de área ocupada sem que houvesse uma solução até então. Tal quadro real ainda seria objeto de análise nas justificativas da empresa conforme leitura que se faz de fl. 432:

 

 

 

 

A evolução das obras do Marco Zero causou alguns conflitos, que levaram a depredação do patrimônio e ameaças, especialmente porque o fornecimento de água e energia elétrica dos casebres era feito dos pontos ligados ao Casarão e à Escola. Obviamente, com as obras a energia foi desligada em algumas oportunidades gerando reação dos posseiros.

 

No decorrer da implantação do Marco Zero, a Sapiens Parque S. A. buscou, sem êxito, aproximar-se dos posseiros para que, de forma pacífica e ordeira a área fosse desocupada sem qualquer dispêndio financeiro ou disputa judicial.

 

Ao término das reformas, o Casarão foi instituído como Sede da Companhia dando início as atividades no Parque, o que acabou ampliando os conflitos. Estamos aqui tratando de uma transição de pouco mais de um ano entre a reforma e a operação das edificações.

 

            Esclarece ainda a empresa Sapiens Parque que as obras no Casarão remanescente da antiga colônia penal e que abrigou sua direção e com definição de ser a Sede Administrativa da Companhia no novo projeto, tinha sido edificado por volta de 1890 (informação de fl. 431), fato que associado ao abandono verificado ao longo dos anos exigiu a participação de pessoas contratadas para sua recuperação e adequação.

            Fato importante de ser ressaltado é o que se colhe da leitura de fl. 433, quanto ao clima nada amistoso entre as pessoas vinculadas à instalação do Marco Zero e os posseiros, conforme relatado nos seguintes termos:

 

 

No Marco Zero, recém implantado, existiam cerca de 80 (oitenta) profissionais trabalhando diretamente nas empresas instaladas na incubadora, ocupando uma área total de aproximadamente 1.000 metros quadrados construídos.

 

Considerando-se legítimos “donos” da área, os posseiros tinham atitudes extremamente hostis em relação aos colaboradores da Sapiens Parque S.A e das outras empresas ali instaladas, gerando um constante clima de apreensão e insegurança.

 

Já citado no petitório anterior, fato que merece destaque é que a situação chegou a exigir vigilância armada durante 24 horas, para evitar novas invasões que estavam sendo incentivadas pelos posseiros e, principalmente, agressões físicas aos frequentadores do Marco Zero.

 

Neste contexto, ainda exposto de forma muito sucinta, foi  que houve a tomada de decisão pelo acordo indenizatório para desocupação da área.

 

            A matéria já havia sido tratada em ocasião anterior quando o Sapiens Parque informou à fl. 305 que as ocupações ocorridas há mais de 7 anos, nem matrícula tinham do imóvel quando da incorporação do patrimônio ao Sapiens Parque. Necessário registrar que além das ocupações dos terrenos em datas  anteriores à transferência da área ao Sapiens Parque, outras viriam a ocorrer, quando (fl. 305) “ “[...] novos posseiros instalaram-se no imóvel, erigindo construções de forma igualmente clandestina, sem conhecimento ou autorização do proprietário à época. [...] Portanto, tendo em vista a origem clandestina das precárias construções, e a necessidade imediata da desocupação do terreno da Sapiens  Parque para os desdobramentos do empreendimento, procedeu-se a desocupação amigável mediante o pagamento de indenizações”. 

            A caracterização da posse existente pode ser vista a partir da observação das fotos de fls. 320-323.

            Dentro de todo o quadro até aqui exposto é de ser indagado qual dos caminhos de natureza administrativa deveria valer-se a Sapiens Parque S.A para buscar uma solução para o impasse referente à posse clandestina e precária de que eram detentores os posseiros.

            Para que se possa ter presentes elementos de formação de juízo, necessário novamente buscar contextualizar a matéria a partir de uma visão dos fatos conforme a época em que ocorreram e a partir deste cenário visualizar se o procedimento administrativo da Sapiens Parque teve efetivamente uma motivação forte e que a solução adotada tenha se lastreado em decisões fundamentadas na razoabilidade de conduta do gestor. Nos autos encontra-se o seguinte esclarecimento de fl. 434:

 

 

Relata ainda que o fato do terreno pertencer ao Governo do Estado, e a existência da Lei Municipal n.º 134/2004, que veda construções residenciais na área do Sapiens Parque, eram situações a serem levadas em consideração para promover a devolução/reintegração pela via judicial e não o simples pagamento de um “quantum” aos transgressores do uso indevido de sua propriedade.

 

[...]

 

A decisão pela indenização das famílias não desconsiderou as observações  feitas pelo Relatório pelo contrário, como já alegado, até a tomada de decisão, todos os fatores foram observados, tanto que o entendimento da empesa é de que a posse era precária e as edificações de origem clandestina.

 

No entanto, o entendimento da empresa não implica em igual entendimento do Judiciário, tão pouco a obviedade do direito significa celeridade processual, ou ainda garantia de sucesso na lide.

 

            A opção de resolução do impasse possessório pela via própria em ação específica não passou despercebida da empresa, pelo contrário, observa-se nos autos a ocorrência de precedente judicial não concluso em ação interposta ainda no ano de 1999. Nesse sentido, e para que se tenha presente o conjunto de fatos a contribuírem para o entendimento da matéria, transcreve-se de fls. 434-435 a manifestação da empresa Sapiens Parque sobre o tema:

 

 

A título de corroborar o entendimento de que ter levado as demandas ao Judiciário poderia ter desdobramento infindáveis trazendo risco eminente ao andamento do Projeto, cabe trazer a este Tribunal de Contas situação vivenciada pela própria empresa numa Ação possessória, cujo objeto seria idêntico ao objeto das lides com as famílias dos posseiros.

 

Conforme mencionado neste petitório, a empresa tinha ciência, através de informação da acionista CODESC, de que existia uma Ação Reivindicatória em tramitação, movida contra um posseiro remanescente da colônia penal agrícola e que havia ali se estabelecido com a família.

 

 

O Sr. Valmir Rogério Gorges ocupava área próxima aos posseiros, e teve contra si ação ajuizada no dia 21 de maio de 1999 pela então proprietária CODESC, requerendo, dentre outros pedidos, a desocupação do imóvel. O processo foi autuado sob o n.º 023.99.030385-6, em trâmite na 5.ª Vara Cível da Capital.

 

No ano de 2008, quando foi feita a opção pelos acordos, além das 6 (seis) famílias, ainda estava na posse da área o Sr. Valmir.  A demanda judicial estava às vésperas de completar dez anos de tramitação sem que o imóvel fosse desocupado. Atualmente, 13 anos após o ajuizamento, depois de algumas medidas tomadas pela empresa, o Sr. Valmir desocupou a área, no entanto a ação permanece em tramitação, com decisão favorável à Sapiens Parque S.A, aguardando o final da lide.

 

Utilizando como parâmetro a tramitação da Ação mencionada acima, as ações possessórias, se ajuizadas em 2008, poderiam se estender até 2021. Evidentemente que o risco e as consequências da demora da resolução, ainda que a posse fosse restituída, seriam drásticas ao empreendimento, e o prejuízo da Companhia seria muito maior do que os R$ 113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos reais) pagos pela desocupação da área.

 

Ao discorrer sobre a instalação de empreendimentos na área do Sapiens Parque, ficou esclarecido que o projeto piloto concentrou no inicio duas grandes edificações, uma destinada a pesquisa de energias alternativas em parceria com a Petrobrás e outra na área de Farmacologia pré-clínica. Um terceiro prédio da Fase Zero, é o denominado InovaLab para instalação de pequenas empresas de inovação. As instalações tem elevado porte de necessidade de recursos para viabilizá-los e tais valores permitiram avaliar determinados aspectos comparativos na relação investimentos admitidos e aplicados com o dispêndio de valores dos gastos com as indenizações. Nesse contexto destaca a Sapiens Parque à fl. 431:

           

 

Com a presença dos posseiros, os empreendimentos  citados acima possivelmente teriam outro destino e o Sapiens Parque deixaria de receber cerca de R$ 37 milhões em investimentos que estão sendo empregados  nas edificações mencionadas.

 

Fora os reflexos  visíveis em outros empreendimentos, a medida adotada pelo gestor se mostrou eficaz, ao disponibilizar, de forma imediata e com dispêndio financeiro pequeno, a área invadida que no Master Plan equivale à Unidade de n.º 64, com as seguintes características:

 

[...]

 

A área da unidade 64 tem 9.113,94 m2, com potencial construtivo de 12.000 m2  (doze mil metros quadrados).

 

Os posseiros, obviamente, não ocupavam toda a área, mas estavam espalhados nela, tornando-a inútil. Utilizando como parâmetro as avaliações já feitas em unidades próximas, o valor atual do imóvel, desconsiderando a infraestrutura, é de R$ 3.047.436,00 (três milhões, quarenta e sete mil, quatrocentos e trinta e seis reais). As indenizações concebidas para liberação da área equivalem à apenas 3,72% (três vírgula setenta e dois por cento) deste valor. Se levarmos em consideração o potencial construtivo (12.000 m2) e o que isso implicaria em termos de investimento, o valor das indenizações fica ainda mais irrisório.

 

            A existência de ocupação na modalidade possessória no terreno do Sapiens Parque implicava seguramente em óbice ao planejamento definido e ao alcance das etapas definidas para implantação, captação de recursos, garantia de investimentos no projeto, além de reflexos diretos sobre prazos para viabilizar o início do empreendimento. A via de desocupação por ações possessórias sugerida no exame instrutivo é válida, mas há que ser considerados inúmeros outros aspectos, principalmente os que separam ato de liberalidade do gestor quando confrontado com ato de gestão vinculado ao Projeto Sapiens Parque. Nessa linha de raciocínio, não fugiu à apreciação do Sapiens Parque o exame de questões dessa natureza, conforme análise que se faz da leitura de fl. 438:

 

 

Para realizar a Incorporação do Condomínio, havendo ações possessórias, há um óbice que limita e obriga o incorporador a adaptar suas unidades, áreas de uso comum e outros, ou seja, todo planejamento da empresa seria modificado, atingindo diretamente o propósito para o qual foi criada.

 

Além do risco na demora das ações possessórias, a discussão judicial forçaria, por exemplo, à retirada da Unidade 64 do Master Plan e/ou sua não utilização até a conclusão daquelas. O prejuízo, neste caso, superaria de maneira estratosférica o valor hoje questionado por este douto Tribunal.

 

            Por derradeiro, as justificativas da Sapiens Parque S.A concentram em pontos em que foi alicerçado o procedimento adotado, quais sejam, o ambiente hostil decorrente da posição dos posseiros em relação aos colaboradores na fase inicial de instalação do projeto; a liberação da área para efetivar e implantar ações do empreendimento; a relação custo/benefício da operação e a busca para o projeto da aplicação dos princípios da eficiência de da economicidade. A destacar ainda que possível impasse na resolução do litígio, se levado à via judicial e nos moldes de ação que tramita há mais de dez anos poderia refletir na paralização das atividades, o custo de modificações do Projeto Sapiens Parque e principalmente a perda de atratividade e de credibilidade diante de possíveis investidores.

            Por todas as considerações acima expostas, entendemos por acolher as justificativas da Sapiens Parque S.A, de fls. 429-440 para convalidar a solução aplicada à resolução das áreas invadidas.

            Ainda a analisar no presente caso a ocorrência de despesas realizadas pela Sapiens Parque S.A. no pagamento de refeições a terceiros. Entendo que a compreensão relativa a essas despesas deve ser realizada a partir a análise instrutiva, assim como deve ser levada em conta as justificativas trazidas aos autos pela Sapiens Parque.

            A interpretação que emerge da avaliação do que seja o Projeto Sapiens Parque, dos procedimentos vinculados à sua viabilização, do ponto de vista legal, do ponto de vista operacional ou do ponto de vista de um planejamento urbanístico ou de um polo de desenvolvimento tecnológico, não pode prescindir de análise dos documentos juntados às fls. 312 - atinentes às notas fiscais n. 17.891 e n. 6.891; 315 - atinente à nota fiscal n. 9.337 e 317 – atinente à nota fiscal n. 9.487.

Igualmente deve ser analisada a justificativa apresentada pelo sr. Saulo Vieira no item I de fl. 388-389. Alega à fl. 388 ter ocorrido nas despesas realizadas uma absoluta vinculação de atos em que esteve presente a todo tempo a estratégia da Companhia, não desperdiçando oportunidades, não apenas para aproveitar a presença de pessoas de renomada competência a avaliar e avalizar os projetos como também para fazer a projeção mercadológica como polo de atração das atividades que constituem o objeto do Sapiens Parque.

            Exemplo a ser observado é o que é descrito à fl. 388:

 

 

Todos os gastos ali efetuados, ainda que não tenham sido nomeados todos os envolvidos, foram destinados ao pagamento de refeições de pessoas cuja importância estratégica para Companhia justificou o dispêndio financeiro.

[...]

No caso da despesa com alimentação relatada  a página 312, por exemplo, esta foi executada  para receber pessoa que desenvolve atividade diretamente ligada às atividades que compõem  o objeto social da Companhia, pois é autoridade internacional  em Tecnologia e Inovação, como o relatório descreve com precisão.

 

           

Tal afirmativa remete à leitura do citado documento de fl. 312, de onde extrai-se as seguintes informações:

 

 

Nos dias 21/09/2008 e 22/09/2008 a Sapiens Parque recebeu o pesquisador Dr. James Robins, Diretor do Califórnia Environment Cluster de San Jose (Cluster de Meio ambiente em San Jose – Califórnia) e do Internacional Business Center Silicon Valley (Centro Internacional de Negócios do Silicon Valley).  [...] O Centro Internacional de Negócios do Silicon Valley é uma estrutura composta por escritórios locáveis e áreas de linha-estrutura compartilhada que visa receber empresas de todo mundo interessadas em realização negócios e parcerias com empresas do Silicon Valley. [...] O Diretor Executivo do Sapiens Parque iniciou um relacionamento de parceria com o Dr. James Robins em 1998 e vinha tentando trazê-lo ao Brasil desde então. A visita foi finalmente viabilizada em 2008 por com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia, que patrocinou o Seminário Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos  organizado pela ANPROTEC – Associação Nacional das Entidades Promotoras  de Empreendimentos Inovadores. [...] Todas as despesas de viagem internacional e nacional foram custeadas pela ANPROTEC, ficando sob responsabilidade do Sapiens as despesas locais de alimentação. O almoço em questão foi realizado no dia da visita do dr. Robins, na sequência de uma palestra realizada na UFSC sobre uso de energias renováveis e de uma visita ao Sapiens Parque para identificar possíveis projetos e ações em parceria. Participaram do almoço, além do Dr. Robins e do Diretor do Sapiens Parque outras 3 pessoas da equipe do Sapiens e da UFSC. Considerando-se que se tratou de uma oportunidade única de atrair uma liderança internacional em inovação e tecnologia para Florianópolis a um custo próximo de zero e que as consequências em termos de parcerias e ações conjuntas podem trazer benefícios imensos para universidades e empresas parceiras do Sapiens Parque, compreendeu-se que seria justificável o Sapiens assumir as referidas despesas.

           

Do que foi exposto e extraído dos autos, observo que a natureza da despesa tem relação com o objeto do empreendimento denominado Projeto Sapiens Parque, e nestas condições acolho as justificativas da entidade Sapiens Parque tendo em vista que há razoabilidade de procedimentos voltados ao fim visado.

            Em relação às demais despesas com refeições, entendo igualmente que os procedimentos da Sapiens Parque se coadunaram com o objeto do empreendimento, a partir da leitura que se faz das justificativas de fls. 315 e 317 dos autos.  Nesse contexto, e para que se tenha noção da motivação do posicionamento acima externado, quanto a compatibilidade do objeto do Sapiens Parque e as ações empreendidas que redundaram em gasto com refeições, abaixo transcreve-se de fl. 317:

 

 

No dia 27/10/2008 Sapiens Parque recebeu o Diretor de Inovação acompanhado por técnicos de análise de projetos da FINEP – Financiamento de Estudos e Projetos do Ministério de Ciência e Tecnologia. A FINEP é a instituição mais importante de fomento e apoio às iniciativas tecnológicas do país, em especial empreendimento em Parques Tecnológicos e foi apoiadora da fase inicial do Sapiens Parque num montante de R$ 1,5 milhões, em 2003. [...] Finalmente, a equipe da FINEP também solicitou a visita ao Parque para conhecer “in loco” o processo de implantação dos vários módulos e empreendimento do Parque, em especial os projetos em parceria com universidades como a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Em função da importância estratégica da visita, foi realizado um almoço com a equipe da FINEP e alguns parceiros  estratégicos e membros da equipe técnica do Sapiens, gerando as despesas que constituem o tema desta justificativa. Importante destacar que, após a referida visita, a FINEP passou a compreender o Sapiens Parque de forma mais sistêmica e detalhada, levando a uma intensificação e ampliação dos projetos apoiados por esta Agência de Inovação Federal no Parque. Pode-se citar o caso do CRF – Centro de Referência em Farmacologia Pré-clinica, que recebeu aporte de R$ 6 milhões da FINEP e já se encontra em fase de implantação, constituindo-se no empreendimento âncora do cluster de biotecnologia a ser implantado no Parque. Assim, conforme apresentado, a despesa com refeição  efetivada foi fundamental para aproveitar uma oportunidade estratégica de divulgação e promoção do Parque. Enfatize-se, ainda, que este tipo de despesa não é frequente no Sapiens Parque e que é realizada apenas quando se trata de um evento muito especial. 

 

           

Assim, fica explicitado o caráter eventual de tal despesa e a casos que entendemos estritamente necessários, vinculados e compatibilizados com as ações estratégicas definidas pelo Sapiens Parque, motivo pelo qual entendemos por acolher tais justificativas.

            Diante de todo o exposto, entendo por recepcionar as justificativas apresentadas pelo Sapiens Parque para convalidar os procedimentos analisados no exame que ora se faz.

            Quanto aos procedimentos apontados no relatório instrutivo que ensejariam a aplicação de multa, identificados nos itens 3.2.1 e 3.2.2 de fls. 446-447, formulo o entendimento que a proposição instrutiva possa ser convertida em recomendação ao Sapiens Parque, determinando à entidade que em procedimentos futuros se atente às observações contidas no relatório instrutivo, a exemplo do item 3.3.1 de fl. 447 que contém exatamente a proposição de recomendação para situações que são passíveis de se ajustarem à orientação dessa Corte de Contas.    

 

 

 

Florianópolis, 11 de junho  de 2013.

 

 

 

 

 

MÁRCIO DE SOUSA ROSA

                              Procurador-Geral

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

prc