PARECER
nº: |
MPTC/17531/2013 |
PROCESSO
nº: |
PCA 09/00284307 |
ORIGEM: |
Sapiens Parque S.A. |
INTERESSADO: |
Saulo Vieira |
ASSUNTO: |
Prestação de contas do exercício de 2008. |
1. DO RELATÓRIO
Tramita
nesta Procuradoria para análise e emissão de parecer, a prestação de contas do
exercício de 2008 do empreendimento denominado Sapiens Parque, situado no
município de Florianópolis.
Segundo depreende-se da leitura de
fl. 18 dos autos (Relatório de Instrução n. 127/2009 da Diretoria de Controle da
Administração Estadual – DCE) a empresa é controlada pela CODESC, extraindo-se
do documento de fl. 15 que o total do capital social em 2008 era de R$
232.817.616,00, distribuído na forma das ações integralizadas descrita à fl.
15, sendo a CODESC a entidade detentora da maioria das ações (61%).
Na definição das Notas Explicativas
às Demonstrações Contábeis, de fl. 10 está anotado que o objeto
... consiste em
promover o desenvolvimento econômico, social, ambiental, tecnológico e urbano
sustentável, visando constituir-se em uma referência nacional e internacional
de inovação, inteligência, qualidade de vida e bem estar.
A Companhia
encontra-se em fase pré-operacional, sendo que em abril de 2006 foi inaugurado
o marco zero do projeto, consistindo na implantação da sede do Sapiens Parque,
onde irá funcionar a incubadora e o auditório para reuniões. As obras de
infra-estrutura estão sendo executadas.
As projeções
realizadas pela administração do Sapiens Parque indicam que o projeto atrairá investimentos de aproximadamente
R$ 2,5 bilhões para o estado de Santa Catarina, nos próximos 15 anos.
(grifamos)
Após tramitação da matéria, com a
devida instrução processual, a Diretoria de Controle da Administração Estadual
– DCE, emitiu o Relatório n. 0266/2011, de fls. 366-380, observando a
necessidade de esclarecimentos adicionais do Sapiens Parque, por seu Diretor
Presidente à época, sr. Saulo Vieira, quanto às restrições de pagamento de
refeições a terceiros não vinculados à empresa no montante de R$ 905,99 e R$
78.500,00 referente ao pagamento com indenizações para desocupação de
edificações irregulares na área territorial da Sapiens Parque, sem o
oferecimento das devidas ações no campo do direito possessório. Complementou a
análise a necessidade de esclarecimento, sob pena de aplicação de multa, sobre
a ausência do Certificado de Auditoria Interna
com o parecer do dirigente do órgão de controle interno quanto as
restrições apontadas e ausência de lançamento de dados atualizados no sistema
e-Sfinge relativos ao último bimestre de 2007. As alegações de defesa quanto
aos fatos acima narrados estão juntadas aos autos às fls. 387-354.
O Órgão Técnico de Instrução
manifestou-se em relação à defesa na forma inscrita no Relatório n. 0813/2011,
de fls 397-413, propondo o julgamento irregular de R$ 905,99, valor relativo a
despesas com alimentação de terceiros (item
3.1.1 de fl. 412), R$ 78.500,00 pelo pagamento de indenizações para
desocupação de áreas, em que houve edificações no terreno do Sapiens Parque;
com sugestão de aplicação de multa pelos motivos já expostos acima.
Este Órgão Ministerial manifestou-se
na ocasião, em parecer da lavra do eminente Procurador Geral Mauro André Flores
Pedrozo, de fls. 414-420, acompanhando os termos do parecer da Instrução, acima
relatado - Relatório n. 0813/2011, de fls. 397-413.
Nos autos consta ainda a informação
de fls. 421-427, da DCE, sugerindo citação do sr. Saulo Vieira sobre o
pagamento adicionais de valores efetuados pela empresa Sapiens Parque, no
montante de R$ 35.000,00, conforme leitura de fl. 427, proposição aprovada pelo
Conselheiro Relator.
Aos autos foram juntadas as
alegações de defesa de fls. 429-440, sendo apreciadas pela Diretoria Geral de
Controle da Administração Estadual/Inspetoria 3/Divisão 8, na forma do Relatório
n. 0668/2012.
2. DA INSTRUÇÃO
O conclusivo parecer da
Diretoria de Controle da Administração Estadual, integrante do Relatório n.º 0668/2012, de fls.
443-447 a 95, aponta para o não
equacionamento das restrição destacadas ao longo da instrução processual.
Consta
da fl. 446-verso e 447 o posicionamento final no parecer retro citado, assim
registrando a DCE seu entendimento:
a) Julgar irregulares com imputação de
débito, a prestação de contas do administrador do Sapiens Parque, referente ao
exercício de 2008 e condenar o responsável, sr. Saulo Vieira nos seguintes
valores:
a.1 – R$ 905,99 pela realização de
despesa com pagamento de alimentação de terceiros, cuja presença junto à
Sapiens Parque precedia a condição de integrarem a entidade, a qual estavam
vinculados e nessa condição foram designados para o exercício de determinado
fim/representação;
a.2. – R$ 113.500,00, decorrente da
realização de despesas relativas ao pagamento de indenizações para desocupação
de áreas com edificações irregulares em terreno de sua propriedade, sem
promoção de ações judiciais específicas inerentes à discussão da posse ou
propriedade;
b) Aplicar multa ao responsável acima
identificado:
b.1. por ausência de remessa, como parte
integrante da prestação de contas, o respectivo Certificado de Auditoria
Interna com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, quanto a
restrições constatadas;
b.2. pelo não envio de dados do Sistema
e-Sfinge relativos ao último bimestre de 2007 e aos cinco primeiros bimestres de
2008.
3. DA PROCURADORIA
Ao proceder o exame dos autos,
verifico nos dados pertinentes à prestação de contas da gestão de 2008 do
Sapiens Parque, determinados aspectos que entendo serem necessários de
comentários, para após, emitir juízo de valores sobre os mesmos.
Inicio observando preliminarmente,
que não há reparo algum à manifestação anterior deste órgão, da lavra do então
Procurador Geral Mauro André Flores Pedroso, eis que fundada sua conclusão na
análise técnica desenvolvida pela Diretoria de Controle da Administração
Estadual, contida no Relatório DCE 0813/2011 e com base nas informações então
presentes nos autos.
Contudo, após a manifestação citada,
ingressaram nos autos as justificativas encaminhadas pelo escritório de
advocacia Guimarães e Santiago, de fls. 429-440, representando tanto a entidade
Sapiens Parque como também o seu ex-gestor no exercício de 2008, que entendo
acolhê-las para análise.
Como matéria preliminar a ser
analisada consta das justificativas o histórico do empreendimento administrado
pelo Sapiens Parque (fl. 430), necessário de ser analisado como elemento de
informação para que se tenha o ajustado entendimento do empreendimento
planejado, a forma como viabilizou-se sua implantação, as etapas a serem
seguidas no projeto de implantação e o fim visado a médio e longo prazo.
Entendo o exame sobre estes aspectos iniciais que caracterizam o empreendimento
é que permitirão formar a adequada compreensão e poder avaliar seu plano de
execução e etapas a serem executadas e implantadas ao longo do projeto
definido.
Assim, por pertinente, a
contextualização histórica do empreendimento é que poderá ensejar a correta
compreensão dos fatos e as motivações vinculadas a cada ato de gestão
praticado. Nesse contexto, transcrevemos de fl. 430 a seguinte informação da
empresa Sapiens Parque, por seus advogados já citados:
A Sapiens Parque S.A.
foi constituída em 13 de dezembro de 2002, sob a forma de sociedade anônima de
capital fechado, portanto de natureza jurídica de direito privado, pela
parceria formada entre a Fundação Centros de Referência em Tecnologias
Inovadoras – CERTI e o Instituto Sapientia, e cujo propósito específico,
conforme consta de seu Estatuto Social, é desenvolver, implantar e executar o
projeto denominado Sapiens Parque. Posteriormente, através de lei autorizativa,
adquiriram participação na Sapiens
Parque S.A. a Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina –
CODESC, em maio de 2003, com aproximadamente 60% das ações da companhia,
figurando assim como acionista majoritária, e a SC Parcerias (hoje SC Par) em
junho de 2006, com aproximadamente 30% das ações da empresa.
Tem-se
assim, a partir desta informação preliminar a exata noção de como se iniciou o
projeto, hoje denominado Sapiens Parque, a partir da parceria Sapiens Parque
S.A. (capital privado/natureza jurídica de direito privado) com a CERTI e o
Instituto Sapientia.
Quanto a ideologia que orientou a
formação do projeto e da empresa gestora deste, há informação de fl. 430 no
sentido de esclarecer tais circunstâncias na seguinte forma:
Desde sua concepção
ideológica, uma equipe de especialistas envidou esforços para delimitar
conceitos, idealizar o Projeto Sapiens Parque, e, com a definição da área,
construir o Master Plan do Parque, projeto urbanístico que definiu a ocupação
da área destinada ao referido, com padrões a serem seguidos e fases de
implantação, citadas detalhadamente adiante, que compõe e atendem às
determinações do licenciamento ambiental e legislação pertinente.
Tal definição do projeto e sua
viabilidade decorrem da Lei estadual n. 13.436/05, que no Parágrafo único do
art. 2.º definiu, juridicamente um Parque Tecnológico e de Inovação, com
propósito específico de executar
projeto de desenvolvimento regional denominado “SAPIENS PARQUE” a ser instalado
em terras de propriedade, então da CODESC e SC Par, incorporadas ao patrimônio
da empresa Sapiens Parque via integralização de seus acionistas. O Parágrafo
único do art. 2. º da Lei n. 13.436/05 contemplou a seguinte redação:
Parágrafo único. Fica
a SAPIENS PARQUE S.A. obrigada a utilizar o imóvel descrito no inciso III para
fazer cumprir o propósito específico da companhia, comercializando,
desmembrando e, em casos especiais, doando, assegurado sempre o interesse
público.
Nesse contexto, ficou clara a
obrigatoriedade da utilização do imóvel, nos termos do inciso III do art. 2.º
da Lei 13.436/05,
um bem imóvel
constituído por um terreno com a área de 3.403.509,92 m² (três milhões,
quatrocentos e três mil, quinhentos e nove metros e noventa e dois decímetros
quadrados), com benfeitorias, situado em Canasvieiras, nesta Capital, na
Estrada Geral de Cachoeira do Bom Jesus, tendo suas confrontações descritas em
Escritura Pública, devidamente registrado no Cartório do 2º Ofício de
Registro de Imóveis da Comarca da Capital sob a matrícula nº 36.644.
Pela regra do
Parágrafo único do art. 2.º, ficou autorizado o Sapiens Parque a praticar, em
relação ao projeto, atos de comercialização, desmembramento e até doação, desde
que presente o interesse público.
É de ser observado ainda que todo o
procedimento legislativo resguardou o mandamento do § 2.º do art. 13 da
Constituição de Santa Catarina.
Ainda a título de
ilustração para o entendimento da questão a ser discutida nestes autos,
transcreve-se da legislação municipal de Florianópolis, especificamente da Lei
Complementar n. 134/2004, a disciplina sobre a área objeto de implantação do
Sapiens Parque:
Art. 1º
Esta
Lei Complementar aplica-se à região situada nas UEPs 92 (Cachoeira do Bom Jesus
Oeste) e 93 (Canasvieiras) definida no mapa do Anexo I, escala: 1:15:000, parte
integrante desta Lei, visando a implantação do "Projeto Sapiens
Parque".
Parágrafo Único - O Sapiens Parque é um Projeto de Desenvolvimento Urbano,
Econômico, Tecnológico e Social que reunirá empreendimentos na área de ciência
e tecnologia, educação e cultura, saúde e biotecnologia, esporte e lazer,
turismo, comércio e entretenimento.
O art. 3.º
da Lei acima disciplinou o zoneamento,
adequação de usos e atividades às áreas, os limites de ocupação, o sistema
viário e outros, estabelecendo de modo claro no § 3.º:
§ 3º - Para o território desta Lei
Complementar só será admitido o recebimento do potencial construtivo originário
da transferência do direito de construir da própria área objeto específico de
urbanização.
Ficou assim
estabelecido de modo claro e indiscutível que a ocupação da área apenas
ocorreria dentro da modalidade definida para a implantação do projeto Sapiens
Parque, afastando assim qualquer forma de ocupação diferenciada do regramento
adotado. O art. 13 foi mais específico
ao fixar a possibilidade de ocupação de área de lote, desde que existente
sistema completo de infra-estrutura de saneamento básico:
Art. 13 A ocupação da área dos lotes,
independentemente dos limites de ocupação fixados nesta Lei Complementar fica
condicionada à existência de sistema completo de infra-estrutura de saneamento
básico - coleta e tratamento, aprovado pelos órgãos competentes, podendo ser
implantado por etapas, conforme cronograma físico aprovado pelo Poder
Executivo.
Portanto,
desta analise inicial, ficaram totalmente excluídas as ocupações porventura
existentes no terreno destinado ao Sapiens Parque.
A partir
desta compreensão inicial do tema, necessário ainda verificação do planejamento de implantação do projeto
Sapiens Parque, as etapas definidas, prazos estipulados para cada etapa e
estratégias de preparação da área objeto do projeto.
Outro
aspecto inserido no inciso III
do art. 2.º da Lei 13.436/05 é a constatação de que no terreno disponibilizado
ao projeto Sapiens Parque havia benfeitorias, realidade que se extrai do texto
da lei quando essa assim se refere ao fato:
um bem imóvel constituído por um
terreno com a área de 3.403.509,92 m²
(três milhões, quatrocentos e três mil, quinhentos e nove metros e noventa e
dois decímetros quadrados), com benfeitorias, situado em Canasvieiras,
nesta Capital
(grifamos)
E o
que seriam as benfeitorias a que se refere a lei, as que se originaram da
antiga destinação do terreno ou outras que surgiram ao longo de anos em que o
terreno ficou sem o devido controle de quem era possuidor, ou ainda pela
considerável extensão da área cuja região circunvizinha foi paulatinamente
ocupada.
Os
autos trazem informações que devem ser apreciadas com ponderação e
transportadas para o contexto da época para que se tenha ajustada noção das
condições fáticas existentes no terreno objeto do projeto Sapiens Parque.
Com
muita clareza o tema é abordado na apresentação das justificativas do Sapiens
Parque às fls. 432, na implantação de uma das etapas, a inicial denominada Marco Zero, as quais, por pertinência se
transcreve:
Quando começaram as movimentações para a reforma do Casarão e Escola
Sapiens foi que a Companhia passou a ter ciência da ocupação dos posseiros e da
dimensão do problema social que estava instalado ao lado do Marco Zero.
Até a implantação do Marco Zero devido à dimensão da área destinada ao
Parque, era sabido da existência de um posseiro, remanescente da Colônia Penal
Agrícola que existia no local e cuja
ocupação irregular foi objeto de Ação Judicial movida no ano de 1999 pela então
proprietária CODESC. Este fato será tratado de forma mais detalhada
posteriormente.
Com as obras já em andamento é que veio a tona a verdadeira “favelização”
que estava ocorrendo no interior da área do Sapiens Parque, com a ocupação não
mais de um único posseiro, mas sim de 6 (seis) famílias que estavam ali
consolidadas há mais de 7 anos.
Como já exposto em petições anteriores e documentado fotograficamente nos
autos, as edificações, embora precárias, eram a moradia de famílias e os
posseiros utilizavam extensa área de pasto para criação de animais e plantação
de algumas culturas, evidenciando que a posse estava estabelecida há algum
tempo.
Observa-se
assim, da narrativa dos fatos e das fotos (fls. 320-323), que quando o terreno
foi efetivamente avaliado após ingressar na posse do Sapiens Parque, deparou-se
com ocupações de terreno, de forma pacífica e mansa em situações não
identificadas até então que remontavam a alguns anos, porém com uma exceção, em
ação judicial movida em 1999 pelo antigo proprietário, que discutia a posse de área ocupada sem que
houvesse uma solução até então. Tal quadro real ainda seria objeto de análise
nas justificativas da empresa conforme leitura que se faz de fl. 432:
A evolução das obras do Marco Zero causou alguns conflitos, que levaram a
depredação do patrimônio e ameaças, especialmente porque o fornecimento de água
e energia elétrica dos casebres era feito dos pontos ligados ao Casarão e à
Escola. Obviamente, com as obras a energia foi desligada em algumas
oportunidades gerando reação dos posseiros.
No decorrer da implantação do Marco Zero, a Sapiens Parque S. A. buscou,
sem êxito, aproximar-se dos posseiros para que, de forma pacífica e ordeira a
área fosse desocupada sem qualquer dispêndio financeiro ou disputa judicial.
Ao término das reformas, o Casarão foi instituído como Sede da Companhia
dando início as atividades no Parque, o que acabou ampliando os conflitos.
Estamos aqui tratando de uma transição de pouco mais de um ano entre a reforma
e a operação das edificações.
Esclarece
ainda a empresa Sapiens Parque que as obras no Casarão remanescente da antiga
colônia penal e que abrigou sua direção e com definição de ser a Sede
Administrativa da Companhia no novo projeto, tinha sido edificado por volta de
1890 (informação de fl. 431), fato que associado ao abandono verificado ao
longo dos anos exigiu a participação de pessoas contratadas para sua
recuperação e adequação.
Fato
importante de ser ressaltado é o que se colhe da leitura de fl. 433, quanto ao
clima nada amistoso entre as pessoas vinculadas à instalação do Marco Zero e os
posseiros, conforme relatado nos seguintes termos:
No Marco Zero, recém implantado, existiam cerca de 80 (oitenta)
profissionais trabalhando diretamente nas empresas instaladas na incubadora,
ocupando uma área total de aproximadamente 1.000 metros quadrados construídos.
Considerando-se legítimos “donos” da área, os posseiros tinham atitudes
extremamente hostis em relação aos colaboradores da Sapiens Parque S.A e das
outras empresas ali instaladas, gerando um constante clima de apreensão e
insegurança.
Já citado no petitório anterior, fato que merece destaque é que a
situação chegou a exigir vigilância armada durante 24 horas, para evitar novas
invasões que estavam sendo incentivadas pelos posseiros e, principalmente,
agressões físicas aos frequentadores do Marco Zero.
Neste contexto, ainda exposto de forma muito sucinta, foi que houve a tomada de decisão pelo acordo
indenizatório para desocupação da área.
A matéria já havia sido tratada em
ocasião anterior quando o Sapiens Parque informou à fl. 305 que as ocupações
ocorridas há mais de 7 anos, nem matrícula tinham do imóvel quando da
incorporação do patrimônio ao Sapiens Parque. Necessário registrar que além das
ocupações dos terrenos em datas
anteriores à transferência da área ao Sapiens Parque, outras viriam a
ocorrer, quando (fl. 305) “ “[...] novos posseiros instalaram-se no imóvel,
erigindo construções de forma igualmente clandestina, sem conhecimento ou
autorização do proprietário à época. [...] Portanto, tendo em vista a origem
clandestina das precárias construções, e a necessidade imediata da desocupação
do terreno da Sapiens Parque para os
desdobramentos do empreendimento, procedeu-se a desocupação amigável mediante o
pagamento de indenizações”.
A
caracterização da posse existente pode ser vista a partir da observação das
fotos de fls. 320-323.
Dentro
de todo o quadro até aqui exposto é de ser indagado qual dos caminhos de
natureza administrativa deveria valer-se a Sapiens Parque S.A para buscar uma
solução para o impasse referente à posse clandestina e precária de que eram
detentores os posseiros.
Para
que se possa ter presentes elementos de formação de juízo, necessário novamente
buscar contextualizar a matéria a partir de uma visão dos fatos conforme a
época em que ocorreram e a partir deste cenário visualizar se o procedimento
administrativo da Sapiens Parque teve efetivamente uma motivação forte e que a
solução adotada tenha se lastreado em decisões fundamentadas na razoabilidade
de conduta do gestor. Nos autos encontra-se o seguinte esclarecimento de fl.
434:
Relata ainda que o fato do terreno pertencer ao Governo do Estado, e a
existência da Lei Municipal n.º 134/2004, que veda construções residenciais na
área do Sapiens Parque, eram situações a serem levadas em consideração para
promover a devolução/reintegração pela via judicial e não o simples pagamento
de um “quantum” aos transgressores do uso indevido de sua propriedade.
[...]
A decisão pela indenização das famílias não desconsiderou as
observações feitas pelo Relatório pelo
contrário, como já alegado, até a tomada de decisão, todos os fatores foram
observados, tanto que o entendimento da empesa é de que a posse era precária e
as edificações de origem clandestina.
No entanto, o entendimento da empresa não implica em igual entendimento
do Judiciário, tão pouco a obviedade do direito significa celeridade processual,
ou ainda garantia de sucesso na lide.
A
opção de resolução do impasse possessório pela via própria em ação específica
não passou despercebida da empresa, pelo contrário, observa-se nos autos a
ocorrência de precedente judicial não concluso em ação interposta ainda no ano
de 1999. Nesse sentido, e para que se tenha presente o conjunto de fatos a
contribuírem para o entendimento da matéria, transcreve-se de fls. 434-435 a
manifestação da empresa Sapiens Parque sobre o tema:
A título de corroborar o entendimento de que ter levado as demandas ao
Judiciário poderia ter desdobramento infindáveis trazendo risco eminente ao
andamento do Projeto, cabe trazer a este Tribunal de Contas situação vivenciada
pela própria empresa numa Ação possessória, cujo objeto seria idêntico ao
objeto das lides com as famílias dos posseiros.
Conforme mencionado neste petitório, a empresa tinha ciência, através de
informação da acionista CODESC, de que existia uma Ação Reivindicatória em
tramitação, movida contra um posseiro remanescente da colônia penal agrícola e
que havia ali se estabelecido com a família.
O Sr. Valmir Rogério Gorges ocupava área próxima aos posseiros, e teve
contra si ação ajuizada no dia 21 de maio de 1999 pela então proprietária
CODESC, requerendo, dentre outros pedidos, a desocupação do imóvel. O processo
foi autuado sob o n.º 023.99.030385-6, em trâmite na 5.ª Vara Cível da
Capital.
No ano de 2008, quando foi feita a opção pelos acordos, além das 6 (seis)
famílias, ainda estava na posse da área o Sr. Valmir. A demanda judicial estava às vésperas de
completar dez anos de tramitação sem que o imóvel fosse desocupado.
Atualmente, 13 anos após o ajuizamento, depois de algumas medidas
tomadas pela empresa, o Sr. Valmir desocupou a área, no entanto a ação permanece
em tramitação, com decisão favorável à Sapiens Parque S.A, aguardando o
final da lide.
Utilizando como parâmetro a tramitação da Ação mencionada acima, as ações
possessórias, se ajuizadas em 2008, poderiam se estender até 2021.
Evidentemente que o risco e as consequências da demora da resolução, ainda que
a posse fosse restituída, seriam drásticas ao empreendimento, e o prejuízo da
Companhia seria muito maior do que os R$ 113.500,00 (cento e treze mil e
quinhentos reais) pagos pela desocupação da área.
Ao discorrer
sobre a instalação de empreendimentos na área do Sapiens Parque, ficou
esclarecido que o projeto piloto concentrou no inicio duas grandes edificações,
uma destinada a pesquisa de energias alternativas em parceria com a Petrobrás e
outra na área de Farmacologia pré-clínica. Um terceiro prédio da Fase Zero, é o
denominado InovaLab para instalação de pequenas empresas de inovação. As
instalações tem elevado porte de necessidade de recursos para viabilizá-los e
tais valores permitiram avaliar determinados aspectos comparativos na relação
investimentos admitidos e aplicados com o dispêndio de valores dos gastos com
as indenizações. Nesse contexto destaca a Sapiens Parque à fl. 431:
Com a presença dos
posseiros, os empreendimentos citados
acima possivelmente teriam outro destino e o Sapiens Parque deixaria de receber
cerca de R$ 37 milhões em investimentos que
estão sendo empregados nas edificações
mencionadas.
Fora os reflexos visíveis em outros empreendimentos, a medida
adotada pelo gestor se mostrou eficaz, ao disponibilizar, de forma imediata e
com dispêndio financeiro pequeno, a área invadida que no Master Plan equivale à
Unidade de n.º 64, com as seguintes características:
[...]
A área da unidade 64
tem 9.113,94 m2, com potencial construtivo de 12.000 m2 (doze mil metros quadrados).
Os posseiros,
obviamente, não ocupavam toda a área, mas estavam espalhados nela, tornando-a
inútil. Utilizando como parâmetro as avaliações já feitas em unidades próximas,
o valor atual do imóvel, desconsiderando a infraestrutura, é de R$ 3.047.436,00
(três milhões, quarenta e sete mil, quatrocentos e trinta e seis reais). As
indenizações concebidas para liberação da área equivalem à apenas 3,72% (três vírgula setenta e dois por
cento) deste valor. Se levarmos em consideração o potencial construtivo
(12.000 m2) e o que isso implicaria em termos de investimento, o
valor das indenizações fica ainda mais irrisório.
A existência de ocupação na
modalidade possessória no terreno do Sapiens Parque implicava seguramente em
óbice ao planejamento definido e ao alcance das etapas definidas para
implantação, captação de recursos, garantia de investimentos no projeto, além
de reflexos diretos sobre prazos para viabilizar o início do empreendimento. A
via de desocupação por ações possessórias sugerida no exame instrutivo é
válida, mas há que ser considerados inúmeros outros aspectos, principalmente os
que separam ato de liberalidade do gestor quando confrontado com ato de gestão
vinculado ao Projeto Sapiens Parque. Nessa linha de raciocínio, não fugiu à
apreciação do Sapiens Parque o exame de questões dessa natureza, conforme
análise que se faz da leitura de fl. 438:
Para realizar a
Incorporação do Condomínio, havendo ações possessórias, há um óbice que limita
e obriga o incorporador a adaptar suas unidades, áreas de uso comum e outros,
ou seja, todo planejamento da empresa seria modificado, atingindo diretamente o
propósito para o qual foi criada.
Além do risco na
demora das ações possessórias, a discussão judicial forçaria, por exemplo, à
retirada da Unidade 64 do Master Plan e/ou sua não utilização até a conclusão
daquelas. O prejuízo, neste caso, superaria de maneira estratosférica o valor
hoje questionado por este douto Tribunal.
Por derradeiro, as justificativas da
Sapiens Parque S.A concentram em pontos em que foi alicerçado o procedimento
adotado, quais sejam, o ambiente hostil decorrente da posição dos posseiros em
relação aos colaboradores na fase inicial de instalação do projeto; a liberação
da área para efetivar e implantar ações do empreendimento; a relação
custo/benefício da operação e a busca para o projeto da aplicação dos
princípios da eficiência de da economicidade. A destacar ainda que possível
impasse na resolução do litígio, se levado à via judicial e nos moldes de ação
que tramita há mais de dez anos poderia refletir na paralização das atividades,
o custo de modificações do Projeto Sapiens Parque e principalmente a perda de
atratividade e de credibilidade diante de possíveis investidores.
Por todas as considerações acima
expostas, entendemos por acolher as justificativas da Sapiens Parque S.A, de
fls. 429-440 para convalidar a solução aplicada à resolução das áreas
invadidas.
Ainda a analisar no presente caso a
ocorrência de despesas realizadas pela Sapiens Parque S.A. no pagamento de
refeições a terceiros. Entendo que a compreensão relativa a essas despesas deve
ser realizada a partir a análise instrutiva, assim como deve ser levada em
conta as justificativas trazidas aos autos pela Sapiens Parque.
A interpretação que emerge da
avaliação do que seja o Projeto Sapiens Parque, dos procedimentos vinculados à
sua viabilização, do ponto de vista legal, do ponto de vista operacional ou do
ponto de vista de um planejamento urbanístico ou de um polo de desenvolvimento
tecnológico, não pode prescindir de análise dos documentos juntados às fls. 312
- atinentes às notas fiscais n. 17.891 e n. 6.891; 315 - atinente à nota fiscal
n. 9.337 e 317 – atinente à nota fiscal n. 9.487.
Igualmente deve ser analisada a
justificativa apresentada pelo sr. Saulo Vieira no item I de fl. 388-389. Alega à fl. 388 ter ocorrido nas despesas
realizadas uma absoluta vinculação de atos em que esteve presente a todo tempo
a estratégia da Companhia, não desperdiçando oportunidades, não apenas para
aproveitar a presença de pessoas de renomada competência a avaliar e avalizar
os projetos como também para fazer a projeção mercadológica como polo de
atração das atividades que constituem o objeto do Sapiens Parque.
Exemplo a ser observado é o que é
descrito à fl. 388:
Todos os gastos ali
efetuados, ainda que não tenham sido nomeados todos os envolvidos, foram
destinados ao pagamento de refeições de pessoas cuja importância estratégica
para Companhia justificou o dispêndio financeiro.
[...]
No caso da despesa
com alimentação relatada a página 312,
por exemplo, esta foi executada para
receber pessoa que desenvolve atividade diretamente ligada às atividades que
compõem o objeto social da Companhia,
pois é autoridade internacional em
Tecnologia e Inovação, como o relatório descreve com precisão.
Tal afirmativa remete à leitura do
citado documento de fl. 312, de onde extrai-se as seguintes informações:
Nos dias 21/09/2008 e
22/09/2008 a Sapiens Parque recebeu o pesquisador Dr. James Robins, Diretor do
Califórnia Environment Cluster de San Jose (Cluster de Meio ambiente em San
Jose – Califórnia) e do Internacional Business Center Silicon Valley (Centro
Internacional de Negócios do Silicon Valley).
[...] O Centro Internacional de Negócios do Silicon Valley é uma
estrutura composta por escritórios locáveis e áreas de linha-estrutura
compartilhada que visa receber empresas de todo mundo interessadas em
realização negócios e parcerias com empresas do Silicon Valley. [...] O Diretor
Executivo do Sapiens Parque iniciou um relacionamento de parceria com o Dr.
James Robins em 1998 e vinha tentando trazê-lo ao Brasil desde então. A visita
foi finalmente viabilizada em 2008 por com o apoio do Ministério de Ciência e
Tecnologia, que patrocinou o Seminário Nacional de Incubadoras e Parques
Tecnológicos organizado pela ANPROTEC –
Associação Nacional das Entidades Promotoras
de Empreendimentos Inovadores. [...] Todas as despesas de viagem
internacional e nacional foram custeadas pela ANPROTEC, ficando sob
responsabilidade do Sapiens as despesas locais de alimentação. O almoço em
questão foi realizado no dia da visita do dr. Robins, na sequência de uma
palestra realizada na UFSC sobre uso de energias renováveis e de uma visita ao
Sapiens Parque para identificar possíveis projetos e ações em parceria.
Participaram do almoço, além do Dr. Robins e do Diretor do Sapiens Parque
outras 3 pessoas da equipe do Sapiens e da UFSC. Considerando-se que se tratou
de uma oportunidade única de atrair uma liderança internacional em inovação e
tecnologia para Florianópolis a um custo próximo de zero e que as consequências
em termos de parcerias e ações conjuntas podem trazer benefícios imensos para
universidades e empresas parceiras do Sapiens Parque, compreendeu-se que seria
justificável o Sapiens assumir as referidas despesas.
Do que foi exposto e extraído dos
autos, observo que a natureza da despesa tem relação com o objeto do
empreendimento denominado Projeto Sapiens Parque, e nestas condições acolho as
justificativas da entidade Sapiens Parque tendo em vista que há razoabilidade
de procedimentos voltados ao fim visado.
Em relação às demais despesas com
refeições, entendo igualmente que os procedimentos da Sapiens Parque se
coadunaram com o objeto do empreendimento, a partir da leitura que se faz das
justificativas de fls. 315 e 317 dos autos.
Nesse contexto, e para que se tenha noção da motivação do posicionamento
acima externado, quanto a compatibilidade do objeto do Sapiens Parque e as
ações empreendidas que redundaram em gasto com refeições, abaixo transcreve-se
de fl. 317:
No dia 27/10/2008
Sapiens Parque recebeu o Diretor de Inovação acompanhado por técnicos de
análise de projetos da FINEP – Financiamento de Estudos e Projetos do
Ministério de Ciência e Tecnologia. A FINEP é a instituição mais importante de
fomento e apoio às iniciativas tecnológicas do país, em especial empreendimento
em Parques Tecnológicos e foi apoiadora da fase inicial do Sapiens Parque num
montante de R$ 1,5 milhões, em 2003. [...] Finalmente, a equipe da FINEP também
solicitou a visita ao Parque para conhecer “in loco” o processo de implantação
dos vários módulos e empreendimento do Parque, em especial os projetos em
parceria com universidades como a UFSC – Universidade Federal de Santa
Catarina. Em função da importância estratégica da visita, foi realizado um
almoço com a equipe da FINEP e alguns parceiros
estratégicos e membros da equipe técnica do Sapiens, gerando as despesas
que constituem o tema desta justificativa. Importante destacar que, após a
referida visita, a FINEP passou a compreender o Sapiens Parque de forma mais
sistêmica e detalhada, levando a uma intensificação e ampliação dos projetos
apoiados por esta Agência de Inovação Federal no Parque. Pode-se citar o caso
do CRF – Centro de Referência em Farmacologia Pré-clinica, que recebeu aporte
de R$ 6 milhões da FINEP e já se encontra em fase de implantação,
constituindo-se no empreendimento âncora do cluster de biotecnologia a ser
implantado no Parque. Assim, conforme apresentado, a despesa com refeição efetivada foi fundamental para aproveitar uma
oportunidade estratégica de divulgação e promoção do Parque. Enfatize-se,
ainda, que este tipo de despesa não é frequente no Sapiens Parque e que é
realizada apenas quando se trata de um evento muito especial.
Assim, fica explicitado o caráter
eventual de tal despesa e a casos que entendemos estritamente necessários,
vinculados e compatibilizados com as ações estratégicas definidas pelo Sapiens
Parque, motivo pelo qual entendemos por acolher tais justificativas.
Diante de todo o exposto, entendo
por recepcionar as justificativas apresentadas pelo Sapiens Parque para
convalidar os procedimentos analisados no exame que ora se faz.
Quanto aos procedimentos apontados
no relatório instrutivo que ensejariam a aplicação de multa, identificados nos
itens 3.2.1 e 3.2.2 de fls. 446-447, formulo o entendimento que a proposição
instrutiva possa ser convertida em recomendação ao Sapiens Parque, determinando
à entidade que em procedimentos futuros se atente às observações contidas no
relatório instrutivo, a exemplo do item 3.3.1 de fl. 447 que contém exatamente
a proposição de recomendação para situações que são passíveis de se ajustarem à
orientação dessa Corte de Contas.
Florianópolis, 11 de junho de 2013.
MÁRCIO
DE SOUSA ROSA
Procurador-Geral
prc