Parecer no:

 

MPTC/18.920/2013

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 11/00459984

 

 

 

Interessado:

 

Adair Werlang e outros

 

 

 

Assunto:

 

Tomada de Contas Especial – Irregularidades em processo licitatório para alienação de bens imóveis.

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial originária da Representação movida às fls. 02/12 (documentos de suporte às fls. 13/61), pelos Srs. Adair Werlang, Adelar Paulo Schmitz, Jaime Luiz Warken, Leo Antônio Kauck e Leandro Weberich, vereadores do Município de Cunhataí, relatando supostas irregularidades ocorridas em procedimento licitatório deflagrado para a venda de bens móveis inservíveis à administração municipal.

A conversão em tomada de contas especial ocorreu por meio do despacho n.º GASNI 23/2012, proferido pela auditora substituta, que concluiu às fls. 249/250:

Diante do exposto, considerando a manifestação da DLC e o parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas quanto à admissibilidade, ambos opinando pelo conhecimento da Representação, diante das razões apresentadas e depois de analisar os autos, com fundamento no que dispõem os artigos 96 e 102 da Resolução TC-06/2001, alterados pelos artigos 4º e 5º da Resolução TC-05/2005, DECIDO:

1. Conhecer da Representação, por preencher os requisitos e formalidades do art. 113, § 1º, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 c/c art. 2º da Resolução nº TC-07, de 09 de setembro de 2002.

2. Determinar a audiência do Sr. Erno Menzel – Prefeito Municipal e subscritor do edital -, do Sr. Luciano Franz – presidente da comissão de licitações -, do Sr. Jorge Luiz Hillembrandt, do Sr. Cláudio Droos e do Sr. Iloi Kerkoff - membros da Comissão Municipal Permanente de Avaliação Mobiliária e Imobiliária e responsáveis pela avaliação dos bens do Leilão nº 01/2010 da Prefeitura de Cunhataí, nos termos do art. 29, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, para, no prazo de 15 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução nº TC-06/01), apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação de multas previstas no art. 70 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, conforme segue:

2.1. Ausência de justificativa da existência de interesse público e de que os bens se enquadram como inservíveis, requisitos impostos para o lançamento do Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e no §1º artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93;

2.2. Indícios de subavaliação dos bens alienados por meio do Leilão nº 001/2010, diante da ausência de laudo de avaliação de cada bem móvel relacionado no item 1 do objeto do Leilão nº 01/2010 da Prefeitura de Cunhataí,  e da ausência de aplicação de critérios e métodos objetivos, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e o §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93, além do principio da eficiência;

2.3. Alienação dos itens A, B, C e E do leilão nº 001/2010 à Sra. Raquel Endler, que seria funcionária de empresa pertencente a membro da comissão municipal permanente que avaliou os bens para o leilão e que transferiu o caminhão basculante constante do tem C para o vice-prefeito municipal, contrariando o artigo 9º da Lei nº 8.666/93, além do princípio da impessoalidade; e

2.4. Ausência de uma nova avaliação tendo em vista os gastos com a manutenção do veículo placas MAJ 2134, no montante de R$ 8.274,69, realizados após a 1º avaliação que fixou o valor mínimo do item ‘C’ - um 01 caminhão basculante, placas MAJ 2134, para o Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput seu artigo 17, o §1º do artigo 53 c/c o caput da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.2.3 do Relatório, fls. 70/74).

3. Dar ciência da Decisão, do Relatório Técnico ao Sr. Erno Menzel, ao Sr. Luciano Franz, ao Sr. Jorge Luiz Hillembrandt, ao Sr. Cláudio Droos, ao Sr. Iloi Kerkoff,  à Prefeitura Municipal de Cunhataí e ao Controle Interno do Município.

Às fls. 270/283 foram acostados novos documentos pelos vereadores subscritores da representação originária desta tomada de contas especial.

Por meio de despacho proferido às fls. 285/286, a auditora substituta, em razão da juntada de novos documentos e do acréscimo de novo item no feito para manifestação dos responsáveis, determinou a citação dos Srs. Erno Menzel, Prefeito Municipal de Cunhataí, e os Srs. Luciano Franz, Jorge Luiz Hillembrandt, Cláudio Droos, Illoi Kerkoff, devidamente realizadas, consoante se depreendo dos AR’s anexos às fls. 287 e 293-297.

Foram apresentadas justificativas às fls. 298/310, e documentos às fls. 311/324 pelo Sr. Prefeito.

Em seguida, fora juntada defesa conjunta pelos demais responsáveis às fls. 337/348.

Após, o Corpo Técnico emitiu parecer de n.º 639/2012 às fls. 351/364, concluindo por:

3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito ao Sr. Erno Menzel, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, acerca do procedimento do Leilão nº 01/10 da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

3.2 Dar quitação ao Sr. Erno Menzel, com fulcro no art. 17, §5º, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), no valor de R$7.225,00 (sete mil e duzentos e vinte e cinco reais), conforme demonstrado no Quadro 3 do presente relatório.

3.3 Aplicar multa proporcional ao dano de R$1.049,69 (hum mil, quarenta e nove reais e sessenta e nove centavos) ao Sr. Erno Menzel – Prefeito Municipal, inscrito no CPF sob o nº 845.494.599-72, com endereço profissional na Av. 29 de setembro, 4500 – Centro – Cunhataí/SC, com fundamento no art. 50 da Constituição do Estado de Santa Catarina, no art. 70, I, da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, I do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face de despesas realizadas com o veículo placa MAJ 2134 e não computadas na avaliação do referido bem, correspondente ao leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariou os princípio da eficiência e da economicidade previstos no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.1 do presente Relatório), fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico – DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar.

3.4 Recomendar à Unidade a elaboração de normas de avaliação com critérios e métodos objetivos para o Leilão, em cumprimento ao disposto no caput do artigo 17 e no §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.3 do presente Relatório).

3.5 Dar ciência do Acórdão, do Relatório Técnico aos representantes, ao Sr. Erno Menzel, ao Sr. Luciano Franz, ao Sr. Jorge Luiz Hillembrandt, ao Sr. Cláudio Droos, ao Sr. Iloi Kerkoff, à Assessoria Jurídica e ao Responsável pelo Controle Interno da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

 

Das etapas do leilão n.º 001/2010

 

Conforme relatado pela representação originária e demonstrado por meio dos documentos anexos a esta (fls. 15/61), bem como ratificada na defesa apresentada pelos responsáveis, foram as seguintes etapas do procedimento licitatório:

Em 20/01/2009, o chefe do poder executivo municipal, Sr. prefeito Erno Menzel, por meio do Decreto n.º 11/2009 (fl. 16), instituiu a Comissão Municipal Permanente de Avaliação Mobiliária e Imobiliária do Município. Dentre os membros, encontrava-se o Sr. Iloi Kerkoff.

Em 22/03/2010, a mencionada comissão avaliou, para posterior alienação, bens móveis de propriedade da municipalidade, constando neste rol um Caminhão Basculante da marca Mercedez Benz L1113, ano 1976, modelo 1977, placa MAJ 2134, o qual foi avaliado no valor mínimo de R$ 16.000,00, conforme consta no item “d” do Laudo n.º 02/2010, anexo à fl. 18.

Em 23/07/2010, fora instaurado o procedimento licitatório por meio do Edital de Licitação n.º 992/2010, Leilão n.º 01/2010 (cópia às fls. 29/31).

Em 11/08/2010, realizou-se o ato público de leilão, ocasião na qual fora efetuada a venda do Caminhão MB/1976/77 de placas MAJ 2134 a Sra. Raquel Endler, com lance no valor de R$ 19.100,00 (consoante ata de leilão anexa às fls. 34/35).

Em 16 de agosto de 2010, o resultado do procedimento fora homologado e adjudicado.

Ressalta-se que, no período compreendido entre 15/04/2010 (data posterior à declaração de inservibilidade à avaliação dos bens) e 28/07/2010 (data anterior à realização do leilão) foram emitidas 9 notas de empenho visando a reparação do veículo de placas MAJ 2134 (nota n.º 459/10, n.º 644/10, n.º 645/10, n.º 874/10, n.º 875/10, n.º 1051/10, n.º 1052/10, anexos às fls. 46/53, e nota n.º 894, anexa à fl. 106), tendo uma parcela das peças fornecidas e serviços prestados sido realizados na oficina de propriedade do Sr. Iloi Kerkhoff.

Passa-se à análise dos apontamentos restritivos.

 

1.              Das despesas realizadas no veículo de placa MAJ 2134 no montante de R$ R$ 6.969,69 previamente à alienação do bem – e da ausência de nova avaliação

 

A restrição fora exposta no Relatório n.º 104/2012 (fls. 233/247) nos seguintes termos:

O montante de R$ 8.274,69 (oito mil, duzentos e setenta e quatro reais e sessenta e nove centavos), referentes às Notas de Empenho nºs 459/40, 644/10, 874/10, 875/10, 1051/10, 1259/10 – despesas realizadas com o veículo de placa MAJ 2134, correspondente ao Leilão nº 001/2010, da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariou os princípios da eficiência e economicidade previstos no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O responsável, quanto a este ponto, sustentou que em razão do reduzido número de veículos da frota municipal mostrara-se necessária a continuidade de utilização do bem posto à alienação, motivo pelo qual procedeu aos seus reparos.

Sustentou, por fim, que houve a realocação das peças inicialmente instaladas no caminhão de Placas MAJ 2134 para outro veículo de propriedade da prefeitura, não havendo, portanto, dano ao erário.

O Corpo Técnico acolheu as justificativas em parte, entendendo que fora despendido o montante de apenas R$ 4.125,00, e não de R$ 8.274,69, como inicialmente estipulado. Ademais, reduziu o dano ao erário ao valor de R$ 1.049,69, em atenção ao suposto “lucro” de R$ 3.100,00, obtido com a venda do veículo – avaliado em R$ 16.000,00 e alienado por R$ 19.100,00.

Sugeriu, por fim, a manutenção do apontamento restritivo, com redução do dano ao montante de R$ 1.049,69 (um mil e quarenta e nove reais e sessenta e nove centavos).

Discordarei do montante fixado pelo Corpo Técnico.

As despesas realizadas no veículo foram cabalmente comprovadas por meio das notas de empenho acostadas às fls. 46/56.

Somando os valores globais a estas correspondentes acima expostos, ter-se-ia o montante de R$ 8.274,69, importância inicialmente estimada pelo Corpo Técnico.

No entanto, após a análise do empenho de n.º 459 e da ordem de compra anexa à fl. 95, constata-se que as peças adquiridas na ocasião não foram de fato alocadas em sua totalidade no veículo de Placas MAJ 2134.

 Ademais, a nota de empenho n.º 894/2010 (fl. 106) revela o dispêndio no montante de R$ 280,00, sendo ao veículo de placas MAJ destinados R$ 50,00, valor este que deve ser acrescido ao débito.

O dano, portanto, fixado inicialmente no montante de R$ 8.274,69, deve ser reduzido ao montante de R$ 6.969,69 reais.

Quanto à suposta realocação das demais peças instaladas no veículo MAJ 2134, nada restou comprovado.

Foram dadas duas oportunidades para que os responsáveis manifestassem-se acerca dos gastos efetuados no veículo pouco tempo antes de sua alienação em leilão (defesa às fls. 88/90, 200/203 e 298/310, 337/348).

Em ambas, o prefeito municipal e os membros da comissão de avaliação alegaram que as peças concernentes aos empenhos de n.º 459/2010 e n.º 644/2010, instaladas inicialmente no veículo de Placas MAJ 2134, foram posteriormente alocadas em outro veículo; contudo, não apresentaram qualquer comprovação de que de tal forma procederam.

De resto, não se manifestaram quanto às demais despesas realizadas no veículo mencionado.

Foram trazidas aos autos apenas declarações pessoais, acostadas junto à defesa (fls. 311, 312 e 322), prestadas por dois servidores municipais e por um mecânico contratado pela prefeitura (funcionário da empresa Sebastião Wickert ME) para realização do suposto serviço de substituição de peças.

De se observar que um destes servidores – Cláudio Dross – é membro da Comissão de Avaliação dos bens postos a leilão, portanto interessado direto no fato ora questionado, sendo duvidoso o teor de seu relato acerca dos fatos.

Meras declarações não constituiem meio hábil para demonstrar a realização do referido serviço. Acaso pretendessem provar a realocação de peças deveriam os responsáveis acostar a documentação apta para tanto, qual seja, a cópia dos empenhos emitidos pela prefeitura com a especificação dos itens retirados e do veículo ao qual foram destinados.

Ademais, caso o prefeito municipal pretendesse, de fato, realizar a manutenção do veículo apenas para seu uso provisório – durante o aguardo do repasse de recursos requeridos junto ao governo federal (cópia do contrato anexa às fls. 313/321), conforme alegado – deveria ser procedida a retirada de todas as peças adquiridas e instaladas no veículo previamente à alienação, devendo tal despesa ser, como já frisado, registrada por meio da emissão do respectivo empenho.

Restou comprovado, portanto, somente o investimento feito no bem anteriormente à realização do leilão, não bastando a mera alegação dos responsáveis para afastar o conjunto probatório anexo aos autos e o apontamento restritivo deste decorrente.

Ademais, discordo do entendimento exarado pelo corpo técnico, no sentido de reduzir o montante do dano em consideração ao suposto “lucro” de R$ 3.100,00 obtido com a venda do veículo.

Não é possível aferir se, de fato, houve este chamado “lucro”, visto que na única avaliação realizada pela comissão responsável não foram estabelecidos critérios claros para a análise do real estado de conservação do veículo, tendo esta ocorrido ainda antes dos investimentos no referido bem. Não se sabe ao certo se o valor estimado inicialmente em R$ 16.000 corresponderia ao valor de mercado à época da alienação do veículo em questão, não sendo parâmetro seguro para sustentar o suposto lucro.

Diante do exposto, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo, opinando pela redução do dano ao erário ao montante de R$ R$ 6.969,69 reais.

 

1.1           Da ausência de nova avaliação prévia à alienação do bem após as despesas realizadas com o veículo de Placas MAJ 2134

 

A restrição fora exposta nos seguintes termos:

Ausência de uma nova avaliação tendo em vista os gastos com a manutenção do veículo de Placa MAJ 2134, no montante de R$ 8.274,69, realizados após a 1ª avaliação que fixou o valor mínimo do intem “C” – um caminhão basculante, placas MAJ 2134, para o Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput seu artigo 17, o §1º do artigo 53 c/c o caput da Lei Federal nº 8.666/93.

Os responsáveis argumentaram ser notória a desvalorização constante sofrida pelos veículos em geral, chegando à conclusão de que, em uma nova avaliação realizada poucos meses após a primeira, provavelmente obter-se-ia um valor inferior a esta.

A justificativa apresentada pelos responsáveis não encontra qualquer fundamento jurídico apto a corroborá-la.

A Lei n.º 8.666/93, em mais de uma oportunidade, expõe com clareza a obrigatoriedade de realização prévia de avaliação dos bens postos à venda:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

[…]

II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação […]

 

 

Art. 53. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.

 

§1º Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arrematação.

A prévia avaliação de qualquer bem é exigível ante a necessidade de se estimar o seu real valor de mercado. Tendo sido realizados consideráveis investimentos no bem colocado à venda, necessária é sua nova avaliação para adequar o valor anteriormente fixado aos melhoramentos advindos da reforma do bem.

Contrassenso se imaginar que, mesmo após um investimento de R$ 6.969,69 – mais de 40% do valor inicial do veículo – e com apenas três meses de utilização, provavelmente o valor de mercado do bem alienado decresceria, dispensando-se a realização de nova avaliação.

Não bastasse a ausência de qualquer critério objetivo que servisse de parâmetro para aferir o valor de mercado que obteria o veículo posto à venda, fora ainda feito um investimento vultoso – assim considerado quando comparado ao valor inicialmente arbitrado para o bem – após o qual simplesmente procedeu-se à alienação, tornando ainda mais obscuro o real valor do bem supostamente inservível.

Diante do exposto, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo.

 

2.              Da ausência de critérios objetivos de avaliação dos bens postos a leilão e dos indícios de subavaliação

 

A restrição fora exposta nos seguintes termos:

Ausência de aplicação de critérios e métodos objetivos quando da avaliação dos bens do Leilão nº 01/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e no §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93.

Os responsáveis asseveraram que a irregularidade não acarretou dano ao erário, não se revestindo, portanto, de gravidade suficiente para justificar a aplicação de multa.

Sustentaram, ainda, que o laudo de avaliação exigido por lei fora devidamente apresentado, não fazendo a norma qualquer menção quanto à objetividade dos critérios a serem adotados.

O Corpo Técnico não acolheu as justificativas apresentadas, mantendo o apontamento restritivo. Citou o parecer anteriormente emitido, em que constava a menção, a título de exemplo, à Portaria de n.º TC 0078/2012, publicada no DOTC-e nº 930, de 23 de fevereiro de 2012, responsável pela disciplina dos procedimentos de reavaliação e depreciação dos bens móveis sob sua responsabilidade.

Acompanho o entendimento sustentado pelo Corpo Técnico.

Por mais que não haja uma menção expressa quanto à adoção de critérios objetivos no dispositivo que trata especificamente do procedimento de Leilão, a análise global da Lei n.º 8.666/93 deixa transparecer claramente a necessidade de sua adoção quando da realização de qualquer certame público, incluindo não somente sua fase externa, mas também a fase interna deste.

A objetividade estabelecida pela lei geral de licitações visa justamente evitar manobras que desvirtuem ou impeçam o atendimento ao interesse público. A necessidade de observar tal critério encontra-se expressamente disposta no art. 3º, art. 30, §8º, art. 40, inciso VII, art. 44, caput, art. 45, caput, art. 46, §2º, I, dentre outros dispositivos da Lei de Licitações.

Pode-se adotar como exemplo a já mencionada portaria trazida pelo Corpo Técnico, na qual consta, em seu anexo III, item 1, o modo como se deverá proceder à avaliação dos veículos automotores sob a responsabilidade desse órgão, devendo o valor de referência ser obtido por meio da Tabela FIPE e confrontado com as condições gerais do veículo, através de Laudo de Reavaliação emitido individualmente. Dentre os itens a serem obrigatoriamente analisados, destacam-se o motor, a lataria, vidros, pneus, e demais componentes cujo estado de conservação é considerado relevante para a estimativa do valor do bem.

Por sua vez, o laudo elaborado pela Comissão de Avaliação de Cunhataí constituiu-se apenas em uma listagem dos bens postos à Leilão – com a discriminação da marca e modelo do veículo – com a especificação do valor mínimo estimado. Fora realizada, portanto, uma mera individualização dos bens, sem representar uma verdadeira avaliação quanto ao seu estado de conservação e o valor de mercado que poderiam atingir.

Diante do exposto, acompanho o entendimento do Corpo Técnico e manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo no que concerne à ausência de aplicação de critérios objetivos de avaliação dos bens alienados por meio do Leilão nº 01/2010.

 

2.1           Da subavaliação dos bens alienados       

 

Em que pese a inexistência de um laudo específico, a consulta à tabela FIPE[1] permite a averiguação do valor de mercado aproximado que poderia ter sido adotado como parâmetro para alienação dos automóveis.

Os representantes anexaram às fls. 37/40 o resultado da consulta realizada junto à página eletrônica da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, e às fls. 42/44 o resultado de consulta obtida junto ao endereço digital “meucarronovo” e “carrosecarro”, cuja estimativa condiz com o valor obtido por meio da consulta à Tabela FIPE (doc. 3), de modelo aproximado ao leiloado.

Da comparação dos valores estimados pela Comissão de Licitação (edital de leilão anexo à fl. 29) e dos valores obtidos por meio da consulta à tabela FIPE, bem como dos valores pelos quais foram os bens arrematados à Sra. Raquel Endler (ata de leilão anexa à fl. 70), têm-se o seguinte quadro resumo:

Item

Especificação

Valor estimado pela Comissão

Valor pesquisado

Preço de alienação

Diferença

A

Veículo Fiat Uno Mille, 4p, ano 2005, modelo 2006, placas MEO 7489

R$ 10.500,00

R$ 17.204,00

R$ 10.765,00

R$ 6.439,00

B

Veículo Gm Chevrolet Celta, 2p, ano 2002, modelo 2002, placas MBO 7193

R$ 5.000,00

R$ 14.563,00

R$ 7.600,00

R$ 6.963,00

C

Caminhão Mercedes-Benz L-1113, 2p, ano 1976, modelo 1977, placas MAJ 2134

R$ 16.000,00

Entre R$ 30.000,00 a R$ 35.000,00[2]

R$ 19.100,00

Mínimo de R$ 19.070,00

E

Moto Honda CG 125 TITAN, ano e modelo 2003, placas MCM 0577

R$ 1.700,00

R$ 3.545,00

R$ 2.380,00

R$ 1.165

 

Verifica-se a disparidade existente entre o valor médio de mercado obtido com base no valor de referência apresentado pela tabela FIPE e o valor médio estimado pela Comissão de Avaliação Permanente, a qual sequer apresentou laudo individualizado de avaliação.

Diante do exposto, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo, opinando pela imputação de débito no montante de R$ 33.637,00 e pela aplicação de multa proporcional ao referido valor.

 

3.              Da ausência de justificativa a respeito da existência de interesse público e inservibilidade dos bens alienados

 

A restrição fora exposta nos seguintes termos:

Ausência de justificativa a respeito da existência de interesse público, e de que os bens se enquadram como inservíveis, requisitos impostos para o lançamento do Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e no §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93

O Sr. Prefeito Erno Menzel, quanto a este item, sustentou que a inservibilidade dos bens encontrava-se implícita diante da precariedade do estado de conservação destes, em razão do tempo e intensidade de seu uso. Asseverou, ainda, que a sua utilização colocaria em risco a segurança dos servidores que os operavam e da população por eles atendida. 

Os membros pertencentes à comissão de licitação elaboraram sua defesa nos mesmos termos.

Diante das justificativas, o Corpo Técnico sugeriu o afastamento do apontamento restritivo. 

Discordarei do corpo técnico, por entender que, no caso dos autos, não restou caracterizada a inservibilidade dos bens. Em parte, tal se deveu à própria ausência de objetividade na avaliação dos móveis alienados, impossibilitando uma análise concreta acerca do seu estado de conservação.

Sendo o leilão destinado à venda de bens móveis inservíveis, consoante expressa previsão contida no art. 22, §5º da Lei n.º 8.666/93, deve esta condição restar plenamente constatada, sob pena de não atendimento ao requisito legal autorizador da venda.

O Decreto Federal n.º 99.658/1990 – o qual regulamenta, no âmbito da Administração Pública Federal, o reaproveitamento, a movimentação, a alienação e outras formas de desfazimento de material – serve de diretriz interpretativa para delimitar o que vem a ser um bem inservível.

Para tanto, dispõe em seu artigo 3º, parágrafo único, as possíveis classificações nas quais se pode enquadrar um bem inservível:

Art. 3º Para fins deste decreto, considera-se:

[...]

Parágrafo único. O material considerado genericamente inservível, para a repartição, órgão ou entidade que detém sua posse ou propriedade, deve ser classificado como:

a) ocioso - quando, embora em perfeitas condições de uso, não estiver sendo aproveitado;

b) recuperável - quando sua recuperação for possível e orçar, no âmbito, a cinqüenta por cento de seu valor de mercado;

c) antieconômico - quando sua manutenção for onerosa, ou seu rendimento precário, em virtude de uso prolongado, desgaste prematuro ou obsoletismo;

d) irrecuperável - quando não mais puder ser utilizado para o fim a que se destina devido a perda de suas características ou em razão da inviabilidade econômica de sua recuperação. (grifado)

Um bem não se presume inservível pelo simples fato de ser posto à venda mediante procedimento licitatório, nem basta uma avaliação genérica das condições do mesmo – sem qualquer critério objetivo – para suprir a exigência legal.

A ausência de um laudo específico para cada bem, assim como a inexistência de uma avaliação pormenorizada do estado de conservação de seus componentes impede o reconhecimento da inservibilidade dos mesmos, visto que não restou esclarecido se de fato – e por quais motivos – tais bens passaram a ser considerados improveitosos para a administração municipal, bem como se não seria possível proceder a sua recuperação.

Ademais, a sua alienação encontra-se subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, nos termos do art. 17 da Lei n.º 8.666/93, não podendo ser este presumido ante a ausência de demonstração acerca da inservibilidade dos bens.

Diante da ausência de justificativa quanto à existência de interesse público e do enquadramento dos referidos bens na categoria de inservíveis, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo.

 

4.              Da fraude ao procedimento licitatório mediante utilização de interposta pessoa

 

A restrição fora exposta nos seguintes termos:

Alienação dos itens A, B, C, D e E do Leilão nº 001/2010 à Sra. Raquel Endler, que seria funcionária de empresa pertencente a membro da comissão municipal permanetne que avaliou os bens para o leilão e que transferiu o caminhão basculante constante do item C para o vice-prefeito municipal, contrariando o artigo 9º da Lei nº 8.666/93, além do princípio da impessoalidade.

Os responsáveis limitaram-se a informar o desconhecimento de qualquer vínculo empregatício entre a arrematadora, Sra. Raquel Endler, e o membro da comissão permanente de licitação, Sr. Iloi Kerkoff.

Em relação à venda posterior do veículo ao vice-prefeito, nada manifestaram.

Quanto ao possível parentesco existente entre a leiloeira Michelle Endler e a Sra. Raquel Endler, provaram a ausência do mesmo acostando as suas respectivas certidões de nascimento (fls. 92/93).

Entendeu o corpo técnico não restar caracterizada a fraude ao procedimento licitatório em tela, diante da existência de outros lances realizados pelos demais proponentes participantes do leilão, restando, portanto, atendido o caráter competitivo do certame.

Discordarei do entendimento exarado pela instrução.

A irregularidade verificada no presente caso decorre não somente do fato de a arrematadora (Sra. Raquel Endler) labora na Oficina e Revenda de Veículos de propriedade do Sr. Ilói Kerkoff (termo de depoimento à fls. 272/273) – citado acima como um dos integrantes da Comissão de Avaliação Permanente da Prefeitura de Cunhataí –, mas, e principalmente, em razão de ter a referida compra revertido ao patrimônio do vice-prefeito de Cunhataí.

A vedação da participação do vice-prefeito em leilão promovido pela Administração Municipal a que se encontra vinculado, bem como de funcionário que mantenha vínculo empregatício com membro pertencente à Comissão de Avaliação, encontra-se prevista no art. 9º da Lei n.º 8.666/93:

Art. 9o  Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

[…]

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

[…]

§ 3o  Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.

§ 4o  O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.

Acerca da norma, comenta Marçal Justen Filho:

A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele. Em vez de remeter uma investigação posterior, destinada a comprovar anormalidade da conduta do agente, a lei determina seu afastamento a priori. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro. [3]

E ainda, ao tratar da participação indireta, ressalta:

O vínculo do autor do projeto pode, inclusive, configurar-se de modo 'indireto', tal como previsto no § 3º. A regra legal é ampla e deve reputar-se como meramente exemplificativa. O texto chega a ser repetitivo, demonstrando a intenção de abarcar todas as hipóteses possíveis. Deve-se nortear a interpretação do dispositivo por um princípio fundamental; existindo vínculos entre o autor do projeto e uma empresa, que reduzam a independência daquele ou permitam uma situação privilegiada para essa, verifica-se o impedimento. Por isso, a vedação se aplicará mesmo quando se configurar outra hipótese não expressamente prevista. [4]

Por fim, quanto à possibilidade de aplicação do referido artigo para as demais espécies de licitação – que não às referentes à figura das obras e serviços – esclarece o autor que “o inciso III [do art. 9º] não apresenta, em um primeiro momento, qualquer referência específica a essas espécies contratuais” [5].

Segundo o citado autor, o risco de interferência sobre a probidade do certame pode igualmente ser verificado nas licitações que versem sobre compras ou alienações, não existindo fundamento jurídico que ampare o tratamento diferenciado em tais casos.

Ao que conclui que “o princípio da moralidade exige afastar-se objetivamente o risco de comprometimento da seriedade da licitação e da probidade na execução do contrato. Daí deriva a aplicação do disposto no art. 9º também a contratos cujo objeto não seja nem obra nem serviço” [6].

Desta feita, a mera verificação de que participaram dois, três ou quatro interessados no procedimento em análise não afasta a caracterização de fraude. Ademais, é necessário que, de fato, tenha-se assegurada a competitividade esperada de um certame público, sem a presença de quaisquer circunstâncias capazes de macular o certame.

No presente caso, o oferecimento de mais de uma proposta não se mostrou suficiente para o atendimento a esse requisito, em razão da privilegiada situação em que se encontrava a arrematadora.

Tal se deveu ao conhecimento que esta detinha acerca das benfeitorias realizadas no veículo que lhe fora alienado, visto que laborava na Oficina Mecânica Kerkoff, a mesma que fora responsável pela venda de inúmeras peças destinadas com exclusividade ao veículo de Placas MAJ-2134, bem como pela prestação do serviço de substituição/remoção das mesmas, conforme se constata por meio da análise das notas de empenho n.º 1051/2010 (fl. 109), n.º 1052/2010 (fl. 112), n.º 1259/2010 (fl. 115), correspondentes, respectivamente, às Ordens de Compra n.º 863 (fl. 110), n.º 864 (fl. 113) e n.º 1072 (fl. 116).

Ora, o bem fora inicialmente avaliado no montante de R$ 16.000,00. Os participantes do leilão, portanto, tomaram como base para a proposição dos seus lances o referido valor, visto que este seria, supostamente, o condizente ao estado de conservação do veículo posto à venda.

Acaso houvesse sido feita uma nova avaliação após o dispêndio com a manutenção do veículo de placas MAJ 2134 – tornando pública a valorização apresentada pelo bem móvel – poder-se-ia afirmar que os participantes do leilão concorreram no procedimento de forma isonômica; ao contrário, a valorização o veículo era fato desconhecido pelos outros concorrentes. Portanto, restou prejudicado o caráter competitivo do certame.

Ademais, consoante comprova documentação acostada aos autos, restou caracterizada a venda indireta à pessoa impedida de participar do procedimento licitatório (art. 9º da Lei n.º 8.666/93), senão vejamos.

Conforme informação extraída do Dossiê Consolidado do Caminhão MB/1976/77 de placas MAJ 2134, emitido pelo DETRAN/SC (doc. 1), em ato contínuo à realização do leilãoocasião na qual fora efetuada a venda a Sra. Raquel Endlerfora o mesmo revendido à empresa Cunhataí Materiais de Construção Ltda., empresa esta de propriedade dos Srs. Evelton Jair Schmitt, Vice-Prefeito de Cunhataí, e de seu irmão, Sr. Nedio Schmitt (contrato social anexo às fls. 219/221 e doc. 2).

O Dossiê Consolidado de Veículo (doc. 1) retrata a cadeia de titularidade do referido bem. Este fora inicialmente transferido pelo Município de Cunhataí à Sra. Raquel Endler (data de registro da transferência: 07/10/2010) e, em seguida, pela Sra. Raquel Endler à empresa Cunhataí Materiais de Construção (data de registro da transferência: 25/11/2010), restando clara a utilização de interposta pessoa para legitimação do procedimento.

Em que pesem as datas de transferência acima citadas, registre-se que o Caminhão de Placa MAJ-2134 já circulava nas ruas da cidade com adesivo de dizeres “Cunhataí Materiais de Construção (49) 3338-0040”, quando ainda se encontrava com as placas brancas da Prefeitura Municipal de Cunhataí (cópias de fotos anexas às fls. 55/56), demonstrando o verdadeiro beneficiário do bem arrematado.

Ademais, os termos de depoimento prestados em fase de inquérito policial, juntados às fls. 272/275 – em que pese não deterem o status probatório conferido às provas produzidas judicialmente, servem para robustecer o que ora se expõe, vez que vão plenamente ao encontro do conjunto de provas anexo a estes autos. 

No depoimento prestado à Delegacia de Polícia de Cunhataí, em 3 de abril de 2012 (fls. 272/273), Iloi Kerkhoff – proprietário da oficina mecânica Kerkhoff e administrador da Revenda de Veículos Kerkhoff – admite que, juntamente com sua funcionária Raquel Endler, acumulou o montante de R$ 40.000,00, utilizando a maior parte desse valor para aquisição de bens leiloados pela Prefeitura de Cunhataí.  

Afirma, ainda, que uma semana após sua funcionária Raquel Endler ter arrematado o caminhão de Placa MAJ-2134 – dentre outros bens – o vice-prefeito Evelton procurou-o para comprar o veículo, que ainda se encontrava no pátio da prefeitura.

Afirmou, ainda, que o caminhão fora alienado ao vice-prefeito - pelo valor de R$ 21.600 - para que fosse utilizado em sua empresa, Cunhataí Materiais de Construção Ltda.

Afirmou, por fim, que após a avaliação do bem, em março de 2010, a oficina mecânica Kerkhoff realizara consertos no caminhão vendido posteriormente ao vice-prefeito (consoante comprovam as notas de empenho anexas aos autos).

Ademais, a Sra. Raquel Endler, em depoimento prestado no dia 16 de fevereiro de 2010 à Delegacia de Polícia de Cunhataí (termo anexo às fls. 274/275), informou que já trabalhava como Assistente Administrativo na Mecânica Kerkhoff há quatro anos, recebendo cerca de dois salários mínimos.

Informou, ainda, que contribuiu com cerca de R$ 16.000,00, sendo que o Sr. Iloi Kerkhoff contribui com cerca de R$ 24.000,00, o qual entrou, nas palavras da depoente, como sócio na compra dos veículos.

Informou que não somente o veículo de Placas MAJ-2134, mas também outros três veículos adquiridos no leilão n.º 001/2010 foram transferidos para o seu nome e, em seguida, revendidos. Informou, ainda, que o valor obtido com a revenda dos veículos fora destinado à conta da Revendedora de veículos de Iloi Kerkhoff.

Informou, por fim, que o vice-prefeito Evelton se dirigiu até a revenda de veículos e, pessoalmente, negociou a compra do caminhão MAJ-2134.

Vê-se, portanto, que a arrematadora apenas emprestou seu nome e voz para realizar a compra dos bens postos a leilão. Sendo estes em seguida alienados em benefício da Revenda Kerkhoff, e o veículo de placas MAJ 2134 revendido ao vice-prefeito de Cunhataí.

Retirando-se a figura da intermediadora, que, consoante visto, nem ao menos chegou a se utilizar do bem, vê-se que o ato negocial fora de fato realizado entre o Município de Cunhataí e o seu vice-prefeito.

Trata-se de um caso típico de simulação de negócio jurídico. Este caracteriza-se, consoante definição trazida pelo diploma civil, em seu art. 167, inciso I, como o ato negocial que aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se confere ou transmite.

Utiliza-se, como artifício para dissimulação ou disfarce de atos ilegais, a figura da interposta pessoa, a qual faz a ponte entre aqueles que estão legalmente impedidos de entre si negociar, de modo a tornar formalmente legítimo o ato que, em sua substância, contraria preceito legal.

Consoante já salientado, os documentos em anexo revelam a burla à vedação legal imposta pelo art. 9º da Lei n.º 8.666/93, realizada mediante interposta pessoa.

Sendo duvidoso o proveito que reverteria à Administração Municipal de Cunhataí com a anulação do certame, manifesto-me pela aplicação de multa.

 

5.              Da possível caracterização de ato de improbidade

 

Há a possibilidade também de que se caracterize ato de improbidade administrativa, nos termos do que prevê o art. 9, caput e inciso III, da Lei 8.429/92:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

(...)

 

A vantagem auferida pelo vice-prefeito fora caracterizada por meio do acréscimo ao seu acervo patrimonial de um bem público subavaliado, cuja propriedade fora obtida mediante o uso de interposta pessoa, na tentativa de travestir de licitude a alienação vedada por lei (art. 9º, inciso III c/c §§3º e 4º).

Consoante comprovado por meio do Dossiê Consolidado do Caminhão de placas MAJ 2134, emitido pelo DETRAN/SC (doc. 1) e do Contrato Social anexo aos autos (doc. 2), a titularidade do bem fora transferida à empresa de propriedade do Sr. Vice-Prefeito, logo após a realização do leilão, restando clara a dissimulação do verdadeiro arrematador do bem.

Por esta razão, deve a Corte comunicar o fato ao Ministério Público Estadual para que aquele órgão, titular de prerrogativas específicas previstas da Constituição Federal, atue como melhor entender.

 

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1)           Em julgar irregulares, com imputação de débito ao Sr. Erno Menzel, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, acerca do procedimento Leilão nº 001/2010, da Prefeitura Municipal de Cunhataí, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n.º 202/2000;

2)           em determinar ao Responsável, sob pena da possível sujeição futura à sanção prevista no art. 70, inciso III, da Lei Complementar Estadual no. 202/2000, que adote as providências necessárias para o ressarcimento ao Erário:

2.1) no valor de R$ 6.969,69, referente ao montante despendido na reforma do veículo de Placas MAJ 2134;

2.2) no valor de R$ 33.637,00, referente à disparidade existente entre o o valor médio dos bens estimado pela Comissão de Avaliação Permanente e o valor médio de mercado;

3)           pela aplicação de multa ao Sr. Erno Menzel, com fundamento no art. 70, I da Lei Complementar nº 202/2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Santa Catarina em decorrência das irregularidades expostas no item supra;

4)           Com fundamento no art. 71, XI da Constituição Federal; art. 59, XI da Constituição Estadual; art. 7º da Lei Federal nº 7.347/85; nos arts. 14 c/c 22 da Lei Federal nº 8.429/92; art. 24, § 2º c/c art. 40 do Decreto-Lei n° 3.689/41 e art. 102 da Lei n.º 8.666/93, pela comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de atos de improbidade administrativa.

5)           Pela comunicação do Acórdão e do Voto ao responsável Sr. Erno Menzel, aos membros da Comissão Municipal Permanente de Avaliação e aos interessados.

 

Florianópolis, 25 de julho de 2013.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[2] Valor aproximado obtido por meio de consulta realizada em sites de comercialização de veículos e por meio de consulta à tabela FIPE, com veículo de referência Mercedes Benz, L-1113, 2p, ano 1981 (valor de R$ 34.549,00 (Doc. 3)

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª Ed, São Paulo: Dialética, 2005, p. 120.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p. 120-121.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p. 124.

[6] JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p. 124-125.