Parecer no:

 

MPTC/19.144/2013

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 08/00279700

 

 

 

Interessados:

 

Prefeitura Municipal de Piratuba/SC

 

 

 

Assunto:

 

Tomada de Contas EspecialRepresentação de Agente Público acerca da percepção acumulada de subsídios de Vereador com remuneração de professor e Conselheiro Tutelar nos exercícios de 2005 a 2008.

 

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina – TCE/SC, em decisão exarada nos autos REP 08/00279700 – Decisão nº 2547/2007, Sessão realizada em 27-07-2009, decidiu por (fl. 1103):

[...]

 

6.1Converter o presente processo emTomada de Conas Especial, nos termos do art. 65, § 4º, da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 2460/2009.

 

6.2 Definir a responsabilidade individual, nos termos do art. 15, I, da Lei Complementar nº 202/00, do Sr. Adélio Spanholi Prefeito Municipal de Piratuba, por irregularidade verificada nas presentes contas.

 

6.2.1. Determinar a citação do Responsável nominado no item anterior, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar alegações de defesa acerca da acumulação indevida da remuneração, por Ivanete Medianeira Potrich, relativa à função de Conselheira Tutelar com o do cargo de Professora no período de 1º de janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, no valor de R$ 21.147,00 (vinte e um mil cento e quarenta e sete reais), em afronta ao disposto no art. 37, XVI e XVII, da Constituição Federal (item 2.1 do Relatório DMU), irregularidade ensejadora de imputação de débito e aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar 202/2000, ou comprovar a adoção de medidas administrativas visando ao ressarcimento dos valores indevidamente pagos sob o título de remuneração na função de Conselheira Tutelar, devidamente corrigidos.

 

6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relatório que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 2460/2009, ao Sr. Adélio Spanholi Prefeito Municipal de Piratuba.

 

A Secretaria Geral do TCE/SC encaminhou Ofício (fl. 1.105), endereçado ao Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, dando-lhe conhecimento da r. decisão exarada pelo TCE/SC e, concedendo-lhe, o prazo consignado de 30 (trinta) dias, para que, querendo, exercesse o direito ao contraditório e à ampla defesa, em relação ao apontamento de irregularidade (item 6.2.1 da decisão).

O Aviso de Recebimento (fl. 1.105-v) retornou assinado pelo Destinatário.

O Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, encaminhou pedido de prorrogação de prazo para encaminhar seus esclarecimentos e justificativas defensivas, mediante procurador constituído (instrumento de fl. 1.107).

O Chefe de Gabinete da Presidência do TCE/SC elaborou Despacho (fl. 1.110), acolhendo o pedido de prorrogação de prazo formulado pelo Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC.

A Secretaria Geral do TCE/SC encaminhou Ofício (fl. 1.111), endereçado ao procurador do Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, dando-lhe conhecimento do acolhimento do pedido de prorrogação de prazo solicitado.

O Aviso de Recebimento (fl. 1.112) retornou assinado por pessoa diversa do Destinatário.

O Procurador do Prefeito Municipal de Piratuba/SC, Dr. Noel Tavares, encaminhou pedido de carga dos autos, com suporte no Regimento Interno da Corte de Contas (artigo 124).

O pedido de carga dos autos foi renovado (fl. 1.113).

O Chefe de Gabinete da Presidência do TCE/SC emitiu Despacho (fl. 1.113 – parte superior da página), acolhendo o pedido de carga dos autos.

Novo pedido de vistas dos autos foi postulado pelo procurador do Prefeito Municipal de Piratuba/SC (fl. 1.116).

O Prefeito Municipal de Piratuba/SC, Sr. Adélio Spanholi enviou os esclarecimentos e justificativas (fls. 1.119-1.132).

A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU elaborou Relatório nº 2.496/2010 (fls.1.135-1.152), sugerindo ao Conselheiro Relator, por Despacho Singular:

[...]

 

1 – JULGAR IRREGULARES:

 

1.1 – com débito, na forma do artigo 18, inciso III, alínea “c” c/c o artigo 21, caput da Lei Complementar nº 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial e condenar o responsável, Sr. Adélio Spanholi – Prefeito Municipal de Piratuba (Gestão 2005/2008), CPF 236.860.060-49, residente à Rua Governador Jorge Lacerda, 133 – CEP 89.667-000 – Piratuba – SC, ao pagamento da quantia abaixo relacionada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigo 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

 

1.1.1 – Remuneração acumulada indevidamente relativa a função de Conselheira Tutelar no valor de R$ 21.147,00, com o cargo de Professora, no período de 02 de janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, em afronta ao disposto no artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal. (item 2.1, deste Relatório).

 

2 – RESSALTAR que o advogado Responsável requereu sustentação oral;

 

3. DAR CIÊNCIA da decisão ao Representado, Sr. Adélio Spanholi e aos Representantes, Sr. Evando Antônio de Azeredo, Giovani Gelson Meneghel e Celso José de Souza.

 

Os Procuradores do Gestor Responsável encaminharam novos esclarecimentos e justificativas (fls. 1.155-1.159) e juntaram os documentos de fls. 1.160-1.182.

O Conselheiro Relator elaborou Despacho (fl. 1.155 – parte superior) determinando fosse realizada a juntada dos documentos carreados pelos Defensores do Prefeito Municipal de Piratuba/SC.

Em novo Despacho (fl. 1.184), o Conselheiro Relator entende, com suporte no artigo 135, parágrafo único, do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente pelo artigo 308, da Resolução TCE/SC nº 06/2001, estar caracterizada sua suspeição para atuar no presente feito.

O Conselheiro Presidente do TCE/SC, mediante Despacho (fl. 1.184 – parte inferior da página) determinou fosse redistribuído o feito.

O Juiz de Direito da Comarca de Capinzal, Dr. Fernando Machado Carboni encaminhou Ofício (fl. 1.185) e o documento de fl. 1.186.

O Ministério Público de Contas – MPTC, instado a se manifestar nos autos, emitiu Parecer nº 12.284/2012 (fls. 1.188-1.204).

O Conselheiro Relator emitiu relatório e voto (fls. 1.205-1.212), concluindo por sugerir ao egrégio Tribunal Pleno:

[...]

 

3.1. Definir a responsabilidade solidária da senhora Ivanete Medianeira Potrich, CPF nº 525.943.199-53, com domicilio na Av. 18 de fevereiro, 1205, Centro – Piratuba – SC, juntamente com o senhor Adelio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba, pelo valor de R$ 21.147,00, passível de imputação de débito e cominação de multa, decorrente de indevida percepção, pela servidora, de remuneração acumulada relativa à função de Conselheiro Tutelar, com o cargo de Professora municipal, no período de 01 de janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, em afronta ao disposto no artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal, determinando a citação da referida servidora para apresentar alegações de defesa, nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, ou comprovar o ressarcimento do citado valor ao erário municipal, devidamente corrigido, conforme art. 21, caput da citada Lei.

 

3.2. DAR CIÊNCIA da Decisão e do relatório e voto ao senhor Adelio Spanholi e ao seu advogado constituído nos autos, à Prefeitura Municipal de Piratuba, à Câmara Municipal de Piratuba e à senhora Ivanete Potrich, remetendo a esta também o Relatório DMU nº 2496/2010.

 

O Aviso de Recebimento (fl. 1.214), referente ao Ofício encaminhado ao Dr. Noel Antônio Tavares de Jesus (OAB/SC 16.462), procurador constituído por Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC., retornou assinado por Michelli Faria.

O Dr. Noel Antônio Tavares de Jesus (procurador constituído por Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, enviou petição (fl. 1.215) solicitando fosse retirado de pauta o processo TCE, em razão de se encontrar em tramitação junto a 2º Vara Cível da Comarca de Capinzal a Ação Civil Pública nº 016.10.001900-0, em que figuram como parte a Sra. Ivanete Potrich, que foi condenada a realizar a devolução dos valores percebidos irregularmente (acumulação de cargo e remuneração).

Em decorrência da determinação do Conselheiro Relator foi juntado aos autos o extrato da Ata da Sessão Ordinária nº 67/2012, de 26-09-2012, do Tribunal de Contas de Santa Catarina (fls. 1.217 e 1.217-v).

 

O Conselheiro Relator elaborou Adendo ao Relatório e Voto (fls. 1.205-1.212) e decidiu por sugerir ao egrégio Tribunal Pleno:

[...]

 

Ante o exposto, mantenho o voto inicial, em sua íntegra, no sentido de, preliminarmente ao julgamento, definir a responsabilidade solidária da senhora Ivanete Medianeira Potrich, CPF nº 525.943.199-53, com domicílio na Av. 18 de fevereiro, 1205, Centro – Piratuba – SC, pelo valor de R$ 21.147,00, passível de imputação de débito e cominação de multa, decorrente de indevida remuneração acumulada percebida pela servidora relativa à função de Conselheira Tutelar, com o cargo de Professora, no período de 01 de janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, em afronta ao disposto no artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal, determinando a citação da referida servidora municipal para apresentar alegações de defesa, nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, ou comprovar o ressarcimento do erário municipal do citado valor, devidamente corrigidos, conforme art. 21, caput, da citada Lei.

 

O Tribunal Pleno, em Sessão de 08-10-2012, emitiu a Decisão nº 5062/2012 (fls. 1.220-1.220-v), determinado:

[...]

 

6.1. Definir a RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, nos termos do art. 15, I da Lei Complementar nº 202/2000, da Sra. IVANETE MEDIANEIRA POTRICH – Professora municipal no período de 1º/01/2005 a 03/04/2008, CPF n. 525.943.199-53, e do Sr. ADÉLIO SPANHOLI Prefeito Municipal de Piratuba, CPF n. 236.860.060-49, por irregularidade verificada nas presentes contas.

 

6.1.1. Determinar a CITAÇÃO dos Responsáveis nominados acima, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº 202/2000, para no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, “b”, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001, de 28/12/2001), apresentarem alegações de defesa acerca da seguinte irregularidade, ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar nº 202/2000, ou comprovar o ressarcimento do citado valor ao erário municipal, devidamente corrigido.

 

6.1.1.2 Indevida percepção, pela Servidora, de remuneração acumulada no valor de R$ 21.147,00 (vinte e um mil cento e quarenta e sete reais), relativa à função de Conselheira Tutelar com o cargo de Professora Municipal, no período de 1ºde janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, em afronta ao disposto no artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal.

 

6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 2496/2010, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, ao procurador constituído nos autos e à Câmara de Vereadores de Piratuba.

 

A Secretaria Geral do Tribunal de Contas do Estado encaminhou Ofício (fl. 1.221), endereçado ao Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC.

A Secretaria Geral do Tribunal de Contas do Estado encaminhou Ofício (fl. 1.222), endereçado ao Sr. Sady Pereira da Costa Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Piratuba/SC.

A Secretaria Geral do Tribunal de Contas do Estado encaminhou Ofício (fl. 1.223), endereçado a Sra. Ivanete Medianeira Potrich, Vereadora da Câmara Municipal de Piratuba/SC.

A Secretaria Geral do Tribunal de Contas do Estado encaminhou Ofício (fl. 1.224), endereçado ao Dr. Noel Antônio Tavares de Jesus, procurador constituído pelo Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC.

O Aviso de Recebimento (fl. 1.221-v) retornou assinado pelo destinatário, Sr. Adélio Spanholi.

O Aviso de Recebimento (fl. 1.222-v) retornou assinado por Roseli Koch.

O Aviso de Recebimento (fl. 1.223-v) retornou assinado pela destinatária, Sr. Ivanete Medianeira Potrich.

O Aviso de Recebimento (fl. 1.224-v) retornou assinado por Michelli Faria.

A Sra. Ivanete Medianeira Potrich, Vereadora e Professora, encaminhou justificativas e esclarecimentos defensivos (fls. 1.225-1.238), assinada pela Dra. Luciana Martinazzo (OAB/SC 21.496), constituída pelo instrumento procuratório (fl. 1.239) e juntou os documentos de fls. 1.240-1.244.

O Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, enviou esclarecimentos e justificativas (fls. 1.247-1.255).

A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU elaborou Relatório nº 639/2013 (fls.1.258-1.280), sugerindo ao egrégio Tribunal Pleno:

 

1 – JULGAR IRREGULARES, com débito, na forma do artigo 18, inciso III, alínea “c” c/c o artigo 21, caput da Lei Complementar nº 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial.

 

2 – CONDENAR solidariamente os responsáveis, Sr. Adélio Spanholi – Prefeito Municipal de Piratuba (Gestão 2005/2008), CPF 236.860.060-49, residente à Rua Governador Jorge Lacerda, 133 – CEP 89.667-000 – Piratuba – SC, e Srª. Ivanete Medianeira Potrich – Professora Municipal no período de 1º/01/2005 a 03/04/2008, CPF 525.943.199-53, residente na Av. 18 de fevereiro, 1205 – CEP 89667-000 – Piratuba – SC, ao pagamento da quantia abaixo relacionada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

 

2.1 – Remuneração acumulada indevidamente relativa a função de Conselheira Tutelar no valor de R$ 21.147,00, com o cargo de Professora, no período de 1º de janeiro de 2005 a 03 de abril de 2008, em afronta ao disposto no artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal. (item 2.1, deste Relatório).

 

3. DAR CIÊNCIA da decisão aos Responsáveis, Sr. Adélio Spanholi e a Srª. Ivanete Medianeira Potrich, bem como aos Representantes, Sr. Evando Antônio de Azeredo, Sr. Giovani Gelson Meneghel e Celso José de Souza.

 

É o relatório

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 59, inciso II, da Constituição Estadual, art. 25, III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e art. 46 da Resolução TC 6/2001).

 

 

 

Das despesas irregularesremuneração acumulada indevidamente (período de 01-01-2005 a 03-04-2008)

A Diretoria de Controle dos Municípios - DMU aponta como irregular a acumulação relativa à função de Conselheira Tutelar e do cargo de Professora, ocupado pela servidora, Sra. Ivanete Medianeira Potrich, em decorrência da ausência formal do pedido de opção pela remuneração de seu cargo, no período de 01-01-2005 a 03-04-2008, caracterizando afronta ao disposto na Constituição Federal (artigo 37, incisos XVI e XVII).

O Gestor Responsável, Sr. Adélio Spanholi, mediante seus procuradores constituídos, encaminhou esclarecimentos e justificativas (fls. 1.120-132):

[...]

 

1. A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INDICIADO E A INCLUSÃO DA SERVIDORA IVANETE MEDIANEIRA POTRICH

 

Conforme consta claramente do relatório de instrução, a suposta irregularidade refere-se à servidora pública municipal Ivanete Medianeira Potrich, no que toca à acumulação ilícita do cargo público de Professora com a função de Conselheira Tutelar, no período de 01.01.2005 a 03.04.2008.

 

Mas não se pode olvidar, de início, que as funções de Conselheira Tutelar decorrem de mandato eletivo, escolha pela comunidade dos integrantes do referido conselho, sendo que o Chefe do Poder Executivo não dispõe de qualquer ingerência sobre tal procedimento de escolha eletiva. Apenas cumpre a nomeação daqueles que foram escolhidos pela comunidade. Neste sentido, o entendimento do Egrégio TCE/RS:

 

Eleitos pelo voto popular, detêm os conselheiros tutelares complexa gama de atribuições e ampla competência decisória (...). Destarte, senão por decorrência do mandato eletivo, a própria natureza das atribuições legais que lhes são conferidas evidencia que os conselheiros tutelares vinculam-se ao Município através de relação de feições nitidamente políticas, e não profissional, disciplinada por regime jurídico especial, cujas normas emanam da Constituição e de leis específicas. (TCE/RS. Processos n. 1132-02.00/00-6, 9399-02.00/00-0. Decisão de 16.05.2001)

 

Como visto, e até pelo que decorre da própria legislação de regência, a Lei Federal n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do AdolescenteECA), a função de Conselheiro Tutelar decorre de escolha da comunidade. Neste sentido:

 

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

 

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991).

 

Portanto, ao nomear a Senhora Ivanete Medianeira Potrich como Conselheira Tutelar do Município de Piratuba, o indiciado nada mais fez do que cumprir com a sua competência, sem que daí decorresse qualquer irregularidade.

 

Da mesma forma, e como bem reconheceu o Relatório de Instrução do presente processo, a suposta irregularidade apontada decorre sim da acumulação ilícita pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, servidora pública municipal, do cargo de Professora com a função de Conselheira Municipal, sendo ambos remunerados.

 

Portanto, não foi a nomeação da Senhora Ivanete Medianeira Potrich que acarretou a irregularidade apontada, mas sim a ausência de pedido de afastamento da servidora, ou de opção pela remuneração do cargo de Professora, ou da função de Conselheira Tutelar, todos atos praticáveis somente pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, e não pelo Prefeito Municipal, ora indiciado.

 

Mas ai poderia surgir a seguinte afirmação: ora, conhecendo o Prefeito Municipal tal irregularidade, teria que tomar as providências cabíveis. Não Nobres conselheiros. Isso não pode ser assim analisado. E por vários motivos: primeiro, porque não é obrigação do prefeito conhecer todos os servidores públicos municipais, saber quais são seus cargos, carga horária, se estão afastados ou não; segundo, porque, muito embora conhecendo o servidor, ao Prefeito não é dado saber se aquele fez ou não opção de remuneração de um cargo ou de outro. Exigir isso do Prefeito seria uma excessiva imposição de “onisciência divina”, totalmente apartada da realidade.

 

Neste sentido, em caso de atribuição de responsabilidade do prefeito Municipal, admitindo que nãocomo se responsabilizar o detentor de mandato eletivo, salvo se por sua ação direta, segue a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

 

Termo circunstanciado n. 2005.007210-9, de Xaxim.

 

Relator: Des. Maurílio Moreira Leite.

 

Termo Circunstanciado. Denúncia oferecida contra Prefeito Municipal, Secretário Municipal de Obras e terceiro, atribuindo a prática do crime definido no art. 38 da Lei nº 9.605/98. Realização de terraplanagem em área de preservação permanente. Empréstimo de máquina (trator) de propriedade da Prefeitura Municipal, autorizado pelo Secretário Municipal de Obras, sem o conhecimento do Prefeito Municipal. Denúncia não recebida.

 

Nãocomo responsabilizar o Prefeito Municipal por conduta praticada por seu auxiliar no exercício de sua função específica. No caso, por ser a máquina utilizada na prática delituosa, pertencente à Prefeitura Municipal.

 

(...)

 

Por evidente, a responsabilidade do Prefeito Municipal está diretamente vinculada à prática de atos de sua competência, ou de seus subordinados, dês que, de forma expressa e inconteste, anuiu à prática tida por delituosa. Não é o caso dos autos, segundo a prova coletada.

 

(...)

 

Logo, nãocomo responsabilizar o Prefeito Municipal por conduta praticada por seu auxiliar no exercício de sua função específica. No caso, por ser a máquina utilizada na prática delituosa pertencente à Prefeitura Municipal.

 

A decisão se apresenta com uma clareza solar. Não se está, por certo, negando que os Prefeitos respondam pelos atos praticados pelos agentes públicos a eles subordinados. Está-se defendendo sim, e isso parece justo e adequado, que tal responsabilização não parta de presunções. Deve haver prova de que o Prefeito detinha conhecimento, expresso e inconteste, e tenha anuído com a prática irregular, para que daí haja a responsabilidade civil, administrativa e/ou criminal.

 

Não se pode presumir que o Prefeito Municipal, ora indiciado, tivesse conhecimento das supostas irregularidades carreadas, nem que com eles tenha anuído, salvo a prova desta anuência, o que nem de longe ou de forma indireta ou oblíqua foi aventado. Ademais, todos os atos referentes ao pedido de afastamento, opção por remuneração, tudo isso era de atribuição direta da Senhora Ivanete Medianeira Potrich.

 

Diante do exposto, requer desde seja reconhecida a ilegitimidade passiva do indiciado, uma vez que as irregularidades supostamente aventadas não lhe podem ser imputadas, bem como requer seja determinada a inclusão da Senhora Ivanete Medianeira Potrich como responsável no presente processo de Tomada de Contas Especial, passando a responder, direta e integralmente, pelas supostas irregularidades aqui apuradas.

 

2. O AFASTAMENTO DO LEGALISMO ESTRITO E O DEVER DE SE PERSEGUIR A DECISÃO JUSTA E NÃO SOMENTE ÀQUELA CONFORME À ESTRITA LEGALIDADE

 

Outra questão crucial, e que deve restar bem pesada e debatida, é o dever do julgador (em processos administrativos ou judiciais) de buscar sempre a decisão mais adequada e razoável, não podendo simplesmente, a pretexto de decidir um caso conforme à lei, afastar-se do conjunto harmonioso traçado pelo ordenamento jurídico. Mais do que estar preocupado com o cumprimento da lei, o julgador deve estar preocupado com a consecução da Justiça, que não raras vezes está, inclusive, no afastamento da estrita legalidade.

 

O presente caso reclama uma análise por outros parâmetros que não somente aqueles meramente técnico-jurídicos. Aqui os estreitos horizontes da argumentação meramente jurídica devem ser alargados pela argumentação prática da equidade, da justiça material e da boa-fé do indiciado. Muito embora hoje a hermenêutica jurídica permita, de forma consolidada, ao julgador estender seu olhar além do mero tecnicismo legalista, a busca do julgamento por argumentos de justiça e equidade deve ser sempre fomentado e aclamado pela comunidade jurídica.

 

Isso é o que se pretende, certamente, encontrar nos julgadores imbuídos dos valores que informam a mais adequada e legitima prestação jurisdicional, a sensibilidade de analisar o presente caso em toda a sua complexidade, com todos os argumentos de Direito, de justiça e de equidade, para que a decisão seja racionalmente justificável e pautada pelos parâmetros da razoabilidade.

 

Não se pode olvidar que a decisão judicial não deve, de forma alguma, desconsiderar a realidade fática sob a qual está inserida, nem pode hostilizar as situações consolidadas. As prescrições jurídicas insertas nas disposições legais servem para regular os casos dentro da normalidade, mas não podem ser usadas a ferro e fogo quando de situações excepcionais. Nesses casos, são as bitolas elásticas e abertas dos princípios que devem nortear o julgador na sua busca pela decisão justa, a única legitima pelo Estado democrático de direito.

 

Note-se que o estrito legalismo deve ser, necessariamente, temperado pelas judiciosas balizas da segurança jurídica, da boa-fé, da razoabilidade e da proporcionalidade, deslocando a figura do julgador daquele mero tecnicismo de subsunção, para uma postura de incessante consecução da decisão justa e adequada. E esta somente ressai da aplicação do ordenamento jurídico de forma aberta e sistemática.

 

Em tudo oportuno, pois, o magistério do jurista e magistrado Cândido Rangel Dinamarco, ao dizer que as exigências legais hão de ser interpretadas por critérios presididos pela razoabilidade e não se pode perder de mente que a lei é feita com vistas a situações típicas que prevê, merecendo ser modelada, conforme o caso, segundo as peculiaridades de casos atípicos (RJTJESP 102/72).

Na mesma esteira, ponderou com lapidar acerto o Des. Luiz Cézar Medeiros, valendo-se do voto do ilustre Des. Newton Trisotto:

 

A propósito, extrai-se do julgamento da lavra do eminente Desembargador Newton Trisotto:

 

Aos juízes, aplicadores da lei, é reservada a difícil missão de assegurar o equilíbrio entre o Direito e a Justiça, facilitada pelas lições hauridas da doutrina. São os juristas os primeiros a interpretar as leis. A hermenêutica é uma ciência, da qual Carlos Maximiliano se tornou um dos mais renomados analistas. Na sua Hermenêutica e aplicação do direito, destaca regras que devem ser observadas pelo intérprete. A primeira delas decorre de disposição legal: ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’ (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º). Nos fins sociais da lei também está compreendido o bem comum, que se sobrepõe ao privado. (TJSC. AC n. 2005.002716-6, de São José do Cedro. Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros. Julgada em 20.03.2007) (grifou-se)

 

Corroborando esse entendimento, seguem as ponderações do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: “A melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o rigorismo da exegese dos textos legais pode levar a injustiças (RSTJ 4/1.555). Em outra oportunidade, assim asseverou o eminente ministro:

 

O Direito é uma coisa essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta que o Direito é destinado a um fim social, de que deve o juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras, mas tendo em conta não as necessidades sociais que elas visam a disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da equidade, que constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil.

 

Indo além dos contrafortes dos métodos tradicionais, a hermenêutica dos nossos dias tem buscado novos horizontes, nos quais se descortinam a atualização da lei (Couture) e a interpretação teleológica, que penetra o domínio da valorização, para descobrir os valores que a norma se destina a servir, através de operações da lógica do razoável (Resaséns Siches).

 

Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem como.

 

Como afirmou Del Vecchio, a interpretação leva o Juiz quase a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se para o juiz moderno, observou Orosimbo Nonato da mesma linha de raciocínio, com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase que a função de cada caso, e isso se reclama exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, ele contém (RSTJ 26/378).

 

Partindo das referidas balizas de interpretação e aplicação da lei e, sobretudo, do Direito, com vistas à inarredável consecução da Justiça, pretende-se encaminhar a defesa do indiciado, de forma a garantir o afastamento de qualquer penalidade, sob pena de flagrante atentado contra os ideais de justiça e equidade acima desfraldados.

 

3. A ACUMULAÇÃO DO CARGO DE PROFESSORA E A FUNÇÃO DE CONSELHEIRA MUNICIPAL PELA SERVIDORA IVANETE MEDIANEIRA POTRICH – O EFETIVO DESEMPENHO DAS ATIVIDADES E A AUSÊNCIA DO DEVER DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO

 

Cabe, primeiramente, discutir acerca da acumulação do cargo de Professora e da função de Conselheira Tutelar. A Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, prevê a possibilidade de acumulação de cargos, quando houver compatibilidade de horários, na forma que segue:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, aos seguintes:

 

(...)

 

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

 

a)    a de dois cargos de professor;

 

b)    a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

 

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

 

XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

 

Como ressai do texto constitucional, fica vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, quando, nos casos previstos, forem incompatíveis em relação ao horário a serem desempenhados.

 

Como questão central ao presente caso, uma primeira assertiva que deve restar totalmente confirmada, refere-se à efetiva prestação dos serviços pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, tanto no cargo de Professora como nas funções de Conselheira Tutelar, no período compreendido entre 01.01.2005 a 03.04.2008.

 

Os documentos carreados aos autos deixam fora de qualquer dúvida a efetiva prestação dos serviços e o regular e pleno desempenho das atividades pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, tanto como professora quanto nas funções de Conselheira Tutelar.

 

Os livros-pontos não deixam dúvida de que as atividades de Professora foram desempenhadas regularmente. Da mesma forma, nos documentos de fls. 1058 a 1060, consta claramente o sistema de funcionamento do Conselho Tutelar de Piratuba, sob o regime de plantão realizado por todos os conselheiros, na forma de escala de horários e plantões, sendo totalmente compatíveis os horários do cargo de Professora com as funções de Conselheira Tutelar, desempenhados pela Sra. Ivanete Medianeira Potrich.

 

O Conselheiro Tutelar do Município de Piratuba compõe-se de 05 (cinco) membros, sendo que todos desempenham suas atribuições de Conselheiros Tutelares em regime de escala de plantão, o que vem regularmente amparada e assistida pelo seu Conselho Tutelar, tanto que não houve qualquer alegação em contrário, no sentido de que a Senhora Ivanete Medianeira Potrich teria, por qualquer meio ou em qualquer momento, negligenciado suass atribuições. Nada disso é sequer alegado. A alegação de irregularidade é meramente formal, sem qualquer desdobramento substancial. Nem de longe se questiona acerca do efetivo desempenho de suas funções como Conselheira Tutelar.

 

Portanto, ainda que não reconhecida a legalidade da alegada acumulação de cargo e função pela Ivanete Medianeira Potrich, não se pode olvidar o fato de ter, efetivamente, prestado, sendo que o ressarcimento do montante pago a Senhora Ivanete Medianeira Potrich, a título de remuneração pelo desempenho das funções de Conselheira Tutelar, entre 01.01.2005 e 03.04.2008, configuraria verdadeiro locupletamento ilícito pela Administração.

 

A Senhora Ivanete Medianeira Potrich  prestou trabalho ao Poder Público e, mesmo que venha reconhecer que fora prestado de forma irregular, a remuneração é devida, que a Administração Municipal não pode devolver à Conselheira seu trabalho. Se não reconhecido tal direito, estar-se-á proporcionando ao Poder Público meio de enriquecimento ilícito, uma vez que recebendo o trabalho não realiza a contraprestação devida, o pagamento da remuneração prevista em lei.

 

Neste sentido, é segura a jurisprudência do Egrégio TJSC, como se infere da decisão que segue colacionada:

 

APELAÇÃO CÍVELACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOSEXEGESE DO ART. 37, XVI e XVII, DA CARTA MAGNADANO AO ERÁRIO INDEMONSTRADODECISÃO COMPOSITIVA DA LIDE REFORMADA – PLEITO RECURSAL PROVIDO EM PARTE.

 

Ex vi do art. 37, XVI e XVII, da Lex Mater é vedada a acumulação de cargos públicos, excetuadas as hipóteses taxativamente previstas pelo constituinte quando houver compatibilidade de horários, estendendo-se àquela a empregados e funções e abrangendo autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público.

 

Indemonstrado o dano ao erário, não deve o Órgão Judicante determinar o ressarcimento dos vencimentos e demais vantagens percebidas pelo servidor, sob pena de a Administração Pública locupletar-se às custas daquele, visto que recebeu dele a prestação de trabalho sem lhe oferecer a devida remuneração, como contraprestação.

 

(...)

 

A presunção que se consubstancia nos autos, ao inverso, é de que o réu tenha exercido as funções dos dois cargos sem ocasionar prejuízo tanto ao DETER quanto à Câmara Municipal de Vereadores.

 

E a simples acumulação de cargos, sem a demonstração do efetivo prejuízo sofrido pelos entes públicos, não tem o condão de exigir o ressarcimento e demais vantagens recebidas pelo servidor, “até porque, nesta hipótese, a Administração Pública é que estaria se locupletando às custas do servidor, recebendo dele a prestação do trabalho sem lhe oferecer a devida remuneração, como contraprestação”, como bem ponderou o representante do Ministério Público à fl. 266. (TJSC. Apelação cível n. 01.001569-8, de Lages. Relator Des. Francisco Oliveira Filho, decisão em 17.06.2002) (sem grifo no original)

 

No mesmo sentido, também do Egrégio TJSC:

 

RESTITUIÇÃO DE VALORESACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOSPROFESSOREXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICACUMPRIMENTO INTEGRAL DA JORNADAAUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – PRECEDENTES.

 

Essa Corte tem esposado o entendimento de que, muito embora tenha ocorrido acumulação ilegal de cargos se o serviço tiver sido efetivamente prestado, não ocorrendo choque de horários, não resta caracterizada a lesão ao erário e, por conseguinte, indevida a devolução dos valores percebidos. (TJSC. Mandado de Segurança n. 2004.029330-8, da Capital. Relator Des. Volnei Carlin, decisão em 17.10.2005) (grifou-se)

 

Comprovado que a Senhora Ivanete Medianeira Potrich desempenhou regularmente suas atividades de Conselheira Tutelar, sem qualquer prejuízo para suas atribuições, totalmente desarrazoada e ilegal seria o ressarcimento ao erário da remuneração recebida, que verdadeiramente devida como contraprestação ao serviço prestado, ainda que, assevere-se, remotamente seja considerada ilegal a acumulação ora em debate. Requer, desde , o afastamento de qualquer imputação de débito ao indiciado, com o ressarcimento de valores ao erário, ante a total ausência de prejuízo ao serviço público.

 

4. A INEGÁVEL BOA-FÉ DO INDICIADO

 

Apena a título de argumentação, em não sendo reconhecida a ilegitimidade passiva apontada, bem como a regularidade da atividade do indiciado, não se pode olvidar a sua inegável boa-fé. Nãoqualquer razão ou justificativa razoável, e isso nem foi em momento algum suscitado, para que seja posta em dúvida a total boa-fé do indiciado, o que retira completamente a possibilidade de qualquer aplicação de multa e, muito menos, imputação de débitos.

 

O princípio da boa-fé tem respaldo constitucional em nosso ordenamento jurídico, constituindo-se em princípio implícito que decorre do próprio Estado de direito e do princípio da segurança jurídica. Acerca da boa-fé, parece oportuno tecer uma breve diferenciação entre a boa-fé subjetiva e a objetiva.

 

A boa-fé subjetiva se refere à ignorância da pessoa acerca de um fato modificativo ou impeditivo de seu direito. Nestes casos, a parte acredita que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de determinada questão. Para elaum estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado. Assim, há que se levar em conta a intenção do sujeito. Trata-se de um estado de espírito, estado de consciência, como o conhecimento ou desconhecimento de uma situação, fundamentalmente psicológica.

 

O princípio da boa-fé objetiva, por sua vez, impõe o dever de lealdade, transparência e veracidade nas relações jurídicas. Trata-se de um verdadeiro instrumento de controle das relações tanto públicas como privadas, traduzindo-se no interesse social da segurança das relações jurídicas, exigindo dos diversos atores sociais a ação pautada na lealdade e confiança recíprocas. A boa-fé objetiva exige a valoração da conduta das partes que deve ser honesta, correta e leal. Trazendo o princípio da boa-fé objetiva para o ramo do Direito Administrativo, exige—se tanto da Administração Pública como dos cidadãos atividade pautada pela honestidade e lealdade, parâmetros inafastáveis do conceito de segurança jurídica.

 

A premissa da boa-fé se firma a partir da consideração desse princípio como um postulado das relações humanas e sociais. VICENTE RÁO, in Ato Jurídico”, São Paulo: Editora RT, 1997, p. 196, discorrendo sobre o princípio da boa-fé, concebe-o como: “Estado psicológico, julgado e medido segundo critérios ético-sociais e manifestado através de atos, atitudes, ou comportamentos reveladores de uma crença positiva errônea, ou de uma situação de ignorância, ou de ausência de intenção malévola, segundo os casos e conforme as exigências legais, a boa-fé ora é protegida, ora é reclamada pela lei, sempre por um fundamento de justiça? O direito se aperfeiçoa, diz Ripert, {a medida que leva em conta a boa-fé. Os autores que a erigem em princípio geral dizem: “a boa-fé não de ser considerada openas como princípio geral informador das leis, senão, também, como princípio criador que, de fatos, fez surgir o direito” (A. Valenski, Essai d’une Définition Du Droit Basée sur l’Idée de boné Foi, 1929)/ ou, ainda, sustentam consistir a boa-fé em princípio a que se deve reconhecer a força de um postulado moral e de segurança das transações (D’Atienza, Efectos Jurídicos de la Buena , 1935).

 

No presente caso, não se pode negar a total boa-fé do indiciado, não podendo, neste caso, apenado sob qualquer aspecto.

 

5. A MÁXIMA DA RAZOABILIDADE

 

Ademais, não se pode olvidar aqui a aplicação da máxima da razoabilidade, que semelhante à máxima da proporcionalidade, garante e resguarda os cidadãos contra investidas desarrazoadas e excessivamente prejudiciais da Administração Pública.

 

Conforme é sabido, “até em razão da vagueza e indeterminação do termo jurídico, não é tarefa fácil estabelecer um conceito com pretensões de universalidade à máxima da razoabilidade. Seu conteúdo é bastante mutável e consideravelmente influenciado pelos padrões culturais da sociedade, variando nos aspectos temporais e espaciais. Entretanto, ainda que reconhecido seu alto grau de abstração, deve-se perseguir a instituição de elementos objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos legislativos e administrativos”.[1] (Sem grifo no original)

 

Segundo Luiz Roberto Barroso, o princípio (máxima) da razoabilidade “é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo o ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em um dado momento ou lugar”. [2]  (grifou-se)

 

Pode-se dizer, por fim, que a “máxima constitucional da razoabilidade é uma orientação, uma diretiva interpretativa que permite a aferição acerca da legalidade substancial dos atos administrativos e legislativos, não o mero controle finalístico. Permite alcançar o sentido finalístico da norma, a conformidade teleológica entre o ato praticado e o mandamento normativo. Não a simples legalidade formal, em sentido estrito, mas a legalidade material, em sentido estrito, mas a legalidade material, ou melhor, a juridicidade das leis e dos atos administrativos”.[3]

 

No presente caso, não se pode admitir como razoável a aplicação de qualquer penalidade ao indiciado, uma vez que, na condição de Prefeito Municipal, não deixou de fazer ou tomar qualquer decisão relacionada à suposta irregularidade apontada, sendo que, na condição de Chefe do Poder Executivo Municipal, tomou todas as medidas que lhe cabiam no caso, não havendo qualquer justificativa para a imposição de penalidades, nem de multa e, muito menos, imputação de débitos.

 

Diante do exposto, requer sejam recebidas as presentes Alegações de defesa, sendo ao final consideradas consistentes, sendo, preliminarmente, reconhecida a ilegitimidade passiva do indiciado, uma vez que as irregularidades supostamente aventadas não lhe podem ser imputadas, bem como seja determinada a inclusão da Senhora Ivanete Medianeira Potrich como responsável no presente processo de Tomada de Contas Especial, passando a responder, direta e integralmente, pelas supostas irregularidades aqui apuradas.

 

No mérito, e vencida a preliminar de ilegitimidade aventada acima, requer sejam julgados regulares os atos do indiciado, sem a oposição de quaisquer imputações de débitos e/ou penalidades de multa.

 

Outrossim, requer a intimação do indiciado, na pessoa do procurador que esta subscreve, Noel Antônio Tavares de Jesus, acerca de todos os atos do presente processo administrativo, inclusive para acompanhar o julgamento do presente feito e promoção de sustentação oral, sob pena de total nulidade.

 

 

Em nova manifestação, o Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC, mediante procuradores constituídos, encaminhou esclarecimentos e justificativas defensivas (fls. 1247-v - 1.255):

[...]

 

II.1.1 – DA NÃO POSSIBILIDADE DO PREFEITO MUNICIPAL FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DESTE PROCESSO

 

O Prefeito Municipal, além de não possuir qualquer espécie de controle em face dos atos praticados pela Sra. Vereadora Potrich, que os atos eram todos praticados pelo Departamento de Pessoal, não possui qualquer responsabilidade, devendo se, de plano, retirado do pólo passivo da presente Tomada de Contas, pois é parte ilegítima.

 

De início, temos que as funções de Conselheiro Tutelar decorrem de mandato eletivo - a comunidade escolhe os integrantes do referido conselho -, sendo que o Chefe do Poder Executivo não dispõe de qualquer ingerência sobre tal procedimento de escolha eletiva. Apenas cumpre a nomeação daqueles que foram escolhidos pela comunidade.

 

Neste sentido, o entendimento do Egrégio TCE/RS:

 

Eleitos pelo voto popular, detêm os conselheiros tutelares complexa gama de atribuições e ampla competência decisória (...). Destarte, senão por decorrência do mandato eletivo, a própria natureza das atribuições legais que lhes são conferidas evidencia que os conselheiros tutelares vinculam-se ao Município através de relação de feições nitidamente políticas, e não profissional, disciplinada por regime jurídico especial, cujas normas emanam da Constituição e de leis específicas. (TCE/RS. Processos n. 1132-02.00/00-6, 9399-02.00/00-0. Decisão de 16.05.2001).

 

Como visto, e até pelo que decorre da própria legislação de regência, a Lei Federal n. 8069/90 (Estatuto da Criança e do AdolescenteECA), a função de Conselheiro Tutelar decorre de escolha da comunidade. Neste sentido:

 

Art. 131. O Conselheiro Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

 

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991).

 

Portanto, ao nomear a Senhora Ivanete Medianeira Potrich como Conselheira Tutelar do Município de Piratuba, o indiciado nada mais fez do que cumprir com a sua competência, sem que daí decorresse qualquer irregularidade.

 

Como se fosse suficiente, é fácil verificarmos, ainda, do texto da Lei Municipal nº 809, de 22 de março de 2006, a qual dispõe acerca do Conselho Tutelar do Município de Piratuba, em seu artigo 4º, a seguinte redação:

 

Art. 4º. Os procedimentos para a escolha dos Conselheiros Tutelares serão realizados sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, e fiscalizado pela Promotoria da Justiça da Comarca de Capinzal.

 

Nesse viés, está por demais clara que, caso se queira responsabilizar alguém além da Sra. Potrich, este alguém é o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, na pessoa de seus conselheiros, pois é o responsável pela escolha de tais membros do Conselho Tutelar, de modo expresso, mas nunca o Prefeito Municipal.

 

Deste modo, ainda, é composta a Comissão Eleitoral responsável do processo de escolha dos Membros do Conselho Tutelar, consoante o art. 6º da Lei nº 809/2006, de membros do próprio Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.

 

Art. 6º. O Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – CMDCA nomeará. Dentre os seus membros, uma Comissão Eleitoral formada por um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretário.

 

Assim, caso se entenda por ilegal a acumulação de funções em tela, devem ser responsabilizados, além da Vereadora, os mencionados membros do Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – CMDCA, em sua totalidade, ou somente em relação aos designados aos cargos de Presidente, Vice-Presidente e Secretário, pois de sua responsabilidade a regular condução do processo eleitoral e a verificação da legalidade da escolha dos candidatos.

 

Ainda, verifica-se que cabe ao Ministério Público promover tal fiscalização, sendo que, se o mesmo não encontrou irregularidade, quando da sua atuação in vigilando, uma pista que nos chega é de que realmente nãoirregularidade neste caso, como afirmado no tópico supra. Corroborando tal fato, clarifica o art. 7º, § 2º da referida Lei:

 

Art. 7º [...]

 

§ 2º. O Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – CMDCA comunicará à Promotoria de Justiça da Comarca o início do processo de escolha encaminhando cópia do Edital.

 

Nesta tessitura, repisa-se, em havendo o acompanhamento do processo pelo Ministério Público, reforçando o argumento de que nãoqualquer irregularidade no certame.

 

A ilegitimidade do Prefeito Municipal é manifesta, inclusive esse foi o entendimento do Ministério Público Estadual ao acionar o Poder Judiciário sobre esses fatos. Foi promovida Ação Civil Pública n. 016.10.001900-0, na qual foi acionada apenas a senhora Ivanete Medianeira Potrich para ser condenada à devolução dos valores, sem qualquer menção ao Prefeito Municipal.

 

Como naquele processo judicial é discutida a responsabilidade pessoal dela, é prudente que essa Egrégia Corte suspenda o julgamento dessa TCE até que  seja julgado o processo judicial (ACP). A decisão judicial fará, seguramente, coisa julgada em relação ao julgamento a ser proferido por esse Tribunal, especialmente no que tange à imputação de débito, conforme precedentes dessa Casa. Além disso, é condizente com o princípio da economicidade e eficiência que dois órgãos constitucionais promovam investigação sobre os mesmos fatos, o que implica, com todo respeito, emprego de tempo e energia na mesma tarefa. Portanto, deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva do Prefeito Municipal Adélio Spanholi.

 

II.2 – DO MÉRITO

 

II.2.1 – DA NÃO APLICAÇÃO DO ART. 37, XVI, DA CRFB, EM SUA TOTALIDADE, POR NÃO SER O MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR DETENTOR DE CARGO PÚBLICO, CASO SE SIGA A TESE DA UNIDADE TÉCNICA

 

Toda a celeuma reside, diretamente, na natureza da ocupação do membro do Conselho Tutelar. Note-se, nesse lume, que a unidade técnica, no relatório DMU 2.496/2010, teceu a seguinte assertiva:

 

Frise-se que o membro de Conselho Tutelar exerce função e não cargo público. Ademais, não se enquadra nas exceções previstas no artigo 37, inciso XVI, alíneas “a” e “b” [...].

 

Nessa senda, a Unidade Técnica pautou-se na afirmativa de que, por não exercer cargo público, o membro do Conselho Tutelar não se enquadraria nas exceções do art. 37, XVI, da CRFB:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

[...]

 

XVI – é vedada a acumulação de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horário, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

 

a)    a de dois cargos de professor;

 

b)    a de um cargo de professor com outro de técnico ou científico;

 

Ora, tal enquadramento foi realizado sem a mínima propriedade, pois a tese de que o membro do Conselho Tutelar não exerce cargo, e sim função pública, foi realizado apenas para não conferir a exceção à vedação de acumulação de cargos públicos, entretanto, tal assertiva foi ignorada quando da cega aplicação do inciso XVI do artigo em tela:

 

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

 

Em outras palavras, enquadrou-se o membro do Conselho Tutelar como detentor de cargo público no inciso XVI, mas se retirou essa qualidade nas exceções do mesmo inciso. Ou seja, em não sendo considerado cargo público o de membro do Conselho Tutelar, o que de fato não é, não se poderia admitir o enquadramento na proibição da acumulação de cargos públicos, por decorrência lógica da interpretação adotada pela Unidade Técnica.

 

Ainda nessa senda, corrobora-se o entendimento de que o membro do Conselho Tutelar exerce função e não cargo público:

 

APELAÇÃO CÍVEL. MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR. FUNÇÃO PÚBLICA E NÃO CARGO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE INCORPORAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO AOS VENCIMENTOSS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Os membros de Conselho Tutelar exercem função pública e não cargo público. Por essa razão, a gratificação percebida quando do exercício de tal função cessa no momento em que finda a atividade que lhe deu causa, o que impossibilita, portanto, a incorporação de referida gratificação aos vencimentos dos ditos Conselheiros (TJSC, Apelação Cível n. 2006.020041-9, de Blumenau, rel. Des. Ricardo Roesler, j. 16-09-2008).

 

Hely Lopes Meirelles traça a distição:

 

Todo o cargo tem função, mas pode haver função sem cargo. As funções do cargo são definitivas; as funções autônomas são, por índole, provisórias, dada a transitoriedade do serviço a que visam atender. Daí porque as funções permanentes da Administração devem ser desempenhadas pelos titulares de cargos, e, as transitórias, por servidores designados, admitidos ou contratados precariamente (Direito administrativo Brasileiro, p. 381).

 

Por conseguinte, a presente restrição carece de fundamentos para prosseguir, dado o reconhecimento, por essa própria Corte, do não enquadramento do membro do Conselho Tutelar como cargo público, motivo pelo qual nãoque se falar em acumulação de cargos e, portanto, na referida restrição. Ainda, é importante tecer outra observação, agora tocante ao final do disposto no inciso XVI do art. 37:

 

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

 

XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

 

Ora, ainda quanto a este dispositivo constitucional, verifica-se a preocupação em não se atingir o teto constitucional dos subsídios públicos. Somente a fins informativos, conforme se extrai do art. 23 da Lei 809/2006, são estas as remunerações pagas aos Membros do Conselho Tutelar:

 

Art. 23. Os Membros do Conselho Tutelar, no exercício de seus mandatos, receberão, a título de remuneração:

 

I – o valor de R$ 700,00 (setecentos reais), sem direito a 13º salário (décimo terceiro) e férias, para o Presidente do Conselho Tutelar;

 

II – o valor de R$ 200,00 (duzentos reais), sem direito a 13º salário (décimo terceiro) e férias, para os demais membros titulares do Conselho Tutelar.

 

Desse modo, verifica-se que, antes de qualquer intuito pomposo de se obter vantagem pessoal e “acumulação” de funções, prepondera o caráter honroso e quase filantrópico da ocupação de tal função, um verdadeiro múnus público. Tal valor, com certeza, não despertaria o interesse de qualquer esquema de favorecimento. Ainda, apenas para conclusão, tal valor nunca propiciaria o alcance do teto constitucional.

 

II.2.2 – DA RESPONSABILIDADE DA SENHORA POTRICH, CASO SE RECONHEÇA O ILÍCITO

 

Caso se reconheça a existência do apontado ilícito no presente caso, em que pese as fortes teses trazidas à baila, corrobora-se aqui que, em hipótese alguma, poderia o Sr. Adélio ser responsabilizado por tal infração administrativa, mas sim, em última análise, a Sra. Potrich.

 

Nessa esteira, consoante o Relatório de Instrução do presente processo, a suposta irregularidade apontada teria decorrido da acumulação ilícita pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, servidora pública municipal, do cargo de Professora com a função de Conselheira Municipal, sendo ambos remunerados.

 

Portanto, não foi a nomeação da Senhora Ivanete Medianeira Potrich que acarretou a irregularidade apontada, mas sim a ausência de pedido de afastamento da servidora, ou de opção pela remuneração do cargo de Professora, ou da função de Conselheira Tutelar, todos atos praticáveis somente pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, e não pelo Prefeito Municipal, ora indiciado.

 

Mas poderia surgir a seguinte afirmação: ora, conhecendo o Prefeito Municipal tal irregularidade, teria que tomar as providências cabíveis? Não nobres e distintos Conselheiros. Isso não pode ser assim analisado. E por vários motivos: primeiro, porque não é obrigação do Prefeito conhecer todos os servidores públicos municipais; saber quais são seus cargos; carga horária; se estão afastados ou não; segundo, porque, muito embora conhecendo o servidor, ao Prefeito não é dado saber se aquele fez ou não opção de remuneração de um cargo ou de outro. Exigir isso do Prefeito seria uma excessiva imposição de “onisciência divina”, totalmente apartada da realidade.

 

Neste sentido, em caso de atribuição de responsabilidade ao Prefeito Municipal, admitindo que nãocomo se responsabilizar o detentor de mandato eletivo, salvo se por sua ação direta, segue a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

 

Termo circunstanciado n. 2005.007210-9, de Xaxim.

 

Relator: Des. Maurílio Moreira Leite.

 

Termo Circunstanciado. Denúncia oferecida contra Prefeito Municipal, Secretário Municipal de Obras e terceiro, atribuindo a prática de crime definido no art. 38 da Lei nº 9.605/98. Realização de terraplenagem em área de preservação permanente. Empréstimo de máquina (trator) de propriedade da Prefeitura Municipal, autorizado pelo Secretário Municipal de Obras, sem o conhecimento do Prefeito Municipal. Denúncia não recebida.

 

Nãocomo responsabilizar o Prefeito Municipal por conduta praticada por seu auxiliar no exercício de sua função específica. No caso, por ser a máquina utilizada na prática delituosa, pertencente à Prefeitura Municipal.

 

(...)

 

Por evidente, a responsabilidade do Prefeito Municipal está diretamente vinculada à prática de atos de sua competência, ou de seus subordinados, dês que, de forma expressa e inconteste, anuiu à prática tida por delituosa. Não é o caso dos autos, segundo a prova coletada.

 

(...)

 

Logo, nãocomo responsabilizar o Prefeito Municipal por conduta praticada por seu auxiliar no exercício de sua função especifica. No caso, por ser a máquina utilizada na prática delituosa pertencente à Prefeitura Municipal.

 

Portanto, a responsabilidade, caso seja considerado o ilícito administrativo, é exclusiva da senhora Ivanete Medianeira Potrich, e não do Prefeito Municipal.

 

II.2.3 – A INEGÁVEL BOA-FÉ DO PREFEITO MUNICIPAL ADÉLIO SPANHOLI

 

Ainda assim, caso não se entenda pela responsabilidade, embora a concretude de todo o acervo legal trazido ao caso, salutar é o presente tópico. Não se pode aceitar que o Prefeito Adélio Spanholi seja condenado a qualquer tipo de sanção, data sua inegável boa-fé na condução da gestão municipal.

 

O princípio da boa-fé tem respaldo constitucional em nosso ordenamento jurídico, constituindo-se em princípio implícito que decorre do próprio Estado de direito e do princípio da segurança jurídica. Acerca do princípio da boa-fé, parece oportuno tecer uma breve diferenciação entre boa-fé subjetiva e a objetiva.

 

A boa-fé subjetiva se refere à ignorância da pessoa acerca de um fato modificativo ou impeditivo de seu direito. Nestes casos, a parte acredita que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de determinada questão. Assim, há que se levar em conta a intenção do sujeito. Trata-se de um estado de espírito, estado de consciência, como o conhecimento ou desconhecimento de uma situação, fundamentalmente psicológica.

 

O princípio da boa-fé objetiva, por sua vez, impõe o dever de lealdade, transparência e veracidade nas relações jurídicas. Trata-se de um verdadeiro instrumento de controle das relações tanto públicas como privadas, traduzindo-se no interesse social da segurança das relações jurídicas, exigindo dos diversos atores sociais a ação pautada na lealdade e confiança recíproca. A boa-fé objetiva exige a valoração da conduta das partes que deve ser honesta, correta e leal. Trazendo o princípio da boa-fé objetiva para o ramo do Direito Administrativo, exige-se tanto da Administração Pública como dos cidadãos a atividade pautada pela honestidade e lealdade, parâmetros inafastáveis do conceito de segurança jurídica.

 

No presente caso, o Prefeito Adélio jamais conduziu a gestão municipal de forma irresponsável. Todos sabem que os Prefeitos Municipais, na sua grande maioria, não possuem formação jurídica ou contábil, como é o caso, razão pela qual delegam funções a seus mais variados órgãos, como no caso, ao Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. Nesses termos, conforme dita a Lei Municipal 809/2006, não cabia ao Prefeito Municipal, agente político municipal, responsável pela gestão política e administrativa do ente federativo, a fiscalização ou condução do processo de escolha do Membro do Conselho Tutelar, configurando sua responsabilidade claramente equivocada.

 

Verifica-se que o agente político municipal, neste caso, agiu com absoluta boa-fé objetiva e subjetiva. O então gestor municipal confiava que tudo estava sendo feito dentro da legalidade e da transparência.

 

Constata-se, nesse prisma, que as atividades administrativas impugnadas eram de total responsabilidade dos subordinados do investigado. Não cumpria ao Prefeito Municipal averiguar, por exemplo, se o Conselheiro “X” procedeu à correta condução do processo eletivo do Membro do Conselho Tutelar. Para tanto, há o departamento competente incumbido de velar pela legalidade e regularidade dos atos administrativos. O Prefeito, como é sabido, trata dos temas de ordem política, que é um agente político.

 

Por isso, para a responsabilização do investigado, por eventuais danos causados ao ente municipal, é imprescindível que seja feito exame da culpa ou dolo do agente politico. É o que defende o Ministro Benjamin Zymler do Tribunal de Contas da União – TCU:

 

Observa-se, a esse respeito, que não se cogita, em tese, da possibilidade de responsabilização objetiva de tais agentes. Os aplicadores do direito convergem para o entendimento de quenecessidade de que seja configurada a culpa do agente público para que se possa puni-lo. Nem por isso há de se concluir que a avaliação da gestão pública é isenta de dificuldades.

 

Na verdade, a avaliação da conduta do gestor, sob a perspectiva da responsabilidade subjetiva, exige do julgador extrema cautela. Exatamente porque pressupõe avaliação pormenorizada dos contornos fáticos e normativos concernentes aos atos examinados. As dificuldades concretas consistem justamente na identificação de peculiaridades que circundam tais atos.

 

Aponta-se, a propósito, a sensível evolução do TCU em direção ao aprimoramento da atividade de deliberar sobre a regularidade ou não da gestão pública. Pode-se dizer que se encontra sedimentada, no âmbito do Tribunal, a percepção de que a mera identificação de irregularidade não é requisito suficiente para a openação do responsável.

 

Há várias etapas a serem superadas para que se possa concluir pela necessidade de apenação do gestor. Esquadrinho, em seguida, tal rotina de investigação da conduta dos agentes públicos, quais sejam: existência da irregularidade, autoria do ato examinado, culpa do agente e grau de culpa do agente (Direito Administrativo e Controle, Editora Fórum, 2ª tiragem, p. 338-339).

 

Para a responsabilidade do agente público não é suficiente a existência de irregularidade e a autoria do ato examinado. É imprescindível a presença concomitante de outro elemento: a culpa do agente. Nestes termos, registra Benjamin Zymler:

 

Verificada a ocorrência de ilicitude e também que determinado agente foi responsável pelo seu cometimento, impõe-se, ainda, indagar-se se o agente operou com culpa. Não é possível, como registrei anteriormente, a apenação de responsável sem que tenha sido demonstrada a culpa em senso estrito ou o dolo.

 

Frequentemente, o agente depara-se com situações em que é chamado a extrair de norma de difícil interpretação uma consequência jurídica. Pode ocorrer, por exemplo, que conclua pela necessidade de pagamento de gratificação a certos servidores, a partir de razoável interpretação do preceito legal. Tal interpretação, porém, pode também revelar-se, posteriormente, inadequada. Não se poderia, nessa hipótese, ainda que daí resultasse dano ao Erário, cogitar de apenação do responsável.

 

Pode ainda o gestor, em mais de um exemplo, vivenciar excepcional desorganização administrativa plenamente comprovada (por hipótese, repentina exoneração a pedido de grande parte dos servidores nela lotados). E, nesse ambiente, cometer irregularidade grave que justificasse ordinariamente a apenação pelo TCU. É, possível, nessa circunstância, dependendo da natureza da ocorrência e a despeito da ilicitude verificada, deixar de apenar o gestor responsável pela prática do respectivo ato (in ob. cit., p. 341-342).

 

Sobre o tema, a distinta Auditoria Fiscal de Controle Externo, Ana Sophia Besen Hillesheim, se pronunciou, com total propriedade, a tese ora sustentada:

 

Nesse contexto, a identificação do responsável pelo ato inquinado perpassa pelo exame de alguns elementos, dentre os quais se destaca o nexo de causalidade entre a ação (prática do ato irregular) e o resultado (dano) e a culpabilidade.

 

(...) A mera identificação de irregularidade não é requisito suficiente para a apenação do responsável. Há várias etapas a serem superadas para que se possa concluir pela necessidade de apenação do gestor. Nesse contexto, a rotina de investigação da conduta dos agentes públicos deve seguir as seguintes etapas, quais sejam: existência da irregularidade (materialidade), autoria do ato examinado, culpa do agente e grau de culpa do agente.

 

Assim, há de se perquirir se restou configurada a violação a normas legais e regulamentares ou a cláusulas de termos do convênio ou de outros instrumentos do gênero, ocasião em que o julgador é chamado a avaliar a compatibilidade de determinado ato com as normas jurídicas que o regulam.

 

(...)

 

Superada a etapa anterior (verificação da existência da irregularidade), passa-se ao exame da autoria do ato, quando então avalia-se se o agente efetivamente praticou o ato impugnado (ato comissivo). Ou, ainda, se deixou de agir, quando estava obrigado a fazê-lo (conduta omissiva).

 

(...) A responsabilização pelas falhas e impropriedades contábeis no nosocômio não deve ser atribuída ao ora Recorrente, vez que, na qualidade de administrador da unidade, não praticou ou ingeriu para a sua ocorrência e, desta forma, não violou os dispositivos legais indicados no aresto recorrido.

 

Conforme exposto anteriormente, os fatos apurados e que fundamentaram a aplicação da multa sob exame foram detectadas no setor de Tesouraria do Hospital Regional de São José e dizem respeito a impropriedades e falhas na escrituração contábil do hospital.

 

Ora, nãocomo se responsabilizar o gestor por falhas e impropriedades na escrituração contábil do nosocômio mormente quando se observa que havia uma pessoa diretamente encarregada e responsável pela Tesouraria e pela escrituração contábil do hospital.

 

O investigado sempre confiou nos Conselheiros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, os quais são os responsáveis pela fiscalização do procedimento eletivo dos Membros do CMDCA (art. 7º, § 2º, Lei Municipal 809/06). Havia, nessa feita, no quadro municipal, profissionais responsáveis pelo ato questionado.

 

Nessa linha, o Tribunal de Contas da União – TCU firmou entendimento de que falhas operacionais, por exemplo, não poderiam ser atribuídas automaticamente à esfera de competência do ordenador primário (Acórdão n. 177/1998). E aqui estamos diante de falhas operacionais (não verificação de eventual incompatibilidade da Vereadora Potrich para ocupara a função).

 

Noutros julgados sobre fiscalização de convênios, foram proferidas decisões afastando a responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, mesmo na condição de signatário e celebrante do instrumento. Isso porque se constatou que as irregularidades se deram na esfera da execução, a qual estava a cargo de outros agentes (TCU – Acórdão n. 177/1998 – 1ª Câmara; Decisão n. 369/1993 – 2ª Câmara; Decisão n. 552/1992 – Plenário).

 

É exatamente o caso dos autos. As supostas irregularidades estavam na esfera da execução de outros agentes públicos, com responsabilidade expressa para bem acompanhar tal ato eletivo. Sobre esse tema, o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior produziu excelente lição, a qual se aplica, na sua integralidade, ao presente caso:

 

Foi também seguindo essa linha que, analisando as condições concreta dos autos, chegou-se à conclusão de que o ex-Prefeito Municipal de Laguna não deveria ser responsabilizado pelas irregularidades descritas nos autos: a) ausência de controle na distribuição de uniformes e tênis aos alunos da rede municipal de ensino; b) ausência de planilha capaz de identificar a distribuição da merenda escolar; c) ausência pareceres do conselho de merenda escolar.

 

Entendo que o controle em questão não se encontrava na esfera imediata das competências do Prefeito Municipal, cabendo, na verdade, a níveis de comando intermediário, vale dizer, ao Secretário da pasta respectiva. A meu ver, essa era a autoridade mais próxima da realidade dos fatos e de que era mais razoável exigir o exercício de funções daquela natureza.

 

(...)

 

Como se , a Lei Municipal de Laguna atribui as funções de coordenar e supervisionar aos Secretários Municipais, que se encontram em um nível intermediário da organização administrativa municipal, de caráter eminentemente gerencial; estes, por sua vez, devem fazê-lo com base em diretrizes lançadas pelo Prefeito, que é quem possui a função de dirigir a administração, em nível institucional. Essa estrutura evidência a incidência do princípio da descentralização administrativa, que atualmente é uma tendência irreversível no campo organizacional, incluindo o público. (...)

 

Sendo assim, no momento de responsabilizar os agentes políticos, o Tribunal de Contas não pode ignorar que, na prática, as administrações públicas adotam procedimentos descentralizados para viabilizar a execução das atividades, sendo que nem todas elas estão ao alcance do dirigente e ordenador primário da despesa, o Prefeito.

 

A responsabilização de agentes públicos diversos do ordenador primário implica, ademais, no fortalecimento da cadeia burocrática e no comprometimento de todos os agentes públicos para o estrito cumprimento da lei e de suas competências funcionais, independentemente do nível hierárquico em que se encontrem.

 

Vale nota que, em muitas situações, o Tribunal de Contas tem como praxe apontar a responsabilidade de forma automática ao ordenador primário, tão-somente pelo fato de assumir tal condição. Penso que ao agir desta forma, o Tribunal acaba partindo de uma presunção equivocada de que o Chefe do Executivo é onipresente em todos os níveis da administração, e ainda, onisciente de todos os fatos ocorridos, inclusive os irregulares que venham a ser praticados por seus subordinados. Agindo assim, destaco ainda que a Corte de Contas, ao invés de zelar pela eficiência, termina contribuindo justamente para o inverso – para a ineficiência, indo de encontro, portanto, à sua competência constitucional (REC 09/00526092, Prefeitura Municipal de Laguna).

 

Jamais se poderá aceitar a responsabilidade do indiciado neste processo administrativo. Senão teremos que responsabilizar todos os agentes públicos que por ação ou omissão, no curso de procedimentos administrativo ou judicial, independente de culpa ou dolo, tenham dado causa à ocorrência de danos materiais ou imateriais ao erário. Nesta linha, destaca Marçal Justen Filho que inexiste a responsabilidade administrativa sem culpa:

 

Ainda quando se tratar de conduta imputável a pessoa jurídica, a imposição da penalidade pressupõe a verificação de elementos subjetivos. Não se admite a configuração da responsabilização administrativa sem culpa, a não ser em situações especiais, extremamente limitadas.

 

A culpabilidade é princípio fundamental do direito penal e do direito civil. Não se passa diversamente do direito administrativo.

 

O Estado Democrático de Direito exclui o sancionamento punitivo dissociado da comprovação da culpabilidade. Não se pode admitir a punição apenas em virtude da concretização de uma ocorrência danos material. Pune-se porque alguém agiu mal, de modo reprovável, em termos anti-sociais. A comprovação do elemento subjetivo é indispensável para a imposição de penalidade, ainda quando se possa pretender uma objetivação da culpabilidade em determinados casos. (...)

 

Portanto, não basta a mera verificação da ocorrência objetiva de um evento danoso. É imperioso avaliar a dimensão subjetiva da conduta do agente, subordinando a sanção não apenas à existência de elemento reprovável, mas também fixando a punição em dimensão compatível (proporcional) à gravidade da ocorrência (Curso de Direito Administrativo, Saraiva, 2005, p. 400-401, destacou-se).

 

Pensar diferente é admitir a responsabilidade objetiva do agente público pela prática de atos administrativos. É dispensar a culpa ou o dolo, o que é uma exigência da Constituição Federal (art. 37, § 6º). E isto é totalmente inaceitável. O mero vínculo objetivo entre a conduta do agente e o resultado ilícito não é passível de configurar a responsabilização pessoal. Isto é ponto pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência. O agente público somente responde por danos causados à Administração Municipal quando agir com dolo ou culpa.

 

No caso destes autos, o recorrente não praticou nenhum ato com culpa ou dolo. Ele simplesmente cumpriu a Lei Estadual Catarinense. Para afastar a responsabilidade do recorrente, valiosa é a lição do Promotor de Justiça Eduardo Sens dos Santos:

 

... não é justo imputar a ocorrência de infração administrativa a quem toma todos os cuidados no desenvolvimento de sua atividade, pautando sua conduta pelos ditames da prudência e do bom senso. Evidenciada a conduta reta, nãocomo impor sanção pela ocorrência de fato que teria acontecido de qualquer modo (Tipicidade, Antijuridicidade e Culpabilidade nas infrações administrativas, Revista de Direito Constitucional e Internacional, RT, n. 51, p. 248).

 

Não se está, por certo, negando que os Agentes Políticos não respondam pelos atos praticados pelos agentes públicos a eles subordinados. Está-se defendendo sim, e isso parece justo e adequado, que tal responsabilização não parta de presunções. Deve haver prova de que o recorrente detinha conhecimento. Expresso e inconteste, e tenha anuído com a prática delituosa, para que daí haja a responsabilidade civil, administrativa e criminal, sobretudo.

 

Neste país, é fundamental que seja feita uma cruzada em defesa da moralidade e da ética, todavia, isso não poderá justificar a condenação de ninguém com fundamento em meras ilações e deduções. Aqui é oportuna a lição retirada do acórdão da Apelação cível n. 97.006682-1, de Joinville, relatada pelo Des. Francisco Oliveira Filho:

Percebe-se, então, que o Ministério Público fundamenta sua irresignação em meros indícios que, no dizer de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, “pode servir de ponto de partida para uma pesquisa, justificar a inquirição de determinada pessoa, porém nunca poderá ser fundamento para uma condenação (A Prova por Indícios no Processo Penal).

Por isso, à luz do princípio da boa-fé, é inegável que o Prefeito Adélio Spanholi deve ser exonerado de qualquer responsabilidade pelos fatos que lhe são imputados indevidamente.

 

[...].

 

 

A Sra. Ivanete Medianeira Potrich, em relação ao apontamento de irregularidade, enviou esclarecimentos e justificativas defensivas (fls. 1.225-1238), mediante procuradora constituída (fl. 1.239), sustentando:

[...]

 

2. DA VERDADE DOS FATOS:

 

Da atividade como Professora:

 

A requerida é professora concursada no município de Piratuba e conforme Portaria nº 125/2004 foi admitida como "professora de português" no ensino fundamental - séries finais, carga horária de 20 horas. A longo tempo está designada a trabalhar junto ao EJA (ensino de jovens e adultos) na Escola Municipal Amélia Poletto Hepp com carga horária de 20 horas semanais.

 

Conforme é sabido, a atividade de um professor com carga de 20 horas é de 16 horas em sala de aula e mais 04 de atividades de planejamento, assim distribuídas entre os 05 dias da semana, ou de atividades extraclasse, como dias de homenagens cívicas ou cursos desenvolvidos pela própria secretaria de educação.

 

Que o trabalho sempre foi desempenhado com eficiência e pontualidade, tendo ocorrido no horário das 19:00 as 22:15 ou em horários previamente designados em livro ponto.

 

Que nunca as atividades de vereança prejudicaram a atividade do magistério. Mesmo que nas terças feiras a requerente tenha a sessão legislativa com início às 18 horas, esta jamais se estendeu a passar das 19:00 horas. Assim no momento que a atividade legislativa termina, a professora vai diretamente para a escola. Sem interferência ou "conflito" de horários.

 

Portanto, não há o que se questionar quanto à opção de remuneração, eis que há compatibilidade de horários para desempenho das atividades.

 

Da atividade como Vereadora:

 

Que realmente a requerida foi eleita no pleito de 2004 com mandato de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2008. E que foi reeleita para o período de 01 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012. Que somente foi presidente do Legislativo no ano de 2009, quando estava no segundo mandato e quando não possuía nenhuma vinculação com o Conselho Tutelar. Portanto no período em que exerce a vereança em nenhum momento houve incompatibilidade de horários com outras atividades.

 

Da atividade como Conselheira Tutelar:

Que assumiu o trabalho de conselheira em julho de 2006, por convite do Sr. Prefeito Municipal sendo que mais tarde foi eleita para tal função. Que antes de iniciar a função estiveram a requerida e o Prefeito Municipal buscando informação sobre a situação, onde na Promotoria da Comarca de Capinzal e pela assessoria jurídica municipal da época foram informados que a acumulação de cargos não geraria transtornos a nenhum dos envolvidos eis que em uma das atividades era eleita (Vereadora), noutra era concursada (Professora) e noutra foi convidada e posteriormente também eleita.

 

Que o trabalho era desenvolvido no período durante o dia, onde a requerida não possuía atividades nem de vereança, nem de professora.

 

Assim, resta por evidente a constatação de que não houve má , eis que havia compatibilidade de horários e disposição para o trabalho.

 

As atividades perduraram até o mês de abril de 2008.

 

3. DO DIREITO:

 

O direito brasileiro prevê na CF/88 e em legislação pertinente que é vedada a acumulação de cargos salvo em casos específicos.

 

No caso como aqui se apresenta resta configurado que não houve má-fé no desempenho das funções, onde consequentemente nessas situações jurídicas inexiste o ato de improbidade administrativa, tendo em vista que não há a caracterização do dolo ou da má-fé do agente público, sendo que o seu opinativo posicionamento pode ser revisto pelo grau hierárquico superior, sem que necessariamente signifique que houve um ato de devassidão.

 

A inércia de posicionamento administrativo prima facie, não é supedâneo para o embasamento de uma futura ação de improbidade administrativa, tendo em vista, dentre outros vários fundamentos, que ainda não houve a conduta lesiva.

 

Deve ser ilícita a conduta do agente público (uma conduta de má-fé), com a pura intenção de causar lesão ao erário, com a obtenção de alguma vantagem.

 

Este nexo-causal, consistente na conduta ilícita do agente público, que tem como objetivo causar prejuízo ou tentar causar dano ao erário deverá estar inequivocamente caracterizado para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, após o esgotamento da esfera administrativa.

 

Em sentido idêntico, a doutrina é categórica, quando afirma: "Para a configuração do ilícito é necessária a presença de dolo, traduzido na consciência da ilicitude da concessão do benefício."

 

A interpretação da conduta do agente público perante a Lei de Improbidade Administrativa há de ser sistemática, tendo em vista que a lei não visa punir qualquer conduta ilegal, ou melhor, dizendo: "Não intenta punir quem, agindo legalmente, por culpa, causa prejuízo ao patrimônio público. Apenas a perda patrimonial decorrente de ilicitude" é que poderá dar azo ao enquadramento na Lei n° 8.429/92.

 

Assim, para que possa haver a subsunção direta na descrição típica de um ilícito administrativo, não basta a simples causalidade material: exige-se ainda um liame subjetivo que estabeleça a conexão entre a conduta diretamente típica e a participação do agente público. Sendo que a sua participação deverá ser precedida de dolo e de má-fé, capaz de comprometer a dignidade da função pública.

 

A boa-fé retira o ato de improbidade administrativa, tendo em vista que: "A lei alcança o administrador desonesto, mas não o inábil”.

 

Partindo dessa premissa, a negligência no atendimento da lei, não pode ser lida desatrelada, pois senão qualquer ato equivocado, sem que seja construído com dolo ou má-fé seria confundido com ato devasso, praticado exatamente com esses elementos.

 

Não foi em vão que Aristides Junqueira Alvarenga, responsável pela condução do Ministério Público Federal durante vários anos, estabelece que "a desonestidade implica conduta dolosa, não se coaduna, pois, com o conceito de improbidade a conduta meramente culposa".

 

Entendemos tal qual Fábio Medina Osório, entre outros ilustres administrativistas, que nas relações disciplinares ( incluída a improbidade administrativa), se aplicam, dentre outros, os princípios da legalidade, tipicidade, culpabilidade e razoabilidade. O que equivale dizer que é obrigatória a demonstração do nexo causal entre o ato tido como ímprobo e a devida subsunção na Lei n° 8.429/92.

 

A descrição da infração administrativa não é uma faculdade discricionária da Administração Pública, se não uma atividade jurídica de aplicação das normas, que exige como pressuposto objetivo o enquadramento do ato tido como ilegal na esfera como infração em tipo predeterminado legalmente, rechaçando-se critérios de interpretação extensiva ou analógica.

 

O Estado de Direito que vivemos exige que o princípio da legalidade vigore nessa relação jurídica, onde a previsão de infrações e sanções esteja devidamente estipulada na lei, sendo que a tipicidade requer algo mais, que é a precisa definição da conduta em texto legal com a consequente penalidade.

 

Isto é o mínimo que se espera para garantir o principio da segurança jurídica, consistente na exigência de uma lex previa e de uma lex certa também na esfera administrativa disciplinar. O direito administrativo moderno virou a página das arbitrariedades que foram verificadas em um passado recente, eis que o império da lei atual exige o mínimo de respeito a todos os cidadãos, que devem ser tratados dignamente, e somente sofrerem investigações ou serem acionados pelo Estado após a devida tipificação da conduta em um texto legal, mesmo que em tese e em um juízo preliminar, é defeso que haja a invasão de privacidade alheia sem um justo motivo ou uma justa causa.

 

Como a instância administrativa é a competente para aferir se houve má-fé com o substrato de intenção dolosa, em que a fraude e a falcatrua são determinantes para a obtenção de um resultado ilícito contra o texto legal, o autor da ação de improbidade administrativa é obrigado a aguardar a conclusão da esfera competente, para após fazer um juízo de valor objetivo, a fim de extrair se há fato punível, em tese, decorrente de ato ilícito do agente público.

 

Oportuno, sobre o que foi dito, é o esclarecimento de Pontes de Miranda: "Quem erra faz que não estava para fazer, ou se deixa de fazer o que se havia de fazer, sem que desça, em qualquer das espécies, a verificar se ter havido ato consciente, ou omissão consciente, ou a posteriori, má-fé, ou outro elemento de intenção. Para que se vá é preciso que se objetive a expressão 'erro': erro econômico, erro político, erro jurídico, erro religioso, erro moral, erro artístico, erro científico. Então, ocorre dentro de um desses ramos algo de incorreto, a que quase sempre corresponde dever ou obrigação. Por isso, em vez de aludir a erro, alude-se, no direito, ao dolo, à má-fé”.

 

No direito sancionatório não se admite o mero erro ou equívoco do agente público cometido de boa-fé como elemento subjetivo para a punição, tendo em conta que a lei de improbidade administrativa estabelece a necessidade do dolo ou da má-fé como elementos de procedibilidade da competente ação.

 

Como dito, a segurança jurídica retira a tipicidade da conduta do agente público se não ficar inequivocamente demonstrado que houve uma concessão ilícita de vantagens antecedida de má-fé do agente. Sem essa inequívoca demonstração do nexo-causal entre a concessão indevida de vantagem e a má-fé do agente público, a propositura da ação de improbidade administrativa é temerária, devendo a lide ser rejeitada liminarmente, com esteio no art. 17, § 8°, da Lei n° 8.429/92.

 

Ainda, resta por evidente corroborar que pelas questões fáticas apresentadas a má-fé nunca esteve presente, e mesmo que se assim não fosse considerado temos que considerar a compatibilidade prevista e possível entre os horários de trabalho.

 

Que em no mínimo entre as funções de vereança e do magistério ocorre a compatibilidade, eis que em horários distintos, mesmo que próximos por vezes.

 

Quanto às questões processuais é cediço, que a legislação é norteada pelo princípio dispositivo, segundo o qual o julgador, mantendo-se equidistante, aguarda a iniciativa das partes no que se refere à afirmação dos fatos constitutivos de seu direito e a respectiva produção de provas. Vale dizer, o julgador depende das partes no que concerne à afirmação e à prova dos fatos em que os mesmos se fundam.

 

Nestes casos, aplica-se o princípio da verdade formal, corolário do princípio dispositivo, de tal sorte que a decisão vai refletir aquilo que as partes trouxeram para o processo sem que o próprio julgador tenha tido a oportunidade de verificar outros fatos que eventualmente poderiam elucidar-lhe melhor os pontos controvertidos.

 

É inegável, porém, que a absoluta liberdade do julgador não se mostra conveniente para o processo, eis que a atividade judicante é diversa da atividade postulante e com esta não se confunde.

 

Logo, afirma-se categoricamente que a verdade formal pode ser aplicada se subsidiariamente à verdade real, assim como o julgador teria iniciativa subsidiária nesta busca, após esgotadas as possibilidades das partes.

 

Considerando os atos processuais tendentes ao caso, vejamos a jurisprudência:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Exigência de prévia notificação, oportunidade a manifestação preliminar do réu, como condição para o recebimento da inicial. Citação que se opera posteriormente, ao efeito de contestação. Hipótese em que, embora inobservado o rigorismo de forma, não caracteriza prejuízo. Citação inicial, sobrevindo manifestação do réu, sob a forma de contestação, com a oportunidade para juntar documentos e apresentar justificativas. Recebimento posterior da inicial, procedendo-se a efetiva citação para contestar. Prestigiamento dos atos processuais, em nome da efetividade do processo, na ausência de efetivo prejuízo. Validade do ato que atingiu a sua finalidade, por outra forma (CPC, art. 244). Agravo desprovido. (TJRS - AGI 70003253937 – 3ª C.Cív. - Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos – J. 07.02.2002).

 

Assim, resta por evidente que o caso merece o amparo, mas que tem de ressaltar a presença constante da boa , que por si haveria de afastar a ilicitude do caso.

 

Outra questão crucial, e que deve restar bem pesada e debatida, é o dever do julgador (em processos administrativos ou judiciais) de buscar sempre a decisão mais adequada e razoável, não podendo simplesmente, a pretexto de decidir um caso conforme a lei afastar-se do conjunto harmonioso traçado pelo ordenamento jurídico. Mais do que estar preocupado com o cumprimento da lei, o julgador deve estar preocupado com a consecução da Justiça, que não raras vezes está, inclusive, no afastamento da estrita legalidade.

 

O presente caso reclama uma análise por outros parâmetros que não somente aqueles meramente técnico-jurídicos. Aqui os estreitos horizontes da argumentação meramente jurídica devem ser alargados pela argumentação prática da equidade, da justiça material e da boa-fé do indiciado. Muito embora hoje a hermenêutica jurídica permita, de forma consolidada, ao julgador estender seu olhar além do mero tecnicismo legalista, a busca do julgamento por argumentos de justiça e equidade deve ser sempre fomentado e aclamado pela comunidade jurídica.

 

Isso é o que se pretende, certamente, encontrar nos julgadores imbuídos dos valores que informam a mais adequada e legitima prestação jurisdicional, a sensibilidade de analisar o presente caso em toda a sua complexidade, com todos os argumentos de Direito, de justiça e de equidade, para que a decisão seja racionalmente justificável e pautada pelos parâmetros da razoabilidade.

 

Não se pode olvidar que a decisão judicial não deve, de forma alguma, desconsiderar a realidade fática sob a qual está inserida, nem pode hostilizar as situações consolidadas. As prescrições jurídicas insertas nas disposições legais servem para refutar os casos dentro da normalidade, mas não podem ser usadas a fero e fogo quando de situações excepcionais. Nesses casos, são as bitolas elásticas e abertas dos princípios que devem nortear o julgador na sua busca pela decisão justa, a única legitimada pelo Estado democrático de direito.

 

Note-se que o estrito legalismo deve ser, necessariamente, temperado peias judiciosas balizas da segurança jurídica, da boa-fé, da razoabilidade e da proporcionalidade, deslocando a figura do julgador daquele mero tecnicismo de subsunção, para uma postura de incessante consecução da decisão justa e adequada. E esta somente ressai da aplicação do ordenamento jurídico de forma aberta e sistemática.

 

Em tudo oportuno, pois, o magistério do jurista e magistrado Cândido Rangel Dinamarco, ao dizer que "as exigências legais hão de ser interpretadas por critérios presididos pela razoabilidade e não se pode perder de mente que a lei é feita com vistas a situações típicas que prevê, merecendo ser modelada, conforme o caso, segundo as peculiaridades de casos atípicos" (RJTJESP 102/27).

 

Na mesma esteira, ponderou com lapidar acerto o Des. Luiz Cezar Medeiros, valendo-se do voto do ilustre Des. Newton Trisotto:

 

A propósito, extrai-se do julgado da lavra do eminente Desembargador Newton Trisotto:

 

“Aos juízes, aplicadores da lei, é reservada a difícil missão de assegurar o equilíbrio entre o Direito e a Justiça, facilitada pelas lições hauridas da doutrina”. São os juristas os primeiros a interpretar as leis. A hermenêutica é uma ciência, da qual Carlos Maximiliano se tornou um dos mais renomados analistas. Na sua Hermenêutica e aplicação do direito, destaca regras que devem ser observadas pelo intérprete. A primeira delas decorre de disposição legal: 'Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum' (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 50). Nos fins sociais da lei também está compreendido o bem comum, que se sobrepõe ao privado. (TJSC. AC n. 2005.002716-6, de São José do Cedro. Rel. Des. Luiz Cezar Medeiros. Julgada em 20 03.2007) (grifou-se).

 

Corroborando esse entendimento, seguem as ponderações do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: "A melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o rigorismo da exegese dos textos legais pode levar a injustiças" (RSTJ 4/1.555). Em outra oportunidade, assim asseverou o eminente ministro:

 

O Direito é uma coisa essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta que o Direito é destinado a um fim social, de que deve o juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras, mas tendo em conta não as necessidades sociais que elas visam a disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da equidade, que constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil.

 

Indo além dos contrafortes dos métodos tradicionais, a hermenêutica dos nossos dias tem buscado novos horizontes, nos quais se descortinam a atualização da lei (Couture) e a interpretação teleológica, que penetra o domínio da valorização, para descobrir os valores que a norma se destina a servir, através de operações da lógica do razoável (Resaséns Siches).

 

Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra leqem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum.

 

Como afirmou Del Vecchio, a interpretação leva o Juiz quase a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se, para o juiz moderno, observou Orosimbo Nonato da mesma linha de raciocínio, com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase que a função do legislador de cada caso; e isso se reclama exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional. Ele contém (RSTJ 26/378).

 

Partindo das referidas balizas de interpretação e aplicação da lei e, sobretudo, do Direito, com vistas à inarredável consecução da Justiça, pretende-se encaminhar a defesa da requerida, de forma a garantir o afastamento de qualquer penalidade, sob pena de flagrante atentado contra os ideais de justiça e equidade acima desfraldados.

 

Quanto a acumulação de cargos, com efetivo desempenho e ausência do dever de ressarcimento ao erário cabe, primeiramente, discutir acerca da acumulação do cargo de Professora e da função de Conselheira Tutelar. A Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, prevê a possibilidade de acumulação de cargos, quando houver compatibilidade de horários, na forma que segue:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

(...)

 

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso Xl.

 

a) a de dois cargos de professor;

 

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou cientifico;

 

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

 

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias; fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas. Direta ou indiretamente, pelo poder público;

 

Como ressai do texto constitucional, fica vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, quando, nos casos previstos, forem incompatíveis em relação ao horário a serem desempenhados.

 

Como questão central ao presente caso, uma primeira assertiva que deve restar totalmente confirmada, refere-se à efetiva prestação dos serviços pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, tanto no cargo de Professora como nas funções de Conselheira Tutelar, no período compreendido entre o início de 2006 e 03.04.2008.

 

Os documentos carreados aos autos deixam fora de qualquer dúvida a efetiva prestação dos serviços e o regular e pleno desempenho das atividades pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, tanto como Professora quanto nas funções de Conselheira Tutelar.

 

Os livros-pontos não deixam dúvida de que as atividades de Professora foram desempenhadas regularmente. Da mesma forma, o funcionamento do Conselho Tutelar de Piratuba, sob o regime de plantão realizado por todos os conselheiros, na forma de escala de horários e plantões, sendo totalmente compatíveis os horários do cargo de Professora com as funções de Conselheira Tutelar, desempenhados pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich.

 

O Conselho Tutelar do Município de Piratuba compõe-se de 05 (cinco) membros, sendo que todos desempenham suas atribuições de Conselheiros Tutelares em regime de escala de plantão, o que vem regularmente funcionando há vários anos. A comunidade de Piratuba resta plena e regularmente amparada e assistida pelo seu Conselho Tutelar, tanto que não houve qualquer alegação em contrário, no sentido de que a Senhora Ivanete Medianeira Potrich teria, por qualquer meio ou em qualquer momento, negligenciado suas atribuições. Nada disso é sequer alegado. A alegação de irregularidade é meramente formal, sem qualquer desdobramento substancial. Nem de longe se questiona acerca do efetivo desempenho de suas funções como Conselheira Tutelar.

 

Portanto, ainda que não reconhecida a legalidade da alegada acumulação de cargo e função pela Senhora Ivanete Medianeira Potrich, não se pode olvidar o fato de ter, efetivamente, prestado trabalho na função de Conselheira Tutelar, cumprindo a carga horária estipulada, sem quaisquer prejuízos à função. O trabalho fora, inegavelmente, prestado, sendo que o ressarcimento do montante pago a Senhora Ivanete Medianeira Potrich, a título de remuneração pelo desempenho das funções de Conselheira Tutelar, entre 01.02.2006 e 03.04.2008, configuraria verdadeiro locupletamento ilícito pela Administração.

 

A Senhora Ivanete Medianeira Potrich prestou trabalho ao Poder Público e, mesmo que se venha reconhecer que fora prestado de forma irregular, a remuneração é devida, que a Administração Municipal não pode devolver à Conselheira seu trabalho. Se não reconhecido tal direito, estar-se-á proporcionando ao Poder Público meio de enriquecimento ilícito, uma vez que recebendo o trabalho não realiza a contraprestação devida, o pagamento da remuneração prevista em lei.

 

Neste sentido, é segura a jurisprudência do Egrégio TJSC, como se infere da decisão que segue colacionada:

 

APELAÇAO CIVEL - ACUMULAÇAO DE CARGOS PUBLICOS - EXEGESE DO ART. 37, XVI e XVII, DA CARTA MAGNA - DANO AO ERÁRIO INDEMONSTRADO - DECISÃO COMPOSITIVA DA LIDE REFORMADA - PLEITO RECURSAL PROVIDO EM PARTE.

 

Ex vi do art. 37, XVI e XVII, da Lex Mater é vedada a acumulação de cargos públicos, excetuadas as hipóteses taxativamente previstas pelo constituinte quando houver compatibilidade de horários, estendendo-se àquela aos empregos e funções e abrangendo autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público.

 

Indemonstrado o dano ao erário, não deve o Órgão Judicante determinar o ressarcimento dos vencimentos e demais vantagens percebidas pelo servidor, sob pena de a Administração Pública locupletar-se às custas daquele, visto que recebeu dele a prestação de trabalho sem lhe oferecer a devida remuneração, como contraprestação.

 

(...)

 

A presunção que se consubstancia nos autos, ao inverso, é de que o réu tenha exercido as funções dos dois cargos sem ocasionar prejuízo tanto ao DETER quanto à Câmara Municipal de Vereadores.

 

E a simples acumulação de cargos, sem a demonstração do efetivo prejuízo sofrido pelos entes públicos, não tem o condão de exigir o ressarcimento e demais vantagens recebidas pelo servidor, "até porque, nesta hipótese, a Administração Pública é que estaria se locupletando às custas do servidor, recebendo dele a prestação do trabalho sem lhe oferecer a devida remuneração, como contraprestação", como bem ponderou o representante do Ministério Público à fl. 266. (TJSC. Apelação cível n. 01.001569-8, de Lages. Relator Des. Francisco Oliveira Filho, decisão em 17.06.2002). (sem grifo no original)

 

No mesmo sentido, também do Egrégio TJSC:

 

RESTITUIÇÃO DE VALORES - ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS - PROFESSOR - EXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CUMPRIMENTO INTEGRAL DA JORNADA - AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – PRECEDENTES.

 

Essa Corte tem esposado o entendimento de que, muito embora tenha ocorrido acumulação ilegal de cargos se o serviço tiver sido efetivamente prestado, não ocorrendo choque de horários, não resta caracterizada a lesão ao erário e, por conseguinte, indevida a devolução dos valores percebidos. (TJSC. Mandado de Segurança n. 2004.029330-8, da Capital. Relator Des. Volnei Carlin, decisão em 17.10.2005) (grifou-se).

 

Comprovado que a Senhora Ivanete Medianeira Potrich desempenhou regularmente suas atividades de Conselheira Tutelar, sem qualquer prejuízo para suas atribuições, totalmente desarrazoada e ilegal seria o ressarcimento ao erário da remuneração recebida, que verdadeiramente devida como contraprestação ao serviço prestado, ainda que, assevere-se, remotamente seja considerada ilegal a acumulação ora em debate. Requer, desde , o afastamento de qualquer imputação de débito a indiciada, com o ressarcimento de valores ao erário, ante a total ausência de prejuízo ao serviço público.

 

Apenas a título de argumentação, em não sendo reconhecida a regularidade da atividade do indiciado, não se pode olvidar a sua inegável boa-fé. Nãoqualquer razão ou justificativa razoável, e isso nem foi em momento algum suscitado, para que seja posta em dúvida a total boa-fé do indiciado, o que retira completamente a possibilidade de qualquer aplicação de multa e, muito menos, imputação de débitos.

 

O princípio da boa-fé tem respaldo constitucional em nosso ordenamento jurídico, constituindo-se em princípio implícito que decorre do próprio Estado de direito e do princípio da segurança jurídica. Acerca do princípio da boa-fé, parece oportuno tecer uma breve diferenciação entre a boa-fé subjetiva e a objetiva.

 

A boa-fé subjetiva se refere à ignorância da pessoa acerca de um fato modificativo ou impeditivo de seu direito. Nestes casos, a parte acredita que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de determinada questão. Para elaum estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado. Assim, há que se levar em conta a intenção do sujeito. Trata-se de um estado de espírito, estado de consciência, como o conhecimento ou desconhecimento de uma situação, fundamentalmente psicológica.

 

O princípio da boa-fé objetiva, por sua vez, impõe o dever de lealdade, transparência e veracidade nas relações jurídicas. Trata-se de um verdadeiro instrumento de controle das relações tanto públicas como privadas, traduzindo-se no interesse social da segurança das relações jurídicas, exigindo dos diversos atores sociais a ação pautada na lealdade e confiança recíprocas.

 

A boa-fé objetiva exige a valoração da conduta das partes que deve ser honesta, correta e leal. Trazendo o princípio da boa-fé objetiva para o ramo do Direito Administrativo, exige-se tanto da Administração Pública como dos cidadãos a atividade pautada pela honestidade e lealdade, parâmetros inafastáveis do conceito de segurança jurídica.

 

A premissa da boa-fé se firma a partir da consideração desse princípio como um postulado das relações humanas e sociais. VICENTE RÁO, in "Ato jurídico", São Paulo: Editora RT, 1997, p.196, discorrendo sobre o princípio da boa-fé, concebe-o como: "Estado psicológico, julgado e medido segundo critérios ético-sociais e manifestado através de atos, atitudes, ou comportamentos reveladores de uma crença positiva errônea, ou de uma situação de ignorância, ou de ausência de intenção malévola, segundo os casos e conforme as exigências legais, a boa-fé ora é protegida, ora é reclamada pela lei, sempre por um fundamento de justiça? O direito se aperfeiçoa, diz Ripert, à medida que leva em conta a boa-fé. Os autores que a erigem em princípio geral dizem: "a boa-fé não deve ser considerada apenas como princípio geral informador das leis, senão, também, como princípio criador que, de fatos, faz surgir direitos" (A. Valenski, Essai d'une Définition Du Droit Basée sur I’Idée de Boné Foi, 1929), ou ainda, sustentam consistir a boa-fé em um princípio a que se deve reconhecer a força de um postulado moral e de segurança das transações (D'Atienza, Efectos Jurídicos de la Buena , 1935).

 

No presente caso, não se pode negar a total boa-fé da indiciada, não podendo, neste caso, apenar sob qualquer aspecto.

 

[...].

 

A Diretoria Técnica da Corte de Contas – DMU –, reanalisado o apontamento de irregularidade, considerando os esclarecimentos e justificativas defensivas encaminhadas pelos procuradores do Prefeito Municipal de Piratuba/SC, Sr. Adélio Spanholi e pela Sra. Ivanete Medianeira Potrich, Professora Municipal, concluiu por mantê-lo.

Quanto à responsabilidade do Chefe do Poder Executivo Municipal, nãodúvida da sua obrigação de identificar e/ou determinar que fosse averiguada a possível acumulação indevida de cargo pela servidora Ivanete Medianeira Potrich (ocupante do cargo de Professora e Conselheira Tutelar), em flagrante desrespeito à Constituição Federal (artigo 37, incisos XVI e XVII).

A Constituição Federal (artigo 37, inciso XVI e XVII) determina:

 

 

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

 

[...]

 

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

 

a) a de dois cargos de professor;

                          

                                                      b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

                          

                                                      c) a de dois cargos privativos de médico;

 

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)

 

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

 

[...]. Grifei

 

Assim, caracterizada acumulação remunerada vedada, em razão de ter a servidora Ivanete Medianeira Potrich, ocupado o Cargo de professora e o cargo de Conselheira Tutelar, que exige dedicação exclusiva, por força da Resolução do CONANDA nº 75/2001 (artigo 4º), que prescreve:

Art. 4º. Considerada a extensão do trabalho e o caráter permanente do Conselho Tutelar, a função de Conselheiro, quando subsidiada, exige dedicação exclusiva, observado o que determina o art. 37, incs. XVI e XVII, da Constituição Federal. Grifei

 

A Lei Complementar Municipal nº 229/93 (artigo 31, parágrafo 4º) prevê:

Art. 31. As funções de Conselheiro Tutelar não serão remuneradas:

[...]

§ 4º. Elegendo-se algum funcionário público municipal, considerar-se-ão justificadas as ausências de suas funções efetivas sempre que estiver a serviço do Conselho Tutelar, fica-lhe facultado optar pelos vencimentos e vantagens de seu cargo efetivo, vedada, em qualquer hipótese a acumulação da remuneração de suas funções. Grifei

 

O Tribunal de Contas do Estado apreciando questão semelhante, decidiu:

Processo nº TCE-09/00344814

 

Tomada de Contas Especial instaurada por determinação, acerca de irregularidade na acumulação de cargos públicos nos exercícios de 2002 e 2003

 

[...]

 

Prefeitura Municipal de Indaial

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Tomada de Contas Especial instaurada por determinação acerca de irregularidade na acumulação de cargos públicos, nos exercícios de 2002 e 2003, praticada no âmbito Prefeitura Municipal de Indaial.

 

Considerando que o Responsável foi devidamente citado, conforme consta na f. 153 dos presentes autos;
Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 1618/2010;

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata da acumulação de cargos públicos, nos exercícios de 2002 e 2003, praticada no âmbito Prefeitura Municipal de Indaial.

 

6.2. Condenar o Sr. Alcides Pedro Tapparo – Servidor Público Municipal em 2002 e 2003, CPF n. 162.592.549-20, ao pagamento da quantia de R$ 21.898,44 (vinte e um mil, oitocentos e noventa e oito reais e quarenta e quatro centavos), em razão da acumulação indevida, sem compatibilidade de horário, dos cargos em comissão de Coordenador Técnico e, posteriormente, Diretor de Finanças do Município de Indaial, com o cargo de Professor de Língua Portuguesa e Literatura na Escola Estadual Básica Raulino Horn, ambos com carga horária semanal de 40 horas, com inobservância ao art. 37, inciso XVI, c/c o art. 39, §3º, da Constituição Federal, e ao art. 32, §1º, do Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Indaial, [...]. Grifei

 

Em outra decisão, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/SC), decidiu:

Processo nº TCE - 05/01049266

 

Tomada de Contas Especial - Conversão do Processo n. RPA-05/01049266 - irregularidade praticada no exercício de 2005.

 

[...]

 

Prefeitura Municipal de São Pedro de Alcântara

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Tomada de Contas Especial pertinente a irregularidade praticada no âmbito da Prefeitura Municipal de São Pedro de Alcântara no exercício de 2005.

 

Considerando que o Responsável foi devidamente citado, conforme consta na f. 152 dos presentes autos;

 

Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 780/2008;

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidade constatada quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de São Pedro de Alcântara, decorrente de Representação formulada a este Tribunal, referente ao exercício de 2005, e condenar o Responsável – Sr. Ernei José Stähelin - Prefeito daquele Município, CPF n. 342.317.499-49, ao pagamento da quantia de R$ 8.572,03 (oito mil quinhentos e setenta e dois reais e três centavos), referente a despesas com vencimentos pagos irregularmente à Sra. Maria Dalene Schveitezer Junckes, em razão do acúmulo remunerado de cargos públicos na Administração Municipal, em afronta aos arts. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal e 52 e 63 da Lei Complementar (municipal) n. 05/97 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de São Pedro de Alcântara), conforme apontado no item 1 do Relatório DMU, [...]. Grifei

 

A tomada de contas especial é o instrumento de que dispõe a Administração Pública para apurar fatos (entre eles a ocorrência de dano ao Erário), os responsáveis pela sua ocorrência, e quantificar o dano, quando for o caso.

Correta, portanto, a conclusão emitida pela Diretoria Técnica da Corte de Contas – DMU. A acumulação de irregular de cargo público (Professor e Conselheira Tutelar), no período de 01-01-2005 a 03-04-2008, pela servidora Ivanete Medianeira Potrich, caracteriza flagrante desrespeito à Constituição Federal/88 (artigo 37, incisos XVI e XVII).

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pela irregularidade, com imputação de débito, com fundamento no artigo 18, III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202/2000, das contas pertinentes à presente tomada de contas especial, de responsabilidade do Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC (gestão 2005-2008) condenando-o solidariamente com a Sra. Ivanete Medianeira Potrich:

1.1) no montante de R$ 21.147,00 (vinte e um mil e cento e quarenta e sete reais), em razão:

1.1.1) pela acumulação indevida de cargo público pela servidora Ivanete Medianeira Potrich (Professor e Conselheira Tutelar), em flagrante desrespeito à Constituição Federal (artigo 37, incisos XVI e XVII);

2) pela ciência da Decisão ao Sr. Adélio Spanholi, Prefeito Municipal de Piratuba/SC e  aos, Drs. Evando Antônio de Azevedo; Giovani Gelson Gelson Meneghel; Celso José de Souza, Noel Antônio Tavares de Jesus (Procuradores do Prefeito Municipal) e Luciana Martinazzo (Procuradora da Professora).

Florianópolis, 12 de agosto de 2013.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 



[1] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais: razoabilidade proporcionalidade e argumentação jurídica. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2008, p. 201.

[2] BARROSO, Luiz Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, Ano 6, nº 23, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 69.

[3] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais: razoabilidade proporcionalidade e argumentação jurídica. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2008, p. 152.