PARECER nº:

MPTC/19211/2013

PROCESSO nº:

REC 11/00571806    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Piratuba

INTERESSADO:

Laercio Anselmo Toaldo

ASSUNTO:

Rec.de Recon.da dec.exarada no proc. TCE-08/00277686-Tom. de Cont. Esp.-Conver.do Processo n.REP-08/00277686-Repres.do Ministério Público junto ao TCE/SC acerca de irregular.na execução e manut. de muro de contenção dos fundos do Term.Rod.de Piratuba.

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração (fls. 3-28) interposto pelo Sr. Laércio Anselmo Toaldo, Engenheiro Fiscal das obras auditadas, em face do Acórdão 1.564/2011 dessa Corte de Contas, exarado no processo TCE 08/00277686, por meio do qual foram imputados débitos ao responsável, nos seguintes termos:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Piratuba, com abrangência sobre a execução e manutenção de muro de contenção nos fundos do Terminal Rodoviário de Piratuba - Contrato n. 117/2007, oriundo da Tomada de Preços n. 06/2007, e condenar, SOLIDARIAMENTE, os Srs. ADÉLIO SPANHOLI – Prefeito Municipal de Piratuba, CPF n. 236.860.060-49, e LAÉRCIO ANSELMO TOALDO – Engenheiro Fiscal das obras auditadas, CPF n. 462.817.629-91, ao pagamento das quantias a seguir discriminadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000):

6.1.1. R$ 15.768,68 (quinze mil, setecentos e sessenta e oito reais e sessenta e oito centavos), em face da perda dos serviços inerentes à edificação da escadaria, contrariando os arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64;

6.1.2. R$ 36.105,00 (trinta e seis mil, cento e cinco reais), pelo pagamento de quantidade de concreto não utilizado na execução da obra, contrariando os arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC n. 597/2010, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, à Representante no Processo n. REP-08/00277686, aos Srs. Evando Antônio de Azeredo, Giovani Gelson Meneguel , Celso José de Souza, à Prefeitura Municipal de Piratuba, à 2ª Vara Cível da Comarca de Capinzal e aos procuradores constituídos nos autos.

A Consultoria Geral dessa Corte de Contas emitiu o Parecer n. 1.418/2012 (fl. 34-36), opinando pelo não conhecimento do recurso em decorrência do não atendimento do requisito da tempestividade.

Em igual sentido, manifestou-se o representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, através do Parecer n. 15.317/2012 (fls. 37-39).

O Relator declarou-se impedido de relatar o presente processo.

Redistribuídos os autos, o novo Relator determina o retorno dos autos à Unidade Técnica para análise do mérito, considerando o recurso tempestivo, uma vez que teria sido previamente apresentado por e-mail (f. 41)

Na sequência, a Consultoria Geral apresentou parecer (fls. 42-46) opinando pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo na íntegra os termos do acórdão recorrido.

É o relatório.

O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar nº. 202/2000 é o adequado em face de decisão proferida em processo de tomada de contas especial, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelo ato de gestão irregular descrito no acórdão recorrido.

A decisão foi publicada na imprensa oficial em 12/9/2011 e, nesta ocasião, verifica-se que a peça recursal foi apresentada via e-mail no dia 13/10/2011, portanto, tempestivamente.

Logo, encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Passo à análise do mérito.

1. Nulidade da TCE 08/00277686 em decorrência da ausência de citação da empresa executora do projeto e da obra.

O engenheiro responsável pela fiscalização das obras auditadas aduziu nulidade do processo em razão da não citação da empresa executora da obra para que apresentasse suas alegações de defesa; não apresentou, contudo, justificativas que pudessem afastar sua responsabilidade perante os fatos narrados na exordial.

Muito embora tanto a pessoa jurídica quanto física possam ser abrangidas pela jurisdição dessa Corte de Contas, como prescrito no art. 6°, incisos I e V, da Lei Complementar n. 202/2000, a ausência de citação da empresa não interferiu na responsabilidade do ora recorrente, em face das falhas nas atribuições típicas do seu cargo, que acarretaram em medições equivocadas e perda de material de obra, causando prejuízo ao erário.

Diz o inciso III do art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, que é da competência desse Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município.

Em função do cargo ocupado, o então Engenheiro fiscalizador da obra se amoldava exatamente ao conceito de responsável pela administração de dinheiro, bens e valores públicos, em consonância com a definição de responsável do art. 133, § 1º, letra “a”, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, litteris:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º. Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário [grifei].

Portanto, entendo que remanesce a responsabilidade do recorrente, fato , motivo pelo qual permanece íntegro o acordão recorrido.

2. Adoção de providências judiciais para recuperação do prejuízo constatado.

Na sequência, o recorrente alegou que o objeto deste processo já está sendo discutido na esfera judicial, e que esta Corte de Contas não poderia emitir decisão referente ao presente caso, sob pena de gerar enriquecimento ilícito ao erário.

Tal entendimento, todavia, não prospera.

Inicialmente, destaca-se que o responsável provavelmente desconhece o elementar princípio da independência das instâncias civil, criminal e administrativa.

Assim, mesmo que restasse cabalmente comprovada a existência de processos judiciais – já julgados ou ainda em trâmite – com objetos idênticos à tomada de contas especial em comento, ainda assim este processo deveria seguir seu curso normal, sendo que, quanto ao risco do pagamento dos mesmos débitos junto ao Poder Judiciário e a esse Tribunal de Contas, a questão resolver-se-ia em sede de execução, momento no qual o responsável poderia comprovar a quitação do débito para não ocorrer o bis in idem.

Este entendimento já fora explicitado por essa Corte de Contas no XII Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração Municipal, realizado em 2010, especialmente no artigo “Tomada de Contas Especial”, de Marcelo Brognoli da Costa, às ps. 307-326, conforme se observa do seguinte excerto:

É DEVIDA A INSTAURAÇÃO DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL SE EXISTIREM AÇÕES JUDICIAIS EM RAZÃO DO FATO QUE A DETERMINA?

Sim. Como visto, a tomada de contas especial tem propósitos específicos e peculiares que não são buscados ou satisfeitos por ações judiciais. É óbvio que obtido o ressarcimento do dano pela via judicial não há que se falar em execução do título executivo extrajudicial decorrente da deliberação do Tribunal de Contas atinente à responsabilidade civil.

[...].

SE EXISTIR PROCESSO JUDICIAL ENVOLVENDO O MESMO FATO OBJETO DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL DEVE-SE EXTINGUI-LA?

Não. Ainda que o processo judicial tenha por finalidade ressarcir o erário é devido o curso da tomada de contas especial, haja vista que a deliberação na Corte de Contas poderá repercutir nas contas ordinárias caso haja identificação entre o responsável e o ordenador de despesa.

A extinção do processo de tomada de contas especial pela existência de ação judicial só será devida quando existir decisão em processo penal negando a autoria dos fatos ao responsabilizado na tomada de contas especial ou declarar a não ocorrência dos fatos que determinaram a instauração da tomada de contas especial.

Ressalta-se, também, que a questão da independência de instâncias é pacífica no Supremo Tribunal Federal[1], a exemplo do mandado de segurança MS n. 25.880/DF, julgado em 07/02/2007, por decisão unânime do Tribunal Pleno, da lavra do Relator Min. Eros Grau, cuja ementa segue in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias (grifou-se).

Dessa maneira, o próprio Pretório Excelso já deixou clara a aplicação do princípio da independência das instâncias civil, criminal e administrativa, inclusive de maneira específica com relação a ações civis públicas e tomadas de contas especiais, como observado na decisão transcrita, esvaziando a tese defendida pelo responsável.

Neste sentido igualmente já se pronunciou esse Tribunal de Contas, quando do julgamento do recurso de reconsideração REC n. 08/00314808, seguindo assim o voto do Auditor Relator Gerson dos Santos Sicca, e assim consolidou o tema:

RECURSO. PRELIMINAR. AÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO. DÉBITO. NÃO PROVER.

A existência de ação judicial tramitando no Poder Judiciário não implica na suspensão do processo de tomada de contas especial com o mesmo objeto em virtude do princípio da independência entre as instâncias civil, administrativa e penal.

[...].

De pronto, examinei o cumprimento aos requisitos de admissibilidade do Recurso, em comento, e constatei que estão todos de acordo com o preconizado no inciso I do art. 76 c/c o art. 77 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000 (Lei Orgânica deste Tribunal), no inciso I do art. 135 c/c o art. 136 da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno deste Tribunal) e no art. 27 da Resolução nº TC-09/2002, alterado pelo art. 6º da Resolução nº TC-05/2005.

O Recorrente apenas maneja o presente instrumento jurídico, em apreciação por esta Casa, para suscitar exclusivamente preliminar relacionada ao caso em tela. Alegando que tramita na 1º Vara Cível da Comarca de Concórdia da Ação Civil Pública nº 019.08.001594-9, cujo objeto é o ressarcimento dos valores atualizados relativos ao Contrato nº 24/2001.

Argumenta ainda que, por se tratar de ação judicial com o mesmo objeto e valor constante do subitem 6.1 do Acórdão nº 0323/2008 desta Corte de Contas, nosso ordenamento jurídico veda a dupla condenação e o enriquecimento indevido do Município de Alto Bela Vista.

Assim, requer a suspensão do referido Acórdão, prolatado nos Autos nº TCE 03/04864595, até julgamento final da Ação Civil Pública nº 019.08.001594-9.

Registro que, ao limitar-se em levantar a referida preliminar, o Recorrente perdeu a oportunidade de atacar a matéria de fundo através de Recurso de Reconsideração.

Um indicativo de que reconhece o prejuízo causado ao erário e, por consequência, resta demonstrada a correta decisão deste Tribunal, proferida no Acórdão nº 0323/2008, de imputar ao Recorrente o débito de R$ 8.880,00 e aplicar-lhe a multa de R$ 600,00.

Sem digressões, no tocante à preliminar aventada entendo que não existe razão para suspender o Acórdão nº 0323/2008 desta Corte de Contas, pois os processos que tramitam no âmbito deste Tribunal são autônomos em relação a qualquer outro processo com mesmo objeto que tramite no Poder Judiciário.

Como é cediço, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCESC) possui competência constitucional de julgar contas de qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que lhe cause dano ao erário, conforme dispõe o parágrafo único do art. 58 c/c o inciso II do art. 59 da Constituição Estadual.

Assim, a existência da Ação Civil Pública nº 019.08.001594-9 tramitando no Poder Judiciário não implica na suspensão do processo nº TCE 03/04864595 em virtude do princípio da independência entre as instâncias civil, administrativa e penal.

Dessa forma, nego provimento ao presente Recurso, mantendo intacto o Acórdão nº 0323/2008 (grifou-se).

Portanto, em razão de todos os argumentos acima apontados, a justificativa do responsável não merece ser acolhida.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reconsideração, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo hígido o teor do Acórdão n. 1.564/2011.

Florianópolis, 28 de agosto de 2013.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] Na decisão do habeas corpus HC n. 103.725/DF, julgado em 14/12/2010, por decisão unânime da Segunda Turma, o Relator Min. Ayres Britto tratou da independência entre as instâncias criminal e administrativa aprofundando a competência das Cortes de Contas do País, sendo o processo da seguinte maneira ementado: HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO, FRAUDE NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA DEBITADA À PACIENTE. AUSÊNCIA DE DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO SOBRE A REGULARIDADE OU IRREGULARIDADE NA EXECUÇÃO DE OBRAS EM AEROPORTOS BRASILEIROS. IMPROCEDÊNCIA DA TESE DEFENSIVA. FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. ORDEM DENEGADA. [...].