PARECER
nº: |
MPTC/18840/2013 |
PROCESSO
nº: |
REP 12/00298982 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Brusque |
INTERESSADO: |
Danilo Visconti |
ASSUNTO: |
Representação (art. 113, § 1º, da Lei nº
8.666/93) acerca de supostas irregularidades no Pregão Presencial n. 020/2011,
para serviços de assessoria e consultoria para a captação de recursos
financeiros junto ao Governo Federal. |
Trata-se
de Representação subscrita pelo Sr. Danilo Visconti, representado pelo Sr.
Mário Wilson da Cruz Mesquita, encaminhada para apreciação desta Corte de
Contas em 20.6.2012, sob o protocolo de n. 13.195/2012 (fls. 2-175).
É
relatada a ocorrência de supostas irregularidades no Edital de Pregão
Presencial n. 20/2011, da Prefeitura Municipal de Brusque, para contratação de
serviços de assessoria e consultoria para captação de recursos financeiros
junto ao Governo Federal.
A
Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico
(fls. 176-185) sugerindo o conhecimento da representação, o indeferimento do
pedido liminar inaudita altera pars,
a definição de responsabilidade solidária entre os Srs. Paulo Roberto Eccel –
Prefeito Municipal de Brusque, Gustavo Halfpap – Secretário de Governo e Gestão
Estratégica, Rogério Ristow – Secretário de Administração, e a Sra. Sonia Knihs
Crespi – Assessora Jurídica, bem como a determinação de audiência a fim de que
fossem apresentadas justificativas acerca das seguintes irregularidades:
3.3.1.
Utilização da modalidade Pregão n. 020/2011 para contratação de serviço técnico
especializado em assessoria e consultoria para a captação de recursos
financeiros junto ao Governo Federal, não considerado serviços comum,
evidenciando afronta à Lei 10.520/200, artigo 1º;
3.3.2.
Formalização de proposta de preços do Pregão nº 020/2011 pela empresa Logos
Assessoria e Projetos Ltda., vencedora do certame, quatro dias antes da
conclusão do respectivo Termo de Referência, em desacordo com os princípios da
igualdade, da publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da
legalidade todos previstos no artigo 3º da Lei 8666/93;
3.3.3.
Exigências nas Cláusulas 642 e 643 do Edital do Pregão nº 020/2011 relacionadas
à qualificação técnica, não justificadas como necessárias, evidenciando
cláusulas restritivas de participação, em descumprimento ao artigo 3º, § 1º,
inciso I, e artigo 30, § 6º ambos da Lei 8666/93.
Na
mesma linha, este órgão ministerial emitiu o Parecer n. 11.828/2012 (fls.
196-198).
O
Relator conheceu da representação, determinou a sustação dos pagamentos
relativos ao primeiro termo aditivo ao contrato administrativo n. 33/201 e a
audiência dos responsáveis (fls. 217-223, ratificado pela decisão do Pleno à
fl. 224), que apresentaram suas justificativas às fls. 235-338, 340-365,
378-442 e 443-452.
A
Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, por meio do Relatório n.
191/2013 (fls. 455-462), sugeriu a irregularidade do Pregão Presencial n.
20/2011 e do Contrato 33/2001, e a aplicação de multas aos Srs. Paulo Roberto
Eccel, José Gustavo Halfpap, Rogério Ristow, Sonia Knihs Crespi e Joseana Paes
Lopesato em face das irregularidades descritas nos itens 3.3.1 a 3.3.5 da
conclusão do relatório de instrução.
Interposta
petição requerendo a devolução dos autos à instrução para reanálise das
preliminares (fls. 463-464), estes retornaram à DLC para instrução complementar.
Por
meio de relatório de reinstrução (fls. 467-475), a Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações acresceu a análise referente às responsabilidades dos
agentes pelas respectivas irregularidades.
É o
relatório.
Passo
à análise das restrições apontadas pela instrução.
1. Utilização da modalidade Pregão n.
20/2011 para contratação de serviço técnico especializado em assessoria e
consultoria para a captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal,
não considerado serviço comum, evidenciando afronta ao art. 1º da Lei n.
10.520/2000.
A instrução apurou a utilização da
modalidade licitatória pregão para a contratação de bens e serviços não comuns,
ao entendimento de que a contratação envolvia a realização de serviços
profissionais especializados, o que escapa ao permissivo contido no art. 1º da
Lei n. 10.520/2002.
Em resposta, os responsáveis aduziram,
em síntese, a ausência de responsabilidade pelos atos praticados, que os
serviços não possuem natureza singular de alta especialização técnica e que o
parecer jurídico não possui caráter vinculante.
Assim diz a Lei n. 10.520/02:
Art.
1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na
modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.
Parágrafo
único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste
artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser
objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no
mercado.
É elementar, a partir da própria
definição legal, que a contratação de prestação de serviços especializados de
assessoria e consultoria para obtenção de recursos federais não se trata de
serviço comum, tendo em vista que os padrões de desempenho e qualidade não
podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações
usuais no mercado.
Os responsáveis não apresentaram
argumentos que pudessem comprovar ser o serviço contratado comum, mesmo porque
tal tarefa seria impossível, em razão da clara complexidade do objeto licitado.
Neste sentido, inclusive,
manifestou-se o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto[1] no
julgamento de processo judicial envolvendo o presente caso:
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO
ESPECIALIZADO EM ASSESSORIA E CONSULTORIA TÉCNICA PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS
FINANCEIROS JUNTO AO GOVERNO FEDERAL. LIMINAR CONCEDIDA PARA ANULAR ADITIVO
CONTRATUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Não
pode ser considerado "comum" - entendido como tal aquele "cujos
padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo
edital, por meio de especificações usuais no mercado" (Lei n. 10.520/2002,
art. 1º, parágrafo único) - o serviço de "assessoria e consultoria técnica
para captação de recursos financeiros junto ao governo federal" se não
"comporta técnicas simples de execução, bem como não se apresenta de fácil
localização ou tem grande oferta de contratação no mercado".
Quanto à responsabilização da
assessoria jurídica, entendo que deva ser mantida, em razão do entendimento
firmado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a responsabilidade deve recair também sobre aquele
que, no desempenho de suas funções administrativas, na qualidade de Consultor,
Assessor Jurídico ou Procurador, contribuiu ou corroborou a prática do ato
irregular.
Segundo o STF, a emissão de parecer, conforme previsto no art. 38,
parágrafo único, da Lei n. 8.666/99 (hipótese que se amolda ao presente caso),
induz a responsabilidade solidária do seu subscritor, conforme se extrai do
julgado[2] a
seguir transcrito:
Em
conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança
impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que determinara a
audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as
respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização
de convênio firmado pelo INSS, em virtude da emissão de pareceres
técnico-jurídicos no exercício profissional — v. Informativos 328, 343, 376 e
428. Entendeu-se que a aprovação ou
ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da
Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer
opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide
apoiado na manifestação do setor técnico competente (Lei 8.666/93, art. 38,
parágrafo único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos
contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e
aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”). Considerou-se,
ainda, a impossibilidade do afastamento da responsabilidade dos impetrantes em
sede de mandado de segurança, ficando ressalvado, contudo, o direito de acionar
o Poder Judiciário, na hipótese de virem a ser declarados responsáveis quando
do encerramento do processo administrativo em curso no TCU. Vencidos os
Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que deferiam a ordem
[grifei].
Ressalta-se que o parecer emitido em processos licitatórios pela
assessoria jurídica, ao contrário do que afirma a Sra. Sonia Knihs Crespi, não
é meramente opinativo, mas serve como um claro subsídio para a decisão do
administrador em lançar ou não o edital, em contratar ou não contratar, daí
decorre a sua responsabilidade solidária.
E quanto aos demais servidores nominados na audiência, suas
responsabilidades advêm de suas participações nos procedimentos referentes ao
Pregão n. 20/2011, como no caso do(a)s Sr(a)s. José Gustavo Halfpap, Secretário
de Governo e Gestão Estratégica, em virtude da solicitação efetuada em
memorando (fl. 15), assinatura do Termo de Referência (fl. 26) e demais atos
efetuados; Rogério Ristow, Secretário de Administração, por ter firmado a
publicação do extrato do edital de referido pregão (fl. 55), o primeiro termo
de retificação (fl. 60), o termo de homologação (fl. 151) e o contrato com a
empresa vencedora (fl. 156); Valmor Rosa, pela assinatura constante da planilha
de estimativa de preços (fl. 31) e dos memorandos remetidos (fls. 32-33 e 35);
e Joseana Paes Lopes, Pregoeira (fls. 149-150), em razão da execução das
atribuições de sua competência no exercício dessa função.
2. Formalização de
proposta de preços do Pregão n. 20/2011 pela empresa Logos Assessoria e
Projetos Ltda., vencedora do certame, quatro dias antes da conclusão do
respectivo Termo de Referência, em desacordo com os princípios da igualdade, da
publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da legalidade, todos
previstos no art. 3º da Lei n. 8.666/1993.
A auditoria constatou que a empresa
Logos Assessoria e Projetos Ltda. participou de reuniões antecedentes que
trataram dos assuntos referentes ao Pregão n. 20/2011, o que sugeria um
possível direcionamento da licitação.
A empresa confirmou que participou de
reuniões durante a execução do Contrato n. 18/2010, todavia afirmou que não
esteve presente, em reuniões que tivessem o fim de definir os termos de citada
licitação.
Os responsáveis, por sua vez,
aduziram erro formal no Termo de Referência do Edital de Pregão n. 20/2011 por
ter a empresa prestado orçamento prévio.
Da análise dos autos, contudo,
observa-se que o presente item sequer foi objeto de audiência. Sobre esse tema,
assim se manifestou o Relator em seu Voto (fl. 218):
[...]
discordo da conclusão da DLC que considerou ser procedente a representação
quanto à irregularidade constante no item 3.3.2 da conclusão do Relatório nº
444/2012 (fls. 185). Isso porque a proposta de preços da empresa Logos
Assessoria e Projetos Ltda., a que se referem o representante e a Instrução
Técnica, juntada às fls. 27 dos autos, seria apenas o orçamento requisitado
pela Administração para a devida estimativa do valor do objeto a ser
contratado, conforme comprova o documento de fls. 31, e não a proposta de
preços entregue pela empresa para participar da licitação.
Quanto
a esse aspecto, ressalto ainda que, além do orçamento da Empresa citada acima,
há orçamentos de outras empresas juntados às fls. 28 e 30, ambos com datas
anteriores à confecção do termo de referência, que também foram utilizados para
mapear o preço do edital (fls. 31). Além disso, a proposta de preços da empresa
Logos Assessoria e Projetos Ltda., apresentada na licitação em análise, foi
anexada às fls. 106, com data de 22/03/2011, ou seja, com data posterior à
publicação do edital, que se deu em 17/03/2011 (fls. 55.).
Portanto, sugiro a desconsideração do
presente item.
3. Exigência nas
Cláusulas 6.4.2 e 6.4.3 do Edital do Pregão n. 20/2011, relacionadas à
qualificação técnica, não justificadas como necessárias, evidenciando cláusulas
restritivas de participação, em descumprimento ao art. 3º, § 1º, inciso I, e
art. 30, § 6º, ambos da Lei n. 8.666/1993.
Extrai-se
dos documentos apresentados que a Prefeitura Municipal de Brusque, ao lançar o
Pregão n. 20/2011, para serviços de assessoria e consultoria, assinalou as
seguintes exigências, relatadas como indevidas nestes autos:
Item 6.4.2 –
(Qualificação Técnica): Conter dentro do quadro da equipe técnica, pelo menos
um membro com certificação demultiplicador do SICONV (comprovação através do
certificado do Ministério do Planejamento).
Item 6.4.3 –
comprovar através de contrato social a existência de escritório próprio na
capital federal.
Os responsáveis sustentaram que estes itens são
necessários para a segurança do contrato e que, para a prestação dos serviços,
é imprescindível a existência de unidade administrativa na Capital Federal.
A Lei Federal 8.666/93 em seu artigo 30 regulamenta o que
se pode exigir dos licitantes quanto à qualificação técnica, nos seguintes
termos:
Art. 30. A
documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro
ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação
de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em
características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação
das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis
para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um
dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação,
fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando
exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições
locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova
de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
Como é de amplo conhecimento, a
vinculação do gestor ao princípio da legalidade contido no caput do artigo 37 da Constituição Federal, é um dos pilares que
regem toda a atividade pública administrativa. Sobre
o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[3]:
Na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o
particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve
fazer assim’.
Na mesma linha de orientação, Celso
Antônio Bandeira de Mello[4]
comenta:
Para
avaliar corretamente o principio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo
cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito
político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo –
a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos.
Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei,
editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas
as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a
atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.
O
principio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer
tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as
formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até
as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos paises
subdesenvolvidos. O principio da legalidade é o antídoto natural do poder
monocrático ou oligárquico, pois te como raiz a ideia de soberania popular, de
exaltação de cidadania.
(...)
Assim,
o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis.
Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a
atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o
Presidente da Republica, até o mais modesto dos servidores, só poder ser a de
dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo
Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito
brasileiro.
Vale ressaltar ainda que uma das finalidades
precípuas do processo licitatório é a de garantir o princípio constitucional da
isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa de acordo com o interesse
público, baseando-se nos princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa entre outros, e que a vedação ao caráter competitivo da
licitação está expressamente prevista no parágrafo 1º, inciso I, conforme se
vê:
Art. 3o
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da
isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a
promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos.
§ 1o É
vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de
convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o
seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e
estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou
domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§
5o a 12 deste
artigo e no art. 3o da
Lei no 8.248,
de 23 de outubro de 1991.
Sobre o dispositivo legal acima citado, valho-me dos
comentários de Marçal Justen Filho[5],
por esclarecedores:
O ato
convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta
mais vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso dependerá do
tipo de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências
necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que,
ainda indiretamente, prejudiquem o caráter competitivo da licitação.
Assegura-se
tratamento igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias
para contratar com a Administração. A vitória de um deles dependerá de seus
próprios méritos. A regra não exige que o benefício indevido seja derivado de
uma intenção reprovável. Ou seja, não é
necessário sequer a intenção de beneficiar um ou mais competidores.
O que não se admite no processo licitatório é a
discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do
ocupante do cargo público. A licitação consiste em instrumento jurídico para
afastar essa arbitrariedade na seleção do contratante. A isonomia no processo
licitatório, portanto, significa o tratamento uniforme em todas as situações
semelhantes, distinguindo-se na medida em que a lei, e somente a lei, assim o
exija.
Exigências qualificativas de um determinado produto que
se mostrem descabidas ao objeto licitado ou, ainda, que representem exigências
de difícil acesso a quaisquer dos possíveis candidatos do processo licitatório,
representam um claro obstáculo ao ânimo de participação dos concorrentes, o
que, em determinadas circunstâncias, pode representar até mesmo o
direcionamento do certame a um determinado competidor.
No presente caso, as disposições questionadas não têm, no
meu entender, o necessário fundamento para suas exigências e se mostram
restritivas ao caráter competitivo do certame.
Exigir que o participante tenha unidade administrativa na
localidade da prestação do serviço, qual seja, na Capital Federal, além de
ofender o disposto no já citado art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações,
fere também o disposto no art. 30, § 6º, da mesma norma, que assim dispõe:
Art. 30. A documentação relativa à
qualificação técnica limitar-se-á a:
[...]
§ 6o As exigências mínimas
relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico
especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da
licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da
declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as
exigências de propriedade e de localização
prévia (grifou-se).
A disposição acerca da necessidade de certificado
multiplicador do SICONV, da mesma forma, é impertinente, pois não restou
devidamente evidenciada a necessidade dessa exigência aos licitantes para
poderem cumprir o objeto do certame.
Para estas hipóteses o responsável não trouxe um único
argumento que pudesse justificar tais imposições que, consideradas em conjunto,
mostram-se desprovidas de amparo e passíveis de causar prejuízo à livre concorrência
nessa licitação.
É importante salientar que esse
Tribunal de Contas tem aplicado multas aos responsáveis cujos editais de
licitação exorbitam exigências legais, e, assim, limitam o caráter competitivo
do certame licitatório. Vejam-se algumas dessas decisões:
Acórdão 1494/2009 - SLC -
07/00374507 - Sessão 25.11.2009
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos
arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
(...)
6.2.
Aplicar ao Sr. Sérgio Galizza - ex-Diretor Geral Administrativo do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, CPF n. 375.579.049-15, com fundamento no art. 70,
II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno,
as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de
Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das
multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da
Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1.
R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de qualificação técnica
exorbitante no item 8.6, II, "a" e "b", do Edital n.
144/2006, frustrando o caráter competitivo da licitação, infringindo o disposto
no art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório
DLC);
[...]
Acórdão 1378/2009 - LCC - 07/00567909 –
Sessão: 26.10.2009
ACORDAM os
Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, por maioria de votos, em:
(...)
6.2. Aplicar
ao Sr. Marco Antônio Tebaldi - ex-Prefeito Municipal de Joinville, CPF n.
256.712.350-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000
c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal
o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde
logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o
disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
(...)
6.2.4. R$
800,00 (oitocentos reais), devido à exigência de qualificação técnica
exorbitante, contrariando o art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item
2.6 do Relatório DLC n. 14/2008).
Portanto, opino pela manutenção da
presente irregularidade.
4. Participação de
empresa vencedora do certame em licitação na qual elaborou o respectivo termo
de referência do edital, em contrariedade ao art. 9º, inciso I c/c o inciso II,
da Lei Federal n. 8.666/1993, e aos princípios da legalidade, isonomia,
impessoalidade e moralidade.
Foi apontada a participação de
representante da empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda. na elaboração do
Termo de Referência relativo ao Edital de Pregão n. 20/2011 (fl. 19).
Os responsáveis também sustentaram
erro formal no termo de referência do edital, em razão de a empresa ter prestado
um orçamento prévio.
As alegações trazidas aos autos,
todavia, não possuem o condão de sanar a presente irregularidade, considerando
as evidências de que a participação da empresa Logos Assessoria e Projetos
Ltda. ocorreu já na fase de elaboração do Termo de Referência do Pregão n.
20/2011 (fl. 05), conforme se extrai do item 4.3 do Anexo I do edital:
4.3. ETAPA 02 –
Desenvolvimento do Projeto de Captação de Recursos Federais
[...]
3.
Identificação das demandas por serviços e obras através de uma reunião de
planejamento com a participação
do Prefeito Municipal, equipe da
Logos e Secretários Municipais (grifou-se).
Assim, tendo obtido conhecimento
prévio das especificações constantes do Termo de Referência, a empresa estava
em uma situação privilegiada em relação aos demais concorrentes, motivo pelo
qual sua participação no certame licitatório estaria vedada pelo disposto no
art. 9º, I e II, da Lei n. 8.666/1993, que assim dispõe:
Art.
9º - Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da
execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I
– o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II
– empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto
básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente,
acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a
voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado.
Assim, em razão dos fatos narrados,
manifesto-me pela manutenção da irregularidade, ante a flagrante violação aos
princípios da igualdade e impessoalidade insculpidos no art. 37 da Constituição
Federal.
5. Existência na
Unidade Gestora de servidor capacitado para executar o objeto da licitação em
exame, o que significa uma afronta aos princípios da economicidade e
eficiência, previstos, respectivamente, nos arts. 70, parágrafo único, e 37 da
Constituição Federal.
Verifica-se que a Prefeitura
Municipal de Brusque possui em seu quadro de pessoal servidor competente para o
exercício da função de captação de recursos junto ao governo federal, qual
seja, o Sr. Alexandre Rafael Melquíades Elias, Diretor de Captação de Recursos,
que, inclusive, participou de treinamento sobre captação de recursos (fls.
174-175).
O Prefeito, em suas alegações, aduziu
que se fez necessária a contratação dos serviços de assessoria e consultoria
para auxílio ao servidor.
Muito embora a justificativa
apresentada, o responsável não obteve êxito em comprovar a real necessidade da
referida contratação.
Assim, tendo em vista que já havia
servidor capacitado para a função na Unidade Gestora, entendo também que foram violados
os princípios da economicidade e eficiência, de modo a restar mantida a
irregularidade em comento.
6. Alegação de que o
preço contratado é muito superior ao praticado no exercício de 2010, em afronta
aos princípios da economicidade e da eficiência, previstos respectivamente nos
arts. 70, parágrafo único, e 37 da Constituição Federal.
A instrução analisou a diferença de
valores entre os Contratos n. 18/2010 e 33/2011, suscitando uma possível
violação aos princípios da economicidade e eficiência.
O Contato n. 18/2010 teve como valor total
R$ 7.404,00, com validade de 10 meses, enquanto o segundo totalizou R$
8.299,00, com validade de 12 meses. A diferença, de acordo com as informações
apresentadas, foi de apenas 12,08%.
Assim, tendo em vista a validade
superior do contrato e a inflação pelo Índice Nacional de Preços registrado no
período (8,44%), entendo que não há elementos suficientes para se concluir pela
transgressão a citados princípios, motivo pelo qual também entendo por sanada a
restrição.
Ante o exposto, o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108,
incisos I e II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:
1. pela IRREGULARIDADE do Pregão Presencial n. 20/2011 e do Contrato n.
33/2011, na forma do art. 36, § 2º, a,
da Lei Complementar n. 202/2000;
2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS, conforme previsto nos arts. 69 e 70, II, da
Lei Complementar n. 202/2000, aos responsáveis:
2.1. Sr(a)s. Paulo Roberto Eccel,
José Gustavo Halfpap, Rogério Ristow e Sonia Knihs Crespi, já qualificados, em
face da irregularidade apontada no item 3.3.1.1;
2.2. Sr(a)s. Paulo Roberto Eccel,
Rogério Ristow, Sonia Knihs Crespi e Joseana Paes Lopes, já qualificados, em
razão da irregularidade descrita no item 3.3.2.1;
2.3. Sr. José Gustavo Halfpap e Sra.
Joseana Paes Lopes, já qualificados, pela irregularidade enunciada no item
3.3.3.1;
2.4. Srs. Paulo Roberto Eccel e
Rogério Ristow, já qualificados, em virtude das irregularidades de item 3.3.4.1
da conclusão do relatório de instrução;
3. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público
do Estado de Santa Catarina, para que tome ciência dos fatos aqui narrados e
adote as providências que julgar pertinentes, sobretudo em face do possível
direcionamento do processo licitatório.
Florianópolis,
28 de agosto de 2013.
Cibelly Farias
Procuradora
[1] TJSC, AI n.
2012.054165-1, de Brusque, Primeira Câmara de Direito Público, rel. Des. Newton
Trisotto, j. 9-7-2013.
[2] MS
24584/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9.8.2007.
[3] Cf. Direito Administrativo
Brasileiro, 20ª ed., cit., p. 82 e 83.
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 20ª ed., cit., p. 89.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à
lei de licitações e contratos administrativos. Editora Dialética. 11ª ed. São
Paulo, p. 63.