PARECER nº:

MPTC/18840/2013

PROCESSO nº:

REP 12/00298982    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Brusque

INTERESSADO:

Danilo Visconti

ASSUNTO:

Representação (art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93) acerca de supostas irregularidades no Pregão Presencial n. 020/2011, para serviços de assessoria e consultoria para a captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal.

 

 

 

Trata-se de Representação subscrita pelo Sr. Danilo Visconti, representado pelo Sr. Mário Wilson da Cruz Mesquita, encaminhada para apreciação desta Corte de Contas em 20.6.2012, sob o protocolo de n. 13.195/2012 (fls. 2-175).

É relatada a ocorrência de supostas irregularidades no Edital de Pregão Presencial n. 20/2011, da Prefeitura Municipal de Brusque, para contratação de serviços de assessoria e consultoria para captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório técnico (fls. 176-185) sugerindo o conhecimento da representação, o indeferimento do pedido liminar inaudita altera pars, a definição de responsabilidade solidária entre os Srs. Paulo Roberto Eccel – Prefeito Municipal de Brusque, Gustavo Halfpap – Secretário de Governo e Gestão Estratégica, Rogério Ristow – Secretário de Administração, e a Sra. Sonia Knihs Crespi – Assessora Jurídica, bem como a determinação de audiência a fim de que fossem apresentadas justificativas acerca das seguintes irregularidades:

3.3.1. Utilização da modalidade Pregão n. 020/2011 para contratação de serviço técnico especializado em assessoria e consultoria para a captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal, não considerado serviços comum, evidenciando afronta à Lei 10.520/200, artigo 1º;

3.3.2. Formalização de proposta de preços do Pregão nº 020/2011 pela empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda., vencedora do certame, quatro dias antes da conclusão do respectivo Termo de Referência, em desacordo com os princípios da igualdade, da publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da legalidade todos previstos no artigo 3º da Lei 8666/93;

3.3.3. Exigências nas Cláusulas 642 e 643 do Edital do Pregão nº 020/2011 relacionadas à qualificação técnica, não justificadas como necessárias, evidenciando cláusulas restritivas de participação, em descumprimento ao artigo 3º, § 1º, inciso I, e artigo 30, § 6º ambos da Lei 8666/93.

Na mesma linha, este órgão ministerial emitiu o Parecer n. 11.828/2012 (fls. 196-198).

O Relator conheceu da representação, determinou a sustação dos pagamentos relativos ao primeiro termo aditivo ao contrato administrativo n. 33/201 e a audiência dos responsáveis (fls. 217-223, ratificado pela decisão do Pleno à fl. 224), que apresentaram suas justificativas às fls. 235-338, 340-365, 378-442 e 443-452.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, por meio do Relatório n. 191/2013 (fls. 455-462), sugeriu a irregularidade do Pregão Presencial n. 20/2011 e do Contrato 33/2001, e a aplicação de multas aos Srs. Paulo Roberto Eccel, José Gustavo Halfpap, Rogério Ristow, Sonia Knihs Crespi e Joseana Paes Lopesato em face das irregularidades descritas nos itens 3.3.1 a 3.3.5 da conclusão do relatório de instrução.

Interposta petição requerendo a devolução dos autos à instrução para reanálise das preliminares (fls. 463-464), estes retornaram à DLC para instrução complementar.

Por meio de relatório de reinstrução (fls. 467-475), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações acresceu a análise referente às responsabilidades dos agentes pelas respectivas irregularidades.

É o relatório.

Passo à análise das restrições apontadas pela instrução.

1. Utilização da modalidade Pregão n. 20/2011 para contratação de serviço técnico especializado em assessoria e consultoria para a captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal, não considerado serviço comum, evidenciando afronta ao art. 1º da Lei n. 10.520/2000.

A instrução apurou a utilização da modalidade licitatória pregão para a contratação de bens e serviços não comuns, ao entendimento de que a contratação envolvia a realização de serviços profissionais especializados, o que escapa ao permissivo contido no art. 1º da Lei n. 10.520/2002.

Em resposta, os responsáveis aduziram, em síntese, a ausência de responsabilidade pelos atos praticados, que os serviços não possuem natureza singular de alta especialização técnica e que o parecer jurídico não possui caráter vinculante.

Assim diz a Lei n. 10.520/02:

Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

É elementar, a partir da própria definição legal, que a contratação de prestação de serviços especializados de assessoria e consultoria para obtenção de recursos federais não se trata de serviço comum, tendo em vista que os padrões de desempenho e qualidade não podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Os responsáveis não apresentaram argumentos que pudessem comprovar ser o serviço contratado comum, mesmo porque tal tarefa seria impossível, em razão da clara complexidade do objeto licitado.

Neste sentido, inclusive, manifestou-se o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto[1] no julgamento de processo judicial envolvendo o presente caso:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO ESPECIALIZADO EM ASSESSORIA E CONSULTORIA TÉCNICA PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS JUNTO AO GOVERNO FEDERAL. LIMINAR CONCEDIDA PARA ANULAR ADITIVO CONTRATUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Não pode ser considerado "comum" - entendido como tal aquele "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado" (Lei n. 10.520/2002, art. 1º, parágrafo único) - o serviço de "assessoria e consultoria técnica para captação de recursos financeiros junto ao governo federal" se não "comporta técnicas simples de execução, bem como não se apresenta de fácil localização ou tem grande oferta de contratação no mercado".

Quanto à responsabilização da assessoria jurídica, entendo que deva ser mantida, em razão do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a responsabilidade deve recair também sobre aquele que, no desempenho de suas funções administrativas, na qualidade de Consultor, Assessor Jurídico ou Procurador, contribuiu ou corroborou a prática do ato irregular.

Segundo o STF, a emissão de parecer, conforme previsto no art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/99 (hipótese que se amolda ao presente caso), induz a responsabilidade solidária do seu subscritor, conforme se extrai do julgado[2] a seguir transcrito:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que determinara a audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização de convênio firmado pelo INSS, em virtude da emissão de pareceres técnico-jurídicos no exercício profissional — v. Informativos 328, 343, 376 e 428. Entendeu-se que a aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente (Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”). Considerou-se, ainda, a impossibilidade do afastamento da responsabilidade dos impetrantes em sede de mandado de segurança, ficando ressalvado, contudo, o direito de acionar o Poder Judiciário, na hipótese de virem a ser declarados responsáveis quando do encerramento do processo administrativo em curso no TCU. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que deferiam a ordem [grifei].

Ressalta-se que o parecer emitido em processos licitatórios pela assessoria jurídica, ao contrário do que afirma a Sra. Sonia Knihs Crespi, não é meramente opinativo, mas serve como um claro subsídio para a decisão do administrador em lançar ou não o edital, em contratar ou não contratar, daí decorre a sua responsabilidade solidária.

E quanto aos demais servidores nominados na audiência, suas responsabilidades advêm de suas participações nos procedimentos referentes ao Pregão n. 20/2011, como no caso do(a)s Sr(a)s. José Gustavo Halfpap, Secretário de Governo e Gestão Estratégica, em virtude da solicitação efetuada em memorando (fl. 15), assinatura do Termo de Referência (fl. 26) e demais atos efetuados; Rogério Ristow, Secretário de Administração, por ter firmado a publicação do extrato do edital de referido pregão (fl. 55), o primeiro termo de retificação (fl. 60), o termo de homologação (fl. 151) e o contrato com a empresa vencedora (fl. 156); Valmor Rosa, pela assinatura constante da planilha de estimativa de preços (fl. 31) e dos memorandos remetidos (fls. 32-33 e 35); e Joseana Paes Lopes, Pregoeira (fls. 149-150), em razão da execução das atribuições de sua competência no exercício dessa função.

2. Formalização de proposta de preços do Pregão n. 20/2011 pela empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda., vencedora do certame, quatro dias antes da conclusão do respectivo Termo de Referência, em desacordo com os princípios da igualdade, da publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da legalidade, todos previstos no art. 3º da Lei n. 8.666/1993.

A auditoria constatou que a empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda. participou de reuniões antecedentes que trataram dos assuntos referentes ao Pregão n. 20/2011, o que sugeria um possível direcionamento da licitação.

A empresa confirmou que participou de reuniões durante a execução do Contrato n. 18/2010, todavia afirmou que não esteve presente, em reuniões que tivessem o fim de definir os termos de citada licitação.

Os responsáveis, por sua vez, aduziram erro formal no Termo de Referência do Edital de Pregão n. 20/2011 por ter a empresa prestado orçamento prévio.

Da análise dos autos, contudo, observa-se que o presente item sequer foi objeto de audiência. Sobre esse tema, assim se manifestou o Relator em seu Voto (fl. 218):

[...] discordo da conclusão da DLC que considerou ser procedente a representação quanto à irregularidade constante no item 3.3.2 da conclusão do Relatório nº 444/2012 (fls. 185). Isso porque a proposta de preços da empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda., a que se referem o representante e a Instrução Técnica, juntada às fls. 27 dos autos, seria apenas o orçamento requisitado pela Administração para a devida estimativa do valor do objeto a ser contratado, conforme comprova o documento de fls. 31, e não a proposta de preços entregue pela empresa para participar da licitação.

Quanto a esse aspecto, ressalto ainda que, além do orçamento da Empresa citada acima, há orçamentos de outras empresas juntados às fls. 28 e 30, ambos com datas anteriores à confecção do termo de referência, que também foram utilizados para mapear o preço do edital (fls. 31). Além disso, a proposta de preços da empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda., apresentada na licitação em análise, foi anexada às fls. 106, com data de 22/03/2011, ou seja, com data posterior à publicação do edital, que se deu em 17/03/2011 (fls. 55.).

Portanto, sugiro a desconsideração do presente item.

3. Exigência nas Cláusulas 6.4.2 e 6.4.3 do Edital do Pregão n. 20/2011, relacionadas à qualificação técnica, não justificadas como necessárias, evidenciando cláusulas restritivas de participação, em descumprimento ao art. 3º, § 1º, inciso I, e art. 30, § 6º, ambos da Lei n. 8.666/1993.

Extrai-se dos documentos apresentados que a Prefeitura Municipal de Brusque, ao lançar o Pregão n. 20/2011, para serviços de assessoria e consultoria, assinalou as seguintes exigências, relatadas como indevidas nestes autos:

Item 6.4.2 – (Qualificação Técnica): Conter dentro do quadro da equipe técnica, pelo menos um membro com certificação demultiplicador do SICONV (comprovação através do certificado do Ministério do Planejamento).

Item 6.4.3 – comprovar através de contrato social a existência de escritório próprio na capital federal.

Os responsáveis sustentaram que estes itens são necessários para a segurança do contrato e que, para a prestação dos serviços, é imprescindível a existência de unidade administrativa na Capital Federal.

A Lei Federal 8.666/93 em seu artigo 30 regulamenta o que se pode exigir dos licitantes quanto à qualificação técnica, nos seguintes termos:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

Como é de amplo conhecimento, a vinculação do gestor ao princípio da legalidade contido no caput do artigo 37 da Constituição Federal, é um dos pilares que regem toda a atividade pública administrativa. Sobre o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[3]:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve fazer assim’.

Na mesma linha de orientação, Celso Antônio Bandeira de Mello[4] comenta:

Para avaliar corretamente o principio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.

O principio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos paises subdesenvolvidos. O principio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois te como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação de cidadania.

(...)

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da Republica, até o mais modesto dos servidores, só poder ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.

Vale ressaltar ainda que uma das finalidades precípuas do processo licitatório é a de garantir o princípio constitucional da isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa de acordo com o interesse público, baseando-se nos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa entre outros, e que a vedação ao caráter competitivo da licitação está expressamente prevista no parágrafo 1º, inciso I, conforme se vê:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Sobre o dispositivo legal acima citado, valho-me dos comentários de Marçal Justen Filho[5], por esclarecedores:

O ato convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta mais vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso dependerá do tipo de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que, ainda indiretamente, prejudiquem o caráter competitivo da licitação.

Assegura-se tratamento igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias para contratar com a Administração. A vitória de um deles dependerá de seus próprios méritos. A regra não exige que o benefício indevido seja derivado de uma intenção reprovável. Ou seja, não é necessário sequer a intenção de beneficiar um ou mais competidores.

O que não se admite no processo licitatório é a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em instrumento jurídico para afastar essa arbitrariedade na seleção do contratante. A isonomia no processo licitatório, portanto, significa o tratamento uniforme em todas as situações semelhantes, distinguindo-se na medida em que a lei, e somente a lei, assim o exija.

Exigências qualificativas de um determinado produto que se mostrem descabidas ao objeto licitado ou, ainda, que representem exigências de difícil acesso a quaisquer dos possíveis candidatos do processo licitatório, representam um claro obstáculo ao ânimo de participação dos concorrentes, o que, em determinadas circunstâncias, pode representar até mesmo o direcionamento do certame a um determinado competidor.

No presente caso, as disposições questionadas não têm, no meu entender, o necessário fundamento para suas exigências e se mostram restritivas ao caráter competitivo do certame.

Exigir que o participante tenha unidade administrativa na localidade da prestação do serviço, qual seja, na Capital Federal, além de ofender o disposto no já citado art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações, fere também o disposto no art. 30, § 6º, da mesma norma, que assim dispõe:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

[...]

§ 6o  As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia (grifou-se).

A disposição acerca da necessidade de certificado multiplicador do SICONV, da mesma forma, é impertinente, pois não restou devidamente evidenciada a necessidade dessa exigência aos licitantes para poderem cumprir o objeto do certame.

Para estas hipóteses o responsável não trouxe um único argumento que pudesse justificar tais imposições que, consideradas em conjunto, mostram-se desprovidas de amparo e passíveis de causar prejuízo à livre concorrência nessa licitação.

É importante salientar que esse Tribunal de Contas tem aplicado multas aos responsáveis cujos editais de licitação exorbitam exigências legais, e, assim, limitam o caráter competitivo do certame licitatório. Vejam-se algumas dessas decisões:

Acórdão 1494/2009 - SLC - 07/00374507 - Sessão 25.11.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Sérgio Galizza - ex-Diretor Geral Administrativo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, CPF n. 375.579.049-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de qualificação técnica exorbitante no item 8.6, II, "a" e "b", do Edital n. 144/2006, frustrando o caráter competitivo da licitação, infringindo o disposto no art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC);

[...]

Acórdão 1378/2009 - LCC - 07/00567909 – Sessão: 26.10.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, por maioria de votos, em:

(...)

6.2. Aplicar ao Sr. Marco Antônio Tebaldi - ex-Prefeito Municipal de Joinville, CPF n. 256.712.350-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

(...)

6.2.4. R$ 800,00 (oitocentos reais), devido à exigência de qualificação técnica exorbitante, contrariando o art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.6 do Relatório DLC n. 14/2008).

Portanto, opino pela manutenção da presente irregularidade.

4. Participação de empresa vencedora do certame em licitação na qual elaborou o respectivo termo de referência do edital, em contrariedade ao art. 9º, inciso I c/c o inciso II, da Lei Federal n. 8.666/1993, e aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.

Foi apontada a participação de representante da empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda. na elaboração do Termo de Referência relativo ao Edital de Pregão n. 20/2011 (fl. 19).

Os responsáveis também sustentaram erro formal no termo de referência do edital, em razão de a empresa ter prestado um orçamento prévio.

As alegações trazidas aos autos, todavia, não possuem o condão de sanar a presente irregularidade, considerando as evidências de que a participação da empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda. ocorreu já na fase de elaboração do Termo de Referência do Pregão n. 20/2011 (fl. 05), conforme se extrai do item 4.3 do Anexo I do edital:

4.3. ETAPA 02 – Desenvolvimento do Projeto de Captação de Recursos Federais

[...]

3. Identificação das demandas por serviços e obras através de uma reunião de planejamento com a participação do Prefeito Municipal, equipe da Logos e Secretários Municipais (grifou-se).

Assim, tendo obtido conhecimento prévio das especificações constantes do Termo de Referência, a empresa estava em uma situação privilegiada em relação aos demais concorrentes, motivo pelo qual sua participação no certame licitatório estaria vedada pelo disposto no art. 9º, I e II, da Lei n. 8.666/1993, que assim dispõe:

Art. 9º - Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado.

Assim, em razão dos fatos narrados, manifesto-me pela manutenção da irregularidade, ante a flagrante violação aos princípios da igualdade e impessoalidade insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.

5. Existência na Unidade Gestora de servidor capacitado para executar o objeto da licitação em exame, o que significa uma afronta aos princípios da economicidade e eficiência, previstos, respectivamente, nos arts. 70, parágrafo único, e 37 da Constituição Federal.

Verifica-se que a Prefeitura Municipal de Brusque possui em seu quadro de pessoal servidor competente para o exercício da função de captação de recursos junto ao governo federal, qual seja, o Sr. Alexandre Rafael Melquíades Elias, Diretor de Captação de Recursos, que, inclusive, participou de treinamento sobre captação de recursos (fls. 174-175).

O Prefeito, em suas alegações, aduziu que se fez necessária a contratação dos serviços de assessoria e consultoria para auxílio ao servidor.

Muito embora a justificativa apresentada, o responsável não obteve êxito em comprovar a real necessidade da referida contratação.

Assim, tendo em vista que já havia servidor capacitado para a função na Unidade Gestora, entendo também que foram violados os princípios da economicidade e eficiência, de modo a restar mantida a irregularidade em comento.

6. Alegação de que o preço contratado é muito superior ao praticado no exercício de 2010, em afronta aos princípios da economicidade e da eficiência, previstos respectivamente nos arts. 70, parágrafo único, e 37 da Constituição Federal.

A instrução analisou a diferença de valores entre os Contratos n. 18/2010 e 33/2011, suscitando uma possível violação aos princípios da economicidade e eficiência.

O Contato n. 18/2010 teve como valor total R$ 7.404,00, com validade de 10 meses, enquanto o segundo totalizou R$ 8.299,00, com validade de 12 meses. A diferença, de acordo com as informações apresentadas, foi de apenas 12,08%.

Assim, tendo em vista a validade superior do contrato e a inflação pelo Índice Nacional de Preços registrado no período (8,44%), entendo que não há elementos suficientes para se concluir pela transgressão a citados princípios, motivo pelo qual também entendo por sanada a restrição.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE do Pregão Presencial n. 20/2011 e do Contrato n. 33/2011, na forma do art. 36, § 2º, a, da Lei Complementar n. 202/2000;

2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS, conforme previsto nos arts. 69 e 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000, aos responsáveis:

2.1. Sr(a)s. Paulo Roberto Eccel, José Gustavo Halfpap, Rogério Ristow e Sonia Knihs Crespi, já qualificados, em face da irregularidade apontada no item 3.3.1.1;

2.2. Sr(a)s. Paulo Roberto Eccel, Rogério Ristow, Sonia Knihs Crespi e Joseana Paes Lopes, já qualificados, em razão da irregularidade descrita no item 3.3.2.1;

2.3. Sr. José Gustavo Halfpap e Sra. Joseana Paes Lopes, já qualificados, pela irregularidade enunciada no item 3.3.3.1;

2.4. Srs. Paulo Roberto Eccel e Rogério Ristow, já qualificados, em virtude das irregularidades de item 3.3.4.1 da conclusão do relatório de instrução;

3. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, para que tome ciência dos fatos aqui narrados e adote as providências que julgar pertinentes, sobretudo em face do possível direcionamento do processo licitatório.

Florianópolis, 28 de agosto de 2013.

 

 

 

Cibelly Farias

Procuradora

 



[1] TJSC, AI n. 2012.054165-1, de Brusque, Primeira Câmara de Direito Público, rel. Des. Newton Trisotto, j. 9-7-2013.

[2] MS 24584/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9.8.2007.

[3] Cf. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., cit., p. 82 e 83.

[4] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 20ª ed., cit., p. 89.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Editora Dialética. 11ª ed. São Paulo, p. 63.