Parecer no:

 

MPTC/20.423/2013

                       

 

 

Processo nº:

 

REP 08/00354770

 

 

 

Interessado:

 

FNDE - MEC

 

 

 

Assunto:

 

Irregularidades na aplicação de recursos públicos do FUNDEB.

 

Trata-se de Representação encaminhada ao Tribunal de Contas de Santa Catarina, às fls. 2-10, pelo Coordenador Geral do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, noticiando possíveis irregularidades na aplicação de recursos do FUNDEB.

A DMU propugnou por não conhecer da representação (fls. 11-13).

O Ministério Público de Contas manifestou-se às fls. 15-18, sustentando a necessidade de acolhimento da representação, no que foi acompanhado pelo E. Conselheiro Relator, Dr. Salomão Ribas Junior (fls. 19-21).

A DMU promoveu inspeção in loco (fls. 23-24), carreando para os autos os documentos anexos às fls. 25-137, após a qual concluiu pela improcedência da representação (fls. 138-148).

O Ministério Público de Contas requereu junto ao Município documentos necessários para complementar a instrução do feito (anexo 01, fls. 160-400), e emitiu parecer às fls. 150-153, manifestando-se pela audiência do gestor responsável.

A Auditora Relatora, por meio do Despacho n.º 11/2012 (fl. 154), determinou a realização da audiência, nos termos do parecer ministerial.

O responsável, devidamente citado (AR à fl. 156) requereu a prorrogação do prazo de defesa (fl. 157), deferido pelo Conselheiro Relator (fl. 157), porém não mais se manifestou nos autos.

A Diretoria Técnica emitiu o relatório conclusivo n.º 839/2013, às fls. 406-408, ao final do qual sugeriu:

1 – CONSIDERAR IMPROCEDENTE a presente Representação, procedendo, assim, ao arquivamento dos autos, com amparo no artigo 65, § 3º c/c 66 da Lei Complementar n.º 202/2000;

2 – RECOMENDAR que sejam adotadas providências no âmbito da Prefeitura de Jaraguá do Sul, a fim de evitar a má utilização do correio eletrônico disponibilizado pela Administração Municipal, nos termos do Relatório nº 5207/2009, de 04/12/2009 (fls. 138 a 148 dos autos);

3 - DAR CIÊNCIA da decisão com remessa de cópia deste Relatório de Reinstrução e do Voto que a fundamentam ao responsável, Sr. Moacir Antônio Bertoldi e ao interessado, Sr. Vander Oliveira Borges – Coordenador Geral de Operacionalização do FUNDEB e de Acompanhamento e Distribuição do Salário-Educação – FNDE – MEC durante o exercício de 2008.

 

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

Preliminar – revelia do Sr. Moacir Antônio Bertoldi, Prefeito de Jaraguá do Sul à época dos fatos

 

O Sr. Moacir Antônio Bertoldi não se manifestou a respeito do apontamento apresentado no Despacho n.º 11/2012, remetido-lhe por meio do Ofício DMU n.º 9.413/2012 (fl. 155).

Em vista da situação apresentada nestes autos, aplica-se o disposto no art. 308 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução TC n.º 06/2001, alterada pelas Resoluções n.º 09/2002, n.º 11/2002, n.º 08/2004 e n.º 05/2005), segundo o qual “os casos omissos serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da legislação processual ou, quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno”.

Conforme o art. 319 do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente aos processos em trâmite nesse Tribunal por força do artigo supracitado, um dos efeitos da revelia é reputarem-se verdadeiros os fatos alegados na representação.

Passa-se à análise do mérito.

 

Realização de despesas irregulares no montante de R$ 732.240,35, que não se enquadram como manutenção e desenvolvimento do ensino, consubstanciadas em pagamento de assistência médica a servidores públicos lotados na educação

A instrução técnica afastou o apontamento restritivo, por concluir que:

as despesas com plano de assistência médica para servidores da Educação constituem em despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, de acordo com o art. 212 da Constituição Federal e com a Lei n.º 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e que, portanto, podem ser financiadas com recursos do FUNDEB.

Discordarei do entendimento adotado pela Instrução.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB – foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF – que vigorou de 1998 a 2006.[1]

Fora instituído com o objetivo de criar condições para a manutenção e o adequado desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores da educação[2], de forma a efetivar o preceito estatuído em nossa Constituição Federal, em seus artigos 205[3] e 208[4].

A consecução de sua finalidade depende da correta distribuição dos recursos públicos destinados ao fundo, de forma a assegurar a prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação (art. 212, §3º, CRFB/88). 

A sua lei regulamentadora – Lei nº 11.494/2007 – veda a utilização dos recursos provenientes do fundo para atividades não relacionadas ao desenvolvimento do ensino:

Art. 23.  É vedada a utilização dos recursos dos Fundos:

I - no financiamento das despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional especifica quais despesas podem ou não ser amortizadas com os recursos do FUNDEB:

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;

II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;

V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;

VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:

I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;

II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;

III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;

VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino. (grifou-se)

A norma expressamente afasta os programas suplementares de assistência médico-odontológica como atividade relacionada à manutenção e desenvolvimento de ensino.

Nem mesmo os educandos possuem direito à perceber o benefício de tal assistência, devendo esta ser promovida por meio de outros recursos, que  não os vinculados ao Fundeb.

A expressa previsão legal visa assegurar o cumprimento da finalidade do FUNDEB: a garantia de um sistema educacional de qualidade.

Para tanto, o gestor responsável pela aplicação de suas verbas deve se certificar de que as mesmas destinam-se ao aperfeiçoamento da rede pública de ensino, sob pena de esvaziar o sentido social e jurídico da criação de tal fundo.

O pagamento de assistência médica aos servidores públicos em nada beneficia a educação dos munícipes de Jaraguá do Sul, intento primordial da criação do Fundeb.

Volto a reiterar que o referido benefício situa-se entre as políticas voluntárias de recursos humanos do Município, não devendo correr às expensas de recursos provenientes do Fundeb.

Por não atender ao princípio do acesso universal (visto que o benefício à saúde é concedido de forma restrita aos servidores locais), a despesa com a referida assistência não está nem mesmo incluída dentre aquelas destinadas à consecução do mínimo constitucional com a saúde (nos termos da Lei Complementar n.º 141/2012[5], artigos 2º e 4º[6]).

O Tribunal de Contas de Santa Catarina já partilhava do mesmo entendimento, consoante se denota do Prejulgado n.º 1.348 (CON n.º 02/09632623):

2. Como conseqüência, não devem integrar a apuração das despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde, despesas como:

[…]

b) ações e serviços de saúde destinados ao atendimento de clientelas fechadas, por não serem de acesso universal (como despesas com planos de saúde e outras modalidades de assistência médico-hospitalar destinadas a servidores públicos, civis e militares, e respectivos dependentes);

Não há sentido, portanto, em enquadrá-las na categoria das medidas destinadas à concretização da educação, ainda mais em se considerando que não contribuem com a melhoria do ensino, tal como se pretendeu com a criação do fundo.

Mesmo algumas despesas relacionadas ao cotidiano escolar – tais como despesas como a aquisição e distribuição de uniformes escolares, aquisição de gêneros alimentícios a serem utilizados na merenda escolar, e aquisição de acervo e manutenção de bibliotecas públicas – não podem ser custeadas pelo Fundeb, por não serem consideradas típicas ou necessárias à consecução dos objetivos das instituições educacionais que oferecem a educação básica.[7]

Portanto, não é apenas por se tratar de benefício concedido aos profissionais da educação que restará autorizado o seu custeio por meio dos recursos advindos do Fundeb.

Deve-se ter o cuidado de verificar se as despesas de fato servirão para o desenvolvimento do ensino básico municipal. Tal não é o caso.

No Manual de Orientações do Fundeb – disponível no portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)[8] e elaborado pela Coordenação-Geral de Operacionalização do Fundeb e de Acompanhamento e Distribuição do Salário-Educação – são melhor especificadas as verbas que podem ser remuneradas por meio da utilização do Fundeb.

Em seu item 4.1.1 – da remuneração do magistério – consta:

A remuneração compreende o total de pagamentos devidos aos profissionais do magistério da educação em decorrência do efetivo exercício em cargo, emprego ou função, integrantes da estrutura, quadro ou tabela de servidores do Estado, Distrito Federal ou Município, conforme o caso, inclusive os encargos sociais incidentes, de responsabilidade do empregador.

De modo geral, os itens que compõem a remuneração, para fins da aplicação do mínimo de 60% do Fundeb, incluem:

·  salário ou vencimento;

·  13º salário, inclusive 13º salário proporcional;

·  1/3 de adicional de férias;

·  férias vencidas, proporcionais ou antecipadas;

·  gratificações inerentes ao exercício de atividades ou funções de magistério, inclusive gratificações ou retribuições pelo exercício de cargos ou funções de direção ou chefia;

·  horas extras, aviso prévio, abono;

·  salário família, quando as despesas correspondentes recaírem sobre o empregador;

·  encargos sociais (Previdência e FGTS) devidos pelo empregador, correspondentes à remuneração paga na forma dos itens anteriores, observada a legislação aplicável à matéria.

Não deve compor a remuneração, para fins de cumprimento da aplicação mínima de 60% do Fundeb, as despesas realizadas a título de:

·  auxílio-transporte ou apoio equivalente, destinado a assegurar o deslocamento do profissional de ida e volta para o trabalho;

·  auxílio-alimentação ou apoio equivalente;

·  apoio financeiro para aquisição de vestuário utilizado no trabalho ou benefício equivalente;

·  assistência social, médica, psicológica, farmacêutica, odontológica oferecida diretamente pelo empregador ou mediante contratação de serviços oferecidos por entidades especializadas, sob a forma de planos de saúde ou assemelhados, em suas variadas modalidades e formas de pagamento e cobertura;

·  previdência complementar;

·  PIS/Pasep;

·  serviços de terceiros, ainda que contratados para substituição de profissionais do magistério.

O argumento de que se trata de benefício trabalhista, tal como os adicionais por tempo de serviço, rememorado pela Instrução Técnica, não se sustenta. Como visto, não é qualquer benefício concedido aos profissionais da educação enquadrado como verba passível de ser remunerada mediante o Fundeb.

Ademais, o plano de assistência médica concedido aos profissionais da educação não se enquadra no conceito de remuneração, elencada no inciso I do art. 70 da LDB.

A jurisprudência, ao tratar do tema, retira do rol de verbas remuneratórias os planos de assistência à saúde concedido pelos empregadores. Traz-se como exemplos:

RECURSO DE REVISTA. ASSISTÊNCIA MÉDICA CONCEDIDA PELO EMPREGADOR. INTEGRAÇÃO SALARIAL INDEVIDA. A Constituição Federal, em seu artigo 170, estabelece que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Estatui, ainda, que compete aos Poderes Públicos e a toda sociedade a iniciativa de ações destinadas a assegurar à população os direitos relativos à saúde (art. 194). Segue-se, portanto, que a ordem jurídica constitucional impõe à sociedade como um todo, aí incluídas as empresas, o dever jurídico geral de colaborar com o Estado na concretização do direito à saúde. Nessa linha de raciocínio, tem-se que a concessão de assistência médica aos empregados representa uma ação concreta da empresa com vistas a atender ao dever jurídico que lhe é imposto pela Constituição da República. Assim, os benefícios proporcionados por essa atuação empresarial benemérita ostentam natureza meramente assistencial, não se constituindo em salário in natura, ante a ausência de caráter contraprestativo no fornecimento da utilidade. Recurso de revista não conhecido.[9]

TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA. CONTRIBUIÇÃO PARA O FGTS - NÃO INCIDÊNCIA SOBRE DESPESAS COM ASSISTÊNCIA MÉDICA, REFEIÇÕES E LANCHES. REMUNERAÇÃO E SALÁRIO. ASSISTÊNCIA MÉDICA. NATUREZA PREVENTIVA E ASSISTENCIAL. INTERESSE DO EMPREGADOR. LANCHES E REFEIÇÕES EVENTUAIS. CARÁTER NÃO-REMUNERATÓRIO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A Contribuição para o FGTS não deve incidir sobre as despesas decorrentes de assistência médica e alimentação eventual. 2. O parágrafo 2º, inciso IV, do art. 458 da CLT, exclui expressamente a assistência médica do conceito de remuneração e salário. 3. A natureza do benefício de assistência médica é, na verdade, preventiva e assistencial, e envolve interesse direto do empregado, não possuindo caráter remuneratório. 4. Não se pode considerar remuneração a despesa decorrente de serviço de cafezinho e água mineral, lanches e pagamento de reembolso de refeição eventual a empregados e visitantes. 5. Os honorários contra a Fazenda Pública devem ser fixados moderadamente, no caso, em 10% sobre o valor da causa corrigido. 5. Apelação e remessa necessária improvidas.[10]

XI - O benefício concedido pelo empregador a título de assistência-médica ou seguro-saúde também não configura base de cálculo de contribuição previdenciária. É que tais verbas, a par de não remunerarem qualquer serviço prestado pelo empregado, não são pagas em função do trabalho desenvolvido pelo empregado, consistindo apenas num investimento na saúde do trabalhador. Diante da natureza não-remuneratória de tais verbas e por ter o Estado sozinho condições de concretizar o direito constitucional à saúde, o legislador, através da Lei 10.243/01, alterou o artigo 458, §2º da CLT, esclarecendo que o auxílio-saúde ou assistência médica não possui natureza salarial.[11]

SEGURO-SAÚDE. NÃO-INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O acórdão recorrido se harmoniza com o entendimento jurisprudencial majoritário desta Corte, de que a concessão pelo empregador de assistência médica gratuita constitui benesse ao empregado e não deve ser considerada salário, pois não remunera o trabalho prestado. A exegese em referência está confirmada, explicitamente, com a nova redação dada ao § 2º do artigo 458 da CLT pela Lei nº 10.243, de 19/06/2001, que não considera salário a assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde. Recurso conhecido e desprovido.[12]

Agravo regimental em recurso extraordinário. Custeio da assistência médica diferenciada. Estado do Rio Grande do Sul. Lei estadual 7.672/1982. Natureza do tributo. Espécie vinculada ao financiamento da seguridade social. Restituição das contribuições a partir do advento da EC 20/1998. O custeio da assistência médica diferenciada presente no Estado do Rio Grande do Sul, por se tratar de ação voltada a assegurar direitos relativos à saúde, é espécie vinculada ao financiamento da seguridade social e, portanto, conforme decidido por esta Corte na ADI 2.010, medida liminar, Rel. Min. Celso de Mello, não pode ser aplicada aos aposentados e pensionistas. Ocorrerá restituição das contribuições a partir do advento da EC 20/1998, não se tratando, obviamente, de enriquecimento sem causa dos pensionistas, por ser um direito devidamente reconhecido a eles por esta Corte. Agravo regimental a que se nega provimento[13].

A CLT, ao tratar da remuneração, exclui expressamente o benefício de assitência médica e hospitalar do rol de utilidades enquadradas como salário:

Art. 457 - Remuneração é o conjunto de retribuições recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidade, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família.

Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.

[...]

§ 2.º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:

I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço;

II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático;

III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;

IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;

V – seguros de vida e de acidentes pessoais;

VI – previdência privada;

Tem-se ainda, no Estatuto dos Servidores Públicos de Jaraguá do Sul (Lei Complementar 3/93), a definição do que vem a ser a remuneração devida:

Art. 34 - Remuneração é o vencimento do cargo, acrescido das vantagens pecuniárias, incorporadas ou não, pagas a cada mês ao servidor.

Definindo o que vem a ser o vencimento e as vantagens pecuniárias, traz a norma:

Art. 33 - Vencimento é a retribuição pecuniária básica e inicial pelo exercício do cargo público, fixada em lei, e é irredutível.

Art. 38 - Além do vencimento, poderão ser pagas ao servidor as seguintes vantagens:

I - indenizações;

II - gratificações;

III - adicionais.

Resta claro que demais benefícios – dentre estes, o custeio de assistência médica – não encontram-se enquadrados no conceito de remuneração adotado pelo estatuto.

Nada consta, dentro do Título III, referente aos diretos e vantagens do servidor público, sobre a debatida assistência médica. Esta somente é tratada adiante, em seu Título VI, concernente à seguridade social do servidor (artigos 141 e 142) a ser prestada diretamente pelo órgão ou entidade ao qual estiver vinculado, ou mediante convênio (art. 173), a ser custeado com o produto da arrecadação de contribuições sociais obrigatórias dos servidores (art. 174).

De tal feita, insustentável o argumento de que as despesas com plano de assistência médica para servidores da Educação constituem-se em despesas concernentes a manutenção e desenvolvimento do ensino, i) por não reverterem em benefício concreto ao aperfeiçoamento da rede pública de ensino, ii) por não se enquadrarem no conceito de verba remuneratória devida aos profissionais da educação, e, enfim, iii) ante a necessidade de custeio por fonte autônoma de recurso, que não os direcionados especificamente ao desenvolvimento do ensino básico nacional.

A assistência médica prestada aos servidores não se coaduna com os ditames estatuídos na LDB – Lei n.º 9.394/96, por não se tratar de despesa direcionada ao desenvolvimento do ensino nacional.

Também não se coaduna com o disposto no art. 212 da CRFB/88, tal como sustentado pela Instrução Técnica, visto que o artigo em análise refere-se somente às atividades relacionadas à manutenção e desenvolvimento do ensino, tal como disciplinado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Ademais, este prevê, em seu §4º, que os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII[14], serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, deixando claro que os recursos destacados para o desenvolvimento do ensino nacional deverão ser utilizados em despesas que promovam o aperfeiçoamento das instituições de ensino.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1)              Por considerar irregular, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar n.º 202/2000, a realização de despesa no valor de R$ 732.240,35;

2)              Pela aplicação de multa, com fundamento no art. 70, I, da Lei Complementar n° 202/2000 c/c art. 19, inciso II do Regimento Interno, ao Sr. Moacir Antônio Bertoldi, em virtude das irregularidades apontadas no item supra;

3)              Pela determinação de que o valor indevidamente despendido seja ressarcido às finalidades previstas pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – dentro de um cronograma a ser apresentado pela Administração Municipal no prazo máximo de 5 anos;

4)              Pela comunicação do Acórdão, Voto e Relatório aos representantes e aos Responsáveis.

 

Florianópolis, 4 de outubro de 2013.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 



[1] Fonte: http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao. Acesso em: setembro/2013

[2] Art. 2o  Os Fundos destinam-se à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração, observado o disposto nesta Lei.

[3] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

[4] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; 

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; 

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; 

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. 

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

[5]Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências.

[6]Art. 2o  Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes: 

I - sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito; […]

III - sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população. 

[…]

Art. 4o  Não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos percentuais mínimos de que trata esta Lei Complementar, aquelas decorrentes de: […]

III - assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal;

[7] Informações retiradas  do site http://www.semec.pi.gov.br/Dimon/Arquivos/FUNDEBInformativos/Arquivo8115.pdf, de cartilha elaborada pelo Departamento de Desenvolvimento de Políticas de Financiamento da Educação Básica, e do site http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-perguntas-frequentes, de cartilha elaborada pela Coordenação de Operacionalização do Fundeb – COPEF. Acesso em setembro de 2013.

[8] Endereço eletrônico: http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-publicacoes, acesso em setembro de 2013.

[9]TST - RR: 6376812520005015555 637681-25.2000.5.01.5555, Relator: Altino Pedrozo dos Santos, Data de Julgamento: 11/05/2005, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 03/06/2005.

[10]TRF-2 - AC: 255174 RJ 2000.02.01.071364-1, Relator: Desembargador Federal PAULO BARATA, Data de Julgamento: 12/12/2006, TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data: 01/01/2007 – Página: 243

[11]TRF-3 - AMS: 1743 SP 0001743-26.2005.4.03.6119, Relator: Desembargadora Federal Cecilia Mello. Data de Julgamento: 11/12/2012, SEGUNDA TURMA.

[12]TST. E-ED-RR – Processo n.º 653425-60.2000.5.01.5555, SBDI-1, Relator: Juiz Convocado Roberto Pessoa, Publicado no DEJT em: 23/4/2010. Disponível em: http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/2590019

[13] RE 357.628-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 16-9-2003, Primeira Turma, DJ de 3-10-2003.) No mesmo sentido: RE 630.935-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE de 4-3-2011.

[14] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

[…]

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.