PARECER nº:

MPTC/22807/2014

PROCESSO nº:

REC 11/00506060    

ORIGEM:

Secretaria de Estado da Educação e Inovação

INTERESSADO:

Miriam Schlickmann

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração contra decisão exarada no Processo n.TCE-03/07347702 - Tomada de Contas Especial - Conversão do Processo n. ARC n. 0307347702 - Auditoria sobre Registros Contábeis e Execução Orçamentária do exercício de 2002

 

PEDIDO DE VISTAS – SESSÃO DE 10.02.2014

 

 

            Com fundamento no art. 214 do Regimento Interno dessa Corte de Contas, em 10.02.2014 requeri vistas dos presentes autos onde está incluso o presente recurso, interposto por Miriam Schlickmann, na condição de ex-Secretária de Estado da Educação e Inovação - SEEI.

Quanto à matéria tratada nos autos, em que pesem os abalizados pareceres emitidos tanto nos autos originais (ARC 0307347702), quanto no presente recurso, entendo que o valor da multa aplicada à recorrente no item 6.2.1, no valor de R$ 4.000,00 mereça ser revista quanto ao seu quantum, por considerá-la desproporcional aos fatos motivaram sua aplicação.

Observou a Instrução no parecer de fl. 411 do processo base, que as despesas de aproximadamente R$ 100.000,00 foram realizadas irregularmente, por utilizar verbas da fonte FUNDEF na festividade de formatura de professores indígenas, inobservando os termos da Lei federal n.º 9.394/96, por caracterizar desvio de finalidade.

Em contrapartida, a Secretaria de Estado da Educação havia firmado entendimento diverso no sentido de ser considerado o ato praticado um momento solene de formatura, no encerramento de ações que visaram o  a implantação e desenvolvimento de políticas nacionais de educação indígena, desenvolvidas a nível nacional e estaduais contempladas na Lei de Diretrizes e Bases.

Nesse sentido argumentou a SEEI à fl. 179 que:

 

A Secretaria de Estado da Educação, em 1991 assumiu o encargo pelo desenvolvimento das ações referentes à execução da Política Nacional de Educação Indígena, que até então era de responsabilidade dos órgãos indigenistas oficiais.

 

[...]

 

A Constituição Federal, nos arts. 210 e 231, reconhece aos índios o direito à manutenção de suas culturas, a uma indentidade étnica diferenciada e a uma educação que fortaleça este direito. Isto é refirmado pela Lei de Diretrizes e Bases, em seu “Art. 78: “ O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e assistência aos índios, desenvolverá programas integrantes do ensino e pesquisa, para a oferta de educação bilíngue intercultural aos povos indígenas”.

 

Informa ainda à fl. 180 que 48 índios foram habilitados para exercer o magistério e para atuarem de modo específico e diferenciado nas suas respectivas comunidades.

Arremata por fim a SEEI que a agência de publicidade Carlos Paulo Propaganda que tinha a responsabilidade de organizar e efetivar o evento solene de formatura, observando que já estava credenciada para a prestação dos serviços, em decorrência da Concorrência Pública n. 001/99-SGO, de 16/07/99 e tendo por base o Contrato n.º 15/99-SGO, de 27/12/99. E nesse contexto argumenta que a publicidade em torno do ato de encerramento da preparação indígena representou um marco para o Estado e para o país. 

A contextualização do evento encerra interpretações diferenciadas conforme colhe-se da leitura dos autos, e destas, respeitadas as demais compreensões lançadas, entendo como correta a que foi exposta pela Conselheira Substituta/Relatora,  nos autos originais, à fl. 436 quando anotou:

 

No meu entender a realização de evento de formatura de professores não se enquadra nas hipóteses mencionadas, assim como em nenhuma das outras estipuladas no citado dispositivo legal, fugindo sua realização dos objetivos estipulados ao FUNDEF.

 

Contudo discordo dos posicionamentos dos Órgãos Técnico e Ministerial que sugerem a imputação de débito, por entender que restou comprovado nos autos a efetiva realização das despesas.

 

Esta Corte de Contas ao se manifestar em questões análogas, especialmente aquelas referidas a Municípios, tem decidido pela aplicação de multa, quando os recursos oriundos do referido fundo não são aplicados dentro dos objetivos legalmente estipulados.

 

Assim considero que no caso em tela deva ser determinada aplicação de multa à Responsável com base no disposto no artigo 69 da Lei Complementar n.º 202/2000.  

 

Assim ficou reconhecido o ato como “evento de formatura”, o que afasta a interpretação de festa ou festividade. Também ficou recepcionada, por comprovação nos autos,  a efetiva realização da despesa, que afastou a imputação do débito, e nesse contexto situou-se a resolução da questão, adotando-se a aplicação de multa, seguindo orientação dessa Corte de Contas.

O que me leva a formular a compreensão de que a multa deva ser reduzida é exatamente o fato de que a despesa foi realizada em ações vinculadas ao evento de formatura, e sem que se possa aventar a presença do dolo na ação administrativa realizada, ou ainda malversação deliberada de recursos do erário.

A matéria em discussão, isto é, o valor da multa, que considero excessiva no montante de R$ 4.000,00, me parece mereça ser revista em razão de que as circunstâncias que se relacionam aos fatos que motivaram sua aplicação estão a indicar a desproporcionalidade do valor.

 

 

Dentro do enfoque que se expos acima, cito adiante a interpretação que foi dada pelo Tribunal Regional Federal ao discutir a conduta do gestor público:

Para melhor esclarecer a matéria, abaixo cita-se julgado do TRF-1, quanto à discussão de conduta do agente público à luz da Lei federal 8.429/92 no processo HC 194744120104014300:

1. Do contexto probatório, verifica-se que houve, de fato, as irregularidades consideradas na sentença (violação ao art. 10 , inciso XI , da Lei nº 8.429/92), porque deixou a requerida de observar as normas de regência na aplicação dos recursos federais, contribuindo para sua aplicação irregular, uma vez que, na condição de gestora do município, à época dos fatos, permitiu a transferências de recursos do SUS para outras contas do Município, sem que houvesse a devida contraprestação, bem como o pagamento de despesas afetas ao Município com recursos do Sistema Único de Saúde.

2. No caso, não houve comprovação de malversação dos recursos públicos ou enriquecimento ilícito por parte da ex-gestora. Também não se vislumbra, nesse ponto, a ocorrência de prejuízo ao erário, porque parte da verba foi transferida para contas da Prefeitura Municipal e parte utilizada em pagamento de despesa de responsabilidade da comuna, principal e única beneficiada com o desvio de finalidade das verbas, não se mostrando razoável a condenação da ex-gestora na restituição de valor.

3. A Lei 8.429/92 visa punir, exemplarmente, atos de corrupção e desonestidade.

4. O ato de improbidade administrativa não pode ser entendido como mera atuação do agente público em desconformidade com a lei. A intenção do legislador ordinário na produção da norma (Lei n. 8.429/92), em observância ao texto constitucional (CF , art. 37  § 4º ), não foi essa, mas sim a de impor a todos os agentes públicos o dever de, no exercício de suas funções, pautarem as suas condutas pelos princípios que regem a Administração Pública, sob pena de sofrerem sanções pela sua inobservância.

5. Não se pode confundir meras irregularidades administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429 /92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade.

6. No caso em exame, não se colhe das circunstâncias dos fatos tenha a ré agido com dolo ou má-fé, ou mesmo culpa, com eventual prejuízo ao erário, condição indispensável, na hipótese, para a condenação por ato de improbidade administrativa.

7. Apelação da ré provida.

 

 

 

Extrai-se do julgado acima a compreensão firmada de que ao agente público compete a observância dos princípios que regem a gestão na Administração Pública, e incorrendo em falha de procedimento cabe a aplicação de sanção pelo ato irregular.

Entendo não estar caracterizado no ato em discussão o dolo, ou a má-fé ou mesmo culpa que tenha evidenciado prejuízo ao erário, e sim a prática de  irregularidade administrativa, ao deslocar a aplicação de recursos do FUNDEF para solenidade de formatura de professores, na condição de indíginas.

Pelas razões anteriormente expostas, concluo que o ato administrativo da Secretaria de Educação e Inovação não possa ser considerado como passível de impugnação do valor da despesa, mas ensejador de aplicação de multa, posicionamento também adotada pela Relatora quando anotou à fl. 436 a improcedência da proposição lançada de imputação de débito em razão da efetiva realização da despesa.

Por tais motivos é que, dentro da reiterada interpretação dessa Corte, houve deliberação de aplicação de multa, pelo fato das verbas do fundo terem sido aplicadas, embora em objetivo diverso da previsão legal.

Contudo, há informações que estão contidas nos autos e que merecem ser repisadas para ampliar o conhecimento dos fatos e assim faço no sentido de melhor ver esclarecidas as razões que levaram a SEEI a proceder na forma questionada.

Assim, transcrevo do presente recurso anotações que entendo importantes para justificar minha convicção de que a multa deva ser reduzida.

 

Fl. 4

Manifestação da recorrente

 

Os recursos da fonte do FUNDEF, foram previstos no orçamento da SED de 2002, na ação 2142-Curso de Formação para Educadores da Educação Indígena e no item 2116 – Serviços Administrativos, aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado, conforme anexos 1 e 2. A utilização de recursos justifica-se, além de cumprir o disposto no  § 2.º , Art. 9.º da Lei nº 9.424/96 que previa a formação dos professores leigos no prazo de cinco anos, consolidar o espaço da educação indígena no âmbito da Secretaria da Educação, referenciando as escolas dentro das comunidades possibilitando uma mudança de perspectivas em relação à escolarização.

 

Fl. 5

Manifestação da recorrente

 

Portanto, a utilização dos recursos do Fundef – fonte 13, são justificáveis, uma vez que  foram aplicados na Valorização do Magistério, extinguindo a categoria de professores leigos conforme orientação da própria legislação do Fundef. Além disso, os participantes do curso eram professores  vinculados ao Sistema de Ensino da Rede Estadual conforme comprovam as portarias também em anexo. (7 a 48)

 

Na apreciação do Voto do Relator no presente recurso, identifico citação da Lei/SC n.º 6.677/85 que regula e proíbe despesas com festividades. O § 1.º do art. 1.º indica taxativamente a proibição de gastos com festas de fim de ano, aniversários de autoridades, comemorações de qualquer data ou evento, e o § 2.º a proibição expressa de despesas com aquisição ou distribuição de brindes ou objetos com finalidade assemelhada.

Por isso, necessário identificar a composição das despesas conforme descrito no quadro de fl. 63, de cuja leitura, em razão da Lei/SC n.º 6.677/85, não convalido os gastos com layout e arte final na confecção de 100 cadernos (R$ 4.497,60), confecção de 60 porta-retratos (R$ 1.886,20), assim como as que se referem à realização de baile (citado à fl. 64-verso).

Nas condições relatadas na presente manifestação é que encontro as razões para a redução do valor da multa aplicada no item 6.2.1 da decisão recorrida, por entender seu valor desproporcional aos fatos que ensejaram sua aplicação.

Verificados os argumentos recursais e em confronto com as demais informações dos autos opino pelo conhecimento do recurso e formulo proposição de redução do quantum da multa aplicada à recorrente, com determinação à Secretaria de Estado da Educação e Inovação que observe de modo preciso a aplicação dos recursos que são de sua competência executar. Entendo serem razoáveis os argumentos recursais a justificar a utilização dos recursos aplicados.

Dentro do conjunto de fatores que estão expostos nos autos e na peça recursal, firmo a convicção de que a multa aplicada à recorrente no item 6.2.1 possa ser revista no seu valor para reduzí-la na proporção dos fatos tidos como inadequados e que geraram as despesas ocorridas na Secretaria de Estado da Educação e Inovação.

 

Florianópolis, 12 de fevereiro de 2014.

 

 

 

 

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