PARECER nº: |
MPTC/23364/2014 |
PROCESSO nº: |
RLA
09/00529008 |
ORIGEM: |
Secretaria
de Estado da Educação |
INTERESSADO: |
Paulo
Roberto Bauer |
ASSUNTO: |
Auditoria
in loco relativa a atos de pessoal - 10 admissões - Exercício de 2007 |
1.
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Auditoria de Atos de Pessoal,
realizada na Secretaria de Estado da Educação, com o objetivo de verificar a
legalidade dos atos de admissão de servidores efetivos para fins de registro,
abrangendo os exercícios de 2007 a 2009.
Dessa forma, foram analisados cerca de 800
(oitocentos) atos de admissão de servidores decorrentes dos Concursos Públicos
nº 12/2005.
2.
ANÁLISE
Coube à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal o
verificar se os atos de admissão preencheram os requisitos cotejados na
legislação pertinente à matéria.
A apreciação, para fins de registro dos atos, teve
por suporte a previsão legal estatuída no inciso IV, do art. 59, da
Constituição Estadual, inciso IV, do art. 1º, da Lei Complementar Estadual nº
202/2000, Edital de Concurso nº 12/2005.
O Corpo Instrutivo anota que os presentes autos
restringiram-se à análise das admissões para o cargo de Analista Técnico em
Gestão Educacional - função de Artífice II. E que os demais atos abrangidos
pela auditoria integram autos apartados que tramitam na Corte de Contas.
De introito, registra que os processos
admissionais estão corretamente instruídos com os documentos necessários à
assunção do cargo. Porém, salienta que a regularidade das admissões restou
prejudicada em virtude da Lei Complementar Estadual nº 351/2006, que
transformou todos os cargos do Quadro existentes na Secretaria de Educação num
único cargo, infringindo os arts. 37, II e 39, § 1º, I, da Carta
Constitucional.
Nesse sentido, requereu-se à Audiência do
Secretário de Estado da Educação – Senhor Paulo Roberto Bauer - para
apresentação de justificativas.
Instado a se manifestar, o Responsável apresentou
contrarrazões.
Em preliminar, suscita a ilegitimidade passiva,
informando que os atos praticados não ocorreram na sua gestão.
Argumenta que não lhe coube a elaboração da norma,
sendo de iniciativa privativa do Governador do Estado. Portanto, adstrito ao
seu cumprimento. Outrossim, que as nomeações “estão crivadas pela absoluta
legalidade porque foram feitas em respeito ao Princípio Constitucional da
Legalidade Estrita e com efeitos vinculados, não havendo a possibilidade do
administrador escolher outra forma de fazer o Ato ou nomeá-los em outros cargos
na ótica que melhor entendia”. (Informação nº 536/2009, p. 32)
Por fim, requereu o acolhimento das justificar ora
postas.
A Instrução ressalta que a subdivisão do cargo
único em classes possibilita que diversas atribuições funcionais, com
diferentes níveis de formação, exerçam o mesmo cargo público, caracterizando
flagrante burla ao instituto do concurso público.
Aduz que a criação da nomenclatura única afronta
diretamente os arts. 37, II e 39, § 1º, I, II, III, da Carta Magna. Que a Lei
Complementar nº 351/2006, especificamente nos arts. 14 e 15 possibilita a
transposição de cargos, e confundiu as competências específicas com a
denominação única de cargo.
Reforça a tese, citando a ADI 3966/2007, que
questiona a constitucionalidade dos arts. 14 e 15 (Da Progressão por Nível de
Formação) da LC nº 351/2006.
Nesse sentido, o Corpo Técnico considera
irregulares os atos de admissão dos servidores da Secretaria de Estado da
Educação, sugerindo a denegação do registro dos referidos atos.
Porém, o Corpo Instrutivo registra que os
servidores cumpriram os requisitos constitucionais para a admissão. Mas que não
poder-se-á registrar o ato admissional pela inaplicabilidade do art. 39, caput, do Regimento Interno da Corte de
Contas.
3. DA PROCURADORIA
Do exposto, este Órgão Ministerial, no propósito
de auxiliar a Corte de Contas no julgamento da matéria em debate, apresenta
algumas considerações.
Partindo-se da premissa da inconstitucionalidade
normativa defendida pelo Corpo Instrutivo, e no intuito de elucidar os efeitos
advindos dessa possível declaração, subsumidos ao fato concreto, destaca o
seguinte:
I-) Efeitos decorrentes da declaração de
inconstitucionalidade de norma e o princípio da segurança jurídica na concessão
do ato aposentatório.
Considerando os limites temporais, os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade podem ser retroativos (ex tunc) ou não retroativos (ex
nunc).
a)
Declaração
de declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc
Adota-se essa premissa tanto para os casos de
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso
quanto no controle concentrado.
Nesses casos, além da retroatividade, a declaração
de inconstitucionalidade de determinada lei torna aplicável legislação anterior ao caso existente, salvo expressa
manifestação em sentido contrário.
Alexandre
de Moraes leciona:
"Declarada
a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão
terá efeito retroativo (ex tunc) e
para todos (erga omnes), desfazendo,
desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as
consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de
qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos
com base nela praticados (efeitos ex tunc)”
(MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 25ª Edição, Editora Atlas, 2010,
p. 763).
É o efeito
repristinatório da declaração de inconstitucionalidade.
b)
Declaração
de declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc
O Supremo Tribunal Federal vem admitindo, por
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poder-se-á
restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.
Dessa forma, a regra do efeito retroativo e
repristinatório da declaração de inconstitucionalidade poderá ser abrandada,
desde que a segurança jurídica ou o interesse social o justifique. Tem-se
admitido a permanência dos efeitos da norma mesmo após ter sido ela declarada
inconstitucional.
Trata-se, portanto, de
interpretação excepcional fundada em razões de segurança jurídica e interesse
social, cuja finalidade é evitar a ocorrência de maiores danos sociais em razão
da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade.
Ensina o Ministro Gilmar
Mendes:
“Razões
de segurança jurídica podem obstar à revisão do ato praticado com base na lei
declarada inconstitucional. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo
em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais
danosa para o sistema do que a sua preservação temporária. Não há negar,
ademais, que aceita a ideia da situação “ainda constitucional”, deverá o
Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro
momento, fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada”. (STF, AC 189/SP – Rel.
Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I, 15 abril 2004, p.14)
É importante frisar que o STF,
ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, cuja decisão afetará a
todos os jurisdicionados que se encontrem em determinadas situações regidas
pela norma cuja inconstitucionalidade esteja sendo arguida, deverá considerar,
também, as consequências que de sua decisão advirão em relação a todas as
situações jurídicas já criadas a partir do controle difuso.
Sob esse prisma, subjugando o
caso concreto aos efeitos supervenientes de uma possível declaração de
inconstitucionalidade, e lembrando, ainda não declarada, a subsunção ao direito
permanece inalterado.
Ou seja, não se pode tolher tal
beneplácito em razão da mácula legislativa. Muito menos, quando ainda não
declarada, como se pode verificar no caso em tela.
O que se visa estabelecer nesta
análise é a tese de que, independentemente de qualquer efeito advindo de uma
possível declaração de inconstitucionalidade, o direito resta inequívoco.
II
– Art. 39 do Regimento Interno do Tribunal de Contas
O Corpo Técnico alinha sua tese
pela prejudicialidade do registro do ato admissional, consubstanciado no artigo
39do Regimento Interno da Corte de Contas, que veda o registro nos casos em que
a concessão for considerada ilegal e por não preencher os requisitos
estabelecidos na Carta Constitucional.
Por outro lado, assevera que
tal preceito não pode afetar o direito dos servidores.
O mérito, neste caso, é
abarcado pelo preenchimento dos requisitos normativos inerentes ao ato
admissional, e não à irregularidade perpetrada pela Administração Estadual.
Hely Lopes Meirelles conceitua
mérito administrativo:
O conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas
poderá ser assinalada sua presença toda a vez que a Administração decidir ou
atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato. O mérito
administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na
escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática,
quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato
a realizar. (MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed.
São Paulo: Malheiros, 1990)
José Cretella Júnior Leciona:
Mérito
do ato administrativo é expressão de sentido especialíssimo, porque aqui, posta
de lado a tradicional noção processual do termo mérito, significa o conjunto: a
oportunidade e a conveniência do ato administrativo.
Nesta
acepção, o mérito, não se confunde de
modo algum com a legalidade, nem a
esta se contrapõe pela própria natureza diversa e específica de cada um dos
campos.
(JUNIOR, José Cretella, Curso de Direito
Administrativo, Editora Forense, 1997, p. 275)
Ora, perceba-se que no caso
concreto não há vício quanto ao mérito, mas sim, incorreção legislativa oriunda
da inépcia do Poder Administrativo. Nesse norte, não há que se discutir questão
prejudicial. Resta patente, para tanto, a possibilidade do registro do ato
admissional.
III
– Do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo STF x
inconstitucionalidade declarada pelo TCE/SC;
No ano de 2007, o Ministério
Público ingressou com 24 (vinte e quatro) ADI´s questionando a constitucionalidade de alguns artigos das Leis Complementares
que instituíram os novos planos de cargos e vencimentos para os servidores
integrantes da Administração Pública Estadual, incluindo-se nesse rol, a Lei
Complementar nº 352/2006 (art. 14 e 15), ora em apreço.
Em razão da matéria já ser alvo
da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da
República no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3966), o Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina decidiu
sobrestar o julgamento dessas ADI´s, até a apreciação derradeira da Corte Máxima
de Justiça.
Supondo que o Supremo Tribunal
Federal julgue pela constitucionalidade da Lei nº 351/2006 e o Tribunal de
Contas, por seu turno, precedente ao julgamento da ADIN, pugne pela
inconstitucionalidade e denegue o registro do ato admissional.
Como bem enumerado pelo Corpo
Instrutivo, o Estado editou várias leis como idêntico preceito normativo.
Impende frisar que serão objeto de análise dessa Corte de Contas inúmeros
processos como o mesmo fundamento fático e jurídico.
Ter-se-á como consequência
direta, a necessidade de nova análise do todos os processos, em caso de
julgamento pela constitucionalidade das indigitadas normas.
A denegação desses registros
com base em uma possibilidade jurídica remota, entre várias que o STF poderá
vir a adotar, enseja julgamento temerário.
Considerando, ainda, que o
Tribunal de Contas entende clarividente o direito dos servidores;
Considerando imprescindível a
prevalência da segurança jurídica nos casos concretos;
Este
Órgão Ministerial pugna pelo registro do ato admissional dos servidores.
Florianópolis, em 18 de março de 2014.
MÁRCIO DE SOUSA ROSA
Procurador Geral