Parecer no:

 

MPTC/23.532/2014

                       

 

 

Processo nº:

 

REP 09/00512385

 

 

 

Interessado:

 

Rogério Biazotto

 

 

 

Assunto:

 

Irregularidades na aquisição de imóveis pela municipalidade

 

Trata-se de Representação formulada às fls. 02-04 pelos Srs. Rogério Biazotto, Aldair Brandão e Rafael Dalavequia  ex-Vereadores do Município de Capinzal, acerca de possíveis irregularidades relacionadas à aquisição de um terreno por meio de desapropriação, em novembro de 2004, pela Prefeitura de Capinzal.

A Instrução Técnica emitiu Relatório de Admissibilidade n.º 03604/2009, de 21/08/2009, às fls. 39-42, por meio do qual se manifestou pelo conhecimento da representação sugerindo à Diretoria de Controle dos Municípios a adoção das providências necessárias para apuração dos fatos apontados como irregulares.

O Ministério Público de Contas manifestou-se às fls. 43-44, sustentando o acolhimento integral da representação, assim como determinação das providências necessárias à apuração dos fatos.

O Conselheiro Relator emitiu o Despacho Singular n.º 40/2010, às fls. 45-46, no sentido de conhecer da representação e determinar à Diretoria de Controle dos Municípios a adoção de providências cabíveis, inclusive auditoria, inspeção ou diligência com vistas à apuração dos fatos apontados.

Foram acostados documentos às fls. 53-74.

Prestados os esclarecimentos, a Diretoria Técnica emitiu novo Relatório n. 04298/2013 às fls. 48-52, onde concluiu por:

3.1. CONHECER o presente relatório de Instrução, para considerar IMPROCEDENTE a representação, em face da não confirmação da irregularidade apontada pelo(s) Representante(s);

3.2. DETERMINAR o arquivamento dos autos;

3.3. DAR CIÊNCIA da decisão ao Representado, Sr. Nilvo Dorini e aos Representantes, Srs. Rogério Biazotto, Aldair Brandão e Rafael Dalavequia.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

Do objeto da Representação:

Possíveis irregularidades relacionadas à aquisição de um terreno por meio de desapropriação, em novembro de 2004, pela Prefeitura de Capinzal. O imóvel, em 2002, foi avaliado por Comissão constituída pela Prefeitura, pelo valor de R$ 38.000,00 e reavaliado em outubro de 2004, pela mesma Comissão, em R$ 43.000,00. Dos R$ 43.000,00 pagos à Srª Rosa Scariot, herdeira do proprietário do imóvel desapropriado, R$ 9.000,00 teriam sido destinados ao Srº Hilário Chiamolera, advogado da Srª Rosa, que atuou no processo de inventário do Srº Ângelo Crivelatti ( proprietário do imóvel em questão, falecido antes da conclusão da desapropriação)  e que também era advogado contratado pelo Município de Capinzal.

1               - Do valor do imóvel e da avaliação técnica

Verificou-se, após análise dos autos, que o gestor da época recebeu por meio da Lei Municipal nº 2.540/2004 autorização em 14 de abril de 2004, para adquirir, por desapropriação amigável, um terreno urbano, declarado de utilidade pública nos termos do Decreto Municipal nº 009/2004, no valor de R$ 38.000,00 (trinta e oito mil reais) conforme consta à fl. 14.

A primeira avaliação do terreno desapropriado se deu em 20 de dezembro de 2002. Em razão da Ação de Inventário instaurada em 12/12/2002 e encerrada em 18/10/2004, referente ao espólio de Ângelo Crivelatti, proprietário do imóvel investigado, os herdeiros solicitaram uma atualização do valor do imóvel.

Então, em 10/11/2004, o Prefeito Municipal publicou o Decreto nº 050/2004, à fl. 17, autorizando o Município de Capinzal a adquirir o imóvel por um novo valor, por R$ 43.000,00 (quarenta e três mil reais).

Ao publicar esse novo decreto, o gestor não desobedeceu a autorização legislativa, visto que tinha recebido autorização para adquirir por desapropriação o imóvel pelo valor de R$ 38.000,00, como também feriu o Princípio da Legalidade visto que a Administração Pública somente pode agir nos termos da lei autorizadora.

A Administração pública não pode agir por meio de atos que importem em imposição unilateral de vontade. Sempre que a lei requer regulamentação, e o chefe do Executivo define, por meio de decreto, a solução a ser adotada pela Administração Pública, não lhe é facultado aplicar solução diversa daquela apontada pela lei. No caso em tela, a Lei Municipal nº 2.540/2004.

Outro fato que se percebe ao analisar o Decreto nº 050/2004, é que não se evidencia quais os parâmetros usados para corrigir o valor do imóvel. Apesar de ter sido avaliado por comissão constituída para esse fim.

Se havia necessidade de atualização monetária do valor do imóvel desapropriado, o Administrador deveria ter pedido nova autorização legislativa ou então, deveria ter desapropriado o terreno pelo valor de R$ 38.000,00 e discutido via judicial o valor mais justo.

A desapropriação ocorre de duas maneiras: se houver acordo amigável entre as partes, será efetuado o pagamento e a desapropriação é encerrada. Caso haja divergência quanto a indenização paga, o poder público necessitará recorrer a via judicial.

E mais, havendo urgência na desapropriação o Decreto Lei Federal nº 3.365/41, dispõe, in verbis:

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens;

 

A desapropriação consuma-se com o pagamento ou com a consignação da indenização em juízo, quando se transfere a propriedade para o expropriante.

Desta feita, nãoargumentos nos autos que justifiquem a opção do Prefeito em afastar a aplicação da Lei Municipal nº 2.540/2004, que autorizava a desapropriação do imóvel no valor de R$ 38.000,00 (trinta e oito mil reais), determinando, mediante decreto, o pagamento de R$ 43.000,00.

Também se constata nos autos que o imóvel desapropriado foi objeto de avaliação técnica assinado pelos engenheiros Srª Maria Helena Maestri, Srª Ruites Valmir Andreoni Junior e Srº Sérgio Luiz Riquetti todos com inscrição no CREA/SC. Os termos da avaliação foram os seguintes:

[...]

Área do terreno: 417m²

Localização: Área urbana do município de Capinzal-SC, confrontando com a Rua Pres. Nereu Ramos na extensão de 36,90m, com a Rua Luiz Dorini na extensão de 19,00m, e com uma Rua Projetada na extensão de 40,80m.

Área Construída: 350,00m²

Características do Terreno:

1-    Terreno de forma poligonal, plano e isolado, ou seja, não apresenta confrontações com outros terrenos. As frentes voltadas para as ruas Pres. Nereu Ramos e Luiz Dorini estão a menos de 15m do Rio Capinzal, uma vez que este trecho está sobre a ponte que atravessa de forma diagonal as duas ruas.

2-     Localização estratégica e favorável para a implantação de praça ou logradouro público, proporcionando melhor aspecto urbanístico.

Características das Construções:

1-    Edificação comercial e residencial mista, com dois pavimentos, apresentando padrão de acabamento baixo e conservação regular.

2-     Edificação comercial de pavimento único, em alvenaria, e área coberta destinada ao funcionamento de garagem de veículos. Idade aproximada: 4 anos

VALOR APURADO:

Total da avaliação: (Terreno e Edificações).......... R$ 43.000,00

Para a apuração do valor, levamos em consideração as características acima mencionadas e os valores vigentes no mercado imobiliário desta cidade.

De acordo com a Norma ABNT NBR 14653-1-2001 o laudo técnico de avaliação de imóvel deve conter os seguintes requisitos mínimos:

 

10  Apresentação do laudo de avaliação

10.1 Requisitos mínimos

O laudo de avaliação deverá conter no mínimo as informações abaixo relacionadas:

a) identificação da pessoa física ou jurídica e/ou seu representante legal que tenha solicitado o trabalho;

b) objetivo da avaliação;

c) identificação e caracterização do bem avaliando;

d) indicação do(s) método(s) utilizado(s), com justificativa da escolha;

e) especificação da avaliação;

f) resultado da avaliação e sua data de referência;

g) qualificação legal completa e assinatura do(s) profissional(is) responsável(is) pela avaliação;

h) local e data do laudo;

i) outras exigências previstas nas demais partes da NBR 14653; (grifo nosso)

 

Como se pode observar na avaliação apresentada pela Comissão Técnica às fls. 13 e 31, não foi apresentada nenhuma indicação do método utilizado para esta avaliação.

Da análise da avaliação que instrui os autos, constata-se que o valor atribuído ao imóvel, objeto da desapropriação, foi arbitrado pela Comissão, que não consta nenhuma referência acerca de quais os parâmetros usados para avaliação desse imóvel.

A atividade administrativa dos gestores públicos deve ser pautada em preceitos disciplinadores como, por exemplo, o Princípio da Economicidade, que está ligado à ideia de desempenho qualitativo, segundo o qual se busca a obtenção do melhor resultado possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais.

Merece registro também, evidentemente, a submissão ao Princípio da Eficiência. De acordo com Lucas Rocha Furtado, pode-se definir o Princípio da Eficiência, como segue:

“O princípio da eficiência requer do responsável pela aplicação dos recursos públicos o exame da relação custo/benefício da sua atuação“.

Logo, é dever dos agentes públicos por meio do exercício de suas competências, de forma imparcial, neutra, transparente e sempre em busca da qualidade, obter o melhor resultado possível na efetuação das despesas públicas, bem como observar se os gastos ocorreram com modicidade, sob a perspectiva do custo-benefício.

 

2    - Destinação do imóvel

Quanto a este item, os Representantes relataram que o imóvel desapropriado, estava sendo utilizado pelo Município em desacordo com a finalidade indicada no ato desapropriatório uma vez que era utilizado comodepósito de lama, garagem de caminhões e de local onde particular, se reveza, colocando seus veículos para venda durante os últimos cinco anos”.

Sobre esse ponto, manifestou-se o Corpo Técnico às fls. 50-51: em pesquisa realizada no dia 14/10/2013, no site Google maps constatou-se que no local indicado na Representação existe instalada uma praça pública.

Logo, o imóvel possui finalidade pública de acordo com a indicada no ato de desapropriação, qual seja, “destinado à abertura, conservação e melhoramento das vias e logradouros públicos e execução de plano de urbanização” (fl. 10).

Assim, após análise das imagens, o Corpo Técnico entendeu que não há irregularidade quanto à destinação do imóvel e opinou pelo conhecimento do presente Relatório, para que no mérito, seja julgada improcedente a Representação formulada.

Desse modo, acompanho o entendimento técnico, no sentido de considerar sanada a irregularidade quanto à destinação do imóvel.

 

3    - Do pagamento do imóvel em favor do advogado

Sobre este item, os representantes trouxeram a informação que dos R$ 43.000,00 pagos pelo imóvel, R$ 9.000,00 teriam sido para pagamento ao Srº Ângelo Crivelatti, advogado da Prefeitura de Capinzal, à época da desapropriação, e também advogado da Srª Rosa Scariot herdeira do bem desapropriado.

A Instrução Técnica após análise da documentação, contatou que o Município efetuou o pagamento integral da indenização à Srª Rosa. Porém ao efetuar o pagamento a Prefeitura Municipal de Capinzal emitiu dois cheques conforme cópia juntada às fls. 7-8, um no valor de R$ 9.000,00 e outro no valor de R$ 34.000,00 que corresponde ao valor da Nota de Empenho nº 5318 e da Ordem de Pagamento nº 5240, de fls. 5-6.

Então, apesar do pagamento dos honorários ser de responsabilidade do contratante, da Srª Rosa Scariot, o fato de ter utilizado do cheque emitido pela Prefeitura não há qualquer irregularidade.

Quanto à assessoria jurídica prestada pelo Drº Hilário Chiamolera a Prefeitura de Capinzal, o Órgão Técnico não encontrou nenhuma irregularidade já que de acordo com os contratos firmados após procedimento licitatório, o Drº Hilário não ocupava cargo público e também dele não se exigia dedicação exclusiva.

Sendo assim, não há qualquer impedimento ou incompatibilidade do Drº Hilário prestar serviços particulares.

 

4 – Da contratação terceirizada da assessoria jurídica

Constata-se nos autos, que durante a gestão do Srº Nilvo Dorini na Prefeitura de Capinzal, houve a contratação terceirizada de serviços jurídicos por sete anos consecutivos.

Situação essa que afronta entendimento da Corte de Contas conforme disposto abaixo:

O Tribunal de Contas tem firmado entendimento no sentido que, excepcionalmente, na hipótese de inexistência de cargo efetivo ou de vacância, pode haver a contratação do profissional para esses fins, desde que em caráter temporário. Tal é o entendimento esposado pelo Prejulgado TCE/SC n° 1579:

1. O arcabouço normativo pátrio, com apoio doutrinário e jurisprudencial, atribui a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública a servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos efetivos - admitidos mediante concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal - ou por ocupantes de cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração. Contudo, deve-se atentar para o cumprimento do preceito constitucional inscrito no art. 37, inciso V, da Constituição Federal, segundo o qual os cargos em comissão são destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia e assessoramento, devendo ser criados e extintos por lei local, na quantidade necessária ao cumprimento das funções institucionais do Órgão, limitados ao mínimo possível, evitando-se a criação desmesurada e sem critérios técnicos, obedecendo-se também aos limites de gastos com pessoal previstos pela Lei Complementar nº 101/00.

2. Havendo necessidade de diversos profissionais do Direito para atender aos serviços jurídicos de natureza ordinária do ente, órgão ou entidade, que inclui a defesa judicial e extrajudicial e cobrança de dívida ativa, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional (Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominações equivalentes). (...)

(...)

3. Para suprir a falta transitória de titular de cargo, quando não houver cargo de advogado, assessor jurídico ou equivalente na estrutura administrativa da Prefeitura ou Câmara, ou pela necessidade de ampliação do quadro de profissionais, e até que haja o devido e regular provimento, inclusive mediante a criação dos cargos respectivos, a Prefeitura ou a Câmara, de forma alternativa, podem adotar:

(...)

b) contratação de serviços jurídicos por meio de processo licitatório (arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 1º e 2º da Lei Federal nº 8.666/93).

(...)

No mesmo sentido, o Prejulgado TCE/SC nº 873:

1. Quanto à contratação de advogado ou serviços jurídicos, deve ser considerado o seguinte:

a) Tendo os serviços jurídicos, incluída a defesa judicial ou extrajudicial dos interesses do Município, natureza de atividade administrativa permanente e contínua, é recomendável que haja o correspondente cargo efetivo no quadro de servidores do Município para atender tal função, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal).

(...)

c) Para suprir a falta transitória de titular do cargo de advogado (ou outro equivalente), poderá o Município contratar (...) contratar serviços jurídicos através de processo licitatório.

(...)

 

O que se depreende da análise do presente caso é que não se trata de uma situação de caráter temporário, já que se verifica há pelo menos sete exercícios consecutivos, o que descaracteriza a situação de excepcionalidade registrada nos Prejulgados emanados dessa Corte.

Diante desse fato, a realização de procedimento licitatório não sana a irregularidade apontada, em vista do caráter de função permanente dessas atividades, as quais impõem a contratação mediante concurso público, em respeito ao disposto no art. 37, II, da Carta Magna.

O procedimento correto seria a realização de concursos públicos para o ingresso de servidores no quadro efetivo de advogado.

Não obstante a ilicitude constatada a matéria não foi ofertada ao contraditório do gestor responsável, razão esta a impedir a Corte do sancionamento da conduta neste momento.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) Pela procedência parcial dos fatos objeto da representação, considerando irregular, o pagamento de despesa sem a observância da Lei Municipal nº 2.540/2004 e avaliação do imóvel desapropriado não seguir o estabelecido nas normas da ABNT 14.653-1-2001;

2) Pela imputação de débito ao Gestor responsável no valor de R$ 5.000,00, correspondente ao montante pago a maior sem amparo da Lei Municipal nº 2.540/2004, aplicando-se ainda a multa prevista na art. 69 da Lei Complementar nº 202/2000;

3) Pela aplicação de multa ao Sr. Nilvo Dorini, ex-Prefeito de Capinzal, com base no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, pela prática da irregularidade consubstanciada pela realização de avaliação do imóvel adquirido por desapropriação sem observância da norma da ABNT 14.653-1-2001;

4) Pela determinação ao atual Gestor para que proceda à realização de concurso público para o atendimento das demandas municipais por serviço de assessoria jurídica, já que estas atividades revestem-se do caráter de permanência;

4.1) Pela comprovação à Corte das medidas adotadas, no prazo de 120 dias;

5) Pela comunicação da decisão ao Gestor indicado ao órgão de controle interno municipal e ao Poder Legislativo de Capinzal.

Florianópolis, 21 de março de 2014.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas