PARECER
nº: |
MPTC/24634/2014 |
PROCESSO
nº: |
REP 13/00740806 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Herval d'Oeste |
INTERESSADO: |
Vanderleia Silva Melo |
ASSUNTO: |
Irregularidades no edital de Pregão
Presencial n. 28/2013, visando o registro de preços para aquisição de pneus. |
Trata-se de representação encaminhada
pela Sra. Valéria Silva Melo, Advogada, na qual relata a ocorrência de supostas
irregularidades praticadas no edital de Pregão Presencial n. 28/2013, que visa
o registro de preços para aquisição de pneus.
A Diretoria de Controle de Licitações
e Contratações apresentou relatório técnico (fls. 111-115), por meio do qual
opinou pelo conhecimento da representação e pela determinação de audiência dos
responsáveis apontados no relatório para apresentarem suas justificativas
acerca das seguintes irregularidades:
·
Previsão,
no item 5.4 do Edital de Licitação n°073/2013, de que os pneus fornecidos pelos
licitantes sejam exclusivamente de fabricação nacional, em violação aos arts.
3°, §3°, da Lei n° 8.666/93.
·
Previsão,
no item 2.1 e do Edital de Licitação n° 073/13, de aglutinação de produtos e
serviços em uma só contratação, sem justificativa técnica, em violação ao art.
23, §1°, da Lei n° 8.666/93.
Este
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 116-117) acompanhou o
entendimento da instrução, bem como o Relator na decisão singular de fls.
118-119.
Realizada
a audiência, foram acostados os documentos de fls. 125, 132-146.
A Diretoria
de Controle dos Municípios apresentou novo relatório técnico (fls. 158-162),
opinando pela procedência da representação, pela aplicação de multas aos
responsáveis e pela determinação para que o Prefeito Municipal se abstenha de
realizar compras de pneus com base na ata de registro de preços do Pregão Presencial
n. 28/2013.
Das
justificativas apresentadas pelo pregoeiro, Sr. Rubens Antônio Correia, à fl.
125, verifica-se que conforme o item 9.1.2.1 do edital as decisões referentes às
impugnações devem ser proferidas pela autoridade subscritora do edital, neste
caso o Prefeito Municipal, que estava em viagem na data limite para a emissão
da decisão.
Informou
ainda que a licitação ocorreria no dia 26/11/2013 e que por orientação da
assessoria jurídica comunicou os licitantes e demais interessados de que
ficaria mantida a sessão pública, sem análise do mérito da impugnação.
Dessa
forma, entende-se que foram apresentadas razões suficientes para afastar a
responsabilidade do referido pregoeiro.
O
Sr. Nelson Guindani, Prefeito Municipal, e o Sr. Carlos Alberto Brustolin,
Advogado, apresentaram juntamente as suas justificativas às fls. 133-146,
afirmando, em síntese, que a exigência de que os pneus sejam de fabricação
nacional está de acordo com o inc. I do art. 15 da Lei n. 8.666/93, que o
município escolheu essa opção devido à especificação dos fabricantes dos
veículos da frota municipal, pela garantia diferenciada, pela assistência
técnica abrangente e afirmam, ainda, que o produto nacional atende os critérios
específicos da ABNT, que não há limitação à participação, pois existem pelo
menos 4 grandes fabricantes no Brasil e que os arts. 3º e 6º da Lei 8.666/93
conferem respaldo ao edital impugnado.
Acerca
da exigência do bem ser de fabricação nacional, essa Corte de Cortes já decidiu
que a mesma restringe o caráter competitivo do certame, em afronta as normas
que regem a matéria. Bem como o TCU pacificou o seu entendimento no mesmo sentido
através de Acórdão 1317/2013, conforme relatou a instrução.
Conforme
o art. 3º, § 1º, I, da Lei n. 8.666/2010, é vedado aos agentes públicos admitirem
cláusulas que restrinjam o caráter competitivo da licitação.
Está
consagrado em nossa Carta Magna o princípio da isonomia, diante do qual deverá
a administração assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes,
impedindo a utilização de exigências prescindíveis ao bom cumprimento do objeto
(art. 37, XXI, CF).
Em igual
sentido, dispõe a Lei n. 8.666/1993:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a
observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1º - [...]
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de
convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o
seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e
estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou
domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§
5o a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.
Dos
ensinamentos do ilustre CARVALHO FILHO[[1]extrai-se
que a
igualdade na licitação significa que todos os
interessados em contratar com a Administração devem competir em igualdade de
condições, sem que a nenhum se ofereça vantagem não extensiva a outro. O
princípio, sem dúvida alguma, está intimamente ligado ao da impessoalidade: de
fato, oferecendo igual oportunidade a todos os interessados, a Administração
lhes estará oferecendo também tratamento impessoal.
Isso
porque, conquanto se esteja a buscar em discutido edital a garantia de um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, o
desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF), não se pode perder de vista, na
elaboração do edital de licitação, os princípios que norteiam a administração
pública.
Não se
quer aqui, frise-se, garantir a plena igualdade entre os candidatos, posto que
a própria escolha da proposta mais vantajosa para a administração acaba por
diferenciá-los. Quer-se, ao contrário, impedir a inserção de cláusulas que,
arbitrariamente, sejam formuladas em proveito ou detrimento injustificado de
alguém.
A
finalidade de tal princípio é assegurar a igualdade de oportunidade a todos os
interessados, para que possam enviar suas propostas em conformidade com as
especificações técnicas do edital, e garantir a competição entre os
concorrentes, sem que haja favorecimentos pessoais em benefício de terceiros.
Tal garantia se dá, também, em observância ao consagrado princípio da
moralidade e da probidade administrativa.
Sobre o
tema, traz-se à colação os comentários de JUSTEN FILHO[2] em sua obra “Comentários à Lei de
Licitações e Contratos Administrativos”:
Há equívocos em supor que a isonomia veda
diferenciação entre os particulares para contratação com a Administração. A
Administração necessita contratar terceiros para realizar seus fins. Logo, deve
escolher o contratante e a proposta. Isso acarreta inafastável diferenciação
entre os particulares. Quando a Administração escolhe alguém para contratar,
está efetivando uma diferenciação entre os interessados. Em termos rigorosos,
está introduzindo um tratamento diferenciado para os terceiros.
A diferenciação e o tratamento
discriminatório são insuprimíveis, sob esse ângulo. Não se admite, porém, a
discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do
ocupante do cargo público. A licitação consiste em um instrumento jurídico para
afastar a arbitrariedade na seleção do contratante. Portanto, o ato
convocatório deverá definir, de modo objetivo, as diferenças que são reputadas
relevantes para a Administração.
Ainda,
acerca do dever de isonomia, presente no princípio da impessoalidade, elucida
Lucas Rocha Furtado[3]:
A partir dessa perspectiva, o princípio da
impessoalidade requer que a lei e a Administração Pública confiram aos
licitantes tratamento isonômico, vale dizer, não discriminatório. Todos são
iguais perante a lei e o Estado. Este é o preceito que se extrai da impessoalidade
quando examinado sob a ótica da isonomia.
A isonomia, ou o dever que a Constituição
impõe à Administração Pública de conferir tratamento não diferenciado entre os
particulares, é que justifica a adoção de procedimentos como o concurso público
para provimento de cargos ou empregos públicos ou a licitação para a
contratação de obras, serviços, fornecimentos ou alienações. Esta é a razão
pela qual a própria Lei nº 8.666/93 indica a isonomia como uma das finalidades
da licitação.
E, da
preleção de BANDEIRA DE MELLO[4],
extrai-se que referido princípio
implica o dever não apenas de tratar
isonomicamente todos os que afluírem ao certame, mas também o de ensejar
oportunidade de disputa-lo a quaisquer interessados que, desejando dele
participar, podem oferecer as indispensáveis condições de garantia. É o que
prevê o já referido art. 37, XXI, do Texto Constitucional. Aliás, o § 1º do
art. 3º da Lei n. 8.666 proíbe que o ato convocatório do certame admita,
preveja, inclua ou tolere cláusulas ou condições capazes de frustrar ou
restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório e veda o
estabelecimento de preferências ou distinções em razão da naturalidade, sede ou
domicílio dos licitantes, bem como entre empresas brasileiras ou estrangeiras,
ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o objeto do
contrato.
Deste
modo, não há como concluir por legítima a exigência para que os produtos
licitados sejam de fabricação nacional, visto que em momento algum a lei
permite a exclusão de produtos estrangeiros do certame licitatório ou o
estabelecimento de diferenças em razão da nacionalidade dos licitantes. Ao
contrário, a Lei de Licitações é expressa ao determinar que a qualidade de
produção nacional será exigida para fins de critérios
de desempate (art. 3º, § 2º,
II, da Lei n. 8.666/1993), e não para limitação do caráter competitivo da
licitação.
Ademais,
deve-se levar em conta que tais exigências deveriam guardar pertinência com o
objeto da licitação, o que não ocorreu no presente caso, pois o fato de o
produto ser produzido fora do território nacional não o torna inapto ou menos
apto à satisfação das necessidades da administração.
Com
relação à restrição de aglutinação do objeto, os responsáveis não a reconhecem
e alegam que os lances se deram por item, uma vez que o objeto do edital é
aquisição e produtos por itens individualizados.
Essa
afirmação não é verdadeira visto que a oferta de pneus englobava os serviços de
montagem, alinhamento, e balanceamento a serem executados no estabelecimento do
fornecedor ou em outro indicado pelo menos (Anexo I, à fl. 87), inviabilizando
a participação de empresas que só tenham o produto e não a prestação do
serviço.
Portanto,
permanecem as restrições, tendo em vista que as justificativas apresentadas
pelo responsável não foram suficientes para afastá-las.
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n.
202/2000, manifesta-se, na forma do art. 36, § 2º, “a”, da mesma lei, pela PROCEDÊNCIA da presente representação,
pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao Sr.
Nelson Guindani, Prefeito Municipal, e ao Sr. Carlos Alberto Brustolin,
advogado responsável pelo parecer jurídico que analisou a impugnação ao edital,
na forma do art. 70, inciso II, da referida Lei, em face das irregularidades
descritas nos itens 3.2.1 e 3.2.2 e pela DETERMINAÇÃO
contida no item 3.3, todos da conclusão do relatório de instrução.
Florianópolis,
20 de maio de 2014.
Cibelly
Farias
Procuradora
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 208.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 44.
[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 37.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 500-501.