PARECER nº:

MPTC/26254/2014

PROCESSO nº:

REP 09/00531177    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Mafra

INTERESSADO:

José Eduardo Orofino da Luz Fontes

ASSUNTO:

Cessão irregular de equipamentos públicos (fábrica de tubos) a empresa privada.

 

 

1.   RELATÓRIO

Cuidam os autos de Representação formulada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, comunicando à Corte de Contas, irregularidades ocorridas no Município de Mafra.

Informa que o Município de Mafra possuía em seu acervo patrimonial uma ‘fábrica de manilhas’, em atividade e com produção aproximada de 7.000 peças ao ano.

Que apesar desse equipamento estar à disposição daquela Municipalidade, o Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos, Senhor Luiz Cláudio Rodrigues determinou a cessão desses equipamentos a particular, sem qualquer procedimento legal, que reforneceria as manilhas para o próprio Município de Mafra.

E desta feita, caracterizou prejuízo ao erário público, uma vez que o Município de Mafra passou a adquirir - licitações ou dispensas - um produto cuja produção era realizada por ele próprio.

Nesse sentido, considerando a malversação dos bens públicos, o representante ministerial requestou a análise da Corte de Contas com o objetivo de “verificar a ocorrência de possíveis irregularidades relativas ao controle externo das contas do Município de Mafra, eis que contêm, em tese, despesas lesivas ao patrimônio público, praticadas pela Administração Pública Municipal”.

 

No exame de admissibilidade, a Instrução identificou as seguintes irregularidades:

·           Cessão indevida de bem público a empresa privada, sem autorização legal e sem comprovação do interesse público, em ofensa ao princípio da moralidade e finalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c o art. 128 da Lei Orgânica do Município de Mafra.

·           Prestação de serviço a particulares utilizando maquinário e servidores da Prefeitura, sem autorização legal, sem a devida remuneração pelo uso do bem, em ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c artigos 126, 127 e 128 da Lei Orgânica do Município de Mafra.

Por conseguinte, requereu-se a audiência do Sr. João Alfredo Herbst - Prefeito Municipal de Mafra.

Instado a se manifestar, o Responsável apresentou justificativas.

A Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, ao analisar as alegações de defesa apresentadas pelo Sr. João Alfredo Herbst, considerou insuficientes para elidir as irregularidades identificadas no relatório preliminar. Para tanto, considerou irregulares os fatos representados e sugeriu a aplicação de multa ao Responsável.

Ato seguinte, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou a realização de Audiência dos Senhores Luiz Cláudio Rodrigues - Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos; Ivan Maria do Valle - Chefe da Divisão de Almoxarifado; Jardelino Dallabona - Diretor do Departamento de Obras e; Edolar Santos Carlins - Diretor do Centro de Serviços.

O Senhor Jardelino Dallabona argumentou que não teve qualquer participação nos fatos representados e que não obteve vantagem financeira. Que é servidor público desde 1988, nunca respondeu a qualquer processo disciplinar, que à época dos fatos exercia o cargo de Diretor do Departamento de Obras, estando sujeito às limitações hierárquicas do Secretário de Obras e Serviços Públicos, à Secretaria Municipal de Administração e ao Chefe do Executivo.

Em referência às irregularidades noticiadas acerca da cessão indevida de equipamento público afirmou que a fábrica de manilhas mantinha boa produção antes de 2006, mas que decaiu quando o maquinário passou a apresentar problemas mecânicos.

Sobre a cessão do equipamento, o Senhor Jardelino Dallabona afirmou que o Senhor Luiz Cláudio Rodrigues – Secretário Municipal de Obras - havia determinado a cessão dos equipamentos ao Senhor Marcelo Lechinoski para que este produzisse as manilhas. Que tal procedimento beneficiaria o município, uma vez que o Senhor Marcelo consertaria a máquina e venderia as manilhas por um preço mais baixo para a população.

Em relação à prestação de serviços a particulares, com a utilização de maquinário e servidores do município, o Senhor Jardelino Dallabona asseverou que somente cumpriu ordens. Que nunca participou de negociatas com o Secretário e que acreditava estar prestando serviço à população ao fornecer manilhas por preços mais vantajosos.

O Senhor Edolar Santos Carlins afirmou que não teve qualquer participação nos fatos representados, não obteve vantagem financeira e tampouco aderiu às condutas ilícitas de seus superiores hierárquicos, mais precisamente do Secretário de Obras, Luiz Cláudio Rodrigues. É servidor público desde 1987; não respondeu a nenhum processo disciplinar; na época dos fatos exercia o cargo de Diretor de Manutenção, com remuneração de aproximadamente R$ 1.500,00 e que se sujeitava aos superiores hierárquicas da organização municipal (Sr. Luiz Cláudio Rodrigues - Secretário de Obras e Serviços Públicos; Senhora Sirlei Braz Wegrzynovski Rechetello - Secretária Municipal de Administração e Senhor João Alfredo Herbst - Prefeito Municipal).

Com relação à cessão indevida de equipamento público, salientou que a máquina era muito antiga e devido aos problemas apresentados não rendia conforme a necessidade. Que a produção era muito inferior à média, o que acarretava prejuízo ao município. E a aquisição das manilhas utilizadas pelo município sairia mais em conta que fabricá-las nas condições em que o equipamento se apresentava.

Em relação à cessão do equipamento, afirmou que o Secretário de Obras e Serviços Públicos determinou a cessão dos equipamentos ao Senhor Marcelo Lechinoski. Que tal procedimento beneficiaria o município, uma vez que o Senhor Marcelo consertaria a máquina e venderia as manilhas por um preço mais baixo para a população.

Em relação à prestação de serviços a particulares, com a utilização de maquinário e servidores do município, asseverou que somente cumpriu ordens e acreditava estar prestando serviço à população ao fornecer manilhas por preços mais vantajosos.

O Sr. Luiz Cláudio Rodrigues alegou que o equipamento necessitou ser recuperado para ser posto em operação, e que com a cessão o Município lucrou, pois entregou equipamentos inservíveis, recebendo-os restaurados.

Sobre a utilização de veículos públicos para efetuar o transporte de manilhas, afirma que tal fato ocorria, pois os bueiros das estradas do interior precisam ser consertados com urgência e que o transporte de manilhas com os veículos do município tinham finalidade pública.

Assenta que o procedimento instaurado pelo Ministério Público não demonstrou qualquer prejuízo ao erário. O fato de a empresa MR Lechinoski ter participado dos processos licitatórios e também de dispensa de licitação não significa que foram causados prejuízos aos cofres públicos, que a fábrica de manilhas “necessita de mão de obra, cimento, areia, e pedra, sem contar que só nada significa eis que são necessárias formas para colocação das peças”.


Após análise das considerações apostas pelos Responsáveis, o Corpo Técnico da Corte de Contas expendeu as seguintes considerações:

a) das Preliminares

- Ausência de previsão para a produção de prova testemunhal no Tribunal de Contas.

Informa que a Corte de Contas permite a juntada de documentos (resultantes de procedimentos de diligência, inspeção, auditoria ou de dados eletrônicos prestados pelos órgãos e entidades fiscalizadas, a exemplo dos dados contidos no Sistema e-Sfinge, ou juntados pelos fiscalizados ou representantes) que possam contribuir para o deslinde de qualquer matéria sob sua jurisdição, não havendo previsão normativa para a produção de provas testemunhais.

Sendo assim, o exame da matéria consubstanciou-se nos documentos produzidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Câmara Municipal de Vereadores de Mafra e nas alegações/justificativas apresentadas pelos responsáveis.

 Informou, ainda, que o servidor Ivan Maria do Valle, Chefe da Divisão de Almoxarifado não apresentou justificativas no prazo previsto em lei.

- Suspensão do processo.

A Instrução anota que o Sr. Luiz Cláudio Rodrigues requereu a suspensão do presente processo até o final julgamento da Ação Civil Pública deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina na Comarca de Mafra.

Assevera que “não cabe a suspensão do processo quando há documentos suficientes para se emitir um juízo de valor sobre os atos objeto do presente processo. Ademais, não se faz necessária a reprodução de todos os documentos que foram carreados aos autos do processo judicial, uma vez que o conteúdo e espectro de investigação são diversos e inconfundíveis. A investigação pelo Tribunal de Contas sob a ótica da improbidade administrativa não se faz o mesmo modo que ocorre perante o Poder Judiciário, pois cada órgão atua no exercício de sua competência constitucional e de acordo com as regras próprias processuais” (f. 266).

Entende que “não constitui prejudicial de análise do mérito a justificar a suspensão o curso do presente processo para se aguardar a conclusão do processo judicial que tramita no juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Mafra, haja vista a independência de instâncias” (f. 272).

b) Do Mérito.

- Cessão indevida de bem público a empresa privada, sem autorização legal e sem comprovação do interesse público, em ofensa ao princípio da moralidade e finalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c o art. 128 da Lei Orgânica do Município de Mafra.

A Instrução informa que a matéria é regida pelo Decreto nº 99.658/1990, que disciplina o “reaproveitamento, a movimentação, a alienação e outras formas de desfazimento de material e estabelecendo que a cessão é a modalidade de movimentação de material do acervo, com transferência gratuita de posse e troca de responsabilidade, entre órgãos ou entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo ou entre estes e outros, integrantes de qualquer dos demais Poderes da União”.

E ao analisar os elementos fáticos apostos nos autos, constatou que a Administração Municipal de Mafra realizou o empréstimo de bem público - formas para construção de manilhas - utilizado para a preparação de tubos de concreto que compõe as canalizações para escoamento de águas e esgotos (manilhas), em favor da empresa privada MR Lechinoski.

Cita trechos das justificativas apresentas pelos Senhores Jardelino Dallabona e Edolar Santos Carlins, e do depoimento prestado à CPI pelo Senhor Edolar Santos Carlins, para consignar o empréstimo do equipamento a particular, objetivando o conserto, uso e devolução.

No que tange à cessão do equipamento, O Corpo Técnico entende “que o instituto adequado não seria a cessão de uso de bem público, haja vista que na situação verificada esse instituto não se coaduna com os fatos narrados na representação”. (f. 273)

E que no Relatório da CPI (depoimentos dos Senhores Luiz Cláudio Rodrigues e Marcelo Ricardo Lechinoski – proprietário da empresa MR) ficou evidenciado “que houve o empréstimo de bem público (comodato instituto de direito privado), realizado de forma verbal, sem prévia autorização legislativa, e não sua cessão de uso de público (instituto de direito público)”. (f.273)

Aduz que a legislação municipal (lei n. 1.872/93) vigente á época vedava a autorização do uso gratuito do bem público a uma empresa privada que atua no mercado com o intuito de lucro. Que a norma determinava que os bens inservíveis, denominação comumente atribuída aos bens ociosos, recuperáveis, antieconômicos ou irrecuperáveis devem ser retirados do patrimônio público, por meio de transferência, cessão, alienação (venda, permuta e doação) e inutilização ou abandono.

Salienta que o Município de Mafra deve obediência ao que dispõe na Lei Municipal n. 1.872/1993, que disciplina a venda de material inservível no âmbito da Administração Municipal. Nesse norte, os bens considerados inservíveis devem ser alienados por meio de processo licitatório específico, após a necessária e prévia avaliação. 

Infere que a Lei Orgânica do Município de Mafra não prevê a possibilidade da prestação de serviços nos moldes perpetrados pelos agentes públicos e que somente será permitida mediante a concessão, a permissão ou a autorização, quando atendido o interesse público.

Nesse sentido, a Instrução considera a autorização do empréstimo do bem público a empresa particular irregular.


- Autoria

O Corpo Técnico assevera que “os elementos contidos nos autos apontam para a responsabilidade do Senhor Luiz Cláudio Rodrigues, que, enquanto estava à frente da Secretaria de Obras e Serviços Públicos teria proposto e autorizado o empréstimo irregular de bem público em favor de Marcelo Ricardo Lechinoski (MR Lechinoski e Brastubos)” e conforme relatos das alegações de defesa apresentados pelos Senhores Jardelino Dallabona e Edolar Santos Carlins.

Quanto à participação dos Senhores Jardelino Dallabona e Edolar Santos Carlins, a Instrução considera manifesta. Ao confirmarem participação no ato de empréstimo e ao alegarem que, por determinação do Senhor Luiz Cláudio Rodrigues “cumpriram a determinação porque a ordem aparentemente não era ilegal, já que o que foi dito para o requerido que esta cessão iria beneficiar o município, pois Marcelo consertaria a máquina e venderia as manilhas por um preço mais baixo para a população, não sendo de responsabilidade dos requeridos a regularização da retirada do equipamento e entrega para uma empresa particular”, restou confirmada a participação. (f. 275)

Quanto à participação do Sr. Ivan Maria do Valle, o Corpo Técnico assinala que não há elementos de convicção suficientes para comprovar a participação nos fatos ora em análise.

- Exclusão de culpabilidade dos agentes públicos:

A Instrução entende que a responsabilidade dos senhores Senhores Jardelino Dallabona e Edolar Santos Carlins não pode ser minorada, pois  o auxílio na execução do ato administrativo ilegal autorizado pelo Sr. Luiz Cláudio Rodrigues constitui-se em ação “consciente e dirigida à determinada finalidade, realizar o empréstimo de bem inservível à empresa privada, contrariando o disposto na Lei Municipal n. 1.872/93”. (f.276)

Esclarece que a responsabilidade do Prefeito Municipal é solidária, nos termos do art. 72 da LOMM, ao fixar que os auxiliares diretos do Prefeito Municipal são solidariamente responsáveis junto com este, pelos atos que assinarem, ordenarem ou praticarem.

Sustenta que “há elementos suficientes para que os julgadores possam examinar a causa, haja vista que não encontramos elementos que afastam a antijuridicidade dos atos promovidos pelos Senhores João Alfredo Herbst, Luiz Cláudio Rodrigues, Jardelino Dallabona e Edolar Santos Carlins quanto ao empréstimo irregular de maquinário público para ser empregado pela empresa privada MR Lechinoski na confecção de manilhas de concreto, conforme consta na Representação formulada a esta Corte de Contas”. (f. 277)

- Prestação de serviço a particulares utilizando maquinário e servidores da Prefeitura, sem autorização legal, sem a devida remuneração pelo uso do bem, em ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c artigos 126, 127 e 128 da Lei Orgânica do Município de Mafra.

A Instrução anota que os depoimentos dos servidores envolvidos e a conclusão da CPI demonstram que o Senhor Jardelino Dallabona tinha conhecimento da irregularidade dos atos - depósito de bens particulares no Centro de Serviços e a utilização de caminhões e maquinários para dar atendimento às solicitações de manilhas efetuadas por cidadãos do município de Mafra.

Em relação ao Senhor Edolar Santos Carlins, a Instrução assevera que o mesmo “tinha conhecimento da irregularidade e prestou auxílio a empreitada realizada por alguns servidores públicos do Município de Mafra no que tange ao uso de veículos e maquinários da Prefeitura para a entrega de manilhas aos particulares”, quando afirmou tal fato no depoimento prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito.

O Corpo Técnico registra que nas justificativas apresentadas pelo Senhor Luiz Cláudio Rodrigues, resta clara a utilização dos veículos do Poder Público Municipal para o transporte de manilhas.

Porém, não vislumbrou motivos suficientes para demonstrar a existência de esquema visando causar danos ao erário e enriquecimento ilícito dos servidores.

Destaca que a Lei Orgânica do Município de Mafra não prevê a prestação de serviços nos moldes perpetrados pelos servidores públicos. E que o uso de bens públicos por terceiros, somente poderá ser realizada mediante concessão, permissão ou autorização, nos termos do art. 126 da LOMM, termo de formalização do uso de máquinas, operadores e recolhimento prévio dos emolumentos arbitrados.

Assim, concluída a reinstrução, a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU sugere:

a) Aplicação de multa aos Senhores João Alfredo Herbst – ex-prefeito; Luiz Cláudio Rodrigues - Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos; Jardelino Dallabona – Diretor do Departamento de Obras; Edolar Santos Carlins – Diretor do Centro de Serviços, em virtude da cessão (empréstimo) indevida de bem público a empresa privada, sem autorização legal e sem comprovação do interesse público, em ofensa ao princípio da moralidade e finalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c o art. 128 da Lei Orgânica do Município de Mafra.

b) Aplicação de multa aos Senhores João Alfredo Herbst – ex-prefeito; Luiz Cláudio Rodrigues - Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos; Jardelino Dallabona – Diretor do Departamento de Obras; Edolar Santos Carlins – Diretor do Centro de Serviços; Ivan Maria do Valle - Chefe da Divisão de Almoxarifado, pela prestação de serviço a particulares utilizando maquinário e servidores da Prefeitura, sem autorização legal, sem a devida remuneração pelo uso do bem, em ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal c/c artigos 126 e 127 da Lei Orgânica do Município de Mafra.


2. CONCLUSÃO

Ante o exposto, esta Procuradoria junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por ACOMPANHAR a instrução da Diretoria de Controle dos Municípios.

Florianópolis, em 02 de julho de 2014.

 

 

 

MÁRCIO DE SOUSA ROSA

Procurador Geral

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