Parecer no:

 

MPTC/26.605/2014

Processo nº:

 

REP 14/00040253

Interessado:

 

Carlos Roberto Araújo Pinto Júnior

Assunto:

 

Supostas irregularidades no Edital de Concorrência nº 471/SMA/DLC/2013

 

 

Trata-se de Representação formulada às fls. 02-28 pelo Dr. Carlos Roberto Araújo Pinto Júnior – sócio Administrador da Xavante Sistema LTDA – ME - sobre suposta irregularidade relativa ao edital de Concorrência n.º 471/SMA/DLC/2013 (fls.29 a 78).

O certame, oriundo do Município de Florianópolis, teve como objeto a concessão das áreas de estacionamento em vias e logradouros públicos do Município de Florianópolis, para controle da rotatividade de veículos com o uso de parquímetro eletrônico multivagas mediante uso remunerado do espaço.

Pelo Relatório de Instrução n.º DLC 224/2014, às fls. 85-96, a Diretoria de Licitações e Contratações opinou pelo conhecimento da Representação face à suposta irregularidade, considerar Improcedente a presente representação e recomendar a municipalidade para que em futuros certames em que seja vedada a participação de empresas reunidas em consórcio, faça constar dos autos argumentação técnica que justifique a medida.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1.              Admissibilidade

Estão presentes todos os requisitos de admissibilidade.

2.              Da Ilegalidade do Objeto da Licitação por Impropriedade do Instituto da Concessão

O interessado comunicou que:

“Destarte, a concessão não é instrumento hábil para realização de utilização de áreas de estacionamento em vias e logradouros públicos, razão pela qual há ilegalidade e impropriedade no objeto licitado, que, repita-se, cuida de concessão das áreas de estacionamento em vias e logradouros públicos, e não de serviço públicos”. (fls.06)

Enquanto isso salientou a DLC:

A questão de qual ou quais objetos podem ser delegados a iniciativa privada utilizando-se a técnica concessória é objeto de vasta discussão doutrinária. Neste sentido, MONTEIRO[1] afirma que “A teoria elaborada sobre concessão no Brasil recebeu forte influência francesa. Ainda que ambas reconheçam que o contrato de concessão possa ser usado para outros fins que não apenas a prestação de serviço público [...]”.

A referida autora confirma que não há um objeto típico da concessão, “capaz de caracterizá-la e apartá-la de outros modelos contratuais” de modo que:

[...] a concessão nada mais é que uma forma de execução de atividades de interesse público. Em geral, diz-se que é uma forma de execução “indireta”, por envolver a contratação de terceiros que não a própria Administração direta para o desempenho de tarefas estatais.[2]

Ao final, conclui que “quaisquer atividades estatais são passíveis de serem dadas em concessão, não é útil que a identificação do gênero “concessão” seja feita a partir de seu objeto [...]”.[3] No mesmo sentido é a lição de AMARAL[4], que ao comentar a acepção da expressão “serviço público” do artigo 175 da CF/88, afirmou:

Somente o serviço público específico e divisível, que possa ser prestado ao usuário mediante pagamento de uma tarifa, é passível de concessão ou permissão. Se o serviço é específico e divisível, ele pode ser prestado: a) diretamente pelo Poder Público (ou simplesmente posto à disposição), mediante pagamento de uma taxa; ou b) indiretamente pelo Poder Público, mediante concessão ou permissão, e – desde que efetivamente prestado – remunerado mediante pagamento de uma tarifa.

Além disso, a Constituição Federal não definiu taxativamente todos os serviços públicos, cabendo aos entes públicos, por meio de legislação específica, definir e autorizar quais “serviços públicos” são passiveis de delegação. MOREIRA[5] confirma que “na concessão exclusiva de serviço público o Estado transfere à iniciativa privada a gestão de específico serviço, qualificado normativamente como público”.

É o sentido que se extrai do artigo 2º da Lei Federal nº 9.074/1995, definindo que

Artigo 2º É vedado à União, aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos [...] já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei nº 8.987, de 1995. (grifou-se)

No âmbito da Prefeitura Municipal de Florianópolis, tal autorização foi efetuada pela Lei nº 9.289/2013, que autorizou “o Poder Executivo a outorgar, mediante licitação, concessão para exploração de estacionamento rotativo em vias e logradouros públicos” (fl. 66v.).

Sigo o entendimento da Diretoria e acrescento o posicionamento adotado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro acerca do tema:

“À vista do que foi dito, pode-se definir concessão em sentido amplo, como o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público, de obra pública ou de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais”.

Essa definição de concessão vem bem a calhar ao caso da dita “Zona Azul” onde o poder público transfere a iniciativa privada a fiscalização das vagas rotativas, devendo a empresa vencedora de o processo licitatório remunerar a Administração Pública, portanto cabível a modalidade de concessão de Áreas Públicas.

Entendo que não houve a confirmação da irregularidade relatada pela comunicante.

3.              Vedação da participação em consórcio

O interessado alega que não está suficientemente justificada a medida de impedir a presença de consórcios na licitação perquirida pela administração.

O edital dispõe:

“5.2 Consórcios:

5.2.1. Não será permitida a participação de empresas em consórcio.

5.2.2. Da justificativa da negativa à participação de empresas em Consórcios: Diante da discricionariedade administrativa em optar pelo melhor gerenciamento do futuro contratado, contando com a uniformização dos procedimentos, optou-se pela não participação de empresas consorciadas. Referida decisão adveio do julgamento das variáveis existentes. Quanto ao risco de competitividade, cabe aduzir que não há, em atenção do fato de que a Administração optou por permitir a subcontratação com o enfoque de apenas conceber o gerenciamento de apenas uma empresa Contratada diminuindo as dificuldades da gestão e de um contrato deste porte”.

Coaduno, em parte, com a fundamentação da Diretoria, discordando de que o objeto da licitação é uno e não demandaria aglutinação de competências conexas.

Cito a parte da fundamentação que entendo prudente:

A opção pela autorização da participação de empresas reunidas em consórcio nos certames públicos está relacionada diretamente com a natureza do objeto, valor e prazo contratual e a configuração do mercado das empresas em condições de atender ao pleito. Não há regras objetivas que definam quando é possível ou não. Trata-se de decisão discricionária, que deve estar sempre motivada.

Na visão de FORTINI[6] a utilização de consórcios é indicada quando o objeto licitado apresenta alta complexidade demandando especificidades pertinentes a diferentes empresas, in verbis:

Em primeiro lugar, o objeto contratual demanda a aglutinação de competências que, embora conexas, apresentam cada qual especificidades que justificam a união de empresas. [....] Diante desse panorama de atividades, todas elas relevantes para a execução contratual, constata-se que seriam poucas empresas aptas a desempenhá-las de forma conjunta.

[...]

Neste sentido, a opção pela participação de consórcios é condizente com o desejo de proporcionar uma maior presença de interessados na licitação.

Ressalta-se que, nestes casos, a reunião em consórcio visa possibilitar a participação de empresas que, isoladamente, não atenderiam a todos os requisitos de qualificação técnica exigidos no edital. Entretanto, a formação de consórcio tanto pode se prestar para fomentar a concorrência, no caso da reunião de empresas menores, que não teriam condições de isoladamente atender as exigências editalícias, quanto diminuí-la.

Veja-se que JUSTEN FILHO confirma que a decisão deve levar em conta a “realidade do mercado em face do objeto a ser licitado e da ponderação dos riscos inerentes à atuação de uma pluralidade de sujeitos associados para a execução do objeto”.

A participação de consórcios em licitações justifica-se de duas formas: quando demonstradas a inviabilidade da execução individual por apenas um executor, mesmo que pudesse ser considerado "grande empresa", devido à complexidade do objeto, que reclamaria a aproximação de pessoas jurídicas diferenciadas; ou como instrumento de penetração de "empresas menores", incapazes de atender à Administração Pública caso se apresentassem de forma isolada.

Cite-se novamente o ensinamento de JUSTEN FILHO[7]
A utilização do consórcio configurar-se-á, primeiramente, pela ampliação da competitividade. É a situação mais óbvia e evidente. Nessa hipótese, consideram-se especialmente as situações de interessados que isoladamente, não disporiam de condições para formular proposta vantajosa para a Administração Pública. Os interessados somam seus esforços e seus recursos para o fim específico de participar de licitação, e, se for o caso, executar o contrato. Desse modo, amplia-se o número de licitantes. [...] São situações em que o objeto contratual apresenta-se extremamente complexo ou grandemente oneroso. Eventualmente uma empresa de grandes proporções poderia participar da licitação, mas isso importaria em desvantagem econômica. Assim, por exemplo, seria necessário contratar pessoal especializado não disponível no mercado. Ou então, teria de ampliar suas atividades, deixando de lado suas vocações empresariais. Os exemplos são inúmeros. Em todos eles, o consórcio representa uma vantagem por possibilitar a participação sem desestruturação empresarial nem ampliação irracional de custos.

Entretanto, nem sempre a competitividade é favorecida pela formação de consórcios. Dependendo do objeto licitatório, incrementar a constituição de consórcios representaria um contrassenso. Os acordos entre as empresas tendem a eliminar a concorrência e se traduzir em cartelização do mercado. O efeito imediato consiste na elevação dos preços, em detrimento do consumidor ou da Administração Pública. Em alguns casos essa admissão pode gerar efeito inverso ao pretendido pela Administração. JUSTEN FILHO[8], em outra obra, aduz que:

Assim, contrariamente ao que se poderia pensar em uma abordagem superficial, o consórcio pode conduzir a resultados diametralmente opostos àqueles buscados pela Administração. É que o consórcio pode ser instrumento de dominação de mercados e de restrição indevida à livre concorrência. Isso se passará na medida em que empresários autônomos renunciem a disputar entre si a contratação e concentrem esforços em comum. Assim, ao invés de reduzirem seus preços e formularem proposta mais vantajosa para a Administração, os potenciais interessados se comporiam para a disputa e frustrariam os objetivos da competição.

Pode-se considerar, por conseguinte, que é recomendável a participação de consórcios sempre que o objeto apresente alto vulto ou complexidade. A Lei 8.666/1993, em seu artigo 6º, V, define que licitações de grande vulto são aquelas cujo valor estimado seja superior a 25 vezes o limite estabelecido para a modalidade concorrência, de R$ 1.500.000,00. Tem-se, portanto, que são consideradas de grande vulto contratos cujo valor seja superior a R$ 37.500.000,00. Neste sentido, averígua-se que o caso em comento não compõe licitação de grande vulto.

Entende-se que no caso do serviço de estacionamento rotativo, a proibição de consórcios aumenta a possibilidade da contratação de proposta mais vantajosa. Trata-se de contrato com prazo de 10 (dez) anos, com valor estimado de contratação de R$ 20.386.080,00, o que não é tão expressivo quando comparado a outros casos de concessão de serviço público.

Porém discordo do posicionamento adotado pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratação na conclusão, isso posto que a diretoria defende que não há justificativa para admissão de consórcios no certame, em face de não haver aglutinação de competências conexas.

Como bem descreveu a DLC em seu Relatório nº 224/2014, a autorização da participação de consórcios em licitações depende da natureza do objeto, valor e prazo contratual, não dependendo unicamente do valor final contratado pela Administração Municipal.

In caso, tratando-se do valor da licitação não haveria necessidade em admitir a abertura para empresas reunidas em consórcio, porém quando se analisa o objeto da licitação depreende-se que há dois serviços bem distintos os quais necessitam de expertises diferentes.

Primeiramente necessita-se da implementação dos parquímetros eletrônicos multivagas, uma vez que até então não era utilizado esse modelo pela “Zona Azul”, posteriormente, instalados os parquímetros eletrônicos, deverá a empresa contratada fazer o controle da rotatividade de veículos, caracterizando atividade significativamente  distinta daquela relacionada à instalação dos parquímetros. 

Dessa forma, pelo menos duas atividade empresariais distintas podem ser identificadas, justificando a atuação consorciada  como instrumento de uma melhor contratação.

Por fim ressalta-se que a motivação para a concessão ou não de empresas reunidas em consórcio deve estar descritas de forma clara, objetiva e fundamentada no edital de convocação da licitação, o que no presente caso não ocorreu, veja-se a explicação oportunizada no edital:

5.2.2. Da justificativa da negativa à participação de empresas em consórcio: diante da discricionariedade administrativa em optar pelo melhor gerenciamento do futuro contratado, contando com a uniformização dos procedimentos, optou-se pela não participação de empresas consorciadas. Referida decisão adveio no julgamento das variáveis existentes. Quanto ao risco de competitividade, cabe aduzir que não há, em atenção do fato de que a Administração optou por permitir a subcontratação com o enfoque de apenas conceber o gerenciamento de uma empresa contratada diminuindo as dificuldades da gestão de um contrato deste porte.

Entendo que o apurado até então justifica o aprofundamento das investigações.

4.              Da Qualificação Técnico-Operacional com exigência de quantitativo mínimo

O interessado questionou a cláusula 12.1.3.2, a qual expressa:

“Atestado(s) comprovando desempenho anterior em nome da licitante, que comprovem possuir experiência pertinente à atividade compatível em características e quantidades com o objeto da licitação, fornecido (s) por pessoa jurídica de direito público ou privado, devendo o(s) mesmo(s) demonstrar claramente o número mínimo de 2.000 (duas mil) vagas operadas ou em operação, em um ou mais sistemas, na operação de estacionamentos rotativo de veículo automotores em vias e logradouros públicos”.

Sustentou que tal dispositivo qualificava-se como cláusula abusiva, contrariando os enunciados dos arts. 30, §1º, I e 30, §5º, da Lei 8666/93.

Em contraposição a manifestação do interessado, a Diretoria alegou:

As exigências que visam comprovar a qualificação técnico operacional das licitantes estão resguardadas pela parte final do inciso XXI do artigo 37 da CF/88 cumuladas pelo inciso II do artigo 30 da Lei de Licitações. Esta Corte de Contas vem reiteradamente entendendo que é “aceitável a comprovação de 50% da execução pretendida, limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto licitado”[9].

Cite-se, por oportuno, a Decisão nº 1106/2012, junto ao processo REP 11/00428671, em que no item 6.2.1., aplicou multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), “em face da estipulação de percentual mínimo acima de 50% dos quantitativos dos itens de maior relevância da obra, para fins de comprovação da qualificação técnica dos licitantes, sem justificativas, contrariando o disposto nos arts. 3º, §1º, I, e 30, II da Lei n. 8.666/93”.

Veja-se que no objeto estão previstas a administração de 5.148 vagas de estacionamento rotativo, com previsão de ampliação no curto prazo. Pelo exposto, entende-se regular a exigência editalícia, sugerindo-se pela improcedência da suposta irregularidade.

Sigo o posicionamento adotado pela Instrução pelos fundamentos que ora seguem.

Não entendo que a cláusula supracitada a qual determina a demonstração clara de, no mínimo, 2.000 (duas mil) vagas operadas ou em operação, caracterize abusividade, uma vez que o objeto da licitação “administração de 5.148 vagas” é complexo.

O fundamento da exigência mínima de execução anterior de serviço daquela natureza visa comprovar a qualificação técnico-profissional como é descrito no artigo 37, XXI, CF/88, acrescido ao dispositivo art. 30, II, Lei 8666/93.

Marçal Justen Filho, em Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., pp. 418-419, Dialética, Rio Janeiro, 2008, revela que se o objeto for uma ponte de quinhentos metros de extensão, não é possível que a Administração se satisfaça com a comprovação de que o sujeito já construiu uma ‘ponte’ – eventualmente, com cinco metros de extensão. Sempre que a dimensão quantitativa, o local, o prazo ou qualquer outro dado for essencial à execução satisfatória da prestação objeto da futura contratação ou retratar algum tipo de dificuldade peculiar, a Administração estará no dever de impor requisito de qualificação técnica operacional fundado nesses dados.

Acrescenta-se a jurisprudência pátria:

agravo. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO E CONTRATO. CONCESSÃO DOS SERVIÇOS DE EXPLORAÇÃO DO ESTACIONAMENTO ROTATIVO NO MUNICÍPIO DE LAJEADO. LIMINAR para a SUSPENSÃO DO CERTAME. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES.

Possível a exigência de qualificação técnico-operacional compatível com a dimensão quantitativa, o local ou o prazo o objeto licitado.

Hipótese em que a amplitude e a complexidade do objeto, que é a concessão dos serviços de exploração do estacionamento rotativo do Município de Lajeado, estimado em 1300 vagas, compreendendo a implantação, operação e manutenção do sistema, justificam a quantificação exigida para a comprovação da capacidade técnico-operacional.(TJRS.Agravo Nº 70058608100).

O corpo da decisão consta:

Quanto a qualificação técnica exigida, também não há que se falar em irregularidades, a qualificação técnica abrange não só a capacitação técnico-profissional, mas, também, a capacitação técnico-operacional da empresa, portanto, a exigência, no edital, de comprovação de aptidão pelas empresas interessadas de desempenho da atividade pertinente e compatível com as características, quantidade e prazos com o objeto da licitação.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina na Representação nº 11/00428671 definiu o seu posicionamento sobre a matéria tratada ao afirmar:

De fato, este Tribunal de Contas tem recomendado que não sejam exigidas experiências anteriores de quantidades superiores a 50% do serviço a ser executado, respaldado, inclusive, em Decisões do Tribunal de Contas da União”.

Portanto, como o edital da licitação tem como objeto a administração de 5.148 vagas e como traz como exigência para a qualificação técnico operacional 2.000 vagas, entende-se por admissível a exigência editalícia.

5.              Limitação de uso de determinado tipo de parquímetro

Cabe à Administração Municipal definir o objeto da licitação que melhor se adequa ao fim proposto devendo, justificar a escolha do meio empregado.

Da análise dos autos verifica-se que a Administração cumpriu com a sua função ao apresentar o Projeto Básico da Concorrência 461/2013 (fls. 48-61), demonstrando as justificativas pela escolha do parquímetro multivagas.

Assim, sigo o posicionamento adotado pela instrução.

6.              Ilegalidade da inabilitação da recorrente por atendimento ao item editalício

A Diretoria de Licitações e Contratações manifestou:

A comprovação de desempenho anterior ou concomitante, conforme o objeto licitatório, deveria demonstrar “experiência pertinente à atividade compatível em características e quantidades com o objeto da licitação [...] devendo o(s) mesmo(s) demonstrar claramente o número mínimo de 2.000 (duas mil) vagas operadas ou em operação, em um ou mais sistemas, na operação de estacionamento rotativo de veículos automotores em vias e logradouros públicos” (fl. 35v.).

A Comunicante não apresentou nos autos o atestado entregue na sessão de julgamento. Em que pese tal omissão, entende-se que possuem naturezas diversas a operação de controle de vagas de estacionamento em shopping daquela objeto da presente concorrência.

Os estacionamentos em shopping, conforme CAETANO[10]:

 

[...] lugares privados que dão ao seu beneficiário a oportunidade de poder guardar o carro (ou outro veículo) em algum lugar costumeiramente mais perto daqueles em que são exercidas as atividades principais do momento (trabalho, lazer, obrigações domésticas) pelos indivíduos, assegurando-lhes também maior segurança do que se deixassem o veículo em lugares públicos, gratuitos, porém sem a vigilância adequada para coibir furtos e danos.

[...]

Há também a modalidade de estacionamentos como serviço acessório, ou seja, ele é um plus, um benefício extra do qual uma pessoa pode usufruir em determinadas situações, notadamente quando gera consumo ou expectativa do mesmo para a atividade tida como principal, como em clubes (em que a mensalidade está paga e o estacionamento é gratuito) ou shoppings (quando a vaga para estacionar o veículo é crucial para a vivacidade econômica dos estabelecimentos do lugar).

Já os estacionamentos em vias e logradouros públicos, nos termos do “Anexo I – Projeto Básico”, revestem-se como (fl. 48):

[...] um instrumento de engenharia de tráfego criado com o objetivo de permitir que várias pessoas possam ocupar a mesma vaga ao longo do dia, quando o volume de estacionamento de veículos que deseja estacionar em uma determinada localidade é maior que a quantidade de vagas disponíveis, democratizando o uso do espaço público em áreas onde o espaço é escasso.

Este fato exige que o Poder Público adote providências que venham proporcionar soluções eficazes objetivando o conforto e a segurança para os usuários das áreas públicas de estacionamento e por consequência para as empresas localizadas na regiões, especialmente aquelas das atividades de comércio, prestadores de serviços e escritórios em geral.

O estacionamento rotativo pago, em vias e logradouros públicos, é um poderoso instrumento de gestão de transito, enquanto ordenador do uso do solo viário urbano.

Constata-se, portanto, que não se confunde a prestação de serviço na gestão de vagas de estacionamentos em shoppings com a gestão de vagas de estacionamento em vias e logradouros públicos. Também não se diga que, por força do parágrafo único do artigo 2º do Código de Trânsito Brasileiro, as vias internas dos shoppings podem ser consideradas como públicas. Ao menos não é o que diz o referido dispositivo, in verbis:

Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.

Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública e as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas.

Pelo exposto, entende-se acertada a atacada decisão da Comissão de Licitação, tendo em vista que a comprovação de prestação de serviços em vagas de estacionamentos em shoppings não guarda pertinência, compatibilidade e similaridade com o objeto licitatório.

A diretoria manifestou que a comunicante não apresentou nos autos atestado entregue na sessão do julgamento, porém os presentes autos encontram-se em fase de admissibilidade e não de instrução, bem como compete a instrução e ao Ministério Público a colheita das provas.

Acrescento que em pesquisa no Diário Oficial Eletrônico do Município de Florianópolis, Edital nº 1084, datado de 29 de outubro de 2013, às fls. 16:

RESULTADO DA FASE DE HABILITAÇÃO DA CONCORRÊNCIA Nº 471/SMA/DLC/2013. O Município de Florianópolis, por intermédio da Comissão Permanente de Licitações de Materiais e Serviços do Município de Florianópolis, torna público aos interessados: Empresa Habilitada: Dom Parking Estacionamento LTDA.

 Empresas Inabilitadas: Explora Participação em Tecnologia e Sistema da informação LTDA, por não atender ao item 12.1.3.3.1, e a Empresa Xavante Sistemas LTDA, por não atender aos itens 12.3.3 e 12.3.3.1. A Comissão de Permanente de Licitações, em conformidade com o art. 109, I, a, da Lei 8.666/93 abre prazo de 05 (cinco) dias úteis para recurso. Florianópolis, em 25 de outubro de 2013. A Comissão.

Portanto, entende-se presentes os indícios mínimos para o prosseguimento da representação.

O edital de Concorrência nº 471/SMA/DLC/2013 na cláusula nº 12.1.3.2 a qual trata da Qualificação Técnica, expressa:

“12.1.3.2. Atestado(s) comprovando desempenho anterior, em nome da licitante, que comprove possuir experiência pertinente à atividade compatível em características e quantidades com o objeto da licitação, fornecidos(s) por pessoa jurídica de direito público ou privado, devendo o(s) mesmo(s) demonstrar claramente o número mínimo de 2.000 (duas mil) vagas operadas ou em operação, em um ou mais sistemas, na operação de estabelecimentos rotativos de veículos automotores em vias e logradouros públicos.”

A limitação para participar da concorrência pública para somente aquelas empresas que tenham prestado serviço de administração de vagas somente em vias e logradouros públicos mostra-se restritiva e inadequada, tendo em vista o que segue.

A Constituição Federal assegura em seu artigo 37 a capacidade de todos licitarem com a Administração Pública em igualdade de condições:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

 

A Lei de Licitações em consonância com a Constituição Federal salienta parâmetro para a Administração Pública licitar e contratar, seja com empresas públicas, seja com empresas privadas, vedando aos agentes públicos a discriminação imotivada dessas entidades.

A mesma Lei veda a restrição do caráter competitivo em virtude do interesse público.Expressa o art. 3º da Lei 8.666/93:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991

Adiciona Marçal Justen Filho:

“A incidência do princípio da isonomia sobre a licitação desdobra-se em dois momentos. Em um primeira fase, são fixados os critérios de diferenciação que a Administração adotará para escolher o contratante. Em segunda fase, a Administração verificará quem concretamente, preenche mais satisfatoriamente as diferenças. Nesses dois momento, incide o princípio da isonomia.

As diferenciações constantes do ato convocatório devem atentar para os limites acima indicados. Será inválida a discriminação contida no ato convocatório se não se ajustar ao principio da isonomia.” (Filho, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Ed. 11ª. São Paulo: Dialética, 2005).

Muito embora haja capacidade ampla de licitar com a administração e isonomia entre os participantes desse ato, o poder público pode limitar, desde que devidamente motivado, a participação, habilitação, dos licitantes. Consoante o art. 30 da Lei de Licitações:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

(…)

§ 1o  A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:

I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos.

Com isso a legislação vigente limita certas participações de licitantes, porém no processo licitatório em discussão não há possibilidade de se limitar a participação dos licitantes tendo em vista que o objeto licitado trata do controle da rotatividade de veículos, com o uso de parquímetros, caracterizado como administração das vagas de estacionamento.

Qualquer classe de estacionamento seja ele rotativo ou não, público ou privado, detém, pelo menos esses objetivos. Aos estacionamentos privado acresce-se deveres como o de guarda, que como afirma a jurisprudência pátria, não é dever dos serviços prestados pela “Zona Azul’.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA DE OFÍCIO. MÉRITO. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO "ZONA AZUL". LOCAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO. IPUF.  LEI QUE AFASTA EXPRESSAMENTE O DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA POR PARTE DO ENTE PÚBLICO. NEXO DE CAUSALIDADE AFASTADO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC. Apelação Civel, nº 2010.036088-0, da Capital. Rel. Des.Cesar Abreu).

Enquanto isso os estacionamentos privados como os localizados dentro de shoppings apresentam o dever de guarda, segue-se a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DE SHOPPING CENTER. CONTRATO TÁCITO DE DEPÓSITO. DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA. DESCUMPRIMENTO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 130 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.(TJSC. Apelação Cível nº 2008.036936-2, de São José. Rel. Des. Subs. Carlos Adilson Silva)

A questão citada foi sumulada pelo STJ em 1995:A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Assim, evidente que aquele que prestou serviço na quantia mínima de administração de 2.000 vagas, sejam elas públicas ou privadas detém o conhecimento mínimo para participar do certame.

7.              Da Ilegalidade da Habilitação da Empresa Dom Parking Estacionamentos LTDA- Defeito de Representação; Da não Apresentação de Atestados de Capacidade Técnica Aptos a Comprovar a Qualificação Técnica da Empresa Dom Parking Estacionamentos LTDA; Da Irregularidade da Documentação de Qaulificação Econômico Financeira da Empresa Dom Parking Estacionamento LTDA – Apresentação de Balanço Patrimonial Sem Firma Reconhecida da Assinatura do Contador

Os itens supracitados não podem ser verificados na sua plenitude em virtude da ausência dos documentos que o comprovem, mas como é função do Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas a fiscalização do atos praticados pelo poder público, mostra-se relevante a instrução destes autos para análise da regularidade do processo licitatório nº 471/2013.

8.              Incompetência do Secretário Municipal de Administração

O Comunicante alegou a incompetência do Secretário Municipal de Administração de Florianópolis para analisar os recursos advindos do processo licitatório ora em debate, tendo em vista que caberia ao Prefeito Municipal a prática de tal ato, conforme aplicação do art. 109, §4º da Lei de Licitações.

Muito embora a Lei de Licitações descreva que deverá ser remetido a autoridade superior, nesse caso o Prefeito Municipal, houve delegação do poder ora questionado à Secretaria Municipal da Administração.

Cita-se a Lei Complementar Municipal nº 465/2013:

Art. 40. À Secretaria Municipal da Administração, órgão central dos sistemas de Gestão de Materiais e Serviços, Gestão de Pessoas, Gestão Patrimonial, Gestão Documental e Publicação Oficial, Gestão Previdenciária e Gestão de Tecnologia da Informação, compete:

(…)

II - normatizar, supervisionar, orientar e formular políticas de gestão de materiais e serviços, envolvendo:

a) licitações de material e serviços;

b) contratos de material e serviços; e

c) estocagem e logística de distribuição de material;

Como o Sr. Gustavo Miroski foi nomeado para exercer o Cargo em Comissão de Secretário Municipal de Administração e Previdência não há ilegalidade em relação a esse quesito, sendo competente o Sr. Secretário para apurar os recursos ao procedimento licitatório.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) Pelo acolhimento da representação e o seu regular processamento, nos termos regimentais.

Florianópolis, 14 de julho de 2014.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 

 

 



[1] MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 38.

[2] Ob. cit. p. 153.

[3] Ob. cit. p. 160.

[4] AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Concessão de Serviço Público. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 19.

[5] MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público. Inteligência da Lei 8.987/1995 (parte geral). São Paulo: Malheiros, 2010. p. 24.

[6] FORTINI, Cristina. Participação de consórcio de empresas em licitação: Tratamento dispensado pelas Leis 8.666/93 e 8.987/95. São Paulo: Jus Podium, 2012.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14º ed. São Paulo: Dialética, 2010.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003.

[9] BOSCARDIN FILHO, Antonio Carlos, et al. Habilitação em licitações. In: Santa Catarina. Tribunal de Contas. Ciclo de estudos de controle público da administração municipal. 15 ed. Florianópolis, Tribunal de Contas, 2013. p. 120.

[10] CAETANO, Luís Mário Leal Salvador. Responsabilidade civil dos estacionamentos e correlacionados. Disponível em: < http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9875&revista_caderno=7>. Acesso em: 05 mai. 2014.