PARECER nº:

MPTC/26754/2014

PROCESSO nº:

TCE 11/00648361    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Biguaçu

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Tomada de Contas Especial instaurada na Pref. Mun. de Biguaçu, para apuração de dano causado ao erário decorrente do pagamento de multas de trânsito, cujos motoristas infratores não foram identificados em razão da ausência de controle do uso da frota

 

 

 

Trata-se de tomada de contas especial instaurada pela Prefeitura Municipal de Biguaçu, para apuração de dano causado ao erário decorrente do pagamento de multas de trânsito no valor de R$ 2.713,42, cujos motoristas infratores não foram identificados em razão da ausência de controle do uso da frota.

Foram juntados os documentos pertinentes à auditoria às fls. 2-89.

A Diretoria de Controle dos Municípios, por meio do Relatório n. 5.156/2013 (fls. 90-91), sugeriu a seguinte decisão:

1. DEFINIR a responsabilidade individual dos agentes abaixo relacionados, nos termos do art. 15, I, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

2. DETERMINAR a citação dos responsáveis abaixo nominados, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº 202/2000, para, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, alínea “b”, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de imputação de débito e/ou aplicação de multa, nos termos previstos nos arts. 68 e 69 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1. Sr. Vilmar Astrogildo Tuta de Souza, Prefeito Municipal de Biguaçu no período de 01/01/2008 a 31/03/2008, CPF nº 461.086.969-15, residente na Rua Antonio Salim Kaier, nº 108, bairro Centro, CEP nº 88160-000, Biguaçu/SC, pela irregularidade abaixo indicada, ensejadora da imputação de débito:

2.1.1. Pagamento de multa de trânsito pela municipalidade no valor de R$ 1.447,16 (valor despendido pela municipalidade), desprovida de caráter público em desacordo com os artigos 4° e 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64 (item 2.1 deste relatório).

2.2. Sr. Ivo Delagnelo, Prefeito Municipal no período de 01/04/2008 a 31/12/2008, residente na Estrada Estadual Biguaçu/Tijucas, s/nº, Bairro Sorocaba do Sul, CEP nº 88160-000, Biguaçu/SC, pela irregularidade abaixo indicada, ensejadora da imputação de débito:

2.2.1. Pagamento de multa de trânsito pela municipalidade no valor de R$ 1.266,26 (valor despendido pela municipalidade), desprovida de caráter público em desacordo com os artigos 4° e 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64 (item 2.1 deste relatório).

 

A Relatora acompanhou o entendimento exarado pela Instrução no que se refere à identificação dos responsáveis. Contudo, considerou que a irregularidade em questão diz respeito à ausência de controle da frota de veículos do município, a qual ensejou o pagamento das multas de trânsito sem que fossem identificados os condutores que cometeram as infrações de trânsito, a fim de buscar o ressarcimento pelos valores despendidos pelo erário municipal.

Realizadas as citações dos responsáveis (fls. 93-94), os Srs. Vilmar Astrogildo Tuto de Souza e Ivo Delagnelo apresentaram suas defesas às fls. 99-106.

Analisando as justificativas apresentadas pelos responsáveis, a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu relatório de instrução (fls. 111-116), opinando pelo julgamento irregular das contas e pela imputação de débito.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (Art. 59, IV, da Constituição Estadual, Art. 25, inciso III, da Lei Complementar n. 202/2000 e Resolução n. 16/94).

Após análise de toda a documentação dos autos e consoante informa o relatório técnico, foram apuradas as seguintes irregularidades:

De responsabilidade do Sr. Vilmar Astrogildo Tuto de Souza, Prefeito Municipal de Biguaçu 1º/01/2008 a 31/03/2008:

1. Pagamento de multa de trânsito pela municipalidade no valor de R$ 1.447,16 (valor despendido pela municipalidade), despesa desprovida de caráter público e em desacordo com os artigos 4° e 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64.

De responsabilidade do Sr. Ivo Delagnelo, Prefeito Municipal de Biguaçu no período de 1º/04/2008 a 31/12/2008:

2. Pagamento de multa de trânsito pela municipalidade no valor de R$ 1.266,26 (valor despendido pela municipalidade), despesa desprovida de caráter público e em desacordo com os artigos 4° e 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64.

Quanto às restrições atribuídas aos responsáveis, ambos afirmam que não poderiam ser responsabilizados pelo pagamento de multas de trânsito nos exercício de 2009 e 2010, ainda que seus fatos geradores tenham se dado no período de 17/08/2007 a 1º/04/2008, tendo em vista que o controle da frota municipal, bem como das frotas específicas de cada um dos órgãos do Município, competiria, respectivamente à Secretaria Municipal de Administração e às Secretarias Municipais correspondentes.

Alegam ainda que não tiveram ciência formal e efetiva dos fatos e que a responsabilidade seria do Prefeito do exercício 2009/2012, haja vista que a despesa ocorreu nesse período e que tão somente ele poderia apurar os responsáveis.

Inicialmente vale ressaltar que a irregularidade atribuída aos responsáveis é referente à ausência de controle de motoristas que utilizavam os veículos dos municípios, a fim de que identificar os responsáveis pelas multas de trânsito cometidas.

O Prefeito do exercício 2009/2012, Sr. José Castela Deschamps, aparentemente cumpriu a sua obrigação, ao ter conhecimento das multas de trânsito que geraram um débito suportado inicialmente pelo Município, tomou as providências cabíveis para a instauração da tomada de contas em especial, nos termos do art. 10 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

Todavia, dos relatórios conclusivos da tomada de contas especial verificou-se a impossibilidade de identificar os responsáveis pelas infrações de trânsito cometidas, uma vez que não havia um controle eficiente da utilização dos veículos municipais.

Portanto, não há nenhuma responsabilidade sobre as irregularidades apuradas por parte do Sr. José Castello, uma vez que as infrações de trânsito não foram cometidas na sua gestão, assim, não era de sua responsabilidade o controle de quem utilizava a frota de veículos à época dos fatos.

Com relação à alegação de ausência de responsabilidade dos gestores no controle da frota municipal, não merece prosperar, em face da sua culpa in eligendo e culpa in vigilando.

Por "culpa in eligendo" entende-se ser a responsabilidade atribuída àquele que deu causa à má escolha do representante ou preposto e a "culpa in vigilando" refere-se à ausência de fiscalização das atividades dos subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses agentes.

A responsabilidade do gestor decorre do seu comportamento omissivo quanto ao dever de fiscalizar, o que se tornou, no caso concreto, uma das causas determinantes das irregularidades.

Esse Tribunal de Contas, mediante o inciso III do art. 1º de sua Lei Orgânica n. 202/2000, descreve como uma de suas competências julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município.

Em função do cargo ocupado, o então gestor se amoldava exatamente ao conceito de responsável pela administração de dinheiro, bens e valores públicos, em consonância com a definição de responsável do art. 133, § 1º, letra a, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, litteris:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º. Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário [grifei].

 

Além disso, cumpre registrar que a execução de tarefas ordinárias da entidade configura delegação interna de competência e reflete, tão-somente, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito da Prefeitura, pois não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo máximo de chefia executasse diretamente todas as atividades cotidianas.

Ou seja, ainda que houvesse uma delegação interna para a execução de serviços técnicos e/ou burocráticos, o titular da Unidade Gestora não se exime da condição de responsável pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de supervisão e controle que lhe são afetas.

Ainda na seara da responsabilização do gestor, trago da jurisprudência do Tribunal de Contas da União alguns julgados, que refletem o entendimento ainda mais restritivo daquela Corte de Contas, pois nem mesmo a delegação formal de competência afastaria a responsabilização do gestor em face da sua culpa in elegendo e in vigilando. Veja-se :

1.      Acórdão 1.843/2005-TCU-Plenário:

LICITAÇÃO. PEDIDO DE REEXAME. AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DE ATOS DELEGADOS. (...)

A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato [ grifei].

Suas argumentações não obtiveram êxito na pretensão de afastar sua responsabilidade. A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato. É obrigação do ordenador de despesas supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre (naquilo que estiver a seu alcance) o responsável inafastável.

2.      Acórdão 1.619/2004-TCU-Plenário:

É entendimento pacífico no Tribunal que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão 54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001 - Segunda Câmara, in Ata 10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização subordinados, diante da culpa in eligendo e da culpa in vigilando [grifei].

3.      Acórdão 1.432/2006-TCU-PLENÁRIO:

(...) RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PELAS ATRIBUIÇÕES DELEGADAS. FISCALIZAÇÃO DEVIDA. (…)

(...) 2. Atribui-se a culpa in vigilando do Ordenador de Despesas quando o mesmo delega funções que lhe são exclusivas sem exercer a devida fiscalização sobre a atuação do seu delegado [grifei].

Portanto, entende-se que remanesce a responsabilidade dos ex-Prefeitos em face do ônus inerente ao exercício do cargo que ocupavam. A omissão no efetivo controle da frota dos veículos impossibilitou a identificação dos responsáveis pelas multas de trânsito e o devido ressarcimento dos valores despendidos pelo erário municipal.

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE da presente tomada de contas especial, na forma do art. 18, III, c, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000;

2. pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO aos responsáveis mencionados pela instrução, em razão das irregularidades descritas nos itens 2.1.1e 2.2.1 da conclusão do relatório de instrução.

Florianópolis, 31 de julho de 2014.

 

 

Cibelly Farias

Procuradora