PARECER
nº: |
MPTC/26584/2014 |
PROCESSO
nº: |
REP 13/00616625 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Palmeira |
INTERESSADO: |
Rafael Antonio Krebs Reginatto |
ASSUNTO: |
Indicação do período de gestão nos
uniformes de alunos das escolas públicas municipais. |
Trata-se de expediente
encaminhado pela Ouvidoria, na qual é relatada a ocorrência de supostas
irregularidades na indicação do período de gestão municipal nos uniformes de
alunos das escolas públicas do Município de Palmeira, o que caracterizaria
promoção pessoal do Prefeito.
A Diretoria de Controle dos
Municípios apresentou relatório técnico (fls. 08-11), por meio do qual opinou
pelo conhecimento da representação e pela adoção de medidas para apuração dos
fatos apontados como irregulares.
Este
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 12-13) acompanhou o
entendimento da instrução, bem como o Relator, por meio da decisão singular de
fl. 14.
Sendo
assim, foi realizada diligência à Unidade a fim de instruir os autos e foram
acostados os documentos de fls. 20 a 114.
Analisando
os documentos apresentados, a Diretoria de Controle dos Municípios apresentou
novo relatório técnico (fls. 116-121), opinando em determinar audiência ao Sr.
José Valdori Hemkemaier, Prefeito Municipal, para apresentar justificativas
acerca da seguinte irregularidade:
a)
Contratação
de uniforme escolar contendo a indicação do período de gestão 2013-2016, no
valor de R$ 28.520,00 (vinte e oito mil, quinhentos e vinte reais), referente
ao Contrato de Fornecimento n. 038/2013 celebrado entre o Município de Palmeira
e a empresa Vera Lucia Xavier Atanázio (Confecções Vó Vera), inscrita no CNPJ
sob n. 17.948.881/0001-70, contrariando o disposto no § 1º do art. 37 da
Constituição Federal de 1988.
Em
resposta, o responsável apresentou documentos às fls. 124-142 e a Diretoria de
Controle dos Municípios emitiu novo relatório (fls. 144-147) concluindo pela
irregularidade da indicação do período de gestão 2013-2016 nos uniformes
escolares adquiridos pela Prefeitura Municipal de Palmeira, por acolher a
justificativa apresentada pelo responsável quanto à ausência de dolo ou culpa
grave na contratação dos uniformes escolares e por deixar de aplicar a multa e
recomendar que o gestor se abstenha de fazer publicidade direta ou indireta de
atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos que não tenham
caráter educativo, informativo ou de orientação social.
Da
análise dos autos verifica-se que o Sr. José Valdori Hemkemaier, Prefeito
Municipal de Palmeira, foi responsável pela contratação de uniformes escolares
para os alunos da rede pública de ensino municipal de Palmeira contendo a
indicação do período de sua gestão 2013/2016 (fls. 07).
De
acordo com às fls. 89-91, o Contrato nº 038/2013 para o fornecimento dos
uniformes possuía na sua cláusula segunda a exigência de que nos uniformes
devia conter a indicação do período de gestão 2013-2016.
O
responsável afirma que não foi sua intenção se autopromover, que a inserção do
período de sua gestão ocorreu por um equívoco.
A
instrução entendeu que não houve dolo ou culpa do gestor, pois ele determinou o
recolhimento dos uniformes que continham a indicação irregular (fls. 135-141),
sanando assim a irregularidade, considerando, ainda, que em 15/05/2014 o
Município iniciou uma nova licitação para aquisição de uniformes sem a
indicação do período de gestão (fls. 130/134).
De fato, após analise dos documentos remetidos e as fotografias,
verifica-se a adoção de providências para a regularização da situação (fls.
136-142).
Não obstante, constatou-se que durante o ano de 2013, a Prefeitura
Municipal de Palmeira utilizou-se de slogan nos uniformes escolares que faziam
menção à legislatura 2013-2016, restando evidenciada a irregularidade (fls. 89
a 91).
Conforme contato telefônico realizado por esta Procuradora por
meio de sua assessoria em 30/07/2014 às 17h20, com o Secretário Municipal de
Educação Cultura e Desporto, Sr. Mário Henrique Rodrigues, a licitação para
confecção dos uniformes é realizada todos os anos. Dessa forma, pode-se
concluir que não se configura caso de imputação de débito para o gestor,
uma vez que os uniformes tiveram que ser confeccionados novamente e os
anteriores recolhidos e inutilizados (fls. 136-142), pois tal prática já
ocorreria mesmo se não houvesse a irregularidade em comento.
A indicação
do período de gestão do governo sugere publicidade de ação do governo,
caracterizando a autopromoção daquele gestor, ainda que indiretamente, pois não
contém caráter educativo, informativo ou de orientação social, em
desconformidade com o art. 37 §1º da Constituição Federal, ipsis litteris:
Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
§ 1º - A publicidade dos
atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos.
Esse Tribunal já se pronunciou sobre hipóteses que podem
caracterizar promoção pessoal do gestor conforme se verifica no Prejulgado n°
1834, vazado nos seguintes termos:
2. Não
pode ser utilizada logomarca de determinada gestão de governo - diversa da
logomarca oficial permitida pela Lei Orgânica - nos papéis, na frota automotiva
ou em obras realizadas pelo Município, sob pena de caracterizar promoção
pessoal de autoridade, servidor ou partido político, ferindo o princípio da
impessoalidade.
3. A
utilização indevida de logomarca de gestão de governo pode ensejar penalidades
no âmbito civil, penal, administrativo, eleitoral, podendo, inclusive,
configurar ato de improbidade administrativa, todavia, a aferição da aplicação
da(s) pena(s) só será possível à luz do caso concreto.
E ao apreciar caso bem semelhante ao que ora se apresenta, já decidiu
esse Tribunal de Contas pela irregularidade do ato de gestão e pela aplicação
de multa ao gestor, conforme Decisão 0405/2009, nos autos do Processo REP -
07/00670823, Relator Conselheiro Salomão Ribas Júnior:
6.1.
Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de
Leoberto Leal, com abrangência aos exercícios de 2005 a 2007, para considerar
irregular a utilização indevida de slogan/logomarca alusiva à gestão do
Prefeito Municipal à época.
6.2.
Aplicar ao Sr. Ivo Scheidt Filho - ex-Prefeito Municipal de Leoberto Leal, CPF
n. 898.310.129-68, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n.
202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$
1.000,00 (mil reais), em face da utilização de slogan/logomarca alusiva à
gestão 2005-2008 do Prefeito Municipal, em uniformes e crachás de funcionários,
folhas e envelopes timbrados, veículos do município (ônibus escolar,
ambulância, caminhão e outros), camisetas de uniforme escolar e bolsas
escolares, medalhas referentes ao "Oitavo Campeonato Municipal de
Futsal", à "Primeira Copa Municipal das Comunidades" e ao
"Nono Campeonato Municipal de Futsal", folders intitulados
"Hábitos saudáveis de higiene bucal" e "Saúde bucal para a mamãe
e bebê", Cartilhas intituladas "Zé-escovinha" com escovinha e
fio dental, caracterizando promoção pessoal, em descumprimento aos princípios
da publicidade e impessoalidade estabelecidos no art. 37, caput e § 1º, da
Constituição Federal (item 1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30
(trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial
Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da
multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts.
43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Dar
ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem
como do Relatório de DMU n. 1959/2008, aos Poderes Legislativo e Executivo de
Leoberto Leal e ao Sr. Ivo Scheidt Filho - ex-Prefeito daquele Município.
Portanto, de acordo com o entendimento
dessa Corte de Contas o uso de logomarcas e slogans que não são aqueles
oficialmente instituídos pelo Município e que indiquem de alguma forma promoção
pessoal do gestor, fere o princípio da impessoalidade, da publicidade, da
legalidade (art. 37, §1º da CF/88) e da moralidade.
E com relação à responsabilização do
gestor, é importante ressaltar que para efeitos de penalidades aplicadas por
esse Tribunal de Contas não há necessidade que a ilegalidade do ato cause necessariamente
prejuízo ao erário.
Com base no art. 70, inc. II, da Lei
Complementar nº 202/2000, aplica-se multa quanto o ato é praticado com grave
infração à norma legal ou regulamentar. Dessa forma, basta a mera contrariedade
ao ordenamento jurídico para que a multa seja aplicada.
Portanto, a respeito do
posicionamento da instrução de que não houve dolo ou má-fé no pagamento dos
referidos valores, convém esclarecer que não que
compete a esse Tribunal de Contas exigir comprovação de má-fé como
requisito para imputabilidade.
Sobre o tema, destaco as palavras de
Celso Antônio Bandeira de Mello[1],
que bem sintetiza esse entendimento:
11. (d) Princípio da exigência de voluntariedade para incursão na
infração – O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança,
assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser
praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo,
acarretando consequências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é
de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em
infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o
livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal
caso previstas. Note-se que aqui não se
está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta
[grifei].
Conforme
leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] a imputação
de responsabilidade requer, em regra:
1.
que
o ato lesivo seja praticado por agente de pessoa jurídica de direito público
(que são as mencionadas no art. 41 do Código Civil) ou pessoa de direito
privado prestadora de serviço público (...);
2.
que
as entidades de direito privado prestem serviço, o que exclui as entidades da
administração indireta que executem atividades econômica de natureza privada;
as que prestam serviço público respondem objetivamente, nos termos do
dispositivo constitucional, quando causem dano decorrente da prestação do
serviço público; mesmo as concessionárias e permissionárias de serviço público
e outras entidades privadas somente responderão objetivamente na medida em que
os danos por elas causados sejam decorrentes da prestação de serviço público;
3.
que
seja causado dano a terceiros, em decorrência da prestação de serviço público;
aqui está o nexo de causa e efeito; (...)
4.
que
o dano seja causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange
todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em
colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o
serviço;
5.
que
o agente, ao causar dano, aja nessa qualidade; não basta ter a qualidade de
agente público, pois ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade
estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas funções.
Conforme restou comprovado nos autos,
o ato lesivo foi praticado pelo Prefeito Municipal, no exercício de sua função,
com infração à norma constitucional, causando o dano à coletividade, preenchendo,
portanto, todos os requisitos para imputação da responsabilidade administrativa
pelo ato irregular praticado, independentemente de dolo ou de culpa.
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000,
manifesta-se pela IRREGULARIDADE, na forma do art. 36, § 2º, “a”, da mesma lei,
do ato de gestão referente à indicação do período de gestão 2013-2016 nos
uniformes escolares adquiridos pela Prefeitura Municipal de Palmeira, em
afronta ao § 1º do art. 37 da Constituição Federal, e pela APLICAÇÃO DE MULTA ao responsável, na forma do art. 70, inciso II,
da mesma lei.
Florianópolis, 4 de agosto de 2014.
Cibelly
Farias
Procuradora