Despacho no:

 

GPDRR/179/2014

                       

 

 

Processo nº:

 

DEN 13/00353608

 

 

 

Origem:

 

Município de Imbituba

 

 

 

Assunto:

 

Atos de nomeação configurando prática de nepotismo

 

O Denunciante relatou suposta irregularidade concernente à prática de nepotismo relacionada com a nomeação do Sr. Manoel de Oliveira Martins no cargo de Assessor Municipal de Imprensa e da Sra. Clara Regina Martins no cargo de Procuradora do Município, sendo esta filha daquele.

Foram solicitados à unidade os esclarecimentos devidos quanto à nomeação dos agentes citados. Em atendimento, foram acostados os documentos de fls. 59-120.

A DMU propugnou pelo conhecimento do feito e pela improcedência da representação. Sustentou o Corpo Técnico que não se configurou a prática de nepotismo, visto que o fato denunciado ocorreu em período anterior ao alcance da Súmula Vinculante n.º 13 e do Prejulgado 2072, emanado por este Tribunal.

Discordarei do posicionamento adotado pela Instrução, por entender que os fatos noticiados na representação merecem ser apurados e rechaçados pela Corte.

Já tendo sido superada a discussão acerca da desnecessidade de subordinação hierárquica para a configuração do nepotismo (Mandado de Segurança n.º 30.623/DF[1] e Medida Cautelar na Reclamação n.º 16.668/RR[2]), tal como relembrado pelo Conselheiro Relator em seu despacho n.º GAC/LRH 726/2013 (fls. 28-30), passa-se à análise da possibilidade de caracterização de tal prática ilícita, mesmo antes do advento da Súmula Vinculante n.º 13.

Primeiro, cabe lembrar que a vedação ao nepotismo não fora uma invenção da citada súmula. Esta serviu para consolidar o entendimento da vedação de favorecimentos no âmbito da administração pública, entendimento este que já decorria da interpretação constitucional dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Ademais, nos julgados dos tribunais superiores, sempre se busca rechaçar a referida prática tendo por base tais princípios, representantes do verdadeiro cerne que embasa a vedação ao nepotismo:

Competência do CNMP para promover a fiscalização dos princípios constitucionais da administração pública, consagrados no art. 37, caput, da CF, entre eles o princípio da moralidade, que rege a vedação ao nepotismo. É inexequível a precisão dos interesses públicos e privados envolvidos, ressalvando-se, ademais, a obrigatoriedade de o poder público pautar seus atos pelo respeito aos princípios da administração pública, em especial, no caso dos autos, aos da legalidade e da impessoalidade (art. 37, caput, da CF/1988). A edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para a orientação da atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/1988.[3]

No mesmo sentido:

Ato decisório contrário à Súmula vinculante 13 do STF. Nepotismo. Nomeação para o exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Natureza administrativa do cargo. Vícios no processo de escolha. Votação aberta. Aparente incompatibilidade com a sistemática da CF. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. (...) A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF. O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da administração pública. Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolha por parte da Assembleia Legislativa paranaense.[4]

E ainda:

Administração pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. Proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. (...) Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF. Precedentes. Recuro extraordinário conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante de cargo em comissão.[5]

Por fim, a decisão proferida em Recurso Especial n.º 1.009.926/SC[6], de relatoria da Ministra Eliana Calmon:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NEPOTISMO – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 – DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em razão da nomeação da mulher do Presidente da Câmara de Vereadores, para ocupar cargo de assessora parlamentar desse da mesma Câmara Municipal.
2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade por lesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano ou lesão material ao erário.
3. Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com 'dedicação e eficiência'.
4. O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública.
5. O fato de a Resolução 7/2005 - CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede – e nem deveria – que toda a Administração Pública respeite os mesmos princípios constitucionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato normativo.
6. A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992.
7. Recurso especial provido.

A súmula, portanto, serviu apenas para dar a segurança jurídica necessária afirmando, de modo explícito, aquilo que já decorria da interpretação sistemática do texto constitucional, em especial dos princípios contidos no art. 37, caput, da CRFB/88.

Tanto o é assim que a vedação ao nepotismo já era reconhecida antes da elaboração da Súmula Vinculante, tendo esta se dado justamente para explicitar o entendimento já manifestado pelos Tribunais quanto ao tema.

Cite-se como exemplo a decisão proferida no Recurso em Mandado de Segurança n.º 2284-5/SP, de relatoria do Ministro Predo Acioli, do Superior Tribunal de Justiça, julgada na data de 25 de abril de 1994 (fl. 15). No mesmo sentido, o Recurso em Mandado de Segurança n.º 1751-5/ Paraná, de relatoria do Ministro Américo Luz, do Superior Tribunal de Justiça, na data de 27 de abril de 1994 (fl. 16).

Para corroborar o entendimento aqui sustentado, destaca-se que o STF já se manifestou no sentido de que a Súmula Vinculante 13 não representa uma exaustão das possibilidades de nepotismo:

Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, a Corte não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, dada a impossibilidade de se preverem e de se inserirem, na redação do enunciado, todas as molduras fático-jurídicas reveladas na pluralidade de entes da Federação (União, estados, Distrito Federal, territórios e municípios) e das esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), com as peculiaridades de organização em cada caso. Dessa perspectiva, é certo que a edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para orientar a atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/88.[7]

 

(...) 3. A redação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo da Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema. (...)[8]

Tal posicionamento decorre, justamente, da percepção de que a análise de cada situação fática deve se dar à luz do caput do art. 37 da CRFB/88, fonte originária da vedação ao nepotismo.

Esse é o entendimento manifestado no corpo do acórdão proferido em sede de Recurso Extraordinário n.º 579.951-4, do Rio Grande do Norte, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em julgado proferido anteriormente à Súmula Vinculante n.º 13 do STF, o qual servira, inclusive, como precedente à formulação da citada súmula (juntamente com os julgados proferidos no âmbito da ADI 1.521, ADC 12 e MS 23.780)[9]:

EMENTA: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE.

I - Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita.

II - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática.

III - Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

IV - Precedentes.

V - RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão.

Do corpo, extrai-se:

De fato, embora existam diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo[10], inclusive no âmbito desta Corte[11], tal não significa que apenas leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares sejam aptos a coibir a nefasta e anti-republicana prática do nepotismo. É que os princípios constitucionais, longe de configurarem meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e “positivamente vinculantes”, como ensina Gomes Canotilho[12].

Assim, o argumento, data venia falacioso, de que, se a Carta Magna não vedou expressamente a ocupação de cargos em comissão ou de confiança por parentes, essa prática seria lícita, não merece prosperar, pois totalmente apartada do ethos que permeia a “Constituição-cidadã” a que se referia o saudoso Ulisses Guimarães.

[...]

Por tudo quanto até aqui exposto, entendo que carece de plausibilidade a exegese segundo a qual que o nepotismo seria permitido simplesmente porque não há lei que o proíba.

[...]

E para corroborar a gravidade do fato, cumpre registrar que a ocorrência da referida irregularidade fora reconhecida pelo Procurador Geral do Município, por meio do Parecer n.º 145/PGM/1997 (fl. 12) e noticiada ao Prefeito Municipal à época, o Sr. Osny Souza Filho, após a análise do Requerimento n.º 005/SDO/1997 (fl. 11) formulado pelo Sr. Sérgio de Oliveira, instruída com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (fls. 13-16).

Por todo o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, I e II da LC n.º 202/2000, opina pelo conhecimento da Denúncia e pela realização de audiência do gestor à época dos fatos, o Sr. Osny Souza Filho, para que se manifeste acerca da restrição noticiada nestes autos, concernente à prática de nepotismo em decorrência de nomeações para cargos em comissão, no âmbito da Prefeitura Municipal de Imbituba.

 

Florianópolis, 21 de novembro de 2014.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1]STF, MS n.º 30.623, Distrito Federal, Rel. Min. Luiz Fux, J. em 13-12-2012

[2]STF, RCl n.º 16.668 MC, Roraima, Rel. Mi. Cármen Lúcia, J. em 6-11-2013

[3]STF, MS 31.697, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11-3-2014, Primeira Turma.

[4]STF, Rcl 6.702-AgR-MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 4-3-2009, Plenário.

[5]STF, RE 579.951, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 20-8-2008, Plenário, com repercussão geral. No mesmo sentido: ADI 3.745, rel. min. Dias Toffoli, j. 15-5-2013, Plenário.

[6]STJ, REsp 1.009.926, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 17-12-2009, Segunda Turma.

[7]STF, MS 31.697, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 11.3.2014.

[8]STF, Rcl 15.451, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27.2.2014.

 

[9] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008.pdf

[10] Ver Lei 8.112/90, art. 117, VIII; Lei 9.421/96, art. 10; e Lei 9.953/00, art. 22.

[11] Resolução 246 do STF de 18/12/2002, alterada pela resolução 249 de 5/2/2003, art. 7º: “É vedado ao servidor do Supremo Tribunal Federal: I – usar cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências para obter favorecimento para si ou para outrem; (...)XVIII – manter sob sua subordinação hierárquica cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até o 3º grau”. Regimento Interno do STF: Art. 355, § 7º: “Salvo se funcionário efetivo do Tribunal, não poderá ser nomeado para cargo em Comissão, ou designado para função gratificada, cônjuge ou parente (arts. 330 a 336 do Código Civil), em linha reta ou colateral, até terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade” (Novo Código Civil, Lei 10.406/02: arts. 1.591 a 1.595). Art. 357, parágrafo único: “Não pode ser designado Assessor, Assistente Judiciário ou Auxiliar, na forma deste artigo, cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade”.

[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1992, p. 352.