Parecer no:

 

MPTC/30.008/2014

Processo nº:

 

REP 08/00377559

Un. Gestora:

 

Município de Itajaí

Assunto:

 

Representação do Poder Judiciário – Peça de Reclamatória Trabalhista. Obra Pública. Penhora de Bens.

 

Tratam os autos de representação remetida pela Excelentíssima Juíza do Trabalho Sonia Maria Ferreira Roberts, da 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú, em atendimento ao julgado da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (fl. 227), que determinou a remessa ao Tribunal de Contas de cópia do processo de Embargos de Terceiro nº 2948/05, oferecidos pelo Município de Itajaí em Ação Civil Pública (ACPU n. 524/97), em trâmite na Justiça do Trabalho.

No Relatório nº 31/2009 (fls. 301 a 305), a DMU traça uma ordem cronológica acerca do processo trabalhista que deu azo à representação e apresenta o ocorrido:

Em suma, foi realizado procedimento licitatório para construção de centro administrativo do município, saindo vencedora a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda.. Esta, por sua vez, em função de problemas financeiros, repassou os direitos e deveres referentes ao processo licitatório e decorrente contrato ao Sr. José da Rocha Martins, para quem o município deu em pagamento o imóvel em discussão.

Sendo evidente que a solução da contenda compete ao judiciário trabalhista, a esta Corte de Contas resta, neste momento, examinar a legalidade e legitimidade dos instrumentos contratuais firmados pelo município (grifos na cronologia dos fatos exposta acima), que tiveram origem no Processo Licitatório n. 006/90 do Município de Itajaí, no sentido de identificar possíveis irregularidades ou prejuízo ao erário decorrentes de tais atos jurídicos.

O Relatório nº 010/2010 (fls. 312 a 326), elaborado pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, sugeriu em sua conclusão “admitir a presente Representação” e “determinar ao Prefeito Municipal a instauração de tomada de contas especial” para quantificação do “dano ao erário resultante da substituição do objeto da licitação sem fulcro na Lei e sem comprovação da equivalência dos custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento efetuado antes da liquidação da despesa”.

O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer MPTC/2.144/2011 (fls. 329 a 342), propôs a instauração de Tomada de Contas Especial, a manifestação das empresas contratadas, bem como a comunicação ao Ministério Público Estadual de Santa Catarina.

O Conselheiro Relator Salomão Ribas Junior, mediante o Despacho Singular nº 22/2011 (fls. 343 a 346), decidiu conhecer da representação e determinar a audiência do Sr. Jandir Bellini, Prefeito Municipal de Itajaí, para apresentar justificativas de defesa acerca do dano ao erário, resultante da substituição do objeto da licitação, tal como exposto, em contrariedade aos artigos 65 e 77 da Lei 8.666/93 e artigos 62 e 63, § 2º, II da Lei 4.320/64.  

Em atendimento à audiência, o responsável enviou justificativas e documentos (fls. 357 a 406).

Como em sua defesa o responsável apresentou valores de terrenos e de áreas de obras de engenharia, os autos foram encaminhados à COSE/DLC, que elaborou o Relatório DLC 203/2014 (fls. 415 a 417), solicitando os seguintes documentos e informações:

-orçamento básico das obras;

-obras que foram efetivamente executadas;

-valor pago pelas obras do Centro Administrativo;

-orçamento básico das obras do Teatro Municipal;

-valor pago pelas obras do Teatro Municipal;

-cópia do laudo de avaliação do terreno dado para pagamento das obras. 

Por meio do Ofício nº 6922 (fl. 418), de 14/05/2014, foi efetuada diligência ao Prefeito de Itajaí, que se manifestou às fls. 422 a 506.

Ato contínuo, os autos foram remetidos à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações a fim de que fossem analisados os novos documentos (fls. 521 a 524). Da análise, concluiu-se o que segue:

Considerando tratar-se de Representação encaminhada pela 1a Vara do Trabalho de Balneário Camboriú, em atendimento ao julgado da 3a Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região (fls. 227), que determinou a remessa a este TCE, para as providências cabíveis, de cópia do processo de Embargos de Terceiro n. 2948/05, oferecidos pelo Município de Itajaí em Ação Civil Pública (ACPU n. 524/97), em trâmite na Justiça do Trabalho;

Considerando que foi realizada audiência do responsável, e como em sua defesa foram apresentados valores de terrenos e metragens de obras de engenharia, assuntos de atribuição desta Coordenação da DLC, vieram os autos para análise;

Considerando que com os documentos e justificativas apresentadas não foi possível quantificar um possível dano ao erário, tendo sido realizado diligência solicitando alguns documentos e informações;

Considerando que o responsável alegou que as enchentes de 2008 e 2011 atingiram o edifício onde se localizava o arquivo intermediário e por isso os documentos não foram localizados;

Considerando a ausência de tais documentos (quantitativos dos projetos e custos unitários) e a demolição da obra iniciada do Centro Administrativo, não é possível, no âmbito do Tribunal quantificar possíveis danos ao erário.

Considerando a análise das demais questões contidas no Despacho Singular n. 22/2011 pela CAJU (fls. 343 a 346).

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

3.1. Considerar a Representação apresentada pelo(a) Justiça do Trabalho - 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú parcialmente procedente.

3.2. Aplicar multas ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito Municipal, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face da substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento antes da liquidação da despesa, em contrariedade aos artigos 65 e 77 da Lei 8.666/93 e artigos 62 e 63, § 2º, II da Lei 4.320/64, fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar.

3.3. Dar ciência deste relatório e do Acórdão, à Justiça do Trabalho - 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú e ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito Municipal de Itajaí.

É o Relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1.        Dos fatos noticiados

Conforme dito alhures pela DMU em seu relatório nº 31/2009 (fls. 301 a 305), foi feita uma análise cronológica dos eventos que motivaram o feito:

1 – Em 19/04/91, o Município de Itajaí e a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda., vencedora de Processo Licitatório n° 006/90, na modalidade concorrência pública, celebraram o decorrente Contrato Administrativo para Execução de Obra Pública (fls. 56-68), em que a construtora se comprometeu a executar as obras de construção de prédio da administração municipal e urbanização de área, obtendo como pagamento pela obra um terreno (imóvel municipal);

2 – em 15/03/95, o Município de Itajaí e a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda. firmaram Termo de Confissão de Dívida com Compromisso e Outorga de Garantia (fls. 69-72), em função do não cumprimento integral do contrato citado no item anterior, comprometendo-se a construtora, como forma de pagar a dívida, a edificar um teatro municipal;

3 – em 07/04/97, o Município de Itajaí e a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda. fizeram um aditivo (fls. 73-75) ao termo de confissão de dívida mencionado acima;

4 – em 09/04/97, a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda., por contingências econômico-financeiras, e José da Rocha Martins firmaram Contrato de Assunção de Obrigação de Fazer com Cessão de Direitos (fls. 76-79), em que o segundo se sub-roga nos direitos e obrigações da primeira relativos ao contrato administrativo e termo aditivo de confissão de dívida referidos nos itens anteriores;

5 – em 10/04/97, o Município de Itajaí e José da Rocha Martins fizeram Escritura Pública de Dação em Pagamento com Garantia Hipotecária (fls. 30-41), tendo como anuente a Paulo Caseca Construções e Incorporações Ltda., em que o município dá em pagamento o imóvel referido no contrato administrativo com a construtora (item 1);

6 – em 03/04/1998, foi prolatada decisão (fls. 27-29), nos autos da Ação Trabalhista n. 1531/96, na Junta de Conciliação e Julgamento de Balneário Camboriú, declarando a ineficácia da transferência do citado imóvel ao Sr. José da Rocha Martins;

7 – em 22/07/04, a Joconte Fomento e Participações Ltda., empresa da qual José da Rocha Martins tornou-se sócio, em 16/12/97, integralizando suas cotas com o terreno percebido na citada dação em pagamento, enviou notificação via cartório de registro de títulos e documentos (fls. 42-49) ao Município de Itajaí, incitando o mesmo a intentar medidas de direito junto a processos trabalhistas cujo referido imóvel estava em lide;

8 – em 27/08/2004, foram protocolados na 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú embargos de terceiro oferecidos pelo Município de Itajaí (ET 1292/04, recadastrados sob o n. ET 2948/05, conforme certidão de fls. 132), junto à ACPU n. 524/97, reivindicando a propriedade do imóvel objeto de disputa e requerendo o levantamento da penhora sobre ele existente. São estes autos que consubstanciam a representação encaminhada pela douta magistrada.

Passa-se à análise do feito.

 

2. Da aplicação de multa ao Responsável

Consoante o que consta dos autos, impõe-se a aplicação de multa ao responsável, Sr. Jandir Bellini.

No caso em tela, a multa a ser cominada corresponde às seguintes condutas, como dito alhures:

em face da substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento antes da liquidação da despesa, em contrariedade aos artigos 65 e 77 da Lei 8.666/93 e artigos 62 e 63, § 2º, II da Lei 4.320/64 (fl. 524)

Ademais, não houve a fulminação do feito pelo prazo prescricional. Ao caso, aplica-se a prescrição decenal, prevista no art. 205 do Código Civil de 2002, iniciando a contagem do prazo em 01/01/2003 e interrompendo-se com a citação do responsável, ocorrida em 19/08/2011 (fl. 349).

Não obstante a imposição de sanção pecuniária é necessário a conversão em Tomada de Contas Especial com a finalidade de que sejam investigadas as irregularidades passiveis de imputação de débito, consoante inteligência dos artigos 32 e 33 da Lei Complementar 202/2002.

 

2.        Da necessidade de conversão do feito em Tomada de Contas Especial

Em face do caso em tela, cumpre-me demandar pela urgente conversão do feito em Tomada de Contas Especial.

Vez que o responsável não trouxe à baila os documentos solicitados no Relatório nº DLC 203/2014 (fls. 415-417), nada impede que seja instaurado um processo de investigação apartado com a finalidade de elucidar os dados omitidos pelo responsável em virtude da alegada inundação.

A Tomada de Contas Especial, nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000, emerge da necessidade do Tribunal de Contas apurar qualquer minudência omitida no trâmite do feito, bem como elidir todo e qualquer questionamento sobre os fatos do caso em comento, sejam eles de natureza quantitativa do dano ao erário, ou inclusive sobre quem incide a responsabilidade pelo mesmo.

 Pois se não vieram aos autos os documentos que demonstrariam o dano ao Erário ou a ausência dele, não pode o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina fazer ouvidos moucos ante o gritante indício de dano. Se a diligência (fls. 415-417) não foi satisfatoriamente cumprida, espera-se que esta Egrégia Corte de Contas em uma postura proativa acolha a conversão deste feito.

Nesta toada, no parecer nº MPTC/2.144/2011 (fls. 329 a 342), manifestei-me pela instauração de Tomada de Contas Especial. É evidente que na ausência de documentos – importantes para o deslinde do feito – cumpre ao Tribunal de Contas considerar a conversão em TCE, sob pena de ser conivente com o visível dano ao Erário.

Se por um lado o Responsável não acosta aos autos, por qualquer motivo, documentos com informações relevantes para o saneamento de possíveis irregularidades, cabe ao órgão competente, Tribunal de Contas de Santa Catarina, apurar de maneira diligente por meio de seu corpo técnico qualificado, a veracidade dos fatos em tela.

Repisando o que fora dito alhures (fl. 339):

“O feito reclama que a Corte assuma a execução da tomada de contas especial, fazendo uso inclusive da expertise de seus competentes técnicos com formação na área de engenharia (...)”.

Além da obscuridade sobre os fatos e documentos que não foram trazidos à baila pelo Responsável, a própria natureza desta Representação enseja a necessária conversão do feito.

Da leitura dos autos, depreende-se que ocorreram diversas irregularidades praticadas pelo Responsável, sendo impensável que a mera cominação de multa seja capaz de sanear ou dirimir os danos causados ao Erário.

Entre as irregularidades, podem ser citadas: i) a mudança do objeto da licitação no curso do procedimento (da construção de um centro administrativo municipal de 4.008,05m² para a edificação de um teatro municipal de 1.400,00m²!); ii) a sub-rogação de um credor por outro, para a execução da nova obrigação (por meio de um contrato firmado entre dois particulares!); iii) a dação em pagamento irregular, cuja ineficácia foi declarada posteriormente no âmbito de ação trabalhista; iv) a inexistência de qualquer procedimento tendente a estudar a equivalência dos custos entre o centro administrativo e o teatro municipal, incluindo a dação em pagamento e a multa contratual pela inexecução do objeto licitado; v) justificativa apta a substituir a construção de uma unidade administrativa por um teatro, visto inexistir qualquer correlação entre estas edificações.

Apenas com um procedimento de Tomada de Contas Especial será possível apurar o quantum envolvido nas estranhíssimas operações noticiadas nestes autos. Se estes fatos não forem bastante para que seja efetuada uma análise detida e aprofundada sobre o que ocorreu, então em nenhum outro processo será cabível a conversão em Tomada de Contas Especial.

Como é sabido, o artigo 37, §5º, põe a salvo a imprescritibilidade as ações que objetivem o ressarcimento do dano ao erário. Deste modo, é da maior importância que sejam apurados os danos, ensejados pelos atos omissivos e comissivos do responsável, vez que sob o manto da imprescritibilidade é mister que seja efetuada a restituição de todo o débito existente.

Ante todo o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar 202/2000, manifesta-se:

1) Pela conversão do feito em Tomada de Contas Especial, nos termos do art. 32 e 33 da Lei Complementar n.º 202/2000, em virtude das irregularidades e da omissão de documentos por parte do Responsável;

2) Pela aplicação, desde já, multas ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito Municipal, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face da substituição do objeto da licitação sem amparo legal e sem a comprovação de equivalência dos custos, da falta de providências quanto à rescisão contratual e do pagamento antes da liquidação da despesa, em contrariedade aos artigos 65 e 77 da Lei 8.666/93 e artigos 62 e 63, § 2º, II da Lei 4.320/64, fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar;

3) Dar ciência da decisão à Justiça do Trabalho - 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú e ao Sr. Jandir Bellini, Prefeito Municipal de Itajaí.

Florianópolis, 16 de dezembro de 2014.

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas