Parecer no: |
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MPTC/30.132/2015 |
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Processo nº: |
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RLA 14/00489285 |
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Origem: |
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Município de Timbó Grande |
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Assunto: |
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Verificação de possíveis irregularidades
na utilização de máquinas da Prefeitura na prestação de serviços em terreno
particular. |
A Ouvidoria
do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina registrou e encaminhou à
Diretoria de Controle dos Municípios a Comunicação nº 25/2014, que trata de
supostas irregularidades praticadas no Município de Timbó Grande (fls. 03 a
09).
Após
análise preliminar, sugeriu-se ao Diretor da DMU, por meio da Informação nº
11/2014 (fl. 10), a realização de auditoria in
loco com a finalidade de apurar os fatos noticiados. Por meio do Ofício
TC/DMU nº 14.817/2014, foi designada a equipe de auditoria composta pelos
Auditores Fiscais Dejair Cesar Tavares e Ricardo Cardoso da Silva, tendo esta
ocorrido efetivamente na data de 1º de setembro de 2014.
Fora
estabelecida a seguinte questão de auditoria: a prefeitura de Timbó Grande
prestou serviços com máquinas e equipamentos públicos em propriedade particular
de forma gratuita?
A
equipe de auditoria, de início, localizou o terreno onde teria sido realizado o
serviço e solicitou à unidade fiscalizada: a legislação municipal que
regulamenta a prestação de serviços por veículos e equipamentos do município em
propriedades particulares; os dados do imóvel; os documentos comprobatórios da
prestação de serviços, contendo a unidade de medida utilizada, visando à
cobrança do preço público estabelecido na Lei Municipal nº 964/2013 (fls.
21-23); os documentos que comprovem o efetivo lançamento e o pagamento do
débito relativo à prestação dos serviços.
Após
a análise dos documentos obtidos e da auditoria in loco, a Diretoria Técnica constatou que: o terreno onde foram
realizados os serviços (traçado da pista de motocross) não era de propriedade
do Prefeito de Timbó Grande (certidões às fls. 12/15 e 31/39); que houve a
prestação dos serviços de retroescavadeiras e niveladoras pertencentes à
Prefeitura, sem a cobrança de preços públicos; que após a realização dos
serviços a Prefeitura se utilizou do terreno particular para realizar as
festividades dos 25 anos de Timbó Grande, nas quais estava incluído a
competição de motocross; que o referido terreno fora cedido pelo proprietário,
supostamente sem ônus, ao Município, durante a realização das festividades.
Diante
de tais fatos, o Corpo Instrutivo entendeu por considerar improcedente a
Comunicação de Ouvidoria nº 25, posicionamento do qual discordarei.
Conforme
noticiado, houve a utilização indevida de maquinário público em benefício
particular.
A
prestação dos serviços de retroescavadeiras e niveladoras pertencentes à
Prefeitura deu-se sem a contraprestação prevista na Lei Municipal nº 964/2013,
a qual dispõe sobre o valor dos preços públicos a serem remunerados em tais
circunstâncias.
Ademais,
o normativo acima transcrito estabelece outras condições para a utilização de
equipamentos de propriedade do Município. O seu art. 3º aduz que as
solicitações para uso de tais serviços deverão ser encaminhadas à Secretaria
Municipal competente, a qual, por sua vez, encaminhará ao Conselho Municipal competente, que deliberará sobre cada pedido
formulado.
Na
sequência, seu art. 4º estabelece que os referidos conselhos serão responsáveis
pela avaliação dos critérios constantes
da Lei (caput), e que os serviços
prestados se limitarão a um total de 30 horas/máquinas por ano (parágrafo
único).
A
norma impõe ainda em seu art. 5º uma série de requisitos a serem observados
pelo beneficiário (incisos I a V), incluindo dentre estes o pagamento antecipado do preço público (caput).
Não
bastasse, a lei em análise possibilita a utilização do maquinário em benefício de produtores rurais (art.
1º), por certo com o intuito de auxiliar agricultores que não dispõem de
equipamentos de tal porte para realização de intervenções e melhorias em suas
propriedades.
Ora,
a preparação de pista de motocross não se coaduna aos fins estatuídos pelo
regramento municipal.
Ademais,
a autorização de uso de bens públicos por particulares não pode ser realizada
pelo gestor municipal a seu bel-prazer, visto que o bem não lhe pertence,
apenas é por este administrado.
Qualquer
ato envolvendo a cessão de bens públicos deve ser feita de forma transparente,
evitando-se obscuridades ou dúvidas quanto à natureza e objetivo da transação
realizada, seja esta a título oneroso ou gratuito.
Deve
estar, portanto, devidamente fundamenta e comprovada a finalidade pública da
utilização dos bens municipais. A simples assertiva de que tal utilização revertera
em proveito da administração local não basta para suprir tais requisitos.
Assim,
tanto a utilização do maquinário público quanto a cessão de terreno particular
à Prefeitura deveriam estar devidamente formalizados, possibilitando o
posterior controle de legalidade e legitimidade dos ajustes firmados.
A
formalização por meio de instrumento cabível evita ainda o surgimento de
dúvidas acerca das regras aplicáveis ao caso e das possíveis consequências que
o uso indevido do bem cedido pode trazer ao beneficiário.
Tal
medida serve, inclusive, como forma de resguardar a coisa pública, evitando
futuras cobranças por parte do particular que cedeu seu terreno para realização
de evento comemorativo da cidade.
Entendo,
por tais razões, que deva ser impulsionado o presente feito. Restou comprovada
a utilização de bem público em propriedade particular: sem contrapartida, sem
amparo legal (visto que a Lei Municipal nº 964/2013 não se aplica ao caso,
conforme explanado acima), sem a demonstração de atendimento à finalidade
pública e sem qualquer formalização do ajuste noticiado.
Ressalta-se
ainda o entendimento já manifestado pela Corte de Contas nos Prejulgados nº 531
e nº 896, que versam sobre a matéria:
Prejulgado n.º 531
1. A
execução de serviços em propriedades particulares pela Administração Municipal
depende de lei autorizativa reguladora. [...]
Prejulgado n.º 896
É recomendável que a prestação de
serviços com equipamentos e/ou pessoal do Município, em propriedades
particulares, seja realizada mediante remuneração à entidade pública prestadora
do serviço, com base em tabela de preços
eqüânimes para os interessados, conforme valores e critérios estabelecidos em
lei.
A
prestação de serviços gratuitos a particulares, através do parque de máquinas
da municipalidade, sem previsão em lei regulando programa específico que
contemple essa possibilidade, caracteriza ofensa aos princípios da moralidade e
da impessoalidade administrativas, insculpidos no caput do art. 37 da
Constituição Federal.
Pode
caracterizar ato de improbidade administrativa a permissão, sem autorização
legal, de utilização, em obra ou serviço particular, de veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição
do Município, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros
contratados pela municipalidade, nos termos do inciso XIII do art. 10 da Lei n°
8.429/92. (grifei)
Por
fim, ainda restam dúvidas acerca da utilização da estrutura pública em
benefício do gestor municipal.
Das
certidões de matrícula anexas ao feito (fls. 12-14), vê-se que, supostamente, o
terreno em que foram realizadas as melhorias não pertence ao Prefeito.
No
entanto, o terreno cuja matrícula fora anexa aos autos possui confrontação com
a propriedade rural do gestor nos limites concernentes às áreas Norte e Oeste
(destaque à fl. 13), colocando novamente em debate o possível beneficiamento do
Prefeito na utilização de máquinas públicas em proveito pessoal.
Sabe-se
que em áreas rurais nem sempre há uma identificação ou demarcação precisa do
local de início e término de determinada propriedade. Não se sabe, ainda, se a
Instrução Técnica, no momento da realização da auditoria, atentou-se para tal
fato – aproximação entre o terreno do Prefeito Municipal e do particular cuja matrícula
fora anexa.
Ante
tal constatação, entendo cabível, antes de dar prosseguimento ao feito, a
determinação à Diretoria Técnica para que proceda a nova verificação in loco, com vistas a averiguar se, de
fato, não foram realizadas melhorias no terreno pertencente ao Prefeito
Municipal.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar
n.º 202/2000, manifesta-se:
1) pela realização de nova inspeção in loco para averiguação do possível beneficiamento pessoal do
Prefeito de Timbó Grande;
Em caso de o Relator não acolher tal posicionamento,
manifesta-se, desde já:
2) pela citação do gestor responsável para que este,
querendo, apresente argumentos defensivos acerca da seguinte irregularidade:
2.1)
utilização indevida de bem público em propriedade particular sem amparo legal e
sem comprovação do atendimento à finalidade pública, em afronta aos princípios
da impessoalidade e legalidade insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como sem a formalização de
qualquer termo de ajuste e pagamento de contrapartida, em desacordo ao entendimento manifestado nos Prejulgados
nº 531 e nº 896.
Florianópolis, 03 de fevereiro de 2015.
Diogo Roberto Ringenberg
Procurador
do Ministério
Público
de Contas