Parecer no:

 

MPTC/30.119/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 11/00459984

 

 

 

Origem:

 

Município de Cunhataí

 

 

 

Assunto:

 

Tomada de Contas Especial – Irregularidades em processo licitatório para alienação de bens imóveis.

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial originária da Representação movida às fls. 02-12 (documentos de suporte às fls. 13-61), pelos Srs. Adair Werlang, Adelar Paulo Schmitz, Jaime Luiz Warken, Leo Antônio Kauck e Leandro Weberich, vereadores do Município de Cunhataí, relatando supostas irregularidades ocorridas em procedimento licitatório deflagrado para a venda de bens móveis inservíveis à administração municipal.

A Auditora Substituta de Conselheiro emitiu Despacho Singular nº GASNI 23/2012 (fls. 249-250), determinando fosse convertido o processo em Tomada de Contas Especial, nos seguintes termos:

1 - DETERMINAR, nos termos do art. 32 da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, o encaminhamento do presente processo à Divisão de Protocolo – SIG/DIPO -, da Secretaria Geral, paa conversão dos autos em Tomada de Contas Especial, tendo em vista a seguinte irregularidade apontada:

1.1. O montante de R$ 8.274,69 (oito mil, duzentos e setenta e quatro reais e sessenta e nove centavos), referente às Notas de Empenhos nºs 459/10, 644/10, 645/10, 874/10, 875/10, 1051/10, 1052/10 e 1059/10 – despesas realizadas com o veículo placa MAJ 2134, correspondente Leilão nº 001/2010, da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariou os princípios da eficiência e da economicidade, previstos no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.2.4 do relatório técnico).

2. Determinar a citação do Sr. Erno Menzel – Prefeito Municipal, inscrito no CPF sob o nº 845.494.599-72, com endereço profissional na Av. 29 de setembro, 4500 – Centro – Cunhataí/SC, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no artigo 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 e 70 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000:

2.1. O montante de R$ 8.274,69 (oito mil, duzentos e setenta e quatro reais e sessenta e nove centavos) referente às Notas de Empenhos nºs 459/10, 644/10, 645/10, 874/10, 875/10, 1051/10, 1052/10 e 1059/10 – despesas realizadas com o veículo placa MAJ 2134, correspondente Leilão nº 001/2010, da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariou os princípios da eficiência e da economicidade, previstos no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.2.4 do relatório técnico).

2.2. Ausência de justificativa a respeito da existência de interesse público, e de que os bens se enquadram como inservíveis, requisitos para o lançamento do Leilão nº 001/2010 da Prefeitura de Cunhataí,  contrariando o disposto no caput do artigo 17 e o §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.2.2 do relatório técnico).

3. DETERMINAR à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, que dê ciência do Despacho, com remessa de cópia do Relatório DLC nº 104/2012 aos responsáveis, Srs. Adair Werlang, Adelar Paulo Schmitz, Jaime Luiz Warken, Leandro Weberich e Leo Antônio Klauck, e ao responsável pelo controle interno da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

Tudo sob pena de revelia e prosseguimento do processo, nos termos do art. 15, § 2º, da Lei Complementar n. 202/00.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações encaminhou Ofícios (fls. 251-257) endereçados ao Sr. Erno Menzel, Prefeito Municipal de Cunhataí, aos Srs. Adair Werlang, Adelar Paulo Schmitz, Jaime Luiz Werken, Leandro Weberich e Leo Antônio Klauck, Vereadores, e ao responsável pelo Controle Interno do Município.

O Poder Legislativo do Município de Cunhataí encaminhou Ofício (fls. 268-269) e os documentos de fls. 270-283.

A Auditora Substituta de Conselheiro emitiu Despacho (fls. 285–286) determinando fosse realizada a citação dos Srs. Erno Menzel, Jorge Luiz Luciano Franz, Jorge Luiz Hillembrandt, Cláudio Droos e Iloi Kerkoff, em razão das seguintes irregularidades:

1. Ausência de justificativa da existência de interesse público e de que os bens se enquadram como inservíveis, requisitos impostos para o lançamento do Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e no § 1º artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93;

2. Ausência de aplicação de critérios e métodos objetivos quando da avaliação dos bens alienados por meio do Leilão nº 001/2010, contrariando o disposto no caput do artigo 17 e o § 1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93, além do princípio da eficiência.

3. Alienação dos itens A, B, C e E do Leilão nº 001/2010 à Sra. Raquel Endler, que seria funcionária de empresa pertencente a membro da comissão municipal permanente que avaliou os bens para o leilão e que transferiu o caminhão basculante constante do item C para o vice-prefeito municipal, contrariando o artigo 9º da Lei nº 8.666/93, além do princípio da impessoalidade; e

4. Ausência de uma nova avaliação tendo em vista os gastos com a manutenção do veículo placas MAJ 2134, NO MONTANTE DE R$ 8.274,69, realizados após a 1ª avaliação que fixou o valor mínimo do item ‘C’ – um 01 caminhão basculante, placas MAJ 2134, para o Leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariando o disposto no caput seu artigo 17, o § 1º do artigo 53 c/c o caput da Lei Federal nº 8.666/93.

 

Foram encaminhados ofícios pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (fls. 288-292).

Retornaram os respectivos Avisos de Recebimento assinados pelos destinatários (fls. 293-297).

Foram apresentadas justificativas defensivas pelo Sr. Erno Menzel, Prefeito Municipal de Cunhataí (fls. 298-310), bem como os documentos de fls. 311-324.

Os Srs. Luciano Franz, Jorge Luiz Hillembrandt, Cláudio Droos e Iloi Kerkoff enviaram esclarecimentos de defesa às fls. 337-348.

A Diretoria Técnica da Corte de Contas emitiu o Relatório nº 639/2012 (fls. 351-364), concluindo por sugerir:

3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito ao Sr. Erno Menzel, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas pertinentes a presente Tomada de Contas Especial, acerca do procedimento do Leilão nº 01/10 da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

3.2 Dar quitação ao Sr. Erno Menzel, com fulcro no art. 17, §5º, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), no valor de R$7.225,00 (sete mil e duzentos e vinte e cinco reais), conforme demonstrado no Quadro 3 do presente relatório.

3.3 Aplicar multa proporcional ao dano de R$1.049,69 (hum mil, quarenta e nove reais e sessenta e nove centavos) ao Sr. Erno Menzel – Prefeito Municipal, inscrito no CPF sob o nº 845.494.599-72, com endereço profissional na Av. 29 de setembro, 4500 – Centro – Cunhataí/SC, com fundamento no art. 50 da Constituição do Estado de Santa Catarina, no art. 70, I, da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, I do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face de despesas realizadas com o veículo placa MAJ 2134 e não computadas na avaliação do referido bem, correspondente ao leilão nº 001/2010 da Prefeitura Municipal de Cunhataí, contrariou os princípio da eficiência e da economicidade previstos no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.1 do presente Relatório), fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico – DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar.

3.4 Recomendar à Unidade a elaboração de normas de avaliação com critérios e métodos objetivos para o Leilão, em cumprimento ao disposto no caput do artigo 17 e no §1º do artigo 53 da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.3 do presente Relatório).

3.5 Dar ciência do Acórdão, do Relatório Técnico aos representantes, ao Sr. Erno Menzel, ao Sr. Luciano Franz, ao Sr. Jorge Luiz Hillembrandt, ao Sr. Cláudio Droos, ao Sr. Iloi Kerkoff, à Assessoria Jurídica e ao Responsável pelo Controle Interno da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

 

O Ministério Público de Contas, instado a se manifestar nos autos, emitiu o Parecer nº 18.920/2013 (fls. 365-388), concluindo por:

1) Em julgar irregulares, com imputação de débito ao Sr. Erno Menzel, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, acerca do procedimento Leilão nº 001/2010, da Prefeitura Municipal de Cunhataí, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n.º 202/2000;

2) em determinar ao Responsável, sob pena da possível sujeição futura à sanção prevista no art. 70, inciso III, da Lei Complementar Estadual no. 202/2000, que adote as providências necessárias para o ressarcimento ao Erário:

2.1) no valor de R$ 6.969,69, referente ao montante despendido na reforma do veículo de Placas MAJ 2134;

2.2) no valor de R$ 33.637,00, referente à disparidade existente entre o o valor médio dos bens estimado pela Comissão de Avaliação Permanente e o valor médio de mercado;

3) pela aplicação de multa ao Sr. Erno Menzel, com fundamento no art. 70, I da Lei Complementar nº 202/2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Santa Catarina em decorrência das irregularidades expostas no item supra;

4) Com fundamento no art. 71, XI da Constituição Federal; art. 59, XI da Constituição Estadual; art. 7º da Lei Federal nº 7.347/85; nos arts. 14 c/c 22 da Lei Federal nº 8.429/92; art. 24, § 2º c/c art. 40 do Decreto-Lei n° 3.689/41 e art. 102 da Lei n.º 8.666/93, pela comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de atos de improbidade administrativa.

5) Pela comunicação do Acórdão e do Voto ao responsável Sr. Erno Menzel, aos membros da Comissão Municipal Permanente de Avaliação e aos interessados.

Foram anexados os documentos de fls. 389-399.

A Auditora Substituta de Conselheiro emitiu Relatório e Voto (fls. 400-403), sugerindo ao Egrégio Tribunal Pleno:

1. DEFINIR A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, nos termos do art. 15, I, da L.C. nº 202/2000, dos Sr. Evelton Jair Schmitt - Vice-prefeito do Município de Ouro, do Sr. Iloi Kerkhoff, inscrito no CPF sob o nº 781.725.609-82, membro da comissão municipal permanente de avaliação mobiliária e imobiliária e proprietário da empresa Oficina Mecânica Kerkhoff, da Sra. Raquel Endler, CPF 037.218.349-25, arrematante do veículo que foi repassado ao vice-prefeito; da oficina Mecânica Kerkhoff, CNPJ 02.470.157/0001-06, por intermédio de seus sócios administradores, Sr. Iloi Kerkhoff, CPF 781.725.609-82, e Sra. Roseli Adriane Baron Kerkhoff, CPF n. 016.834.219-73, e DETERMINAR a CITAÇÃO, nos termos do art. 15, II, da citada Lei, para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta, apresentarem defesa face ao cometimento da irregularidade a seguir elencada, passível de imputação de débito e cominação de multa, previstas no art. 68, da L.C. nº 202/2000,

1.1. Dano ao erário no valor de R$ 2.500,00, que corresponde à diferença entre o que foi arrecadado pelo município com a alienação do caminhão placas MAJ 2134 pela Sra. Raquel Endler (R$ 19.100,00) e o que foi de fato pago pelo vice-prefeito, Sr. Evelton Jair Schmitt, uma semana após o leilão (R$ 2.500,00 para a Oficina Mecânica Kerkhoff e R$ 19.900,00 referentes ao boleto do leilão), demonstrando a ocorrência de simulação de negócio jurídico (Código Civil, art. 167, inciso I), pois o ato negocial foi realizado de fato entre o Município de Cunhataí e o seu Vice-prefeito, e ainda que a Sra. Raquel Endler, empregada da Oficina Mecânica Kerkhoff, figurou como interposta pessoa no intuito de simular a legalidade da alienação.

2. Dar ciência do Acórdão, do Relatório Técnico aos representantes, ao Sr. Erno Menzel, ao Sr. Luciano Franz, ao Sr. Jorge Luiz Hillebrand, ao Sr. Cláudio Dross, ao Sr. Iloi kerkhoff, à Assessoria Jurídica e ao Responsável pelo Controle Interno da Prefeiutra Municipal de Cunhataí.

 

A Secretaria Geral do TCE/SC encaminhou Ofícios (fls. 404-408) endereçados aos responsáveis, dando-lhes conhecimento do julgamento a ser realizado. Os Avisos de Recebimentos retornaram assinados às fls. 409-410.

O Egrégio Tribunal Pleno, em Sessão realizada em 09-12-2013, exarou a Decisão nº 4798/2013 (publicada no DOTC-e nº 1409, de 14-02-2014), nos termos seguintes:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Definir a RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, nos termos do art. 15, I, da Lei Complementar n. 202/2000, dos Srs. EVELTON JAIR SCHMITT - Vice-prefeito do Município de Ouro em 2010, CPF n. 016.508.389-13, e ILOI KERKHOFF - membro da comissão municipal permanente de avaliação mobiliária e imobiliária em 2010 e proprietário da empresa Oficina Mecânica Kerkhoff, CPF n. 781.725.609-82, da Sra. RAQUEL ENDLER - arrematante do veículo que foi repassado ao Vice-prefeito, CPF n. 037.218.349-25, e da OFICINA MECÂNICA KERKHOFF, CNPJ n. 02.470.157/0001-06, por intermédio de seus sócios administradores, Sr. Iloi Kerkhoff e Sra. Roseli Adriane Baron Kerkhoff, CPF n. 016.834.219-73.

6.1.1. Determinar a CITAÇÃO dos Responsáveis nominados acima, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, apresentarem com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentarem alegações de defesa acerca do dano ao erário no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), que corresponde à diferença entre o que foi arrecadado pelo município com a alienação do caminhão placas MAJ 2134 pela Sra. Raquel Endler (R$ 19.100,00) e o que foi de fato pago pelo Vice-prefeito à época, Sr. Evelton Jair Schmitt, uma semana após o leilão (R$ 2.500,00 para a Oficina Mecânica Kerkhoff e R$ 19.900,00 referentes ao boleto do leilão), demonstrando a ocorrência de simulação de negócio jurídico (Código Civil, art. 167, inciso I), pois o ato negocial foi realizado de fato entre o Município de Cunhataí e o seu Vice-prefeito à época, e, ainda, que a Sra. Raquel Endler, empregada da Oficina Mecânica Kerkhoff, figurou como interposta pessoa no intuito de simular a legalidade da alienação; irregularidade essa ensejadora de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC n. 639/2012, aos Representantes, aos Srs. Erno Menzel, Luciano Franz, Jorge Luiz Hillebrand e Cláudio Dross, à Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Cunhataí e ao responsável pelo Controle Interno daquele Município.

 

A Secretaria Geral enviou os ofícios de fls. 412-423, cientificando os destinatários da decisão. 

O Sr. Evelton Jair Schmitt, Sr. Iloí Kerkhoff, Sra. Raquel Endler, Sra. Roseli Adriane Baron Kerkhoff e a Oficina Mecânica Kerkhoff, devidamente representada, encaminharam seus esclarecimentos e justificativas defensivas (fls. 426-431), bem como os documentos de fls. 432-437.

Foram anexados os documentos de fls. 440-444.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou Relatório nº 154/2014 (fls. 445-453), concluindo por sugerir:

3.1. Julgar regulares, com fundamento no art. 18, I, c/c o art. 19 da Lei complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, instaurada na Prefeitura Municipal de Cunhataí, para verificar supostas irregularidades no Lei nº 01/10 e dar quitação do valor de R$ 2.500,00 aos responsáveis citados na Decisão nº 4798/13, tendo em vista os seguintes motivos relatados no item 2 do presente Relatório;

3.1.1. Não ficou comprovada a simulação; e

3.1.2. Não há vedação ao Vice-Prefeito para firmar ou manter contrato com o Município, conforme artigos 43 e 80 da Lei Orgânica do Município de Cunhataí.

3.2. Determinar o arquivamento dos presentes autos.

Se o Relator não entender desta forma, pode:

3.3. Determinar o sobrestamento dos presentes autos com base no artigo 13 da Lei Complementar Estadual nº 202/00 até o julgamento final da Ação Penal sob nº 0000701-18.2012.8.24.0059 (item 2 do presente Relatório).

3.4. Dar ciência do relatório aos representantes, aos citados e ao responsável pelo Controle Interno da Prefeitura Municipal de Cunhataí.

O Chefe de Divisão da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, discordando do entendimento da Área Técnica da Corte elaborou manifestação divergente, aduzindo:

Diferentemente do proposto pela Instrução entende-se que devem ser julgadas irregulares, com fundamento no art. 18, III, c, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/00, as contas da presente Tomada de Contas Especial, condenando solidariamente os responsáveis Srs. EVELTON JAIR SCHMITT - Vice-prefeito do Município de Ouro em 2010, CPF n. 016.508.389-13, e ILOI KERKHOFF - membro da comissão municipal permanente de avaliação mobiliária e imobiliária em 2010 e proprietário da empresa Oficina Mecânica Kerkhoff, CPF n. 781.725.609-82, da Sra. RAQUEL ENDLER - arrematante do veículo que foi repassado ao Vice-prefeito, CPF n. 037.218.349-25, e OFICINA MECÂNICA KERKHOFF, CNPJ n. 02.470.157/0001-06, por intermédio de seus sócios administradores, Sr. Iloi Kerkhoff e Sra. Roseli Adriane Baron Kerkhoff, CPF n. 016.834.219-73 pelo débito no valor de R$ 2.500,00, que corresponde à diferença entre o que foi arrecadado pelo município com a alienação do caminhão placas MAJ 2134 pela Sra. Raquel Endler (R$ 19.000,00) e o que foi de fato pago pelo Vice-prefeito à época, Sr. Evelton Jair Schmitt, uma semana após o leilão (R$ 2.500,00 para a Oficina Mecânica Kerkhoff e R$ 19.000,00 referentes ao boleto do leilão, sendo também pertinente aplicar aos agentes referidos a multa prevista na Lei Complementar n. 202/00 c/c o art.108, parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal, em face do seguinte:

Em depoimento prestado à Delegacia de Polícia de Cunhataí (fls. 272/273), o Sr. Iloi Kerkhoff, administrador da Revenda de Veículos Kerkhoff e membro da comissão de avaliação - admitiu que, juntamente com sua funcionária Raquel Endler, acumulou o montante de R$ 40.000,00, utilizado a maior parte desse valor para aquisição de bens leiloados pela Prefeitura de Cunhataí.

Mais: Afirmou que após avaliação do bem, em março de 2010, a oficina mecânica Kerkhoff realizara consertos no caminhão vendido posteriormente ao vice-prefeito Sr. Evelton Jair Schmitt.

Por sua vez, a Sra. Raquel Endler, em depoimento prestado no dia 16 de fevereiro de 2010 à Delegacia de Polícia de Cunhataí (termo anexo às fls. 274/275), informou que já trabalhava como Assistente Administrativo na Mecânica Kerkhoff há quatro anos, recebendo cerca de dois salários mínimos.

Informou, ainda, que contribuiu com cerca de R$ 16.000,00, sendo que o Sr. Iloi Kerkhoff contribuiu com cerca de R$ 24.000,00, o qual entrou, nas palavras da depoente, como sócio na compra dos veículos.

Entende-se que no caso dos autos, a Sra. Raquel Endler (empregada do Sr. Iloi Kerkhoff) não poderia participar do leilão realizado pelo Município ou adquirir o bem em comento.

Ora, o Sr. Iloi Kerkhoff integrava a comissão de avaliação dos veículos.

Por certo, o Sr. Iloi Kerkhoff não poderia participar do certame. Há regra expressa indicando que aqueles que participam da comissão de licitação e(ou) de trabalhos prévios à realização do certame licitatório, não podem participar da licitação no artigo 9º da Lei nº 8.666/93:

Art. 9. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários: I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Por conseguinte, sua empregada – portanto Raquel Endler – também não poderia participar da licitação como sócia na compra dos veículos.

Portanto, houve na prática a alienação do veículo caminhão placas MAJ 2134 a membro da comissão especial de avaliação mediante o valor de R$ 19.100,00, sendo que a comissão atribuiu ao veículo o valor de R$ 16.000,00 e verificou-se a reparação do veículo com peças fornecidas e serviços prestados na oficinal de propriedade do Sr. Iloi Kerkhoff sem nova avaliação.

Nesse ponto diverge-se da Instrução por restar evidenciada a simulação de negócio jurídico em que a Sra. Raquel Endler serviu apenas para se efetivar a compra do bem pelo Sr. Iloi Kerkhoff se evadindo da vedação legal a contratação com a Administração e ofendendo os princípios da isonomia e da moralidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1], ao tratar do princípio da moralidade, previsto no art. 3º da Lei de Licitações, comenta que:

“sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.”

Ainda de acordo com os elementos dos autos conclui-se que o veículo em comento foi alienado para, ao fim e ao cabo, ser utilizado pelo Sr. Evelton Jair Schmitt, Vice-Prefeito de Cunhataí, em sua empresa Cunhataí Materiais de Construção Ltda.

Constatou-se que o Sr. Evelton Jair Schmitt, Vice-Prefeito do município de Cunhataí, uma semana após o leilão comprou o caminhão arrematado pela Sra. Raquel Endler, tendo pago o boleto do leilão e repassado a diferença para a empresa Oficina Mecânica Kerkhoff, participando “indiretamente” da licitação, o que contraria o art. 9º da Lei 8.666/93. Na condição de Vice-Prefeito tem acesso a informações privilegiadas, o que ofende o princípio da isonomia entre os participantes e o princípio da moralidade.

Deve ser observado o Prejulgado 174 da Corte:

A vedação de contratar com o Município atinge o Vice-Prefeito desde a sua diplomação exercendo ou não funções administrativas no executivo municipal.

Decidiu o STJ: “participação de empresas em licitação pública, que tem como sócio majoritário o Vice-Prefeito do Município, Secretário de Obras. Lesão aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa (art. 11, da Lei nº 8.429/92)”. (STJ, REsp nº 439280/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.06.2003.) No mesmo sentido, em outra decisão: “Merece subsistir o entendimento da Corte de origem, no sentido de que o contrato entre a Prefeitura Municipal e a empresa da qual o prefeito é sócio, está eivado de ilegalidade, seja em virtude da necessidade de prévia licitação ou em decorrência da inequívoca afronta aos princípios administrativos que sempre devem nortear o Administrador público, notadamente a moralidade e a impessoalidade administrativa”. (STJ, AgRg no Ag nº 597529/PR, Rel. Franciulli Netto, DJ de 21.09.2006; AgRg no AI nº 2004/0045219-2, Rel. Franciulli Netto, DJ de 21.09.2006.) [grifei]

 

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (artigo 31 da Constituição Federal, artigo 113 da Constituição Estadual, artigo 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, artigos 22, 25 e 26, da Resolução TC nº 16/1994 e artigo 8° c/c artigo 6° da Resolução TC nº 6/2001).

 

1.              Do dano ao erário e da simulação do negócio jurídico mediante o uso de interposta pessoa

 

Manifestei-me nestes autos por meio do Parecer MPTC/18.920/2013 (fls. 365-388). Na ocasião, foram expostos os detalhamentos apropriados que embasaram a sugestão pela imputação de débito aos responsáveis. No entanto, acrescerei àquele alguns apontamentos, reiterando o seu teor, em vista da manifestação dos responsáveis e do entendimento exposto pela Diretoria Técnica.

Em relação aos apontamentos de irregularidades, foram apresentadas alegações defensivas nos seguintes termos (fls. 426-431):

Diante da conclusão da relatora através do relatório de fl. 400/403, este órgão definiu a responsabilidade solidária das pessoas inicialmente nominadas, sendo as mesmas citadas para apresentar suas alegações de defesa acerca do dano ao erário no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) que corresponde à diferença entre o que foi arrecadado pelo município com a alienação do caminhão placas MAJ 2134 pela Sra. Raquel Endler (R$ 19.100,00) e o que foi pago pelo Vice-Prefeito à época, Sr. Evelton Jair Schmitt, uma semana após o leilão (R$ 2.500,00 para a Oficina Mecânica Kerkhoff e R$ 19.100,00 referente ao boleto do leilão), demonstrando a ocorrência de simulação de negócio jurídico (Código Civil, art. 167, inciso I), pois o ato negocial foi realizado de fato entre o Município de Cunhataí e o seu vice-prefeito a época, e, ainda, que a Sra. Raquel Endler, empregada da oficina Mecânica Kerkhoff, figurou como interposta pessoa no intuito de simula a ilegalidade da alienação.

Inicialmente, tendo em vista se tratar do mesmo fato, e por economia processual, as alegações de defesa serão feitas por todos os responsáveis em uma única peça.

Pela análise do relatório de fl. 400/403, conclui-se que a douta relatora entendeu que houve prejuízo ao erário da importância de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) diferença entre o valor pago ao município e o valor pago à arrematante pelos Sr. Evelton Jair Schmitt, vice-prefeito na época dos acontecimentos.

Em termos de defesa, os indicados responsáveis, apresentam os seguintes argumentos.

1 – Da participação do Sr. Evelton Jair Schmitt:

Segundo o documento que ora se junta (doc. 01) (certificado do veículo e autorização de transferência), o caminhão/basculante, placas 2134, após arrematado pela Sra. Raquel Endler, foi vendido à empresa CUNHATAI MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA., pessoa jurídica, CNPJ n. 10.743.124/0001-10, em data de 25.11.2010, portanto, muito tempo após a realização do leilão. O Sr. Evelton Jair Schmitt é um dos proprietários da empresa, todavia, agiu em nome desta e não como pessoa física, não sendo, portanto, pare na transação, devendo ser excluído do pólo passivo no presente processo.

2 – Rápida análise dos fatos que envolveram a arrematação e posterior alienação do caminhão/basculante, placas MAJ 2134.

O Município de Cunhataí fez publicar edital de venda de bens do município, cujos bens foram avaliados por uma comissão especial de avaliação composta de seis membros, sendo o Sr. Iloi Kerkhoff, um deles.

No tocante à legalidade do leilão, bem como os passos que se seguiram até a realização do mesmo no dia 11.08.2010, o responsável Erno Menzel, Prefeito Municipal de Cunhataí, bem esclareceu os acontecimentos que envolveram o certame, as cujas alegações nos reportamos.

Pelos documentos constantes dos autos, no dia do leilão, comparecerem 12 concorrentes, sendo um deles desclassificado, restando onze participantes no certame.

A Sra. Raquel Endler, usando dinheiro próprio e da empresa Oficina Mecânica Kerkhoff, arrematou vários bens, dentre eles o caminhão/basculante placas MAJ 2134, pelo valor de R$ 19.100,00 (dezenove mil e cem reais).

Uma semana após o leilão, foi procurada pelo representante da empresa Cunhataí Materiais de Construção Ltda., Sr. Evelton Jari Schmitt, vice-prefeito do município de Cunhataí, que demonstrou interesse na compra do caminhão.

Tendo em vista que havia adquirido o caminhão para negócio, calculou as despesas que teria com a documentação (pois deveria primeiramente transferi-lo para seu nome) e algum lucro, acertou a venda do caminhão à referida empresa, pelo preço de R$ 21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos reais), pagamento que foi feito através de cheques e parte em dinheiro.

Realizado o negócio verbalmente, foi entregue o caminhão à empresa compradora, que passou a usá-lo no transporte de pequenos materiais de construção.

A transferência do veículo do município de Cunhataí para a arrematante deu-se apenas no dia 11.11.2010 (doc. 01) e desta pra a empresa Cunhataí Materiais de Construção Ltda., no dia 25.11.2010 (doc. 01).

2 – Da participação de Empresa, sócio, empregado de membros da comissão de avaliação.

Aqui se pergunta, se o membro da Comissão de Avaliação dos bens levados a leilão, seus sócios ou empregados, poderiam participar ou não do certame.

O Decreto Municipal n. 11, de 20 de janeiro de 2009, de Cunhataí, diz que os serviços não serão remunerados e não prevê qualquer impedimento dos membros para participar de contratação com o município.

Por outro lado, a vedação do artigo 9º da Lei Federal nº 8.666/93, refere-se tão somente a servidores públicos, que não seria o caso do membro da comissão Sr. Iloi Kerkhoff.

Portanto, não se vislumbra ilegalidade na participação da Sra. Raquel Endler como arrematante, na qualidade de empregada da empresa da qual Iloi e sócio, pois ele mesmo não estava impedido de participar do leilão.

3 – Da Inexistência de dano ao erário.

O caminhão/basculante estava avaliado em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) e foi arrematado por R$ 19.100,00 (dezenove mil e cem reais), portanto, com um acréscimo de 19,7%.

Anote-se, ainda, que o bem foi disputado por onze participantes, sendo a proposta de Raquel Endler, vencedora.

Não sendo constatado nenhum prejuízo, não há que se falar em ressarcimento.

4 – Da alegada Simulação do negócio jurídico envolvendo o caminhão/basculante placas MAJ 2134:

O relatório menciona e concorda com o parecer do MPTC (parecer nº 18.920/2013) que afirma: “que houve simulação de negócio jurídico (Código Civil, art. 167, inciso I), pois o ato negocial foi realizado de fato entre o município de Cunhataí e o seu vice-prefeito, o que demonstra que a Sra. Raquel Endler figurou apenas como interposta pessoa no intuito de simular a legalidade da negociação”.

Afirma isto com base nos depoimentos prestados pela Sra. Raquel Endler e pelo Sr. Iloi Kerkhoff.

Data vênia, não podemos concordar com tais argumentos, pois, analisando-se os depoimentos de ditas pessoas, não podemos chegar a tal conclusão.

Iloi Kerkhoff, às fls. 272, afirmou: que o depoente não sabe afirmar com certeza, mas se lembrar de que possivelmente Evelton, comprou o caminhão pagando o Boleto do leilão que foi no valor de R$ 19.100,00 e pagando a diferença de R$ 2.500,00 para a garagem Kerkhoff”.

Ora, Iloi diz não ter certeza, podendo ter acontecido. Seu depoimento deixa dúvida acerca do real pagamento.

Já, a Sra. Raquel Endler, em seu depoimento (fls. 274/275), informa:

“... que o caminhão foi vendido para a firma CUNHATAÍ MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA., pelo valor aproximado de R$ 21.000,00, sendo que o valor foi depositado na conta da Revenda de veículos Kerkhoff; que Evelton, foi até a Revenda de Veículos, pessoalmente, para negociar a compra do caminhão, sendo que pagou parte em dinheiro e parte em cheques”.

Este depoimento foi confirmado por outro, dado junto ao MPSC, na comarca de São Carlos, a Sra. Roseli Adriane Baron Kerkhoff, assim depôs: “... quanto ao caminhão basculante, afirma a declarante que este permaneceu no pátio da Prefeitura Municipal, por cerca de uma semana, até que se procederam os trâmites do pagamento dos bens arrematados; que neste interregno, Iloi, com anuência de Raquel, vendeu o caminhão para Evelton; Que o caminhão foi vendido para Evelton com pouca margem de lucro, pois restou convencionado ente Iloi e ele que o comprador arcaria com os custos de sua reforma; que efetivada a negociação, funcionários da empresa cunhataí Materiais de Construção, pertencente a Evelton e seu irmão Nédio, retiraram o veículo do pátio da Prefeitura” (doc. 03.

Todas as pessoas envolvidas negam a existência de qualquer acordo entre Evelton e Raquel para aquisição do caminhão.

Até mesmo porque, na disputa do certame, houve a participação de onze interessados, descartando-se a possibilidade da existência de qualquer ajuste.

5 – Das considerações finais:

Pelo até aqui exposto e pela análise da prova existente nos autos e documentos que acompanham a presente, constata-se;

A não participação da Oficina Mecânica Kerkhoff na negociação do caminhão/basculante placas MAJ 2134 e que a participação de seu sócio Iloi Kerkhoff e sua funcionária Raquel Endler foi legal, pois desconheciam uma possível proibição e tanto o Edital do Leilão e a Lei Federal 8.666/93, não obstam sua participação no certame.

Da mesma forma, entende-se a participação de Iloi Kerkhoff e Roseli Adriane Baron Kerkhoff que não tiveram qualquer participação no caso.

A inexistência de qualquer ajuste entre Evelton Jari Schmitt e a arrematante Raquel Endler para simular uma venda feito pelo município ao seu vice-prefeito, até pelos seguintes motivos: O caminhão foi vendido para a empresa Cunhataí Materiais de Construção Ltda., de propriedade de Evelton Jair Schmitt e Nédio Schmitt, tendo Evelton participado das negociações como representante da empresa (ver documento n. 01). O valor da aquisição foi maior do que aquele da arrematação. Evelton não pagou nenhum boleto bancário a respeito da transação, tendo pago o preço parte em dinheiro e parte em cheques.

 

A Diretoria entendeu pertinentes as alegações trazidas. Em síntese, colacionou doutrina sobre a definição de negócio simulado; alegou que não houve dano ao erário; sustentou que inexistia, na Lei Orgânica Municipal, a vedação de contratar pelo vice-prefeito e apresentou Prejulgado da Corte de Contas para embasar seu posicionamento. Por fim, requereu o arquivamento dos autos por não restar comprovada a simulação e por inexistir vedação ao vice-prefeito para firmar ou manter contrato com o Município. Subsidiariamente, pediu o seu sobrestamento até o julgamento final da Ação Penal sob nº 0000701-18.2012.8.24.0059.

Discordarei da Diretoria Técnica e acompanharei o entendimento divergente manifestado pelo Chefe da respectiva Divisão. Por entender pertinente sua conclusão, reitero todo seu teor, passando a acrescer-lhe as considerações que seguem.

 

Quanto à vedação de contratação entre o vice-prefeito e o poder público municipal

 

A Diretoria Técnica sustentou a inexistência, pela Lei Orgânica local, da suposta vedação imposta ao vice-prefeito de firmar ou manter contrato com o Município. Não poderia ser mais equivocado esse entendimento.

Primeiro porque os princípios impostos ao administrador público – e mesmo aos particulares que com ele contratam – elencados no caput do art. 37 da CRFB/88 devem ser respeitados, independentemente da existência, ou não, de norma infraconstitucional regulando a matéria.

Dessa feita, a ausência de vedação expressa na Lei Orgânica Municipal não é argumento apto a afastar mandamento imposto diretamente pela própria Constituição. Entender de outra forma resultaria no esvaziamento da força normativa de nossa Lei Maior.

Ressalta-se que, nos Municípios em que tal vedação fora prevista de modo expresso, não houve criação de uma proibição, apenas a positivação de vedação que já decorria dos princípios contidos no art. 37 da CRFB/88.

O Ministro Menezes Direto, ao proferir seu voto quando do julgamento da ADC 12, tratou da força normativa dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição:

Mas eu tenho entendido, e creio que essa é a convergência do Supremo Tribunal Federal, que esses princípios que estão insculpidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal têm uma eficácia própria, eles são dotados de uma força própria, que podem ser imediatamente aplicados. E eu diria até mais: sem um retorno às origens técnicas da diferenciação entre o principio e a norma, que hoje, na perspectiva da Suprema Corte, esses princípios revestem-se da mesma força, tanto isso que, em precedente recentíssimo que julgamos aqui neste Pleno, nós aplicamos um desses princípios com a força efetiva de uma norma constitucional, e, portanto, esse princípio pode, sim, ser aplicado diretamente, independentemente da existência de uma lei formal[2].

Em outra ocasião[3], tratei da possibilidade de caracterização da prática de nepotismo, antes mesmo do advento da Súmula Vinculante n.º 13, tendo por base a força normativa da própria Constituição. Colacionei jurisprudência firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal[4], na qual se assentou a possibilidade/dever de se vedar tal conduta, tendo por base o princípio da moralidade administrativa. O Tribunal decidira que “a vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF”.

Não poderia ser outro o entendimento. Acaso inexista vedação por norma local, autorizado esta ao prefeito e vice-prefeito contratarem com o poder público, da forma que lhes convier? Por certo que não.

Para elucidar melhor a questão, traz-se o posicionamento proferido pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, por meio dos seguintes Prejulgados:

Prejulgado 0403[5]

A Constituição Federal (artigo 37) e a Lei de Licitações e Contratos – Lei Federal n° 8.666/93 (artigo 9°, III), proíbem, por seus dispositivos, as contratações entre o Prefeito e a Municipalidade, e por extensão, a sua participação em processos licitatórios, ainda que não expressa em lei municipal própria.

Esta vedação alcança igualmente a aquisição de bens, por parte da municipalidade, de único estabelecimento existente no Município do qual seja proprietário o Prefeito.

Independentemente do que preceituam as Leis Orgânicas dos Municípios integrantes da AMERIOS, por força do disposto no artigo 29, VII, combinado com o artigo 54, I e II, da Constituição Federal, é vedada a participação em licitação e a onsanguíne realização de obra ou fornecimento de bens e serviços – decorrente de contrato firmado com pessoa jurídica de direito público do Município – pela pessoa física do Vereador ou por empresa da qual seja proprietário, diretor ou que nela exerça função remunerada. [...]

Prejulgado 0174[6]

A vedação de contratar com o Município atinge o Vice-Prefeito desde a sua diplomação exercendo ou não funções administrativas no executivo municipal. [...]

Por fim, ressalta-se que a Lei Federal nº 8.666/93 informa que não poderá participar (direta ou indiretamente) da licitação o servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação (art. 9º, caput, III), estendendo-se tal vedação prefeito e vice-prefeito, tal como proferido no precedente acima citado.

Absurda, portanto, a alegação de que o prefeito e vice-prefeito estaria autorizado a participar do Leilão, com ou sem intermediários.

Diante dos argumentos expostos, entendo superada a questão acerca da impossibilidade de estes contratarem com o poder público municipal.

 

Da existência de simulação por interposta pessoa

 

Os responsáveis sustentaram a inexistência de acordo entre a arrematante e o vice-prefeito, razão pela qual inexistiria simulação do negócio jurídico, entendimento também manifestado pela Diretoria.

Dispõe o Código Civil que haverá simulação nos negócios jurídicos quando, dentre outras hipóteses, estes “aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem” (art. 167, §1º, I).

Na hipótese dos autos, trata-se de uma simulação relativa a uma das partes (no caso, a arrematante Sra. Raquel Endler), a qual serviu como interposta pessoa, encobrindo o verdadeiro beneficiário do negócio firmado (no caso, o vice-prefeito impedido de contratar, Sr. Evelton Jair Schmitt). Pode-se considerar como parte lesada a própria Administração Pública, ante a clara ocorrência de violação aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa, norteadores dos procedimentos licitatórios.

Traz-se a definição dada por Clóvis Beviláqua acerca do tema: 

Diz-se que há simulação quando o ato existe apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar nas relações da vida. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado[7].

Ainda, importante julgado proferido pelo Tribunal de Contas da União[8], acerca da ocorrência de simulação em procedimento licitatório:

[...]

2. O objeto da licitação era a contratação de empresa para a prestação de serviços de publicidade e propaganda.

3. Sagrou-se vencedora do certame a empresa D&P Propaganda Ltda. (atual Buriti Propaganda Ltda.), a qual foi contratada pelo valor de R$ 500.000,00 para o período inicial de 12 meses, prorrogáveis na forma do art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993.

4. Como o Professor Iônio Alves da Silva pertencia ao quadro de pessoal permanente da UFPI e também era sócio da empresa - detentor de 30% do capital social - entendeu-se potencialmente violado o disposto no artigo 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993, bem como o item 5.1 do edital.

[...]

7. O edital foi disponibilizado para os interessados a partir de 26/6/2007. Com a licitação em andamento, em 6/7/2007 e antes da entrega dos documentos de habilitação à Comissão de Licitação, o Sr. Iônio Alves da Silva se retirou da sociedade e foi substituído por sua filha, Camila Freire e Silva.

8. Consoante bem observado pela unidade técnica, são fortes as evidências de que a alteração buscou unicamente afastar o impedimento legal para a participação da empresa no certame: "não há maiores dificuldades para concluirmos que a alteração efetivada no contrato social da empresa D&P Propaganda Ltda. ... teve por objetivo afastar o impedimento tipificado no art. 9º, inciso III, da Lei n. 8.666/93. .... Dessa forma, sabendo da impossibilidade da participação da empresa D&P Propaganda Ltda., em decorrência do fato de possuir em seu quadro acionário servidor da entidade patrocinadora da licitação, providenciou-se a alteração da composição acionária, em flagrante burla ao procedimento licitatório." (grifei)

9. Tanto a empresa quanto o Sr. Iônio Alves da Silva não apresentaram justificativas plausíveis para essa alteração social no decorrer do processo licitatório, de modo a afastar a conclusão da unidade técnica. Assim, pode-se cogitar da prática de simulação, prevista no art. 167 do Código Civil, com o intuito de fraudar certame licitatório.

10. Veja-se, e digo isso apenas por argumentar, que mesmo ao se considerar lícita a alteração do contrato social, não se afastou do impedimento constante do art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993 [...]

Quanto à ausência de provas acerca do acordo firmado, entendo que: a participação de funcionária da oficina de membro da comissão de avaliação; o uso de dinheiro que, na sua maior parte - como informado pelos próprios responsáveis - pertencia ao dono de tal oficina; e a posterior venda ao vice-prefeito, uma semana após a realização do leilão, são provas mais que suficientes da ocorrência de simulação do negócio por uso de interposta pessoa.

Ou acaso espera-se como prova uma declaração expressa das partes? O objetivo de dissimular um contrato é, justamente, não deixar transparecer aquilo que de fato ele representa. 

Nesse sentido, já decidiu o TJMG:

ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA - CANCELAMENTO DE REGISTRO - SIMULAÇÃO - VÍCIO SOCIAL - INDÍCIOS GRAVES, PRECISOS E CONCORDANTES - PREJUÍZO AOS HERDEIROS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL - SENTENÇA MANTIDA. O ato jurídico é por sua essência a manifestação da vontade que, exercida em sua autonomia, consolida relações de ordem jurídica e produz os efeitos conforme a norma legal atinente à espécie, assim, caso surja em sua formação conflito entre a vontade e a sua declaração há de sobreviver aquela por ser o elemento fundamental do ato jurídico. É anulável o ato jurídico por vício resultante de simulação, realizado com o objetivo de produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. Nos casos de simulação, a prova pode assentar-se em indícios e presunções, dada a dificuldade de se obter prova direta do vício. Indícios e presunções graves, precisos e concordantes entre si, encadeando-se de maneira a permitir um juízo seguro são elementos probantes suficientes para comprovar a ocorrência da simulação e macular o negócio jurídico que justifique a sua anulação[9].

Pelo exposto, entendo caracterizada a prática de simulação de negócio jurídico, por uso de interposta pessoa, nos termos do art. 167, §1º, I, do Código Civil.

 

Da impossibilidade de membro da Comissão de Avaliação participar do certame

 

Novamente, a inexistência de vedação expressa em norma municipal é utilizada como argumento para afastar a restrição. Os responsáveis aduzem ainda que o serviço de avaliação de bens não era remunerado e sustentam que a vedação contida no art. 9º da Lei nº 8.666/93 refere-se tão somente a servidores públicos, não sendo este o caso do membro da comissão Sr. Iloi Kerkhoff.

Quanto ao fato de existir ou não remuneração, esta pouco importa para a solução do feito.

Quanto à inexistência de vedação, mostra-se novamente equivocado o entendimento.

A Lei nº 8.666/93 dispõe:

Art. 9o  Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

§ 1o  É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.

§ 2o  O disposto neste artigo não impede a licitação ou contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.

§ 3o  Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.

§ 4o  O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.

Em que pese tratar a lei somente das contratações de obras e serviços, por certo que a vedação em análise se estende às compras e alienações. Afinal, o fundamento da proibição é o mesmo: garantir a igualdade e moralidade do certame.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho explica:

[...] Não há diferença entre as hipóteses de obras e serviços e as demais. O mesmo risco de condutas inadequadas, apontado a propósito de contratos de obras e serviços, verifica-se quando o contrato versar sobre compra ou alienação. Em suma, não teria sentido proibir apenas a participação do servidor ou dirigente nas hipóteses de obra e serviço. Não há fundamento para estabelecer tratamento distinto para situações essencialmente idênticas.

Daí a conclusão de que o princípio da moralidade exige afastar-se objetivamente o risco de comprometimento da seriedade da licitação da probidade na execução do contrato. Daí deriva a aplicação do disposto no art. 9º também a contratos cujo objeto não seja nem obra nem serviço.[10]

 

Aduz ainda:

 

As vedações do art. 9º retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade de dano é suficiente para que a lei se acautele [...] O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro[11]

Não é admissível considerar que a participação, direta ou indireta, de membro da comissão de avaliação se coadune com a isonomia que se espera de um certame público.

Deixe-se claro que a quantia utilizada para arrematar os bens proveio tanto da Sra. Raquel Endler (funcionária da Oficina Mecânica Kerkhoff), quanto do Sr. Iloi Kerkhoff (proprietário da oficina e membro da comissão de licitação).

Portanto, nem mesmo de indireta pode-se revestir a participação do Sr. Kerkhoff, visto que parcela significativa do montante utilizado para arrematar os bens adveio deste.

Cabe trazer aos autos o entendimento já manifestado pelo TCU[12]:

11. [...] consoante a jurisprudência desta Corte, as vedações explicitadas nesse dispositivo legal [art. 9º da Lei nº 8.666/93] estão sujeitas a analogia e interpretação extensiva, de forma que, de acordo com os princípios constitucionais que regem a administração pública, podem abranger situações não extraíveis diretamente da norma. Nesse sentido, o disposto no voto condutor do Acórdão 1893/2010-Plenário:

"A interpretação sistemática e analógica do art. 9º, inciso III e §§ 3º e 4º da Lei nº 8.666/1993 legitima elastecer a hipótese de vedação da participação indireta de servidor ou dirigente de órgão e entidade com o prestador dos serviços, sem que tal exegese desvirtue a finalidade da norma legal, a saber: a preservação dos princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da isonomia. ... É impossível que o legislador ordinário preveja, em normas abstratas e genéricas, todas as situações específicas que podem comprometer a lisura de uma licitação pública. Ao contrário do que defende o justificante, é legítimo e imperativo ao magistrado preencher lacuna da lei, de forma a também ser vedada participação indireta do dirigente da entidade contratante que tenha vínculo de parentesco com sócio da empresa prestadora dos serviços licitados" (grifei)

12. Ou seja, ainda tratando desse dispositivo legal, "qualquer situação que não esteja prevista na lei, mas que viole o dever de probidade imposto a todos os agentes públicos ou pessoa investida desta qualidade, deve ser proibida, por ser incompatível com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade." (trecho do voto condutor do Acórdão 1170/2010-Plenário)

13. Especificamente em relação à contratação de parentes de servidores, cito o disposto no voto condutor do Acórdão 607/2011-Plenário:

"mesmo que a Lei nº 8.666, de 1993, não possua dispositivo vedando expressamente a participação de parentes em licitações em que o servidor público atue na condição de autoridade responsável pela homologação do certame, vê-se que foi essa a intenção axiológica do legislador ao estabelecer o art. 9º dessa Lei, em especial nos §§ 3º e 4º, vedando a prática de conflito de interesse nas licitações públicas, ainda mais em casos como o ora apreciado em que se promoveu a contratação de empresa do sobrinho do prefeito mediante convite em que apenas essa empresa compareceu ao certame." (grifei)

14. Tal entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 615432/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 02/06/2005):

"A ratio legis indicia que: "A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do direito processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. ... a comprovação na instância ordinária do relacionamento afetivo público e notório entre a principal sócia da empresa contratada e o prefeito do município licitante, ao menos em tese, indica quebra da impessoalidade, ocasionando também a violação dos princípios da isonomia e da moralidade administrativa, e ao disposto nos arts. 3º e 9º da Lei de Licitações." (grifei)

 

Ante todos os argumentos expostos, entendo que reste esclarecida a vedação da participação, direta ou indireta, de membro da Comissão de Avaliação no certame.

 

Da existência de dano ao erário

 

Aduzem os responsáveis e a Diretoria que o caminhão estava avaliado em R$ 16.000,00 e foi arrematado por R$ 19.100,00, inexistindo, portanto, dano ao erário.

A afirmação acima já fora combatida em parecer exarado anteriormente. Conforme sustentado na ocasião, a avaliação se deu antes das melhorias efetuadas pela municipalidade no bem leiloado. Por tal razão, entendo questionável o valor então atribuído ao bem, visto a comprovação de realização de reparos no veículo após a referida estimativa de preço.

Volto a afirmar que não é possível vislumbrar o lucro no certame, visto que a premissa de que se utiliza a instrução (preço obtido com a avaliação) não foi confirmada como sendo a de fato condizente com o preço de mercado, na medida em que obtido anteriormente às melhorias realizadas no veículo.

Em razão da ausência de uma avaliação atualizada do bem, nas condições em que fora leiloado, não é possível afirmar com certeza qual era o seu valor de mercado.

Diante de tal circunstância, a relatora do feito considerou como dano ao erário a diferença verificada entre o valor da arrematação do bem e o valor de revenda realizado entre o arrematante e o vice-prefeito, posicionamento que entendo não merecer qualquer reparo.

 

Do não sobrestamento do feito

 

Restando caracterizada a ocorrência de dano ao erário, não vejo argumentos que justifiquem o sobrestamento destes autos, impedindo a imediata restituição aos cofres municipais dos valores imputados em débito.

Nesse sentido, traz-se à discussão a ementa proferida nos autos REC 03/05707787 (sessão de 17/03/2008), do Tribunal de Contas catarinense, de Relatoria do Conselheiro Luiz Roberto Herbst:

TRIBUNAL DE CONTAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIVERGÊNCIA. POSSIBILIDADE. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS.

Em face da autonomia das instâncias, o Tribunal de Contas pode divergir de entendimento do Tribunal de Justiça manifestado em processo jurisdicional no qual fora tratada questão análoga à enfrentada nesta Corte.

No mesmo sentido, decisão proferida nos autos REC 07/00531971 (sessão de 14/09/2011), do Tribunal de Contas de Santa Catarina, de Relatoria do Conselheiro Ardicélio de Moraes:

[...]

2) Ação Civil Pública em andamento.

Com relação aos processos de competência do Tribunal de Contas do Estado são, em princípio, autônomos em relação a outros processos referentes ao mesmo fato que tramitem em juízo civil ou criminal, de acordo com o princípio da independência das instâncias. Logo, não são aceitáveis, em princípio, exceções para impedir o prosseguimento do processo.

[...]

Ainda, o mandado de segurança MS 25.880/DF, da lavra do Relator Min. Eros Grau, em que o Pleno, por decisão unânime, proferiu:

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se pela irregularidade da presente Tomada de Contas, com imputação de débito aos responsáveis, nos termos do item 6.1.1 da Decisão proferida pelo Pleno, bem como pela aplicação de multa proporcional ao dano.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2015.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 


 

 



[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ªed. São Paulo: Atlas, 2000. P. 79.

[2] STF. ADC 12/DF. Relator Min. Ayres Britto. Sessão Plenária de 20/08/2008. Excerto de voto proferido à fl. 7.

[3] Processo DEN 13/00353608, Despacho GPDRR/179/2014, tratando de denúncia acerca de atos de prática de nepotismo.

[4] STF, Rcl 6.702-AgR-MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 4-3-2009, Plenário: Ato decisório contrário à Súmula vinculante 13 do STF. Nepotismo. Nomeação para o exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Natureza administrativa do cargo. Vícios no processo de escolha. Votação aberta. Aparente incompatibilidade com a sistemática da CF. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. (...) A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF. O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da administração pública. Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolha por parte da Assembleia Legislativa paranaense.

STF, RE 579.951, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 20-8-2008, Plenário, com repercussão geral: Administração pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. Proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. (...) Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF. Precedentes. Recuro extraordinário conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante de cargo em comissão. (No mesmo sentido: ADI 3.745, rel. min. Dias Toffoli, j. 15-5-2013, Plenário).

[5] CON-TC0082905/70. Relator: Conselheiro Salomão Ribas Junior. Data da Sessão 07/04/1997.

[6] CON-TC002074A/36. Data da Sessão: 21/12/1993

[7] Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, 2. ed. Editoria Rio, 1980

[8] TCU. Plenário. Acórdão 1019/2013. TC 018.621/2009-7, relator Ministro Benjamin Zymler, 24.4.2013

[9] TJMG, 14ª Câmara Cível, Apelação Cível 1.0309.04.004546-5/002(1), rel. Des. Antônio de Pádua, julgado em 29/05/2008.

[10] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 124.

[11] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 120.

[12] TCU. Plenário. Acórdão 1019/2013. TC 018.621/2009-7, relator Ministro Benjamin Zymler, 24.4.2013