PARECER
nº: |
MPTC/31578/2015 |
PROCESSO
nº: |
TCE 10/00053650 |
ORIGEM: |
Fundação de Esportes, Lazer e Eventos de
Joinville |
INTERESSADO: |
|
ASSUNTO: |
Tomada de Contas Especial instaurada pela
Prefeitura Municipal de Joinville, acerca de supostas irregularidades
praticadas na FELEJ no exercício de 2008 - Contrato nº 018/2008 e Pregão nº
011/2008 (material esportivo) |
Trata-se
de Tomada de Contas Especial instaurada pelo Prefeito Municipal de Joinville
para apurar irregularidades no Contrato n. 018/2008, firmado entre a Fundação
de Esportes, Lazer e Eventos de Joiville – FELEJ e a empresa Atacado Comércio
Universo Ltda., para fornecimento de material esportivo.
Após análise da tomada de contas especial remetida,
a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu os Relatórios n. 718/2010 (fls. 124-131) e n. 572/2011
(fls. 239-257).
Os responsáveis, os Senhores Jair Raul da Costa e Sérgio Luiz Silveira,
respectivamente, Diretor Presidente e Diretor Administrativo Financeiro da
Fundação de Esportes, Lazer e Eventos de Joinville - FELEJ, foram citados e
apresentaram suas alegações de defesas (fls. 158-167 e 171-181).
Este
órgão ministerial já se manifestou nos autos por meio do Parecer n. 1485/2011
(fls. 259-264) e nos autos do processo apensado TCE n. 10/00094844 por meio de
parecer n. 1535/2011 (fls. 346-352) nos quais partilha do mesmo entendimento da
área técnica dessa Corte de Contas.
Foi
apensado nos presentes autos o Processo n. TCE 10/00094844, por se tratar de
matéria conexa.
O
Conselheiro Relator, por sua vez, exarou decisão singular (fls. 298-302)
observando que foram citados somente os Srs. Jair Raul da Costa e Sérgio Luiz
Silveira, enquanto na Ação Penal n. 038.09.011842-9 (não transitada em julgado)
foram condenados também os Srs. Ivo Belli e Gilson Flores, sócios e
representantes de fato da empresa Atacado Comércio Universo Ltda.
O
Relator decidiu então por:
1. Definir a responsabilidade individual do Sr. Jair Raul Costa pela
assinatura do Termo Aditivo ao Contrato nº 018/2008-FELEJ, para aquisição de material
esportivo, celebrado com a empresa Atacado e Comércio Universo Ltda., quando o
contrato original já se encontrava extinto há mais de 02 (dois) meses, sem
embasamento legal, sem a devida justificativa e autorização.
2. Definir a responsabilidade solidária dos Srs. Jair Raul da Costa,
Ségio Luiz Silveira, Ivo Belli e Gilson Flores em face da ausência de
liquidação de despesas com aquisição de materiais esportivos, relativos ao
Contrato n. 018/2008, firmado entre a Fundação de Esportes, Lazer e Eventos de
Joinville e a empresa Atacado Comércio Universo Ltda., no exercício de 2008.
3. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios que proceda à
citação dos responsáveis acima identificados.
Sendo
assim, foi realizada a citação dos responsáveis (303-312), que apresentaram
suas alegações de defesa: o Sr. Sérgio Luiz Silveira às fls. 313-322, o Sr.
Jair Raul da Costa às fls. 323-326 e os
Srs. Gilson Flores e Ivo Belli às fls. 376-392.
Analisando
as justificativas apresentadas, a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu
novo relatório de reinstrução (fls. 394-408) tratando das irregularidades que
remanesceram na sua integralidade, ensejando a seguinte proposta de
encaminhamento do julgamento:
3.1. Julgar irregulares,
com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21,
caput, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas
pertinentes à presente Tomada de Contas Especial.
3.2. Condenar o Sr. Jair
Raul da Costa, portador do CPF 418.658.049-91, residente à Rua Canasvieiras, nº
70, bairro Guanabara, CEP 89.207-185, Joinville/SC, o Sr. Sergio Luiz Silveira,
portador do CPF nº 639.440.739-91, residente à Rua Matinhos, nº 47, bairro
Saguaçu, CEP 89.221-530, Joinville/SC, o Sr. Gilson Flores, portador do CPF nº
494.955.699-15, residente à Rua Zózimo de Oliveira, nº 51, bairro Guanabara,
CEP 89.207-436, Sr. Ivo Belli, portador do CPF nº 312.866.829-91, residente à
Rua Barbosa Rodrigues, nº 301, bairro Guanabara, CEP 89.207-180, Joinville/SC,
e a Pessoa Jurídica de Direito Privado, Empresa Atacado e Comércio Universo
Ltda, na pessoa de seu representante legal, Sra. Loraine Cristina Brancher
Belli, sito à Rua Guanabara, nº 332, bairro Guanabara, CEP 89.207-300,
Joinville/SC, ao pagamento do débito abaixo especificado, fixando-lhe o prazo
de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico -
DOTC-e, para comprovar perante o Tribunal de Contas o recolhimento do montante
aos cofres do Município de Joinville, atualizado monetariamente e acrescido de
juros legais, calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do
débito (arts. 40 e 44 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000,
sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal).
3.2.1. Débito de R$
120.000,00 em face da ausência de liquidação de despesas com aquisição de
materiais esportivos , relativos ao Contrato n. 018/2008, firmado entre a
Fundação de Esportes, Lazer e Eventos de Joinville e a empresa Atacado Comércio
Universo Ltda., no exercício de 2008, em desacordo ao disposto nos artigos 62 e
63, §2º, incisos I e III da Lei Federal n.º 4.320/64.
3.3. Aplicar multas ao Sr.
Jair Raul da Costa, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar nº 202, de 15
de dezembro de 2000, c/c o art. 108, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06,
de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou
regulamentares abaixo, fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação
do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de
Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que,
fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial,
observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:
3.3.1. Em face da assinatura
do Termo Aditivo ao Contrato nº 018/2008-FELEJ, para aquisição de material
esportivo, celebrado com a empresa Atacado e Comércio Universo Ltda., quando o
contrato original já se encontrava extinto há mais de 02 (dois) meses, sem
embasamento legal, sem a devida justificativa e autorização, contrariando os
arts. 57, §§2º e 3º, e 65, da Lei Federal nº 8.666/93, art. 37, caput e inciso
XXI da Constituição Federal, e art. 2º da Lei nº 8.666/93.
É o relatório.
Após análise de toda a documentação dos autos e consoante informa
o relatório técnico, foi apontado o débito no valor de R$ 120.000,00, ao Sr. Jair Raul da Costa, Presidente da
Fundação de Esportes, Lazer e Eventos de Joinville - FELEJ e à Empresa
Atacado Comércio e Universo Ltda.,
representada pelo Sr. Gilson Flores e Ivo Belli, em face da ausência de liquidação de despesas com aquisição de
materiais esportivos no montante de R$ 120.000,00, relativas ao Contrato n.
018/2008, em desacordo ao disposto nos artigos 62 e 63, §2º, incisos I e III,
da Lei Federal n.º 4.320/64.
Passo a análise dos argumentos apresentados pelos responsáveis.
1. Preliminares
Preliminarmente, os responsáveis pela empresa Atacado e Comércio
Universo Ltda., Srs. Gilson Flores e Ivo Belli aduzem que:
a)
eles não deveriam estar no polo
passivo da demanda por não ser competência desse Tribunal de Contas apreciar
suposto desvio de verbas públicas, o que caberia ao Judiciário;
b)
em caso de responsabilização da
empresa, o processo deveria ser reinstruído e ser concedido novo prazo de
defesa aos responsáveis acima identificados, em respeito ao princípio à ampla
defesa e ao contraditório.
A
pessoa jurídica de direito privado, ao firmar contrato com o poder público,
está sujeita à jurisdição do Tribunal de Contas, conforme art. 6º da Lei
Complementar n. 202/2000, que assim prescreve:
Art. 6º A
jurisdição do Tribunal abrange:
I —
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie, ou administre dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos
quais o Estado ou o Município respondam, ou que em nome destes, assuma
obrigações de natureza pecuniária;
A
responsabilidade é solidária entre o gestor, o ordenador de despesa e a
empresa. Isto porque, de um lado o gestor e o ordenador de despesa não poderiam
ter, respectivamente, autorizado e efetuado o pagamento sem que houvesse a
liquidação da despesa, e, de outro, a empresa não deveria ter recebido recursos
por um serviço que efetivamente não prestou.
Ainda na linha de pensamento de suas defesas, os responsáveis
afirmam que não poderiam ser responsabilizados tendo em vista que os atos
referentes à liquidação de despesas são de responsabilidade única e exclusiva
dos ordenadores de despesas lotados na Fundação de Esporte, Lazer e Eventos de
Joinville – FELEJ, ou seja, não podem ser responsabilizados por atos
específicos da administração pública.
Ainda que os responsáveis não tenham ordenado a despesa, eles
contribuíram para que a ocorrência do débito, uma vez que não entregaram o
objeto do contrato para o qual receberam o pagamento.
Com efeito, o Plenário do Tribunal de
Contas da União pacificou a discussão sobre a matéria, a partir de Incidente de
Uniformização de Jurisprudência no processo TC n. 006.310/2006-0, conforme
demonstra a ementa do Acórdão n. 2763/2011, de 19/10/2011, in verbis:
TOMADA DE CONTAS
ESPECIAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIVERGÊNCIAS
ENCONTRADAS NO EXAME DE PROCESSOS EM QUE OS DANOS AO ERÁRIO TÊM ORIGEM NAS
TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS DE RECURSOS FEDERAIS A ENTIDADES PRIVADAS. NA HIPOTÉSE EM QUE A PESSOA JURÍDICA DE
DIREITO PRIVADO E SEUS ADMINISTRADORES DEREM CAUSA A DANO AO ERÁRIO NA EXECUÇÃO
DE AVENÇA CELEBRADA COM O PODER PÚBLICO FEDERAL COM VISTAS À REALIZAÇÃO DE UMA
FINALIDADE PÚBLICA, INCIDE SOBRE AMBOS A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO
AO ERÁRIO. ARTIGOS 70, PARÁGRAFO ÚNICO, E 71, INCISO II, DA CF/88.
(GRIFEI).
Nesse sentido, este Ministério Público
de Contas concorda com a responsabilização da pessoa jurídica no presente
processo, impondo-se a obrigação da Empresa
Atacado Comércio e Universo Ltda.,
ressarcir o erário do débito de R$ 120.000,00, em face da ausência de liquidação de despesas com aquisição de materiais
esportivos, relativas ao Contrato n. 018/2008, em desacordo ao disposto nos
artigos 62 e 63, §2º, incisos I e III, da Lei Federal n.º 4.320/64.
Na
mesma linha, a preliminar suscitando ausência do contraditório e da ampla defesa não procede.
Compulsando-se os
autos, observa-se que os responsáveis foram devidamente citados às fls. 310 a
312 e protocolaram a suas defesas às fls. 376 a 392.
O fato de terem sido
identificados como responsáveis no curso do processo não impede que sejam
citados para se manifestarem, como o foi, haja vista que foi aberto prazo para
apresentarem suas alegações de defesa acerca do débito a eles imputado.
Portanto, a
preliminar ventilada pelos responsáveis é improcedente, em razão de ter sido
plenamente observado o princípio da ampla defesa no processo em questão.
2.
Mérito
2.1. Responsabilidade do gestor e do ordenador de despesa
O Sr. Sérgio Luiz Silveira,
Diretor Administrativo e Financeiro da FELEJ, alega em sua defesa ausência de
responsabilidade em razão de não possuir autonomia no cargo em que ocupava,
pois todos os seus atos estavam subordinados às determinações do Presidente,
responsável pelo referido órgão.
De acordo com as afirmações
do Sr. Sérgio, o pagamento foi realizado em 2008 por se tratar de final de
mandato eletivo e de já ter realizado o empenho, para não correr o risco
inerente à Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo em vista que em 2009 não
haveria mais os recursos decorrentes do convênio.
Segundo o §1º do art. 80 do Decreto Lei
n. 200/67 “Ordenador de despesas é toda e qualquer
autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de
pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta
responda”.
Acerca
da responsabilidade do ordenador de despesas, merece transcrição trecho do Voto
do Exmo. Sr. Ministro Walton Alencar Rodrigues que conduziu a Decisão/TCU 661/2002 – Plenário:
O ordenador de
despesas é pessoalmente responsável por todos os atos dos quais resultem
despesas para a União. Deve, por isso, cercar-se de todas as cautelas possíveis
ao autorizar despesas. Não basta aferir a regularidade formal do processo. É
preciso que os elementos formadores do processo tenham sido constituídos de
acordo com as normas que regem a matéria e o princípio da economicidade seja
observado. A afirmação de que apenas
deram sequência a ato já previamente constituído não pode ser acolhida. O
poder/dever de diligência do ordenador de despesas impõe a ele a verificação da
regularidade dos atos de gestão sob todos os aspectos, sobretudo da
adequação do valor do contrato ao seu objeto.
O exame da
regularidade da despesa não se exaure na verificação da adequada formalização
do processo. A demonstração da despesa realizada deve induzir à compreensão de
que a observância das normas que regem a matéria proporcionou o máximo de
benefício com o mínimo de dispêndio (Constituição Federal, art. 70, parágrafo
único e DL 200/67, arts. 90 e 93) (grifou-se).
No mesmo sentido essa Corte de Contas já firmou o seu entendimento,
conforme o Prejulgado n. 1533:
[...]
7. No que
concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa original,
assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados em sua gestão.
8. Em
casos de existência de ato de delegação regular, serão partes nos processos de
prestação e de tomada de contas, de auditoria e outros de competência desta
Corte, somente os ordenadores de despesa delegados.
9. Serão
solidariamente responsáveis, e com isso também partes jurisdicionadas nos
mesmos expedientes, os agentes delegantes, nos casos de delegação com reserva
de poderes ou de comprovada participação na realização de atos dos quais
provenham conseqüências antijurídicas ou mesmo em razão de culpa pela má
escolha da autoridade delegada.
A responsabilidade, portanto, é atribuída ao ordenador da despesa,
no caso o Sr. Sérgio Luiz Silveira, por ter realizado o pagamento de despesa
não liquidada.
Conforme dispõe o inciso III do art. 1º da
Lei Complementar n. 202/2000, uma das competências conferidas ao Tribunal de
Contas é julgar as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da
administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município.
Em função do cargo ocupado e da sua
atribuição para ordenar despesas, o Sr. Sérgio Luiz
Silveira se amoldava
Art.
133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de
atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada
aos responsáveis ou interessados ampla defesa.
§
1º. Para efeito do disposto no caput,
considera-se:
a)
responsável aquele que figure no
processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou
administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou
o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza
pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário [grifei].
Em sua defesa o Sr. Jair
Raul da Costa, Diretor Presidente da FELEJ, afirma em suma que realizou o
pagamento da despesa em questão para honrar os compromissos de sua gestão,
alega ainda que a cláusula 9ª do contrato autorizava possíveis modificações necessárias
à perfeita execução do contrato e para tutelar o interesse público.
A alegação de que havia dever
de honrar os compromissos assumidos na gestão que encerrava é infundada, uma
vez que o pagamento efetivado à empresa Atacado e Comércio Universo Ltda.
ocorreu sem haver a efetiva liquidação das despesas.
Importante destacar a
cláusula 5.1 que previa o prazo de 60 dias para a vigência do contrato da
seguinte forma:
CLÁUSULA 5.1 - ESTE CONTRATO TERÁ VIGÊNCIA DE 60 (SESSENTA) DIAS A PARTIR
DA DATA DE SUA ASSINATURA, PODENDO SER PRORROGADO, A CRITÉRIO DO MUNICÍPIO, DE
ACORDO COM O FIXADO NO ART. 57 DA LEI Nº 9.666/93. A VIGÊNCIA DO CONTRATO ESTÁ ADSTRITA A DO RESPECTIVO CRÉDITO
ORÇAMENTÁRIO.
No entanto, o contrato foi assinado em 10/7/2008 e em 26/11/2008 foi
firmado o dito Termo Aditivo, ou seja, após a validade do contrato expirar. Sendo assim, não há como considerar as justificativas apresentadas
pelo Sr. Jair Raul da Costa.
2.2. Dano causado ao erário
Quanto às justificativas apresentadas pelos
responsáveis Sérgio e Jair, de que não foram beneficiados financeiramente
e que não houve prejuízo ao erário, não merecem prosperar, considerando que foi
devidamente comprovado o pagamento de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil),
conforme cheque às fls. 19, sem a entrega do material. Portanto, não restam
dúvidas quanto ao dano causado ao erário.
As alegações de defesa dos Srs.
Gilson Flores e Ivo Belli consistem em afirmar que não houve superfaturamento por
parte da empresa uma vez que o objeto do contrato foi entregue, aduzem ainda que:
os materiais (bolas e redes)
somente não foram entregues no prazo que alude a cláusula quinta do termo do
Contrato n. 018/2008-FELEJ, por motivos de força maior, tais como: a ausência
da ordem de empenho para o pagamento por parte da Prefeitura de Joinville-SC
(emitidas pelo subempenho – 22.12.08 e 29.12.08); demora na fabricação de redes
que são manufaturadas; problemas com as enchentes que atingiram o Estado de
Santa Catarina nos meses de outubro a novembro de 2008, em especial na região
do vale do Itajaí, onde situa-se a empresa Rede Sport.
O Contrato
n. 018/2008 foi firmado em 10/07/2008 e as cláusulas 4.2 e 5.3, previam,
respectivamente, como seriam o pagamento e a entrega do objeto do contrato,
nesses termos:
CLÁUSULA 4.2 – O PAGAMENTO SERÁ EFETUADO 30 (TRINTA) DIAS
APÓS A ENTREGA DOS MATERIAIS E APRESENTAÇÃO DA NOTA FISCAL NA UNIDADE DE
CONTABILIDADE GERAL.
CLÁUSULA 5.3 – O OBJETO LICITADO DEVERÁ SER ENTREGUE NUMA
ÚNICA VEZ, NO PRAZO DE 30 DIAS CONTADOS DA DATA DE RECEBIMENTO DA AUTORIZAÇÃO
DE FORNECIMENTO.
Conforme já exposto
anteriormente, o prazo de vigência do
contato era de 60 dias. O pagamento ocorreu em 29 de dezembro de 2008 e, conforme
a Cláusula 4.2, o pagamento só deveria ser realizado 30 dias após a entrega do
material, o que nunca ocorreu, ou seja, devidamente está caracterizado o dano
ao erário.
2.3. Ausência de má-fé
Outra justificativa trazida
pelos responsáveis é de que não houve má-fé dos agentes na conduta reputada
como irregular.
Não obstante o vasto
campo de atuação da boa-fé, necessário se faz traçar uma distinção entre os
institutos da boa-fé objetiva e da boa-fé subjetiva, ainda que de maneira
sumária.
Quando afirmamos que não
houve má-fé do agente, referimo-nos, via de regra, ao dolo, ao específico
propósito de agir, à intenção do agente na prática de determinado ato. Tal
situação é conceituada, doutrinariamente, como boa-fé pela doutrina como boa-fé subjetiva, uma vez que intrinsicamente
ligada ao sujeito, ao agente e seu voluntarismo, sua decisão interna. É
justamente ela que se opõe à má-fé, como vontade deliberada de agir.
Em contraponto, a boa-fé objetiva trata de uma conduta
esperada de determinado agente, um conjunto de normas de conduta que devem ser
seguidas e respeitadas pelas partes. Essa interpretação ganhou consistência com
o advento do Código Civil de 2002, e tem merecido abrigo também no campo do
Direito Administrativo, como bem demonstra análise do tema na jurisprudência do
Tribunal de Contas da União.
Neste sentido, é didática
a lição do Ministro José Múcio Monteiro, propugnada em seu relatório, no
Acórdão TCU 1537/2014, in verbis:
101. Análise: cumpre
mencionar que uma das alegações mais frequentes dos responsáveis é a de terem
atuado de boa-fé. Na maioria das
oportunidades em que se invoca esse instituto, percebe-se que os responsáveis
referem-se à boa-fé subjetiva, relacionada ao estado mental no momento em
que agiram, isto é, ao propósito presente na conduta [grifei].
102. Neste caso não foi diferente, tanto que invocam a
tese de que o TCU optou pelo exame da boa-fé na perspectiva subjetiva.
103. Todavia, com as devidas vênias, é preciso esclarecer que se tem fortalecido
no Tribunal de Contas da União a corrente que defende o exame da conduta dos
agentes à luz da boa-fé objetiva [grifei].
104. Com o advento do atual Código Civil, essa doutrina
ganhou vigor no ordenamento jurídico pátrio, inclusive no TCU. A boa-fé objetiva não perscruta o estado de
consciência do agente no momento da ação, como faz a boa-fé subjetiva. Ou seja, o que importa não é a intenção,
mas a adequação da conduta a um padrão esperado. Em recente assentada do
Plenário, o Relator, Exmº Ministro José Múcio Monteiro, deixou consignado em seu
voto condutor do Acórdão 2072/2012 – Primeira Câmara a sua adesão à corrente
defensora da aplicação do instituto da boa-fé objetiva nos processos da Corte
de Contas Federal, a saber:
‘Finalmente,
deve ser dito que a boa-fé a ser levada em consideração nos processos de
controle externo é a boa-fé objetiva,
consistente na atuação conforme um padrão de conduta aceito como adequado e
recomendável pelo meio social onde inserido o agente e não na boa-fé subjetiva,
que consiste na convicção pessoal de estar agindo de
acordo com as normas de conduta socialmente aceitas. Dessa forma, não se pode
considerar como amparadas pela boa-fé condutas, tais como as assumidas pelos
responsáveis, de assinar documentos em branco.’ [grifei]
105. Outrossim, o voto guia do Acórdão 776/2012 –
Plenário, do mesmo modo, corrobora a informação acerca da disseminação do
entendimento de que a atuação dos agentes públicos deve ser examinada pelo TCU
sob o prisma da boa-fé objetiva, como se pode observar abaixo:
‘19.6.
Quanto às alegações de boa-fé elaboradas pelos responsáveis, cumpre transcrever
trecho do Relatório do Acórdão 1412/2008 - 2ª Câmara, que trata da questão de
maneira cristalina:
Compulsando
a jurisprudência do TCU, constatei que a boa-fé tem sido enfocada sob uma ótica
essencialmente subjetiva, que a percebe como a convicção do agente público que
acredita estar agindo de acordo com a lei ou que a associa à ideia de
ignorância ou crença errônea acerca de uma situação regular. Essa boa-fé, dita
presumida, com origens no direito romano e no direito canônico, teria, assim,
como bem assinala Marcus Cláudio Acquaviva [in Dicionário Jurídico Brasileiro,
7ª ed., São Paulo, Jurídica Brasileira, 1995], conotação `contrária à fraude e
ao dolo'.
Entretanto, pelas razões que passo a aduzir,
acredito não ser esse o melhor prisma para se examinar a boa-fé no âmbito das
Cortes de Contas, qual seja, como estado contraposto ao dolo, sendo este a
simples expressão da má-fé. Isso porque tal entendimento levaria à errônea
conclusão de que a não-configuração de má-fé implica, necessariamente, a
existência de boa-fé.
(...)
A noção
clássica de boa-fé subjetiva vem cedendo espaço à sua face objetiva, oriunda do
direito e da cultura germânica, e que leva em consideração a prática efetiva e
as consequências de determinado ato à luz de um modelo de conduta social,
adotada por um homem leal, cauteloso e diligente, em lugar de indagar-se
simplesmente sobre a intenção daquele que efetivamente o praticou.
Devemos,
assim, examinar, num primeiro momento, diante de um caso concreto e nas
condições em que o agente atuou, qual o cuidado exigível de uma pessoa prudente
e de discernimento. Assim o fazendo, encontraremos o cuidado objetivo
necessário, fundado na previsibilidade objetiva. Devemos, a seguir, comparar esse
cuidado genérico com a conduta do agente, intentando saber se a conduta imposta
pelo dever genérico de cuidado harmoniza-se com o comportamento desse agente. A
resposta negativa leva à reprovabilidade da sua conduta, à culpa e, enfim, à
não caracterização da boa-fé objetiva.
(...)
Ouso
concluir que analisar a chamada boa-fé subjetiva é, mutatis mutandis, investigar a existência de dolo e, em
consequência, a má-fé. Entretanto, a não comprovação da má-fé, dando ensejo à
configuração da boa-fé subjetiva, não implica, necessariamente, a existência de
boa-fé objetiva, vinculada esta à ausência de culpa, e não de dolo, como ocorre
com aquela. Vale frisar que a boa-fé objetiva e a culpa estão, na verdade,
associadas a uma compreensão mediana, isto é, do homem médio - prudente e
diligente -, e a descaracterização de uma significa a constatação da outra.
A
boa-fé, sob esse novo enfoque, deixa de ser simplesmente presumida, vez que a
conduta, a partir de então, deverá ser objetivamente analisada. Não se pode
perder de perspectiva que o agente exterioriza, em si, o dolo, ao passo que a
culpa, em sentido estrito, deve ser atestada, comprovada e fundamentada pelo
intérprete, não se admitindo presunção quanto à sua inexistência.'
25.
[...] a `boa-fé deverá ser reconhecida pelo E. TCU, ou seja, não há de se falar
em sua presunção, mas de algum elemento fático que a justifique'. Nesse
sentido, a assinatura de termos aditivos ao contrato com evidente ofensa ao §
1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993, sem amparo legal, não permite concluir pela
boa-fé da recorrente.
19.7. No
caso presente, pode-se afirmar que a contratação de produtos com flagrante
sobrepreço não permite concluir pela boa-fé dos responsáveis.’
106. Podem-se citar outros dois julgados recentes que
aplicam a boa-fé objetiva na análise da conduta dos agentes: Acórdão 2523/2012 - Segunda Câmara; Acórdão 2184/2012 -
Primeira Câmara. Em contraposição, verifica-se que os precedentes
trazidos pelos recorrentes são mais antigos.
107. Voltando ao caso em apreço, sob a perspectiva da
boa-fé objetiva, pode-se inferir que a conduta dos recorrentes não correspondeu
à conduta que se esperaria do agente público padrão.
Como elucidativamente
demonstrado, não há que se falar em má-fé, no sentido de dolo, ao analisar a
conduta de um agente público a quem se aplicam direitos e deveres funcionais,
dentre os quais destacam-se o dever de agir; de probidade, de eficiência e de
prestar contas.
Assim ensina o douto
Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Rocha
Furtado[1]:
Os poderes ou prerrogativas outorgados pelo
ordenamento jurídico aos administradores públicos estão vinculados ao seu
efetivo exercício. Vale dizer: as prerrogativas públicas não estão à disposição
dos administradores para serem utilizadas conforme juízo de conveniência; as
prerrogativas públicas devem ser utilizadas para realização do fim público que
justificou a outorga da competência administrativa. Em outras palavras, isto
importa em que toda prerrogativa está vinculada a um fim público, conforme
definido na regra de competência outorgada pela lei ao administrador público.
Não é possível, portanto, separar o exercício das
prerrogativas públicas das obrigações impostas aos administradores para o
efetivo exercício dessas prerrogativas. Todo
poder administrativo pressupõe, portanto, a existência do respectivo dever
administrativo. Nesse sentido, merecem destaque as palavras de Hely Lopes
Meirelles: “se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o
administrador público é uma obrigação de atuar, desde que apresente o ensejo de
exercitá-lo em benefício da sociedade”. [grifei]
Por conseguinte, não cabe
no presente caso a discussão acerca da má-fé enquanto dolo, como intenção
deliberada do agente. Ao administrador público exige-se uma determinada
conduta, a boa-fé objetiva, em cumprindo aos seus deveres estabelecidos em lei,
aos quais verifica-se, em face de tudo o que foi consignado, a carência do
efetivo cumprimento.
Ante o exposto, o
1) pela IRREGULARIDADE da presente Tomada de Contas Especial, na forma do
art. 18, III, c, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000;
2) pela IMPUTAÇÃO DE
DÉBITO aos responsáveis nominados no item 3.2 da conclusão do relatório
técnico, ao ressarcimento do valor de R$ 120.000,00, acrescidos dos juros
legais, calculados a partir da data do fato gerador, em razão do pagamento de
material não entregue, conforme descrito no item 3.2.1 da conclusão do mesmo
relatório de instrução;
3) pela APLICAÇÃO
DE MULTAS ao Sr. Jair Raul, com fulcro no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000,
conforme descrito no item 3.3 da conclusão do relatório de instrução.
Florianópolis,
8 de maio de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora