PARECER nº: |
MPTC/33672/2015 |
PROCESSO nº: |
REC
13/00763415 |
ORIGEM : |
Companhia
de Urbanização de Blumenau - URB |
INTERESSADO: |
Celio
Dias |
ASSUNTO : |
Recurso de Reconsideração da decisão
exarada no processo nº PCA- 10/00347645 - Prestação de Contas Anual de Unidade
Gestora referente ao exercício de 2009. |
1 - RELATÓRIO
Trata-se de Recurso de Reconsideração
interposto pelo Sr. Célio Dias, presidente da Companhia de Urbanização de
Blumenau – URB, em face do Acórdão nº 901/2013, exarado no processo nº PCA-10/00347645.
O acórdão foi publicado em
18-9-2013.[1]
O Sr. Célio Dias, no dia
16-10-2013, solicitou prorrogação de prazo para a interposição do recurso.[2]
A solicitação de dilação de prazo
foi indeferida.[3]
O responsável efetuou novo pedido
de prorrogação de prazo às fls. 173/174, deferido em decisão interlocutória
manuscrita, em 5-11-2013.[4]
O Sr. Célio Dias interpôs Recurso
de Reconsideração, em 4-12-2013.[5]
Auditores da Diretoria de
Recursos e Reexames – DRR sugeriram o não conhecimento do recurso, vez que
intempestivo.[6]
Em caso de afastamento da
intempestividade, sugeriram manter incólume o Acórdão nº 901/2013.[7]
Por fim, vieram-me os autos.
2 – ADMISSIBILIDADE
O Acórdão recorrido foi publicado
no Diário Oficial Eletrônico do TCE/SC em 18-9-2013,[8]
e o recurso de reconsideração interposto em 4-12-2013,[9]
portanto, fora do prazo de trinta dias após a publicação exigido pelo art. 77
da Lei Complementar nº 202/2000.
O Sr. Célio Dias protocolou
pedido de prorrogação de prazo no dia 16-10-2013.[10]
A prorrogação foi indeferida.[11]
Inconformado com a decisão, o
responsável formulou novo pedido de prorrogação em 30-10-2013,[12]
desta vez, deferido mediante decisão interlocutória manuscrita em 5-11-2013.[13]
Não obstante isso, importa
consignar que nem o pedido de prorrogação de prazo nem a decisão interlocutória
por meio da qual foi procedida prorrogação encontram fundamento no ordenamento
jurídico.
A preclusão processual homenageia
o princípio da segurança jurídica como corolário do Estado Democrático de
Direito e consectário do devido processo legal. Assegura, ainda, o bom
andamento processual, conferindo sequência lógica ao procedimento, tudo de modo
a tutelar a boa-fé e a economia processual.
A preclusão inibe o exercício
abusivo das faculdades processuais e obriga partes e julgadores.
Assim como a parte está impedida
de interpor recurso fora do prazo, ao julgador também não é dado rever decisões
a qualquer tempo e decidir a par das disposições legais.
No caso ora examinado, com a
devida vênia, a prorrogação de prazo não possui previsão legal e não poderia
ter sido concedida por decisão do presidente da Corte de Contas, sob pena de
atuação como legislador positivo em clara violação à técnica da repartição das
funções estatais.
Ademais, a motivação das decisões
é dever que a Constituição Estadual previu de forma expressa para os atos do
processo administrativo.[14]
A decisão de fl. 173 carece de
fundamentação e defere pleito defeso em lei; logo, é decisão nula, sem que dela
decorram efeitos jurídicos.
É a motivação que permite o
controle de legalidade dos atos administrativos. A decisão desprovida de
motivação viola o devido processo legal administrativo e obsta a efetivação do
contraditório e da ampla defesa.
Por outro lado, não há como
atribuir eficácia ao recurso, ato processual praticado a destempo, pois os
efeitos da preclusão temporal impedem seu conhecimento.
Vive-se um momento de completo
descrédito nas instituições estatais e na força normativa e vinculante do
ordenamento jurídico.
Assim, decisões sem amparo constitucional
ou legal apenas contribuem para o reforço do sentimento popular de que a lei
está apenas formalizada, mas na prática não obriga.
E mais, decidir a par das
disposições legais reforça a reprovável ideia de que a lei não vincula a todos
e pode ser acolhida ou afastada pontualmente, em clara ofensa ao princípio da
impessoalidade.
É dever do aplicador do direito,
notadamente dos julgadores, vincularem-se ao ordenamento jurídico, cientes de
que a ele estão obrigados, comprometendo-se a realizar os valores
constitucionais e legais diuturnamente e rechaçar toda sorte de atuação
arbitrária.
O art. 77 da Lei Complementar nº
202/2000, ao estabelecer que o prazo para a interposição do recurso de reconsideração
é de 30 dias, contados da publicação da decisão no Diário Oficial Eletrônico do
Tribunal de Contas, não excepciona essa regra e não autoriza a prorrogação do
prazo por decisão de quem quer que seja.
A preclusão temporal é necessária
ao escorreito curso do procedimento e à tutela da segurança jurídica, tudo para
assegurar que as relações jurídicas não restem incertas por prazo
indeterminado.
A preclusão é garantia do órgão
de controle externo e dos próprios jurisdicionados, na medida em que também alcança
a dimensão subjetiva da segurança jurídica, entendida como princípio da
proteção à confiança.
A segurança jurídica é princípio
constitucional que decorre da definição do Estado Democrático de Direito, e que
deve ser prestigiada; seu excepcional afastamento somente se justifica, de
forma expressa, pela ponderação de outros valores constitucionais
potencialmente conflitantes no caso concreto.
Guilherme Camargos Quintela,
citando Humberto Ávila, compreende a segurança jurídica como elemento de
definição do próprio direito: [15]
Nesse
sentido, a segurança pode ser apreendida como um elemento definitório do
próprio Direito, uma condição estrutural de qualquer ordenamento jurídico, como
assevera Humberto Ávila. Isso quer dizer que um ordenamento jurídico despido de
certeza não poderá ser sequer considerado ‘jurídico’: a segurança jurídica é
uma noção inerente à própria ideia de Direito.
A invocação do art. 5º, XXXIV, da
Constituição, no pedido de prorrogação de prazo de fls. 173/174,[16]
não se presta a afastar a segurança jurídica.
O direito de petição não é absoluto ou
ilimitado, pois o seu exercício depende da observância de outros direitos e
valores também de índole constitucional, como o devido processo legal, a
segurança jurídica e o princípio da legalidade.
Portanto, o não conhecimento do recurso manejado
a destempo homenageia o princípio da segurança jurídica, corolário do Estado
Democrático de Direito, e reforça a estabilidade das decisões das Cortes de
Contas.
A respeito, importa colacionar excerto de
parecer da lavra do Dr. Júlio Marcelo de Oliveira, Exmo. Procurador do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, acolhido pelo Acórdão
nº 1045/2013 daquela Corte:[17]
O Ministério Público não ignora que o conceito de fato novo deve
ter alcance mais elástico do que a definição do Código de Processo Civil, em
face do princípio do formalismo moderado e da busca da verdade material.
Entretanto, formalismo moderado representa o respeito a, ao menos, algumas
formalidades, inerentes à organização procedimental em busca da tutela do
princípio da segurança jurídica. É dizer, formalismo moderado não pode
significar um completo afastamento das regras processuais, imprescindíveis em
um Estado Democrático de Direito.
Existem requisitos de admissibilidade previstos na Lei Orgânica
deste Tribunal, os quais precisam ser fielmente respeitados, razão pela qual a
apresentação de documentos e argumentos sem qualquer critério não pode servir
para o conhecimento de recurso intempestivo.
Não se pode olvidar que os prazos para interposição de recursos
são peremptórios, e não dilatórios, razão pela qual as regras que estabelecem
flexibilização destes prazos são excepcionais,
sendo cediço que a hermenêutica jurídica estabelece que estas regras devam ser
interpretadas restritivamente.
Destarte, com as vênias de estilo à unidade técnica (fls. 89/90,
anexo 2), o Ministério Público entende que o recurso de reconsideração não deve
ser conhecido por este Tribunal, por ser intempestivo e não apresentar fatos
novos supervenientes. (Grifei)
A matéria foi objeto de decisão recente do
Supremo Tribunal Federal:[18]
AGRAVO
REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. TOMADA
DE CONTAS ESPECIAL. RECURSOS INTEMPESTIVOS. NÃO OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE
DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PETIÇÃO. O entendimento deste
Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o direito de petição e as
garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal não são
absolutos e seu exercício se perfaz nos termos das normas processuais que regem
a matéria, em conformidade com o que dispõem as normas instrumentais, in
casu, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei 8.443/92) e o
Regimento Interno do TCU (RITCU). Agravo regimental conhecido e não provido.
(Grifo acrescido)
E mais:[19]
AGRAVO
REGIMENTAL EM AÇÃO CAUTELAR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO
RETIDO NA ORIGEM. ART. 542, § 3º, DO CPC. PROCESSAMENTO IMEDIATO. 1. As
garantias constitucionais do acesso ao Poder Judiciário e da ampla defesa,
insculpidas nos incisos XXXV e LV do art. 5º da Carta Política, não eximem as
partes de observar os pressupostos de admissibilidade, extrínsecos ou
intrínsecos, exigidos para cada recurso, o que em absoluto implica excesso de
formalismo, cerceamento de defesa ou negativa de acesso à jurisdição, por
se tratarem de exigências contidas na legislação processual vigente,
constituindo, a sua observância, verdadeira imposição do devido processo legal
(art. 5º, LIV, da CF). (Grifei)
Os princípios do contraditório e da ampla
defesa, assim como o direito de petição, não são absolutos, não atuam como
cláusulas autorizadoras do conhecimento de recursos intempestivos e não devem
ser invocados de forma contrária à Legislação de regência, no caso a Lei
Complementar estadual nº 202/2000 e o Regimento Interno do Tribunal de Contas
de Santa Catarina.
Além disso, a matéria arguida em sede recursal
é estranha às excepcionais hipóteses de admissibilidade de recurso extemporâneo
previstas no art. 135, § 1º, da Resolução nº TC-6/2001.
Por conseguinte, por não corroborar com o
entendimento de dilação de prazo recursal sem previsão legal ou sem ponderação
fundamentada de valores constitucionais potencialmente conflitantes, opino pelo
não conhecimento do recurso, em face do não atendimento do requisito da
tempestividade.
3 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei
Complementar nº 202/2000, opina pelo NÃO CONHECIMENTO do RECURSO de RECONSIDERAÇÃO, considerando o não
preenchimento do requisito da tempestividade previsto no art. 77 da Lei
Complementar nº 202/2000.
Florianópolis, 20 de maio de 2015.
ADERSON
FLORES
Procurador
[1] Fl. 2.
[2] Fl. 169 do PCA nº 10/00347645.
[3] Fls. 169 e 170/171 do PCA nº 10/00347645.
[4] Fl. 173 do PCA nº 10/00347645.
[5] Fl. 3.
[6] Fls. 68/80.
[7] Fls. 68/80.
[8] Fl. 2.
[9] Fl. 3.
[10] Fl. 169 do PCA nº 10/00347645.
[11] Fls. 169 e 170/171 do PCA nº 10/00347645.
[12] Fls. 173/174 do PCA nº 10/00347645.
[13] Fl. 173 do PCA nº 10/00347645.
[14] Art. 16, §5º. Constituição do Estado de
Santa Catarina. No processo administrativo, qualquer que seja o objeto ou o
procedimento, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, o
contraditório, a defesa ampla e o despacho ou decisão motivados.
[15] Quintela, Guilherme Camargos. Segurança jurídica
e proteção da confiança: a justiça prospectiva na estabilização das
expectativas no direito tributário brasileiro. / Guilherme Camargos Quintela;
prefácio de Misabel Abreu Machado Derzi. – Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 30.
[16] Processo nº PCA nº 10/00347645.
[17] Acórdão nº 1045/2013 – TCU
– 2ª Câmara, Processo nº TC 016.873/2002-8, Relator Ministro Raimundo Carneiro.
Data da sessão 12-3-2013. Disponível em:
<https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces>.
Acesso em: 9-4-2015.
[18] AgR no MS 28156/DF, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
2-9-2014. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MS%24%2ESCLA%2E+E+28156%2ENUME%2E%29+OU+%28MS%2EACMS%2E+ADJ2+28156%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/aqedz9h>.
Acesso em: 10-4-2015.
[19] AgR em AC 3189/DF, STF, 1ª Turma, Rel. Min.
Rosa Weber, julgado em 25-9-1012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AC%24%2ESCLA%2E+E+3189%2ENUME%2E%29+OU+%28AC%2EACMS%2E+ADJ2+3189%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bbxmu2f>.
Acesso em: 10-4-2015.